terça-feira, 30 de setembro de 2014

O mórbido culto do "espiritismo" brasileiro aos jovens mortos


Poucos percebem, mas o "espiritismo" brasileiro tem um sentimento sado-masoquista pela tragédia de entes queridos. Um certo prazer pelo sofrimento alheio, algo bastante sádico na abordagem das mortes de outras pessoas, geralmente belas e jovens, e um certo masoquismo na glamourização das tristezas geradas por essas ocorrências.

"Viva intensamente e morra jovem", costuma ser a cartilha do espetáculo trágico da cultura do entretenimento. O "espiritismo" brasileiro dá sua versão: "viva maravilhosamente e morra jovem", mal disfarçando sua ânsia de promover um sensacionalismo místico e religioso em prol dos jovens mortos.

A juventude transformada numa fase final da vida. Os filhos perecidos. Os pais órfãos de filhos. Esse verdadeiro culto aos jovens mortos, que alimentou o estrelismo de anti-médiuns e um certo sadismo moralista dos dirigentes "espíritas", cria uma indústria de pieguices e uma hipócrita evocação da vida após morte às custas dessas tragédias encaradas sob sorrisos muito mal dissimulados.

"Quanto mais você sofre, mais bênçãos você atrai para a vida futura", diz a ideologia "espírita", tal como feita no Brasil. E isso ignorando tantas dores, tantos prantos, sofridos pelos entes queridos, tratados feito gato e sapato pelos anti-médiuns "espíritas" e por palestrantes com muito mel nas palavras e um oculto fel no coração.

Ignoram esses "espíritas" o quanto tais tragédias interrompem muitos projetos de vida, muitos planos e desejos, que acabam sendo irreparavelmente comprometidos, mesmo quando existe a consciência da vida espiritual, da vida eterna e da reencarnação.

Isso porque a reencarnação não é igual a outra. Existem várias vidas carnais, mas cada uma dessas vidas é única, pelo contexto social, geográfico, cultural etc etc em que se vive. Se alguém tem um projeto de vida e morre cedo, sem realizá-lo, não poderá realizar, na próxima encarnação, esse mesmo projeto da maneira que desejou. Quando muito, terá que adaptá-lo quase que por completo a outros tempos.

SYLVIA TELLES MORREU JOVEM, SEM COMPLETAR SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A MÚSICA BRASILEIRA.

Suponhamos que a cantora Sylvia Telles (1934-1966), um dos ícones da Bossa Nova e uma das maiores cantoras da História do Brasil, tenha reencarnado em 1975. Digamos que ela preservou seus dons e na nova encarnação, ela escolheu ser cantora, o que não seria sua sina obrigatória, porque ela poderia muito bem ser uma mera professora primária. Mas digamos que ela escolheu ser cantora, sim.

Supondo que ela siga sua carreira hoje, nos seus 39 anos, ela encontraria o mesmo cenário dos "samba sessions" universitários? Encontraria os eventos bossa-novistas, o Beco das Garrafas, os músicos sofisticados, os festivais da canção, as rádios dando espaço para a música brasileira de verdade, a televisão dotada de programas sofisticados como os da TV Excelsior? Não.

A Sylvia Telles reencarnada teria que encarar outro contexto. Hoje a TV aberta está entregue à imbecilização explícita, os eventos universitários não passam de ridículas chopadas ao som de sucessos brega-popularescos, o Beco das Garrafas agora é só um beco, não há festivais da canção, as rádios estão horríveis e a música brasileira de qualidade perdeu espaço para a breguice.

Se ela tinha um plano de vida a ser executado em 1967, quando morreu antes disso, em um acidente de automóvel na RJ-106, ela, reencarnada, não teria que realizar esses planos. Não havia condição, não havia interesse. E, além disso, ela teria, em desvantagem mercadológica, que concorrer com cantoras de valor duvidoso como Ivete Sangalo, Anitta e Valesca Popozuda.

Imagine esse contexto. Sabemos que, em 1966, Sylvia concorria com Elis Regina e Nara Leão, e, na pior das hipóteses, com Wanderleia (bastante talentosa, criativa e competente no seu estilo pop). Os tempos mudam, seja para pior ou para melhor, e quem morreu cedo terá que refazer tudo de novo.

Isso o "espiritismo" ignora, despreza. Derrama suas lágrimas de crocodilo diante de tragédias ocorridas, sobretudo as prematuras, já que glamourizar pessoas belas e jovens que perderam a vida é uma praxe nessa religião que finge conhecer as técnicas de contatos com o mundo espiritual.

Enquanto isso, anti-médiuns, muitos deles verdadeiros farsantes - isso não exclui astros como Chico Xavier e Divaldo Franco, é bom frisar - , se passam pelos jovens mortos e, usando o nome deles, se limitam a transmitir mensagens de proselitismo religioso, tal qual um sequestrador que, fazendo um trote para extorquir dinheiro, se passa pelo refém para intimidar os familiares da vítima.

Sim, porque, à maneira do sequestrador que, usando um falsete, diz "Socorro, socorro, eu fui sequestrado, peguem todo o dinheiro da poupança para pagar o resgate!", o anti-médium usa o nome do morto, às vezes imitando seu falsete, para dizer de sua própria imaginação coisas como "estou bem, depois de tanto sofrimento e da redescoberta da luz".

Já não basta que muitos mortos prematuros tiveram seus planos de vida interrompidos. Eles têm que aguentar as falsas comoções dos "espíritas", que enganam seus entes queridos, e ainda precisam aturar, em silêncio, as fraudes de anti-médiuns que roubam seus nomes para atribuir a eles mensagens dos próprios anti-médiuns, que não são mais do que propaganda religiosa barata.

E tudo isso com a glamourização das tragédias juvenis, que alimentam o mercado, a fama e o poderio dos "espíritas" brasileiros.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

FEB queria unir Roustaing e Kardec


A Federação "Espírita" Brasileira sempre manifestou sua preferência por Jean-Baptiste Roustaing do que por Allan Kardec, algo que só se tornou sutil muito tardiamente, depois dos sucessivos escândalos causados por tal postura.

Mas, em primeira instância, a FEB tentou vincular Kardec e Roustaing, se utilizando do pretexto de que Roustaing "avançou onde Kardec não poderia seguir adiante", a pretexto de ser a sociedade terrena muito atrasada para que o professor lionês pudesse ampliar seus ensinamentos.

Essa visão é equivocada, mas é típica de um país como o Brasil, em que o "novo" sempre é implantado através de bases envelhecidas, peles novas em esqueletos apodrecidos e mortos, o que faz com que ideias novas, sob a desculpa de "adaptação às realidades locais", sejam distorcidas ao serem misturadas com conceitos velhos que prevalecem na prática "local" de tais novidades.

Pode ser que vocês, leitores, não sejam necessariamente conhecedores ou apreciadores de rock, mas eu já pude ver caso semelhante através do radialismo dedicado ao gênero. Há 20 anos, a Fluminense FM, antiga rádio de rock de Niterói (ocupava o espaço da atual Band News Fluminense), saiu do ar para dar lugar a uma rádio pop, a Jovem Pan 2, então detentora da frequência 94,9 mhz do Grande RJ.

Em 1995, diante de tantas supostas candidatas à "nova Fluminense", uma rádio de pop aparentemente mudou sua orientação e, à primeira vista, abraçou a "causa roqueira": a Rádio Cidade. O que se tomou conhecimento, na época, era que a Rádio Cidade "lembrava um pouco" o que a Fluminense FM - que era conhecida como "Maldita" - fazia.

No entanto, o que se viu, na prática, foi uma completa deturpação e um desvio total das ideias originais. A Fluminense FM não tocava só "sucessos do rock", não tinha locutores imbecilizados e tratava os ouvintes de maneira inteligente e sóbria. A Rádio Cidade só tocava "sucessos" do gênero, adotava locutores "engraçadinhos" e tratava o público roqueiro feito um moleque retardado.

No âmbito das chamadas rádios de rock, a Rádio Cidade foi o "Roustaing" da situação, usando o prestígio da Fluminense FM para desviar completamente de seus propósitos originais, sendo "protegida" pela mídia conservadora, em detrimento de uma Fluminense equivocadamente tida como "radical" e "ultrapassada". A exemplo de Roustaing, a Cidade teve adeptos arrogantes e violentos.

Há outros casos em que causas novas são deturpadas, primeiro se apoiando na causa original, depois desviando de seus propósitos em prol de uma deturpação tida como "moderna" e "facilitadora" - seja para atingir demandas "heterogêneas", seja para obter mais apoio, seja para render mais dinheiro - que, não raro, sacrificava totalmente a essência dos projetos originais.

Vide também a maneira com que inicialmente se manifestaram os ideais do Iluminismo no Brasil, sendo parcialmente apoiado por uma elite de intelectuais e ativistas sociais que, no entanto, faziam questão que se mantivesse a exploração do trabalho escravo no país - que já nos primeiros anos do Primeiro Império era tido como prática decadente - , pela desculpa de que era mais rentável.

A FEB tentou unir Roustaing e Kardec no seu estatuto, tentando até mesmo "dividir" as missões "espíritas" de alguns supostos precursores "espíritas", neutralizando a importância do professor lionês na divulgação de sua doutrina, baseada na coerência de ideias e nas descobertas científicas.

