quinta-feira, 7 de maio de 2015

O caso Guarani FM e uma reflexão sobre rádio e fanatismo religioso


O que o fim de uma rádio pode trazer. Será que a religião traz realmente respostas para a vida? E se a religião atropela expressões culturais, sejam emissoras de rádio diferenciadas ou cinemas de bairros, isso representa algum benefício, ou, para usar um jargão típico, alguma caridade

Nem sempre isso acontece. A religião é feita por homens, e é movida por suas paixões terrenas. E o caso da Guarani FM, de Belo Horizonte, que no último dia 30 de abril fez suas derradeiras transmissões, até deixar a frequência, no dia seguinte, para a evangélica Feliz FM, põe muita gente a pensar.

A Guarani, como foram os casos da Musical FM e 97 Rock, em São Paulo, da Antena Um e Fluminense FM, no Rio de Janeiro, e da Estação Primeira, em Curitiba, são exemplos de como emissoras de rádio são marcadas pelo seu estilo que estimulava até mesmo as amizades entre aqueles que compartilhavam de suas ondas e aprimoravam suas referências culturais. Uma verdadeira importância social dessas FMs musicais.

As rádios promoviam cultura, não apenas tocando música mas adotando linguagens sóbrias e inteligentes. Tinham o melhor cuidado em mostrar música de qualidade, e adotar linguagens que valorizassem a inteligência da pessoa, sem empurrá-la para o consumismo barato e a imbecilização comportamental. E a Guarani era um oásis dentro de um rádio raquítico que é o de Belo Horizonte.

E o que significam essas FMs? Elas promovem relações de solidariedade espiritual, que nada tem a ver com a prisão da fé, mas com o convívio social de pessoas afins e amigas. As rádios diferenciadas que saíram do ar fizeram história porque estimulavam relações sociais, despertavam o fortalecimento da cultura e ajudavam na evolução dos espíritos com isso.

Não é qualquer rádio. A Guarani, assim como a carioca Antena Um, se especializava em música adulta da forma mais diferenciada possível, o que vai muito além do que tocar antigos sucessos musicais "qualquer nota" dentro de uma locução empostada e fria. São rádios que poderiam mostrar algum diferencial para os ouvintes, seja pelo tratamento dos locutores ou pelas músicas tocadas.

Evidentemente a valorização das rádios de qualidade não deve ser confundida com o "retorno triunfal" das rádios "roqueiras" 89 FM, de São Paulo, e Rádio Cidade, do Rio de Janeiro. As duas rádios mais parecem "seitas religiosas", que evocam o fanatismo roqueiro sem entender a verdadeira natureza do rock, se comprometendo com a pior imbecilização cultural sob o verniz do "rock".

Até porque, do contrário da Rádio Fluminense FM - uma das poucas rádios de rock do país que era feita por quem entendia do assunto e adotava uma linguagem apropriada para o segmento - , as duas "rádios rock" não se interessam em promover a verdadeira cultura, mas apenas canalizar o consumismo juvenil às custas do caríssimo mercado de concertos musicais de rock.

Daí que as programações das duas rádios são quase todas de programas de besteirol, com locutores que parecem falar para crianças de 12 anos. Há até programas de besteirol esportivo, apostando num equivocado vínculo entre rock e futebol. E, fora isso, só um punhado de sucessos comerciais sob o rótulo "roqueiro".

Isso porque uma coisa é haver emissoras de rádio feitas por gente com conhecimento e amor à causa, como a antiga Fluminense FM dos anos 1980, que estimulava o crescimento cultural das pessoas e o desenvolvimento de relações sociais de pessoas afins, identificadas com o que a rádio transmitia.

Outra coisa é haver emissoras de rádio "aventureiras", que embarcam em uma causa nova, mas de maneira deturpada, que apenas forma consumidores. Os ouvintes da 89 e Cidade só conhecem 1% do universo do rock e são induzidos pelas rádios a adotar uma caricatura de "tribos roqueiras" só como figurino para os caríssimos shows de rock que eles serão impulsionados a gastar.

E tudo isso lembra até uma religião, onde a fé está acima da razão. Afinal, que importância a Rádio Cidade tem para o rock? Nenhuma! Afinal, o que é rock para esses "roqueiros de boutique"? Da mesma forma que, em muitas seitas religiosas, as pessoas não sabem quem foi realmente Jesus, o veem de forma distorcida, como "senhor dos exércitos", algo que Jesus nunca quis ser.

