domingo, 24 de maio de 2015

O absurdo mercado de trabalho do "Coração do Mundo"


É verdade que o mercado de trabalho é injusto em qualquer lugar, seja em Bangladesh ou na Grã-Bretanha, ainda que em países como Suíça e nas nações escandinavas hajam medidas para assegurar emprego para pessoas que não são dotadas de status quo e por isso sofrem dificuldades.

O Brasil, que o "espiritismo" jura estar destinado à promoção como "nação redentora", como o pretenso "Coração do Mundo" a comandar a humanidade futura, o mercado não só segue a cartilha dos países capitalistas, mesmo os considerados bastante desenvolvidos, como é vítima de uma série de frescuras e preconceitos locais.

Afinal, se aberrações no mercado de trabalho são capazes de existir até na Grã-Bretanha e na França, no Brasil elas encontram seu ponto máximo, dentro de um sistema de valores corrompido movido pelos jogos de interesses diversos e pelo jogo da retórica, que, com seu malabarismo discursivo, sempre justifica as piores decisões com as melhores palavras.

É bastante famoso que o mercado de trabalho brasileiro, salvo honrosas exceções, estabelece um padrão esquizofrênico de profissional que querem admitir, que combinasse submissão e independência, convencionalismo com criatividade, juventude com experiência.

Isso é um afunilamento absurdo, e cria um superprofissional do reino da fantasia. Um candidato que seja ao mesmo tempo muito jovem e bastante experiente. Imagine uma empresa que decide exigir que um candidato tenha, no máximo, 22 anos de idade, e tenha cinco anos de experiência? Ele terá que trabalhar aos 17 anos?

Ou então o caso do profissional que seja ao mesmo tempo obediente às convenções sociais e que seja também dinâmico e criativo? Uma equação possível, mas difícil de ser feita, criando no profissional um habilidoso jogo de cintura que combine autonomia e submissão com a surreal habilidade dos super-heróis de ficção.

Evidentemente, muitas empresas boicotam pessoas realmente criativas que mandam seus currículos constantemente. Acabam contratando as pessoas erradas. Contratam pessoas capazes de contar boas piadas e torcer por um time de futebol, não necessariamente o mesmo que o respectivo patrão, mas profissionalmente não fazem mais do que cumprir o receituário determinado pela empresa.

Há muitos profissionais canastrões que são verdadeiros animadores de ambientes de trabalho. Gente que já chega ao recinto com uma piada pronta, que anima os colegas logo de cara, mas que, profissionalmente, é apenas um cumpridor de deveres mediano, que pode não cometer graves erros, mas também não faz diferencial algum no mercado de trabalho.

Enquanto isso, chefes de recursos humanos das empresas rasgam currículos de candidatos que poderiam salvar uma empresa da falência, simplesmente porque viu na foto 3X4 que um aspirante não tem o rosto padrão do ator Bradley Cooper e já passou dos 40 anos de idade.

E OS CONCURSOS PÚBLICOS?

O aspecto de exigências nos concursos públicos, então, revelam o quanto não apenas os patrões da iniciativa privada vivem no mundo da fantasia e querem contratar super-heróis para suas empresas, talvez esperando que o candidato ideal venha de algum planeta equivalente a Kripton.

No serviço público, e mesmo nas organizadoras de concursos públicos, existe também as exigências absurdas, sobretudo visando a ilusão moralista de classificar o melhor conhecedor naquele que sobrecarrega os estudos pela quantidade de matérias, sem que levasse em conta sua capacidade de rendimento no aprendizado.

São muitos os concursos que, sem a mínima necessidade, exigem Matemática e Raciocínio Lógico nos seus programas. Pode ser cargo para Jornalista ou para cuidar do patrimônio histórico que as exigências matemáticas são garantidas pelo argumento moralista de que "é preciso estudar mais".

Só que sabemos que estudar mais não garante um melhor saber. Sobretudo quando pessoas têm que estudar, num prazo médio de três meses, para fingir ser um especialista naquilo que, naturalmente, não sabe. É um aprendizado à força do qual pouca coisa se aplica na função profissional, e também causa muita confusão nas questões de provas pela falta de intimidade com o assunto.

Isso se deve porque o saber forçado não se prepara para as sutilezas das questões. É difícil saber tudo em três meses, e as exigências vão além das habilidades exigidas. O programa sobrecarregado dos concursos públicos exige demais das funções, procura um super-servidor, provavelmente igualzinho ao do super-herói de Kripton, que sabe demais do desnecessário e pouco do que é necessário.

Daí os concursos que se referem a Assistente Administrativo de nível médio, cujo programa de estudo tem muito mais a ver com candidatos que são bacharéis em Direito. Ou programas para cargos de Jornalismo e Ciências Sociais que parecem dignos de Mestrandos em Matemática e exigem Informática como se os cargos fossem para Analista de Sistemas.

Imagine se uma instituição como o IPHAN vai contratar alguém desse nível. Vai acabar tendo, como servidor, alguém que conheça muito bem equações matemáticas complexas, que saiba fazer o jogo lógico de saber se A, sendo B, não é C, mas se C, não sendo A nem D e E, é F, e seja incapaz de entender o que é um inventário de um movimento cultural regional.

O mercado de trabalho, tanto no serviço público quanto na iniciativa privada, tanto nos departamentos de recursos humanos quanto nas organizadoras de concursos públicos, não entendem os talentos pessoais e as individualidades das pessoas.

Elas acabam criando dificuldades para contratar os profissionais que realmente esperam, e que estão longe de serem os super-homens que suas exigências malucas pedem. Se observarem as pessoas pelo talento real e não pelas aparências e conveniências sociais, independente do candidato ter ou não mais idade ou experiência, o mercado de trabalho poderá ser mais justo.

Tornando as exigências ao mesmo tempo mais flexíveis e realistas, as instituições poderão contratar pessoas que, embora pareçam pouco atraentes para o mercado à primeira vista, tenham maiores condições de realizar trabalhos excelentes e doar todo o seu talento e competência para exercer seus cargos de maneira surpreendentemente brilhante.

É isso que falta ao Brasil tomado de vícios moralistas e de um engenhoso jogo de aparências que nada contribuiu para seu verdadeiro progresso humano, com a viciada manutenção de jogo de interesses, conveniências sociais e zonas de conforto com fórmulas que não parecem mais bem-sucedidas como antes.

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