Até mesmo um trecho do livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, que Chico Xavier publicou em 1938 usando o nome de Humberto de Campos - para o qual a veracidade de autoria espiritual do livro é muito duvidosa - descreve essa "divisão" de missões "espíritas":

Foi assim que Allan Kardec, a 3 de outubro de 1804, via a luz da atmosfera terrestre, na cidade de Lião. Segundo os planos de trabalho do mundo invisível, o grande missionário, no seu maravilhoso esforço de síntese, contaria com a cooperação de uma plêiade de auxiliares da sua obra, designados particularmente para coadjuvá-lo, nas individualidades de João-Batista Roustaing, que organizaria o trabalho da fé; de Léon Denis, que efetuaria o desdobramento filosófico; de Gabriel Delanne, que apresentaria a estrada científica e de Camille Flammarion, que abriria a cortina dos mundos, desenhando as maravilhas das paisagens celestes, cooperando assim na codificação kardequiana no Velho Mundo e dilatando-a com os necessários complementos.

Ia resplandecer a suave luz do Espiritismo, depois de certificado o Senhor da defecção espiritual das igrejas mercenárias, que falavam no globo em seu nome. (...)

Usava-se a desculpa do ecletismo de visões para reduzir o impacto das descobertas científicas descritas por Allan Kardec, usando os pretextos de "equilibrar" as abordagens científica, filosófica e religiosa - não a perspectiva religiosa filosoficamente analisada por Kardec, mas o igrejismo herdado do Catolicismo medieval - , criando terreno para a ascensão das ideias de Roustaing.

Assim, Roustaing não apareceria como um "bárbaro" a invadir a Doutrina Espírita com suas ideias alienígenas, mas sutilmente usando Leon Denis e Gabriel Delanne como "trampolins" para sua escalada na pretendida supremacia que desejou exercer sobre os ensinamentos de Kardec.

Nos primeiros momentos, a FEB se desenvolveu através dessa tentativa de união, tentando difundir a falsa ideia de que Jean-Baptiste Roustaing era "mais moderno" e "mais audacioso" que Kardec, enquanto este era visto como "complicado", "prolixo" e "ultrapassado", aproveitando o desprezo dado a seu cientificismo na própria França, que até politicamente sofria o domínio da Igreja Católica.

A fundação da FEB então veio com essa armadilha. Depois do surgimento das primeiras entidades espíritas que começaram a difundir os livros de Allan Kardec, vieram as correntes roustanguistas de carona, o que impediu que o kardecismo fosse compreendido integralmente e devidamente adaptado para o contexto brasileiro.

Assim, em primeiro lugar a FEB lançou o roustanguismo como se fosse um "kardecismo revisto e ampliado", que, pelos aspectos abertamente escandalosos, como as teses surreais do "Jesus fluídico" e dos "criptógamos carnudos" (animais, vegetais, insetos e micróbios que "receberiam" espíritos de humanos "moralmente falidos"), tão cedo causou sérios escândalos.

Foi por isso que, depois de um breve "casamento por conveniência" entre Kardec e Roustaing, em que pese a já causada animosidade, na França, pelo advogado de Bordeaux contra as críticas serenas mas severas do professor lionês, criou-se um violento litígio que marcou explicitamente os bastidores do "movimento espírita" brasileiro até algumas décadas atrás.

sábado, 27 de setembro de 2014

Até que ponto Jean-Baptiste Roustaing foi querido pelos espiritólicos?

LACUNA FEITA EM LIVRO DE GÉLIO LACERDA, DIANTE DA INEXISTÊNCIA DE FOTOS OU IMAGENS CONHECIDAS DE JEAN-BAPTISTE ROUSTAING.

O livro Conscientização Espírita, de Gélio Lacerda da Silva, líder espírita paulista, revela os bastidores do roustanguismo brasileiro, descrevendo a obsessão da Federação "Espírita" Brasileira com o misticismo religioso de Os Quatro Evangelhos de Jean-Baptiste Roustaing, em detrimento da Doutrina Espírita de Allan Kardec.

A obra descreve vários momentos desse caso, mas não adiantamos ainda informações porque estamos ainda no começo da leitura desse livro, em cópia em arquivo PDF, mas sabe-se que, numa pesquisa superficial, que o roustanguismo em dado momento foi largado pelas lideranças espiritólicas.

Diante de tantos impasses causados pelos dois pontos incômodos da doutrina roustanguista, como o Jesus "fluídico" - gerado por uma Maria "virgem" e desprovido de corpo físico - , a reencarnação de humanos em animais irracionais, vegetais, insetos, vermes e micróbios e a possibilidade de falência do espírito em detrimento da lei de progresso espiritual, Roustaing causou incômodo e polêmica.

Cabe investigarmos, e ainda vamos ver quais os subsídios que o livro de Gélio Lacerda oferece neste sentido, até que ponto Jean-Baptiste Roustaing, que havia levado preferência pelos "espíritas" brasileiros, foi em dado momento descartado e descartado em prol de uma aparente fidelidade a Allan Kardec.

É certo que Chico Xavier, durante muito tempo, era seguidor de Roustaing, até por sua crença por um Jesus "nem Deus nem homem" trazido pelos livros do advogado desafeto de Kardec. E por que Roustaing, de repente, tornou-se um tabu no "movimento espírita", é algo que cabe discutirmos, debatermos e relatarmos.

Afinal, nessa pesquisa superficial do livro, o problema não se resolve apenas pela ruptura de líderes "espíritas" a Roustaing ou a aparente fidelidade deles para Allan Kardec. Até porque cabe averiguarmos que "Allan Kardec" eles queriam seguir, já que tudo indica que eles preferem o estereótipo religioso do professor francês.

A mudança da adoração apaixonada para a envergonhada repulsa a Roustaing é um dos problemas em torno do "espiritismo" brasileiro porque a sua aparente superação não tirou desta doutrina os aspectos religiosos descritos em Os Quatro Evangelhos, e de uma forma ou de outra suas ideias religiosas haviam sido reaproveitadas e adaptadas para um contexto "kardecista".

Sabe-se, portanto, que o roustanguismo foi podado para se transformar num kardecismo de fachada, e seletivamente se aproveitava as ideias de Roustaing sem evocar a sua pessoa, assim como se evocava Allan Kardec sem aproveitar suas lições.

Esse "meio-termo" tendencioso é que conduz o "espiritismo" na atualidade, não resolvendo totalmente o antigo problema do roustanguismo "superado", mas criando outros problemas que mostram que a prometida e alardeada fidelidade a Allan Kardec não foi essencialmente cumprida.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Médiuns e anti-médiuns


Quem leu os livros e artigos de Allan Kardec e compara com o que aconteceu no "espiritismo" brasileiro, vai notar a diferença gritante entre os médiuns do exterior e o que se conhece como médium no Brasil.

Há muito lançamos a expressão "anti-médium" que parece ofensiva para muitos "espíritas". Mas, com toda a certeza, não é. E quem entende Comunicação tem a segurança de definir os astros da dita mediunidade espírita como anti-médiuns, por razões não muito difíceis de compreender mas que são bastante certeiras.

Os médiuns que estavam a serviço de Kardec, difundindo as mensagens que foram publicadas em livros como O Livro dos Espíritos, O Evangelho Segundo o Espiritismo e O Céu e o Inferno, eram pessoas tão discretas que poucos as conhecem de fato.

Os médiuns referentes no parágrafo acima se comportavam como meros servidores. Agiam como se fossem funcionários de repartições, dos quais o nome pouco importa e mesmo escapa de nossa memória, mas o serviço é que se torna o mais importante. E mesmo mulheres aristocráticas que se serviam à mediunidade quase não obtiveram fama com esta atividade.

NO BRASIL, O ESTRELATO E O ESTRELISMO

Já no Brasil, o grande problema é que os chamados médiuns nem de longe são médiuns, no sentido semântico da palavra, que significa "intermediário". O processo comunicativo chega a ser prejudicado, quando médiuns viram dublês de pensadores e deixam de serem os intermediários para serem as atrações principais, os verdadeiros astros, do espetáculo "espírita".

No processo comunicativo, existe uma mensagem a ser veiculada. Quem veicula a mensagem é o emissor, e quem a recebe é o receptor. O meio feito para a transmissão da mensagem é o canal, que pode ser um aparelho, um objeto ou mesmo uma pessoa.

O médium deveria ser o canal. A mensagem deveria ser a manifestação própria de um espírito falecido, que seria o emissor, a ser divulgada para as pessoas vivas, os receptores. Era isso que ocorreu nos tempos de Kardec, mas que deixou de ocorrer no Brasil, onde ocorreu um processo surreal e confuso.

Aqui, o que acontece é algo completamente diferente. O sentido da mensagem espiritual passa a ser completamente outro. O médium passa a ser o emissor da mensagem, geralmente uma pregação religiosa e um faz-de-conta que é recado do além-túmulo, e o espírito falecido é que se transforma num canal, num chamariz para a projeção do médium.