Na prática, a 89 FM e a Rádio Cidade estão muito mais próximas da Feliz FM do que da Guarani, Fluminense ou Antena Um. Pela cegueira de seus ouvintes "rebeldes" e sua "profissão de fé" na "religião do rock", dá até para sugerir uma permuta carioca "Feliz Cidade" com bandinhas "gospel" que imitam o som de Detonautas Roque Clube e CPM 22, sem falar do Malta, que soa como uma "banda gospel sem Bíblia".

Exagero? Não. Afinal, o "rock" da 89 e Cidade está muito mais próximo de um transe coletivo, de uma catarse juvenil que cria fanáticos consumistas e intransigentes, que criam um "mundo paralelo" em que o rock que eles acreditam não tem qualquer conexão verdadeira com o rock que realmente acontece no mundo. Tudo equiparado a uma fé cega das seitas religiosas.

As duas rádios "religiosizam" o rock e o promovem como se fosse a "salvação da humanidade". Antes o rock nunca tivesse essa reputação "salvadora", como nos tempos da Fluminense e 97 Rock, como se o rock (que os ouvintes da 89 e Cidade só conhecem vagamente) fosse a única coisa que vale no mundo, uma visão egoísta que os roqueiros autênticos nunca tiveram, com toda a preferência que tivessem pelo gênero.

De que adianta reclamar dos "roqueiros de jaqueta" dos anos 1970 se o radicalismo dos ouvintes da 89 e Cidade é bem mais estúpido, intolerante e pouco voltado ao respeito ao próximo (esses ouvintes não aceitam questionamentos), mais voltados estão ao humor besteirol ou ao fanatismo futebolístico, coisas que nada têm a ver com a realidade dos roqueiros autênticos?

Não dá para conversar sobre temas sérios do âmbito do rock com os ouvintes da 89 e Cidade. Eles estão mais preocupados com o niilismo de esculhambar os sucessos do momento e alguns paradigmas do modismo juvenil, mas também acham ridículo falar de marcas de guitarra, de política, filosofia existencialista e movimentos sociais,

E isso sem falar que os ouvintes das duas rádios odeiam música que estimule o intelecto e já não têm medo de esculhambar grandes nomes do rock como Led Zeppelin, Beatles, Who, Ramones e Smiths. E são ouvintes de rádio que se acham os "senhores absolutos" da cultura rock no Brasil e do mundo!!

Eles são pessoas egoístas, como os ouvintes de rádios "gospel" são. Eles estão ali como zumbis num mundo paralelo, Eles querem o "direito deles", mesmo que suas rádios estejam mal no Ibope, e reagem com sarcasmo ou fúria quando são questionados pelos erros que cometem.

Não se pode ter rádios diferenciadas como Guarani FM, ou Antena Um (que cedeu lugar no dial carioca a uma FM popularesca, a Nativa FM dos mesmos donos da paulista 89 FM, mas franqueada no RJ pelos Diários Associados), que enaltecem o progresso cultural e se estimulam amizades e movimentos artísticos.

No entanto, rádios que só servem ora para o proselitismo da fé, ora para o consumismo, gerando minorias de fanáticos intolerantes, que nem sabem mesmo se precisam dessas rádios mas delas se tornam seus seguidores extremos, tomados de fé cega e arrogância.

Os mineiros já sentem a tristeza que é a Feliz FM que tiraram a Guarani FM do ar. Qual a rádio mais caridosa e fraternal, a religiosa? Não. Esquecemos que a fraternidade e a solidariedade está acima dos currais da fé, dos panfletarismos "espíritas", dos sermões "pentecostais", em que as pessoas só se tornam "bondosas" por medo, escravos de doutrinas castradoras e manipuladoras, em que uma minoria de homens se enriquece às custas dos sofrimentos morais de muitos.

Só que a coisa fica complicada, porque, num país em que se "religiosiza" tudo - como o "rock" da 89 e Cidade que seus ouvintes, sem entender direito sua cultura mas julgando o ritmo "acima de tudo" - , fica difícil explicar para a sociedade porque ninguém é livre ao ser escravo da fé. Se já é difícil explicar para a sociedade todos os males da deturpação do "espiritismo" brasileiro...

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