sexta-feira, 1 de maio de 2015
"Espiritismo" e a terceirização da vida
A religião é quase sempre a terceirização da vida humana. Há um preço a pagar pela submissão da fé e pelo pedido de favores. Atualmente, algumas crenças católicas e evangélicas até são um pouco mais flexíveis, mas a regra geral é que seus repertórios rigidamente moralistas meçam o atendimento aos apelos pessoais à condição de vários sacrifícios.
No "espiritismo", cujo repertório moralista assusta se percebermos que essa crença se autoproclama a "vanguarda das crenças espirituailistas", a ideia é terceirizar o máximo a vida humana. É aquela senhora que tem câncer de mama e quer se curar, ela se cura mas sua jovem filha morre num acidente de carro.
Ou então é aquele jovem que procura um "centro espírita" para, num tratamento, visando atrair sorte para obter um bom emprego e ter boas oportunidades sociais na vida, e a única coisa que "ganha" é atrair um "exército" de internautas furiosos que o caluniam em rede mundial por causa de uma discordância de nada nas mídias sociais.
Em alguns casos, é como alguém que ganhou na loteria e, assim que pegou o dinheiro, é assaltado. O moralismo "espírita", que vê a Terra como a prisão dos bons e o parque de diversões dos maus - que "irão pagar pelo que fizeram, sim", mas na próxima encarnação - , permite que "nuvens pesadas" ocupem os horizontes de seus "beneficiários".
As estórias de casos "de superação" mais exaltadas são justamente aquelas em que pessoas enfrentam com resignação a humilhação do autoritarismo alheio, vivendo anos e anos sob o arbítrio de alguém, suportando seu poder com prantos, sim, porque ninguém é de ferro, mas orando e em silêncio, sem reclamar, esperando a bonança não se sabe quando.
É a glamourização do sofrimento, que se torna clara no ideal "transformador" (?!) das ideias de Chico Xavier. Você é convidado a "sofrer amando" (?!?!), sem queixumes, e ai o "bom Chico" diz que, na pior das suas desgraças, você deve se achar feliz porque pode ver o céu azul e os passarinhos voando. Nossa, isso não é mais uma daquelas esquetes do Amigo da Onça?
Que é maravilhoso ver o céu azul, o sol brilhando, os passarinhos voando etc, é verdade. Mas se é para vivermos só para isso, melhor que fôssemos pedras. O problema é que o "espiritismo" traz energias pesadas para muita gente, porque o seu próprio astral é moralista e segundo essa doutrina somos apenas devedores e nossas vidas são terceirizadas pelo sofrimento.
Se somos inteligentes, temos grandes ideias e uma excelente consciência de justiça social - com valores e abordagens que escapam dos limites da fé religiosa - , somos obrigados a ver as portas se fechando para nós, num país em que a mediocridade está tão grande que hoje, em vez de se lutar contra melhorias, as pessoas preferem escolher entre o ruim e o pior.
A própria terceirização do trabalho mais parece o "ideal espírita" reservado para a pessoa mais evoluída. Se você é muito inteligente, tem ideias brilhantes e quer transformar o mundo divulgando seus conhecimentos, se contente em fazer faxina, calado, e se quiser fazer um comentário, melhor questionar a agressividade do adversário ou a astúcia de um árbitro feitas contra os jogadores de um time carioca.
O "espiritismo" vive de contrastes e acha que é na desgraça que a pessoa vai obter o progresso moral desejado. Isso é progressista? Não. Como é que uma pessoa vai falar no silêncio de seu sofrimento, desaconselhada ao menor questionamento, subordinada e escravizada em benefício de umas tais de "bênçãos".
Que "bênçãos" são essas de que falava "tio Chico"? Na verdade, é uma ideia abstrata, indefinível, incerta. Como vamos ter certeza do "incerto"? Claro, para quem finge conhecer bem a mediunidade e divulga cartas apócrifas de panfletarismo religioso, como são os "espíritas", isso é fácil. É uma forma gentil de dizer "Vá sofrer, seu palerma!" e inventar um benefício qualquer na mente.
Que "bênçãos" são essas? Os "bônus-hora" de Nosso Lar? O brilho do Sol? O cheiro das flores? Ou será o próprio sorriso débil de Chico Xavier no fim da vida a nos "consolar" numa próxima doutrinária "espírita"? Qualidade de vida que é bom, nada!
Isso é mau. E mostra o quanto as religiões também têm um quê de egoísmo. Elas não toleram pessoas diferenciadas, rogam más energias a elas, criam uma "pedagogia do sofrimento" que terceiriza a vida, como no trabalho terceirizado em que salários baixam, encargos deixam de ser concedidos, há mais exploração no trabalho e nenhuma proteção contra acidentes.
O "espiritismo" brasileiro nem deveria ser chamado de "kardecista", mas de "taylorista", porque prega a exploração da vida do indivíduo, em que a "melhor receita" é a de sofrer muito, aguentar os piores infortúnios, de preferência com o mais alegre sorriso, mas aceitando, se não for o caso, um pranto silencioso para não irritar tiranos e algozes, e esperar a bonança desconhecida.
Mas ai se o "felizardo" desse "sofrimento com amor" chora em voz alta e o algoz, irritado, lhe dá um cascudo, o sofredor deve se considerar "feliz" com isso, porque no pior dos sofrimentos a pessoa está destinada às "bênçãos futuras". E não é para entender, é para "acreditar".
Pelo moralismo da fé religiosa, com seus valores punitivos e castradores, "acreditar" é aceitar fantasias e absurdos e não querer explicação a elas. E, o que é pior, seu moralismo considera "horrível" que a "justiça dos homens" se preocupe com alguma assistência e aconselhe as pessoas a buscar satisfações diante dos problemas sofridos.
Hoje, na Terra, pelo menos as nações com algum desenvolvimento social permitem que pessoas perguntem sobre a qualidade dos produtos, a humanidade dos tratamentos, a transparência das leis, a eficiência dos serviços, progressos notáveis resultantes da Justiç humana.
Já o moralismo "espírita" não consegue ter respostas por exemplo, para o descaso dos hospitais como, por outro lado, não consegue explicar por que certas práticas de cirurgias espirituais são feitas com facas sujas e mãos que parecem tetem matado algum boi doente e que, antes de fazer cirurgia, ainda pegavam em panos sujos para limpar um chão.
O "espiritismo" brasileiro se acha no único compromisso de exaltar a "vida futura". Mas sua doutrina não cria condições para melhorar e estimular o sucesso na vida presente. Com seu rol de absurdos, a doutrina prefere que as pessoas mais brilhantes sofram com infortúnios, enquanto garante o recreio dos maus que só vão pagar pelo que fizeram na "próxima encarnação".
Assim, o "bom futuro" é desculpa para se viver o mau presente. Só que o "espiritismo" desconhece que sofrimento demais gera traumas, revoltas, angústias, medos, raivas, e na próxima vida, em vez de termos as tão prometidas "bênçãos", seremos apenas pessoas com a única escolha de sermos medrosas ou raivosas.
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