Somente o público receptor permanece o mesmo, mas a mensagem espiritual torna-se bastante prejudicada. Nem mesmo os supostos recados da vida do além se tornam importantes, eles são deixados em segundo plano devido aos apelos, monocórdicos, repetitivos e entediantes (por mais piegas e "comoventes" que pareçam) de cunho religioso, como a "paz e a fraternidade".

O espírito deixa de ser o emissor para ser o canal. Nem mesmo a personalidade do espírito se é considerada, ocorre uma coisa qualquer nota e muitos fingem que é mesmo a personalidade do falecido. Até as pregações religiosas da mensagem - tipo "sofri e encontrei a luz" e "vamos nos unir no amor e na caridade" - têm mais importância do que a situação em que o falecido se encontraria no "além".

E o médium? Se ele torna-se o emissor da mensagem - deixemos de fingir, é isso mesmo que ocorre no "espiritismo" brasileiro - , então ele deixa de ser médium, não é mais o intermediário, passa ser a atração principal. Deixemos de ser politicamente corretos: muitos "espíritas" vão a eventos impulsionados pela fama do "médium".

E quem imagina que os médiuns são dotados de humildade sincera, é bom desistir dessa ideia. Os ditos "médiuns" brasileiros são tomados do mais puro estrelismo. Disfarçam tudo com palavras de amor, mas numa pesquisa no Google dá para perceber o semblante presunçoso e arrogante que envolve até mesmo gente como Divaldo Franco e Chico Xavier.

Em algumas fotos, eles fazem pose de falsa modéstia. Forjam um semblante falsamente sereno mas que se demonstra bastante presunçoso, como se fosse uma serenidade ao mesmo tempo forçada e jocosa, como se no interior de suas almas eles curtissem a vaidade extrema do sucesso, que conhecemos como estrelismo.

Da fama, gera-se o estrelato e, do estrelato, há o risco enorme de sucumbir ao estrelismo. E isso é que mancha muitas reputações de médiuns grandiloquentes, médiuns-estrelas e dublês de pensadores filosóficos, sempre com uma frase bonitinha pronta para amansar e seduzir as pessoas.

Criam vaidade a partir dessas "frases de amor", porque sabem que a água com açúcar irá deliciar paladares de gente amargurada, amansando pessoas que já estão deprimidas com o sofrimento da vida. Não é uma verdadeira consolação, mas um estímulo ao conformismo e a um certo masoquismo que é regra e praxe nos meios "espíritas", nessa religião que glamouriza o sofrimento e a injustiça.

Por isso, os médiuns no Brasil se tornam anti-médiuns. Eventualmente se alimentam da fama de famosos falecidos, para vender livros e se enriquecer por fora, enquanto declaram que "tudo que faturam" é destinado à "caridade". Criam a falsa modéstia e os clichês de humildade para disfarçar o orgulho, a ganância e a cupidez.

Muitos desses anti-médiuns são de classe média e origem humilde (vide Chico Xavier, neste caso), o que se torna vergonhoso até para muitas senhoras aristocráticas que, na Europa do século XIX, tornaram-se razoavelmente conhecidas pela sua mediunidade.

Mesmo originárias de ricas famílias, elas eram de um caráter discreto exemplar e de uma humildade que os "humildes médiuns" brasileiros não possuem, apesar de todo o discurso dizer o contrário. Porque, pelo menos no exterior, não se mascaram as coisas como se mascara no Brasil.

Lá, os médiuns são realmente intermediários. Aqui os médiuns são anti-médiuns, porque querem e acabam mesmo comandando a "festa" dos chamados "trabalhos espíritas". Por isso os anti-médiuns deixaram de ser os canais das mensagens espirituais, chegando eles mesmos a falar no lugar dos mortos e impedir que estes realmente se manifestem. Sem espaço, os mortos acabam se afastando de nós.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Divaldo Franco "criminaliza" suicidas

ROBIN WILLIAMS, PARA O "ESPIRITISMO" BRASILEIRO, TERIA COMETIDO UM "CRIME HEDIONDO".

O suicídio é um crime considerado "hediondo" pelo "espiritismo" brasileiro. Os "espíritas" acham o suicídio pior do que o homicídio, apesar deste último ser o ato mais extremo do egoísmo humano, o ponto máximo em que o egoísmo pessoal pode atingir.

Como de praxe, o anti-médium baiano Divaldo Franco, na sua verborragia de sempre e na sua "elegância" de tentar argumentar conforme suas convicções pessoais de líder espiritólico, faz juz a essa tendência e deu a seguinte resposta ao tema "mortes violentas" a uma pergunta dada por um entrevistador.

Tudo a ver. Divaldo é protegido de Joana de Angelis, o espírito que diz ter sido a sóror brasileira Joana Angélica (mas que há sérias dúvidas sobre isso) e que não aguenta ver pessoas tristes, embora também seja indiferente às razões das tristezas sofridas por elas. Daí esse sentimento desumano sobre o suicídio, temperado de "palavras bonitinhas" e oratória sacerdotal.

Qual a situação espiritual da pessoa que morre em acidente, assassinato ou suicídio?

Divaldo Franco: A condição espiritual de quem desencarna, depende da sua evolução, do seu progresso, da sua compreensão da vida. Um Espírito evoluído ou, pelo menos, esclarecido, que morre num acidente, ou é assassinado, pode ter uma primeira reação de surpresa e até de inconformação, entretanto, poderá reagir em pouco tempo a aceitar com naturalidade o acontecimento. 


Por outro lado, em Espírito atrasado, ignorante, poderá sentir as conseqüências da violência sofrida, com a mutilação ou trauma do perispírito, até que se descondicione da situação. Quanto ao suicídio, o Espiritismo repele veementemente esse ato, classificando-o como rebeldia, uma afronta às leis da vida, desobediência suprema a Deus. 

As narrativas de Espíritos que se suicidaram é de grande sofrimento. Começa pela decepção de saber que a vida continua, e que não resolveram os seus problemas ao se matarem. Segundo eles, as seqüelas causadas acompanham o Espírito numa nova encarnação, causando enfermidades congênitas. Devemos exaltar a vida. A vida é aprendizado, e luta para o aperfeiçoamento e educação espiritual.

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É evidente que o suicídio não resolve problema algum, mas Divaldo expressa, neste texto, um julgamento moralista, com o pedantismo de um pseudo-sábio, mero artífice na manipulação das palavras.

Divaldo "criminaliza" o suicídio, classificando-o como "rebeldia" - o que, numa ideologia moralista, é definido como "crime grave", uma "delinquência", uma "aberração" - definindo como "uma afronta às leis da vida".

No texto, Divaldo parece um tanto indiferente sobre a gravidade do homicídio, que pelo jeito não é repudiado da maneira que devia pelo "espiritismo" brasileiro. Se o suicídio é uma "afronta às leis da vida", o que é o homicídio? Um brinde amigável de outrem àquele que ganhou um passaporte grátis para a vida espiritual?

Ele descreve a gravidade do suicídio sem considerar que tal ato tem suas causas. Para o moralismo "espírita", isso pouco importa. Os "espíritas" veem a Terra como uma penitenciária, aspecto herdado do Catolicismo medieval, adaptando a figura do "Deus punitivo" à interpretação espiritólica da "Lei de Causa e Efeito".

Hipócritas, os "espíritas" brasileiros defendem que os maus possam cometer impunemente seus abusos contra outros, criando uma farra de práticas egoístas feitas até a longevidade da velhice, dando uma espécie de "fiado" da "justiça divina".

O indivíduo só sofre quando se torna bom, em outra encarnação, e geralmente sofre mais, pagando em juros o fiado deixado quando por sua encarnação de maldades, intrigas e trapaças. E esse "pendura" que ilude muitos maus é o mesmo que deprime muitos espíritos bons, mesmo os que ainda estejam pouco evoluídos.

Daí a ocasião de eventuais suicidas. Eles não se matam porque acham legal apertar uma gravata no pescoço ou porque querem sentir o que é uma bala de revólver perfurando o coração, ou como é o corpo quicar no chão, atirado do alto de um prédio.

O que os "espíritas" pensam é que os suicidas são assim por diversão. Esquecem que eles agem assim porque são desprotegidos, porque sofrem algum impasse, porque em sua vida encontram limitações das quais não se sentem capazes de superar e não encontram meios disponíveis para tanto.

O próprio moralismo espiritólico glamouriza o sofrimento. Cria um sentimento sado-masoquista em seus seguidores, felizes com o próprio sofrimento, excitados com o sofrimento do outro, ainda que dissimulados por uma tristeza de nada, quase teatral.

Por isso, se você segue essa religião, damos nossos pêsames. Ela transforma o sofrimento humano num fetiche, numa espécie de torneio para ver quem fica "mais evoluído" com isso. Quanto mais sofrer, mais você concorre ao título longínquo de "espírito de luz". Se você não aguenta, você é um covarde.

O "espiritismo" brasileiro não tolera tristezas. Você tem que sofrer e ficar feliz com isso, porque talvez você receba o prêmio que merece dez encarnações adiante, talvez em mais de mil anos. No momento, portanto, você terá que aguentar cada absurdo na vida, sofrer até quando não pode mais, e sorrir feito um bobo e achar que tudo isso é lindo.

Essa é a cartilha feita pelo "espiritismo" que despreza a missão humanista de Allan Kardec mas que finge ser fiel a ela. Mas que volta e meia vem com surtos medievais como a sua visão moralista e desumana do que é o suicídio.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

"Espiritismo" brasileiro já "aperfeiçoou" fraudes. Para que mais?

USOU-SE ATÉ CAZUZA PARA FAZER UMA "RELEITURA" MAIS ANIMADA DAS COLÔNIAS ESPIRITUAIS...

A "patrulha" espiritólica está paranoica diante dos crescentes questionamentos de seus erros, com o "excesso de raciocínio científico" que anda maculando a "paz" do "movimento espírita", fazendo com que a choradeira dos "espíritas" religiosistas escorra nos blogues e outros espaços relacionados.

Temem eles que a tranquilidade vivida pelo "movimento espírita" no Brasil e em outras áreas de sua influência, como Portugal, seja definitivamente abalada com questionamentos e denúncias, e por isso lançam diversas acusações, que vão da inveja ao excessivo rigor científico.

Os questionamentos aprofundados e austeros chegam a assustar até mesmo alguns que chegam a criticar os erros do "movimento espírita", mas que não adotam uma postura firme de denúncia contra os abusos e deslizes dos espiritólicos.

E aí, o que eles prometem fazer? Prometem que, mais uma vez, vão se aproximar mais da "pureza doutrinária". "Tá, nos lemos pouco Kardec, que tal a gente ler mais e fica tudo como está?", é o que juram fazer, para mais uma vez espantar os trovões de controvérsias e as tempestades de desavenças para reinar o "sol radiante" da "paz e do amor entre irmãos".

Já criam até mesmo a sua visão de "pureza doutrinária", espantando os lados polêmicos. Transformam o "espiritismo" brasileiro num roustanguismo sem Roustaing (e sem pontos extremos como os "criptógamos carnudos"), mas também num kardecismo sem Kardec, chamando Chico Xavier para "abrasileirar" o roustanguismo e colocar tudo na conta do professor lionês.

O MESMO "FILME" SE REPETE

As promessas de "pureza doutrinária" e "retomada da fidelidade a Kardec" já foram dadas tantas e tantas vezes pelos espiritólicos, que atribuem esses momentos de pesadas desavenças a "outras forças" comprometidas com o "escândalo", a "desunião" e a "intriga". Eles, os espiritólicos, é que são os certos, os santos, eles que abandonaram Kardec mas se julgam fiéis a ele. Então tá.

O pretexto de que os espiritólicos "erraram ao compreender mal as ideias de Kardec" fizeram com que tais promessas volta e meia reapareçam, ainda que nem pela metade cheguem a ser realmente cumpridas. Tudo isso, no entanto, é pretexto para deixar tudo como está e criar um jogo de aparências cuja confusão é permitida "em nome da fé e do amor".

O mesmo "filme" se repete. E aí vemos processos mediúnicos duvidosos se sofisticando e se tornando mais verossímeis, enquanto os critérios de palestras "espíritas" se tornam mais "flexíveis" - claro, sem admitir os "mais incômodos" - , envolvendo um maior número de "temas científicos", além de supostas psicografias cada vez mais criativas.

Criam-se fraudes "espíritas" mais verossímeis, como se a mentira pudesse se tornar verdade só porque passou a parecer mais com ela. Deve vir até mesmo hologramas de gente falecida para supor "autênticas aparições espirituais". Convém tomar cuidado.

COISAS ASSIM JÁ FORAM FEITAS

Tudo isso já foi feito. Desde a ficção científica que no fundo é Nosso Lar, até poeminha bonito atribuído a Renato Russo e uma suposta biografia espiritual de Cazuza com uma "releitura" animada das colônias espirituais.

Nas palestras dos "centros espíritas", há musiquinha bonita, gente cantando até "Canção da América" de Milton Nascimento e grupos jovens promovendo luaus e excursões bacanas. E um e outro palestrante pedindo para lermos Franz Mesmer e citando Isaac Newton, Carl Sagan, Sigmund Freud e outros cientistas desfilando na retórica pseudo-científica das pregações "espíritas".

Nos últimos 70 anos, essa promessa de um "espiritismo mais verdadeiro" no Brasil, pretensamente "mais próximo de Allan Kardec", virou até uma ladainha. De Nosso Lar a Um Roqueiro no Além, tudo foi feito para aperfeiçoar os processos e atividades duvidosos, além de aperfeiçoar também a retórica religiosa com elementos falsa ou tendenciosamente científicos.

A cada polêmica e escândalo ocorridos, a FEB faz essa promessa, transmitida por diversos de seus simpatizantes e adeptos. A condescendência dos críticos pouco persistentes e o pouco caso de juristas, cientistas e especialistas culturais, que até desconhecem os pormenores das manifestações espíritas, permite que a FEB mantenha quase inabaláveis seus totens e dogmas.

Os próprios plágios presentes em obras "espíritas" já eram feitos para parecerem textos autênticos, já que os trechos não eram rigorosamente transcritos,  mas as palavras manipuladas para parecerem diferentes, mesmo quando expõem uma mesma ideia e um mesmo uso de expressões.

O falso, diante de pareceres vascilantes, é tomado como incerto e, dentro desse contexto, o incerto se passa por autêntico. Ou seja, a mentira, diante da omissão investigativa, transforma-se numa meia-verdade, que, pela retórica condescendente, vira até mesmo uma verdade absoluta. Como uma larva de marimbondo que se esconde num casulo para se fantasiar em borboleta.

Enquanto isso, ainda esperamos estudos de verdade sobre a vida espiritual. Não esse engodo de meias-verdades e mentiras inteiras misturadas numa retórica pseudo-científica e em processos mediúnicos duvidosos, em que a mensagem religiosa está acima até mesmo de procedimentos éticos ou de considerações quanto às caraterísticas pessoais dos supostos espíritos.

Mas aí devemos ter cautela, porque as promessas são as mais mirabolantes possíveis. Promete-se tudo, de aperfeiçoamento científico, estudos sérios, mediunidade autêntica, psicografias e psico-pictografias mais interessantes, etc etc. Não devemos nos enganar com tais promessas que só acobertam o erro. Antes de pensarmos em orar, é preciso acima de tudo vigiar.

domingo, 21 de setembro de 2014

Exemplo de como NÃO deve ser uma comemoração espírita


Um claro exemplo do que é o igrejismo a que se reduzem as diversas instituições do "movimento espírita" brasileiro aparece aqui numa manifestação no Facebook pelo aniversário de um líder espiritólico, Haroldo Dutra Dias, da entidade "espírita" mineira, a SER (Sócio-Organização de Espiritualidade e Religiosidade).

A própria foto em homenagem ao palestrante espiritólico é de tal forma oportunista, como se atribuísse a ele um lugar já reservado no céu, numa estética que lembra exatamente as ilustrações mais fervorosamente católicas, portanto sem qualquer relação com a doutrina de Allan Kardec.

Dotada do mais extremo sentimentalismo igrejista, no qual o forte ranço católico é notado pelo nível das mensagens de apoio, reproduzidas abaixo, em que a pieguice exageradamente religiosa se torna evidente.

De bandeja, há até mesmo um poema atribuído a uma certa Maria Dolores, divulgada pelo católico e um grande desconhecedor da Doutrina Espírita, o anti-médium Chico Xavier, intitulado "Cantiga da Gratidão", também de um "sotaque" católico bastante carregado, a ponto de fazer o Vaticano ficar de queixo caído. As palavras desse poema não deixam mentir.

CANTIGA DA GRATIDÃO

Francisco Cândido Xavier - atribuído ao espírito Maria Dolores

O céu te recompense, alma querida,
Porque ouviste o convite do Senhor
E nos trouxeste paz e luz à vida
Pela bênção do amor.

Deus te enriqueça as mãos ternas e ativas,
Mãos que buscam Jesus no irmão triste e sem nome,
Dissipando a penúria que o consome
Ao calor da bondade que cultivas.

Deus proteja a brandura a que te entregas,
Quando desculpas de expressão serena
Aquela mesma voz que te condena,
Desconhecendo as dores que carregas.

Deus te abrilhante a idéia justa e boa 
Com que ouves ofensas sem guardá-las, 
Para dizer somente no que falas
Aquilo que edifica e que abençoa.

Deus te ampare na fé que te sustém 
Ao enxugar as lágrimas alheias,
Em tudo quanto inspiras e semeias 
Nas tarefas do bem.

Deus te guarde na fé que te conduz 
Vencendo tempo e luta, sombra e
Porque contigo a vida se renova 
Atendendo a Jesus.


Há, nesta seleção de mensagens do Facebook, uma única ressalva que é o fato do poema "Ano Bom", reproduzido num desses comentários, ser realmente um poema da jovem Auta de Sousa (1876-1901), embora o reconhecimento e a apreciação de seu talento tenha vindo de maneira estranha, através da apropriação de seu nome por Chico Xavier.

Em todo caso, o que se observa é tão somente uma emotividade exagerada, praticamente alucinante, típica da pieguice religiosa, um sentimentalismo excessivo que em nada ajuda na evolução do caráter e que tão somente deixa as pessoas carregadas do "açúcar" da emotividade excessiva e do "diabetes" do religiosismo em transe.

Enquanto isso, carecem os estudos sérios da Doutrina Espírita, as pesquisas que poderiam ajudar nos verdadeiros contatos espirituais, faltam os verdadeiros estudos científicos. E sobram verborragia pseudo-científica, pieguice religiosa e toda sorte de irregularidades camufladas por toda essa esfera de "amor e luz".

É "luz" demais que acoberta as trevas mais obscuras que impedem o manifesto da razão que poderia melhorar as relações das pessoas através de um amor que encoraja, mobiliza e é sincero, em vez do "amor" que mente, intimida e desencoraja do "espiritismo" brasileiro. O exemplo acima citado é uma boa lição de como NÃO se deve ser uma celebração ou uma comemoração espírita.

sábado, 20 de setembro de 2014

Que "Espiritismo verdadeiro" se quer no Brasil?

SÓ FALTA HAVER, NAS COLÔNIAS ESPIRITUAIS, MOTOQUEIROS BARRA-PESADA COMO OS HELL'S ANGELS.

Que Espiritismo se quer no Brasil? O recente "patrulhamento", vindo não somente dos espiritólicos ligados à FEB ou a dissidências que não traem a essência religiosista de sua doutrina, mas também de fracos questionadores dos deslizes do "movimento espírita", alerta sobre o temor de que as contestações científicas venham a pôr a perder o tipo de "espiritismo" que se faz aqui.

Os questionamentos surgem mais aprofundados e pesquisas sérias dão conta de que não somente deslizes ideológicos sérios são feitos no "espiritismo" brasileiro, mas também processos fraudulentos de supostas mediunidades, que escondem fragilidades e debilidades dos astros mediúnicos, que nem mesmo são médiuns porque deixaram de ser intermediários.

Mesmo quando esses questionamentos "radicais" apelam para situações graves, como entes queridos que vivem na Terra serem enganados por mensagens falsas atribuídas ao seu parente ou amigo falecido, desprovidas de sua personalidade mas carregadas de pregações religiosas, o "patrulhamento" mesmo assim é desesperado e paranoico.

Que Espiritismo essas pessoas querem? Basta simplesmente cobrar "fidelidade" a Allan Kardec? E até que ponto se vai essa fidelidade, se tantas irregularidades deixam de ser questionadas para não criar situações "desagradáveis" contra a Doutrina Espírita tal como é feita no Brasil, que é a "religião espírita"?

Será que basta tão somente eliminar a "Doutrina do Salvador" da tradução catolicizante de Guillon Ribeiro ou valorizar o trabalho pedagógico que Kardec fazia, ainda pelo nome de Hipollyte Rivail? Basta apenas alguma leitura a mais de ideias científicas e expô-las mais nas palestras dos "centros espíritas", de preferência de maneira "menos polêmica"?

E os aspectos nebulosos, as mediunidades duvidosas? Será satisfatório que as pretensas psicografias apenas "quebrem" o igrejismo das ditas colônias espirituais, recheando de clichês das personalidades dos falecidos, "aperfeiçoando" as narrativas criando "Cassinos do Chacrinha" do além ou narrando romances "espirituais" usando gírias da moda e tendo detalhes picantes?

Será que uma pretensa psicografia se tornaria mais "autêntica" por incluir sexo nas colônias espirituais, festinhas juvenis, animais de estimação, garotões sarados, ou até mesmo motoqueiros da pesada tipo Hell's Angels, só para quebrar a monotonia das "mensagens fraternais" e da insossa multidão de "irmãos assistenciais"?

Já se fez romance atribuído a Eça de Queiroz narrando suposta vida espiritual de Getúlio Vargas. Já se narrou romance hilário sobre a suposta vida espiritual de Cazuza. Já se rompem as narrativas novelescas criando romances "psicográficos" para jovens, para mulheres, para gente rebelde e "irada", etc etc etc.

E as psicofonias? Deve-se caprichar nas imitações e moderar nas pregações sacerdotais? Deve-se abandonar a trinca "fui para o umbral, depois fui socorrido para as colônias espirituais e reencontrei a luz" criando algo mais atraente? E as supostas psicopictografias? Deverá-se incluir quadros mais "sensuais" ou "impressionistas" de preferência "mais próximos" dos estilos dos pintores originais?

Será que teremos apenas que aceitar fraudes mais "perfeccionistas" enquanto se enrola com falsas evocações de cientificismo nas palestras "espíritas"? Isso fica mais parecendo aquela coisa: "Vamos enganar, só que vamos enganar direitinho, e vocês terão que nos aceitar, para a paz de todos".

Enquanto se pensa assim, em apenas maquiar as irregularidades por trás do "espiritismo" brasileiro, não se estabelece qualquer diretriz que esteja em conformidade com as ideias originais de Kardec, porque simplesmente só está se bagunçando menos, mas mesmo assim mantendo as irregularidades por debaixo do tapete. O que não resolve o problema, apenas o esconde.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A "patrulha" espiritólica contra a Razão


Com os avanços dos questionamentos a respeito do "espiritismo da FEB" e de movimentos que, embora dissidentes, compartilham de sua visão religiosista, mesmo à maneira de cada facção (baccelistas, conscienciológicos, gasparetistas, ramatistas etc), o "movimento espírita" vive uma situação de pânico que faz com que seus seguidores apelem para a "patrulha".

Cada vez mais surgem sítios ditos "espíritas" - e, pasmem, alguns até razoavelmente anti-espiritólicos - desqualificando o raciocínio científico, ou ao menos relativizando. A "patrulha" espiritólica ou mesmo de espíritas de vontade débil suplicam para que não se invistam contra a supremacia da religião nas abordagens do Espiritismo.

Isso segue uma tendência bastante incômoda no Brasil: a crença cega nas instituições. Também passei por uma experiência em que se questionava muito o poderio midiático, a ponto da Rede Globo de Televisão e da revista Veja quase sucumbirem a uma decadência irreversível, até que depois o status quo da opinião pública começou a reagir.

Em vários setores, da cultura popular à mobilidade urbana, o establishment recuperou fôlego e as mídias sociais mostram uma volta ao obscurantismo e um reacionarismo evidentes, após um breve período de prevalência das forças progressistas.

É certo que muitos erros dos progressistas são cometidos, seja a corrupção nos bastidores do PT, como nas recentes denúncias contra a Petrobras, seja a condescendência intelectual diante de ritmos de valor duvidoso como o "funk" ou mesmo a falta de visibilidade daqueles que lutam contra a supremacia de valores retrógrados, dogmas absurdos e de todo tipo de obscurantismo.

"GOROROBA"

O "patrulhamento" que os "espíritas" brasileiros fazem contra o avanço dos questionamentos científicos revela um sentimento de pavor de parte dos espiritólicos ou mesmo do medo de espíritas com razoável nível de questionamento de ver serem derrubados, de uma hora para outra, totens e paradigmas do chamado "espiritismo" brasileiro.

Mesmo quem questionava Chico Xavier, Divaldo Franco e José Medrado sentem um medo inconsciente de vê-los reduzidos a nada, por conta das fraudes cometidas, revivendo surtos de escândalos que quase derrubaram a FEB, criando dissidências formadas em situações bastante tensas.

Acreditam esses espíritas autênticos mas de vontade débil que basta apenas discordar dos métodos catolicizantes e do excesso de misticismo. Mas que se mantenham os anti-médiuns em seus pedestais e os espiritólicos se limitem a fingir que corrigem seus pontos de vista com uma compreensão mais próxima das ideias originais de Kardec.

Por isso é que se vê, nos chamados "centros espíritas", uma gororoba de valores. Traduções de Herculano Pires dos livros de Kardec lado a lado com traduções de Guillon Ribeiro. Livros de teoria magnetista ao lado de romances "espirituais" como Violetas na Janela. Uns palestrantes evocando o conhecimento científico de Kardec, outros exaltando o religiosismo de Emmanuel.

As pessoas vão a esses "centros" e acham tudo isso natural. Mal sabem o que ocorre nos bastidores. Mal sabem a luta entre a cruz e a espada nos porões da "doutrina de amor e luz", que repetem as polêmicas agressivas entre o religiosista Adolfo Bezerra de Menezes e o científico Afonso Angeli Tortorelli, nas primeiras décadas da FEB.

Nos últimos anos, o que está em jogo é o risco de totens e paradigmas do "espiritismo" brasileiro caírem, dando fim àquela aura dócil que os espiritólicos adoram e que os espíritas pouco questionativos adoram questionar, mas também adoram "odiar" adorando, como se acreditassem que o Kardec autêntico voltasse à tona mesmo com Chico Xavier mantido no seu pedestal.

Mesmo a gororoba "espírita" que mistura teses científicas com fanatismo místico-religioso cria uma falsa impressão de liberdade de crença convivendo harmoniosamente com o conhecimento científico. Só que essa falsa impressão esconde uma abordagem caótica, contraditória e confusa que nada contribui para a valorização de assuntos relacionados à espiritualidade.

"CANTINHO DA ILUSÃO"

O medo que existe nos "espíritas" e nos kardecianos iniciantes se expressa no temor de um impasse, de um clima de instabilidade dentro do "movimento espírita" e na revelação de controvérsias, escândalos e corrupção que botasse a perder a Doutrina Espírita no Brasil, mesmo a que é feita dessa forma tão caótica, contraditória e confusa.

Há o temor de que a ciência eliminasse a emoção, o altruísmo e a filantropia, que o "império da razão" fosse transformar os "centros espíritas" em redutos do ceticismo mais áspero, criando um incômodo àqueles que, concordando ou não, estão acostumados com a água-com-açúcar do "espiritismo religioso".

Querem que fatos e fenômenos nebulosos, que demonstram, até com certa evidência, indícios de fraudes ou deslizes de abordagem, sejam simplesmente aceitos, sem que viva alma se encoraje a fazer qualquer questionamento.

A exemplo do que aconteceu com o Catolicismo medieval, esse temor - que remete aos apelos do reacionário Emmanuel, para "não criticar, mas apenas amar e orar" - faz com que muitos prefiram que mediunidades duvidosas sejam aceitas e conceitos místicos apenas sejam parcialmente discutidos, mantendo a "paz forçada" que sempre foi a finalidade da FEB.

Pouco importa se o espírito Zé da Lábia se passa por algum ilustre famoso, nas mensagens psicografadas, ou se a psicofonia de um fulano famoso não passa de imitação em falsete do anti-médium da hora. Não se deve questionar, mas apenas orar e amar.

Pouco importa se um modelo qualquer encarnado veste roupas brancas, se cobre de lençou e capuz, ou então são usados travesseirinhos brancos com longas gazes em volta e neles se colem fotos impressas de personalidades já falecidas. Não se deve questionar, mas apenas orar e amar.

Pouco importa se as manifestações artísticas supostamente espirituais destoam completamente dos estilos originais dos falecidos atribuídos. Se elas são carregadas de mensagens "fraternais", mesmo que isso não garanta em si veracidade, não devem ser questionadas, mas louvadas e amadas.

Cria-se um "cantinho da ilusão", que transforma o "espiritismo" brasileiro num igrejismo que, em que pese a "zona de conforto" do transe místico-religioso, prejudica toda pesquisa e todo estudo da verdadeira natureza da vida espiritual.

Daí que não é o cientificismo que é arrogante ou rigoroso, mas o religiosismo que monopoliza o "espiritismo" brasileiro, mesmo quando evoca a ciência (de forma pedante e confusa), que da maneira mais presunçosa quer que não raciocinemos, não questionemos, e que deixemos tudo como está, apenas cobrando um faz-de-conta da "recuperação da fidelidade" a Allan Kardec.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Waldo Vieira é mesmo o verdadeiro André Luiz (TEXTO ATUALIZADO)


O critério mais seguro de identificação de uma mensagem espiritual são suas caraterísticas peculiares em relação ao espírito atribuído à mesma. Ou, quando é uma mensagem de autoria duvidosa, ela guarda o estilo não do espírito falecido mas do suposto médium que atuou "em nome" dele.

No caso do suposto espírito de André Luiz, que havia sido motivo de tantas controvérsias sobre quem ele havia sido feito de fato, pesquisamos a respeito de vários textos atribuídos a ele e chegamos à seguinte conclusão: André Luiz não passa de um personagem fictício que Waldo Vieira teria trabalhado sob encomenda da FEB.

Waldo Vieira era o garoto-prodígio da aparente mediunidade, e já aos nove anos dizia ter mediunidade e colecionava livros e revistas em quadrinhos - há volumes datados do final dos anos 1930 - e já exercia um trabalho regular de aparente mediunidade aos 13 anos de idade.

A trajetória do suposto André Luiz teria ocorrido entre 1943, com o livro Nosso Lar, e durou 25 anos. Não se sabe se Waldo já começou a trabalhar diretamente com as obras de André Luiz no começo, mas há indícios de que ele, por conhecer medicina e HQ de ficção científica, pode ter sugerido a Chico Xavier aspectos pessoais que compuseram o suposto médico espiritual.

Na essência, André Luiz acabou sendo uma "brincadeira" feita por Waldo e seu então parceiro Chico Xavier através de um livro que, embora se autoproclame como uma narrativa realista do mundo espiritual, mais parece uma ficção científica de qualidade inferior.

Note-se que Nosso Lar fez grande sucesso que a Editora da FEB resolveu explorar o filão "André Luiz" e, com isso, foram produzidos outros livros sob tal codinome. O pretenso cientificismo de "André" permitiu até que a FEB criasse um "substituto" para O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, denominado Nos Domínios da Mediunidade, lançado em 1955.

Desta forma, Nos Domínios da Mediunidade se pretendeu ser uma tradução "mais moderna" do que a obra kardeciana, a pretexto de ter sido lançado 94 anos depois, além da desculpa da "adaptação brasileira", como alardeiam os chamados "espíritas" brasileiros.

POLÊMICA

Há três atribuições de quem teria sido André Luiz na vida, trazida por três correntes diversas do "movimento espírita", cada qual com sua pretensa certeza de sua tese particular, em que pese o caráter "unificador" do "espiritismo" brasileiro e de seu suposto compromisso com a coerência e o raciocínio discernitivo.

A primeira delas teria atribuído a identidade da última encarnação do suposto médico André Luiz ao cientista Osvaldo Cruz, criador das vacinas contra a febre amarela e a varíola. Foi a primeira atribuição dada por integrantes da FEB, mas desmentida depois de uma comparação com o texto de Nosso Lar.

Segundo o texto do livro, André Luiz era filho de um comerciante, enquanto Osvaldo (falecido aos 45 anos incompletos em 1917), era filho do médico veterano que serviu na Guerra do Paraguai, Bento Gonçalves Cruz (não confundir com o Bento Gonçalves da Silva, nome homenageado em cidade gaúcha, que teria sido líder da Revolução Farroupilha).

O próprio ano de falecimento de Osvaldo Cruz, 1917, contradiz com os relatos atribuídos a André Luiz, que sugerem que ele teria falecido entre 1929 e 1930, já que André teria narrado sua vida na colônia espiritual Nosso Lar em 1939 e teria levado de oito a nove anos para se firmar nessa colônia.

Há uma outra tese, atribuída ao médico e ex-dirigente esportivo, ex-presidente do Clube de Regatas Flamengo, Faustino Esporel, que havia exercido o mandato no clube em 1921. Não há muitas informações a respeito do dirigente na Internet, mas a tese foi defendida em livro escrito por Luciano dos Anjos, quando ainda estava ligado ao roustanguismo.

Aparentemente, a tese de Luciano dos Anjos parece verdadeira, como seu relato parece supor, mas há dúvidas se Esporel teria tido essa visão caricaturalmente cientificista, como a que se observa em Nosso Lar, por mais que se considere o esforço teórico de Luciano.

Apesar disso, a tese "vitoriosa" foi a de Waldo Vieira, que atribuiu a Carlos Chagas a identidade de André Luiz antes de seu falecimento, o que traz uma conexão de nove anos entre o falecimento do famoso cientista, em 1934, e a publicação de Nosso Lar, em 1943.

Mesmo assim, se a narrativa de Nosso Lar passa em 1939, esse dado cria um problema, porque, em vez de oito ou nove anos, teriam sido cinco os anos entre a morte do médico e sua estadia na colônia espiritual. Ainda assim, Carlos Chagas chega a ter suas fotos usadas como se fossem as de André Luiz.

SEMELHANÇAS TEXTUAIS

O blogue Obras Psicografadas, um dos principais espaços de questionamento dos deslizes do "espiritismo" brasileiro, publicou um texto que atribuiu a Nosso Lar e seus derivados o plágio do livro do médium protestante inglês George Vale Owen, A Vida Além do Véu, traduzido no Brasil em 1921.

Chico Xavier, provavelmente com alguma contribuição de Waldo Vieira, chegam a reproduzir, do livro de Owen, o roteiro novelesco que muitas obras "espíritas" utilizam, até mesmo quando anti-médiuns se apropriam de nomes contemporâneos como os dos roqueiros Cazuza (1958-1990) e Raul Seixas (1945-1989): sofrimento em zonas espirituais inferiores, internação em colônia espiritual e salvação da alma.

Mas o que se nota nesses livros, em que pesem os diversos plágios e as diversas identidades de celebridades - há quem afirme que André Luiz teria sido o médico fluminense Miguel Couto, apesar de falecido em idade relativamente avançada, aos 69 anos em 1934 - , é o pedantismo pseudo-científico caraterístico da Conscienciologia de Waldo Vieira.

É só observarmos os livros do ciclo Nosso Lar e as ideias difundidas por Waldo Vieira, que se desligou da FEB em 1968 e depois fundou, em Foz do Iguaçu, a Conscienciologia, pseudociência de cunho místico-psicológico. A Conscienciologia, que ainda tem uma divisão chamada Projeciologia, apresenta muitos dos aspectos pseudo-científicos descritos em Nosso Lar.

Daí que a identidade se dá através das obras, das semelhanças exatas de diferentes fenômenos. André Luiz, portanto, não teria sido mais do que um personagem de Waldo Vieira, que criou o personagem que Chico Xavier aproveitou em seus livros e "segurou" o personagem após o desligamento de seu criador, mas herdou as caraterísticas que teriam sido traçadas por Waldo.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Religião não devia ser o refúgio do absurdo

ILHA DE ILUSÃO EM MAR DE REALIDADE - É o que se costuma fazer com os dogmas religiosos.

Desde as crenças surreais promovidas pelo Catolicismo medieval, que distorceram o Cristianismo primitivo, doutrina criada por seguidores e herdeiros do ativismo de Jesus, em uma ideologia marcada pelo sensacionalismo místico-moralista, criou-se uma obsessão em transformar a fé religiosa num exílio confortável para o absurdo, o pitoresco e o ilógico.

O Catolicismo lançou teses absurdas que, na verdade, soam interpretações equivocadas sobre alguns fenômenos e fatos ocorridos não apenas na época de Jesus, mas nos tempos de profetas antecessores, como Moisés.

No caso de Moisés, a interpretação equivocada da maré baixa do Mar Vermelho deu aos católicos a falsa noção de um mar sendo "recortado", quando na verdade Moisés aproveitou a baixa da maré para chamar seus seguidores a seguir caminho por águas bem baixas.

No caso do dilúvio que fez Noé e seus familiares a se mandarem para um navio e levassem alguns animais junto, não necessariamente casais de bichos, como diz a narrativa oficial, foi apenas uma enchente regional, não a "grande enchente" que supostamente atingiu o mundo inteiro, como também diz a narrativa oficial.

Mas uma religião que havia "plantado" o julgamento de Jesus por Pôncio Pilatos, fato que nunca existiu, já que nenhum registro histórico a respeito foi descoberto e Pilatos, pelo contexto da época, não teria tido paciência para tal evento e tão somente ordenou a crucificação de Jesus, tal qual os antigos milicos do DOI-CODI exterminaram seus condenados a esmo, tal atitude faz sentido.

O problema é que esse vício contaminou até mesmo outras crenças dissidentes, como o Protestantismo ou mesmo a maneira com que o Espiritismo foi feito no Brasil, em que crenças surreais continuaram prevalecendo, em que pesem as respectivas rupturas com excessos moralistas do Catolicismo medieval.

No chamado "movimento espírita" no Brasil, os antigos absurdos de traduções medievais da Bíblia foram substituídos por outros que, mesmo numa crença supostamente voltada à ciência, mantém a obsessão de reservar um "espaço" de legitimação de fenômenos surreais.

É o caso de elementos feitos para camuflar processos duvidosos de mediunidade. Sobretudo em relação a psicografias, quando manifestações textuais atribuídas a espíritos já falecidos destoam de suas particularidades pessoais em prol da valorização de mensagens ditas "fraternais".

Colhemos algumas possíveis argumentações a respeito desses processos que fazem com que, no caso do "espiritismo" brasileiro, se legitimem manifestações duvidosas, em muitos casos chegando a ludibriar juristas e especialistas culturais, intimidados com a reputação "nobre" que muitos dirigentes e ídolos "espíritas" exercem sobre a sociedade.

AS EXPRESSÕES (OBRAS TIDAS COMO MEDIÚNICAS) SE ASSEMELHAM PERFEITAMENTE COM O ESTILO DOS AUTORES FALECIDOS.

No contexto do "espiritismo" brasileiro, isso é insuficiente para provar, por definitivo, a autenticidade de supostas obras mediúnicas. A semelhança não impede que tais obras sejam na verdade imitações feitas por supostos médiuns, podendo ser fraudulentas.

Deve-se frisar que toda imitação se esforça em parecer com o original. A mentira tenta se parecer com a verdade, toda fraude se assemelha com a sua fonte de cópia. Um produto pirata apresenta semelhanças com o original. Por isso, até certo ponto, o falso parece com o verdadeiro, às vezes de maneira bastante sutil.

O grande problema é quando se observam pormenores, detalhes complexos, aspectos peculiares, que fazem com que o falso seja desmascarado e não seja atribuído como algo autêntico, por conta dessas caraterísticas que não conseguem reproduzir com perfeição as da fonte de cópia.

OS AUTORES ESPIRITUAIS ESTAVAM TÃO TOMADOS DE AMOR QUE SE ESQUECERAM DO SEU PRÓPRIO ESTILO PARA TRANSMITIR PALAVRAS DE AMOR.

Essa ideia é absurda e completamente ridícula. Como é que alguém tem a capacidade de abrir mão de suas caraterísticas pessoais, só porque se comprometeu a expressar "mensagens de amor", pregar a "fraternidade" e a "união dos irmãos"?

Mesmo quando há concordância em relação a uma causa comum da sociedade, um autor de uma mensagem espiritual nunca abriria mão de suas caraterísticas pessoais para expressá-la. Seria anular sua individualidade por completo, se tornando uma marionete dócil de palavras melífluas. A pessoa se reduziria a uma coisa, enquanto meras palavras mortas se transformam em totens quase humanos.

A LINGUAGEM É UNIVERSAL, NÃO IMPORTA O ESTILO, IMPORTA O AMOR.

Outro absurdo, que atua em função do exemplo anterior. A tal "comunhão de pensamento", desculpa usada por Divaldo Franco para livrar-se das acusações de plágio, não procede e a universalidade da linguagem não é desculpa para que se abra mão das caraterísticas pessoais para a veiculação de uma mensagem.

Pode haver afinidades de ideias entre dois emissores de mensagens, mas nada que possa confundir estilos ou permitir atos de plagiar. Uma coisa é ter afinidades de ideias com o outro, mas outra coisa é abrir mão de sua personalidade por conta de uma mensagem "fraternal", o que é desprovido de lógica.

"MISTÉRIO DA FÉ" E "PALAVRAS DE AMOR"

O que se observa é que, tal o "mistério da fé" que tornou-se a desculpa secular da Igreja Católica para que se permitam interpretações surreais de certos fatos ou fenômenos, criando, no âmbito religioso, a supremacia do fabuloso sobre o real, permitindo a reserva da valorização ilógica que tenta desqualificar questionamentos mais realistas.

É um processo tendencioso, porque a religião, neste caso, se serve da exploração do surreal, do pitoresco, do fabuloso e até do absurdo para atribuir a alguns de seus personagens um poder sensacionalista, uma força maior do que a que eles, humanos como nós, tinham na realidade.

O "espiritismo" brasileiro até dispensou a obrigatoridade de se acreditar nos absurdos católicos. Virou "ponto facultativo", ficou opcional. Mas ele mesmo lança absurdos, sobretudo nas falsas materializações e nos falsos produtos mediúnicos, que muitos veem como autênticos mesmo quando apresentam graves irregularidades.

Como se pode ver autenticidade em obras que destoam, sobretudo pela qualidade de expressão, do legado que os falecidos deixaram em vida? Um Cazuza meio apatetado do livro de Robson Monteiro, ou um Eça de Queiroz do além que com a "mão pesada" teria escrito um romance sobre Getúlio Vargas bastante pachorrento, entediante, quase um panfleto de pregações religiosas?

Mais uma vez, o questionamento lógico é deixado de lado em prol das "palavras de amor". Até mesmo mensagens de entes queridos falecidos são comprometidas, porque o que chega aos entes que aqui continuam não são recados dos falecidos, mas pregações religiosas vindas da imaginação de supostos médiuns ou de espíritos zombeteiros que se apropriam dos nomes dos mortos para tirar vantagem.

A lógica da realidade vale em todos os âmbitos. A religião não pode ser um terreno livre da compreensão lógica dos fatos. Abordagens fabulosas, surreais e pitorescas valem como arte, como imaginação cultural, mas eles não podem se sobrepôr à realidade. Quando muito, elas apenas oferecem interpretações artísticas da realidade, sobretudo como metáforas.

A falta de lógica não pode substituir a realidade a pretexto das "finalidades de amor". O amor não pode se sobrepôr à lógica, à ética, à transparência e à coerência. Até porque isso deixa de ser o amor verdadeiro, que vivifica, esclarece, encoraja e anima, para ser um "amor" que intimida, que obscurece, que deprime e, sobretudo, AMORdaça.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O mistério da omissão de Roustaing pela FEB


Quem está acostumado com a forma com que hoje se trabalha o Espiritismo no Brasil deve estranhar muito a figura de Jean-Baptiste Roustaing. Pessoas assim estão habituadas a aceitar a visão purista de um cientificismo de Allan Kardec ocorrido sem problemas na França, harmonizada com o religiosismo aqui traduzido por Bezerra de Menezes e Chico Xavier.

Essas pessoas só entendiam a problemática espírita pela forma maniqueísta que colocava de um lado os espíritas e de outro os católicos. A espiritualidade, a reencarnação e as curas mediúnicas, de um lado, e o ritualismo sacramental católico romano, de outro. Daí o choque que muitos levam diante das revelações pouco positivas dos bastidores do "movimento espírita" no Brasil.

Aparentemente, parece superado o episódio de Jean-Baptiste Roustaing, oficialmente tido como um suposto adepto de Allan Kardec que provocou uma polêmica no movimento espírita da qual poucos se recusam a falar. Muito, muito poucos.

Até mesmo imagens de Roustaing não aparecem na Internet. Para o "bem" e para o "mal", pessoas incômodas aos interesses da FEB são deixadas de lado, seja o Jean-Baptiste Roustaing que até inspirou as bases ideológicas do "espiritismo" brasileiro, seja o sobrinho de Chico Xavier, Amauri Pena, são excluídas do histórico "espírita", não sendo divulgadas sequer fotos.

O que é que faz Roustaing ter virado um "palavrão" para os "espíritas" brasileiros? E por que ele, quando é mencionado, é tão vagamente citado dentro dos círculos da FEB e dos "centros espíritas" vinculados institucional ou ao menos ideologicamente (quando "dissidentes")? E por que a FEB julga "superada" a sua influência se ela aproveita seu legado até hoje?

Roustaing, o advogado que "codificou" o livro Os Quatro Evangelhos, supostamente a partir dos quatro evangelistas (Mateus, Marcos, João e Lucas),  se declarou desafeto de Allan Kardec quando este, ainda que de forma bastante educada, criticou os métodos de concepção do livro, feitos por uma única médium.

Kardec recomendava que mensagens espirituais fossem colhidas por diferentes médiuns, de procedências diferentes e sem vínculo entre si, para que se pudesse verificar a autenticidade autoral, naqueles tempos em que não havia registros sonoros e de imagens e, portanto, os recursos para captar a manifestação espiritual eram muito mais limitados.

Uma má interpretação, trazida provavelmente de um deslize de tradução, atribuiu a Kardec a impressão de que Os Quatro Evangelhos não apresentava desacordo de ideias em relação a O Livro dos Espíritos e O Evangelho Segundo o Espiritismo. Mas Kardec talvez quisesse dizer que, a princípio, havia alguma afinidade de ideias entre seus livros e os de Roustaing.

O que ocorreu para permitir a ascensão brasileira das ideias de Roustaing, já polêmico na França, foi porque a doutrina de Kardec havia se enfraquecido após seu falecimento, em 1869, até mesmo antes desse óbito, já que as ideias kardecianas causaram muita polêmica pelo alto teor científico e pelos debates que não eram compreendidos por mentes ainda fortemente católicas.

Roustaing diluiu a Doutrina Espírita para ideais católicos, mesclando espiritualidade com misticismo e moralismo. Foi adotado pelos brasileiros, até antes de Allan Kardec, a partir da divulgação do médico Adolfo Bezerra de Menezes, que, apesar de ser conhecido como o "Kardec brasileiro", preferia muito mais os ideais "de fé" trazidos por Roustaing.

FALTA INVESTIGAR O ESCÂNDALO ROUSTAING / FEB

O que fez Roustaing, tão preferido e adotado fanaticamente pelos dirigentes da Federação "Espírita" Brasileira, ser hoje descartado, apesar da obra Os Quatro Evangelhos ser mantido no mercado até hoje, só parece um mistério porque a FEB manipulou a memória histórica para que só sobrasse o lado "positivo" da trajetória do "espiritismo" brasileiro.

Mas sabe-se que as ideias de Jean-Baptiste Roustaing causaram uma grande confusão e criaram uma ruptura tensa no "movimento espírita", no qual se destacaram figuras associadas ao Espiritismo científico, fiel as ideias de Kardec, como Afonso Angeli Torterolli, Deolindo Amorim e José Herculano Pires.

Até mesmo o dirigente Luciano dos Anjos (recentemente falecido), que antes havia sido um fanático defensor das ideias de Jean-Baptiste Roustaing, acabou mudando completamente de lado, denunciando as fraudes e os interesses particulares por conta dessa corrente ideológica.

Podemos localizar todo esse escândalo entre 1884 e 1962, na verdade um rol de escândalos e polêmicas nos bastidores do "movimento espírita", indo desde a fundação da FEB à mais dura polêmica relacionada a uma fraude "espírita", que foi a acusação contra o "médium" Divaldo Franco de ter plagiado um livro do já plagiador conhecido e "médium" Chico Xavier.

Entre a fundação da FEB e o mais forte escândalo que quase pôs a criar um conflito entre dois ídolos "espíritas", aparentemente amigos entre si, foram 78 anos, o que contribuiu para o baixo crescimento da Doutrina Espírita no Brasil, apesar das estatísticas "otimistas" da FEB.

Mas o próprio IBGE, confrontando a tese da FEB, afirmou que o Espiritismo, no Brasil, havia crescido, entre 1940 e 1910, apenas 0,9%. E isso quando são as pessoas declaradas "espíritas", dos quais a maioria não é praticante - só recorre aos "centros espíritas" para tratamentos terapêuticos - e outra parte significativa segue a corrente de Bezerra / FEB / Chico Xavier.

Então, com esse diagnóstico, as ideias de Allan Kardec ganham baixíssima projeção, se levarmos em conta que, dos 2% dos ditos "espíritas" brasileiros, algo em torno de 98% está ligado ou à adesão ocasional de tratamentos "espirituais" ou à crença na corrente espiritólica de Chico Xavier e companhia.

Dessa polêmica relacionada a Roustaing, sabe-se que o grosso dos escândalos, relacionados diretamente a Os Quatro Evangelhos, pode ser situado, no tempo, entre um período levemente posterior ao da fundação da FEB, em 1886, com Bezerra de Menezes como seu presidente, e a instauração do Pacto Áureo, que firmou a diretriz religiosista da FEB, em 1949.

Divergências entre científicos e religiosistas no "movimento espírita" eram anteriores até mesmo à fundação da FEB, mas é possível que, já no século XX, elas tenham se acirrado completamente, criando polêmicas duras que refletiram na imprensa brasileira. A ascensão de Chico Xavier, primeira grande celebridade do "espiritismo" brasileiro, nos anos 1930, só complicou as coisas.

Denúncias que vão desde os desvios das ideias originais de Allan Kardec até acusações de fraudes e charlatanismo em práticas supostamente espíritas, que atingiram o ápice entre os anos 1930 e 1950, arranharam seriamente a reputação da Federação "Espírita" Brasileira, dando a seu então presidente, Antônio Wantuil de Freitas, uma reputação que hoje se equipara a de Ricardo Teixeira na Confederação Brasileira de Futebol.

O que se deve fazer, nas análises questionadoras do "movimento espírita", é trazer à Internet esses antigos documentos, além das fotos de Amauri Pena e de Roustaing, assim como as polêmicas mais antigas.

Deve-se resgatar, também, antigas entrevistas - como a misteriosa entrevista de André Dumas à revista Manchete, denunciando a catolicização do Espiritismo no Brasil, dos quais só há vaga citação, mas nenhuma reprodução de seu texto e de fotos - e reportagens, para criar um acervo de questionamentos mais consistente e conciso na Internet, para entendermos melhor não só Roustaing mas os problemas em torno da FEB e do Espiritismo no Brasil.

domingo, 14 de setembro de 2014

Por que Allan Kardec tornou-se desprezível para os primeiros "espíritas" brasileiros?


O que fez as ideias científicas de Allan Kardec terem sido desprezadas nos primórdios do "movimento espírita" brasileiro, pelo menos da parte da facção majoritária dos religiosistas? A "adaptação" da novidade espírita, tida como "inocente" e "peculiar" às tradições brasileiras, no entanto não se explica sem levarmos em conta aspectos nada harmoniosos.

O Brasil é um país complicado, que tem como seu principal vício o estabelecimento de novidades sem romper com velhos paradigmas. É como se construíssemos um novo edifício a partir de pilastras da construção mais antiga. Pilastras velhas e apodrecidas a sustentar um novo edifício. E isso explica muitas coisas, e nelas inclui o modo como o Espiritismo foi adotado aqui.

O contexto social das raízes do "movimento espírita" é o período final do Segundo Império, o desgaste do poder escravocrata e os efeitos sociais da Guerra do Paraguai, em que um grande contingente de homens brasileiros, inclusive jagunços, mendigos e até loucos, foram jogados para lutar, sob as ordens do império britânico, contra a ascensão populista do presidente paraguaio Francisco Solano Lopez.

Esse período tornou-se um marco histórico para o Brasil, que ainda vivia um desenvolvimento sócio-político incipiente. As primeiras faculdades, berços do ensino universitário, só surgiram depois da vinda da família imperial ao Brasil, em 1808.

O Brasil tornou-se independente de Portugal mas ainda sofria forte influência portuguesa, que influiu na permanência da opção imperial, com herdeiros da família monárquica lusitana, numa América do Sul de países republicanos, seguindo o exemplo dos já republicanos Estados Unidos da América.

Além disso, o trabalho escravo ainda era uma forte atividade econômica, embora considerada na Europa uma atividade decadente. Ainda na década de 20 do século XIX, o estadista José Bonifácio de Andrada e Silva havia defendido a abolição da escravatura, mas isso era inútil porque a maioria dos fazendeiros, empresários e intelectuais de então era a favor dessa atividade.

Até a parcial assimilação dos ideais do Iluminismo francês se deu dentro da perspectiva de "edifício novo sobre andaimes velhos". Assim, os ideais de direitos humanos chegavam aqui limitados, para não afetar os interesses das elites escravistas no país. Vide o caso, no final do século XVIII, da Conjuração Mineira, também conhecida como Inconfidência, que incluiu ativistas escravocratas.

Sempre uma coisa nova chega ao Brasil distorcida, para que não represente uma transformação radical. É um elemento novo que precisa ser adaptado não ao sabor das "peculiaridades regionais", mas antes deturpado ao sabor de interesses conservadores que aceitam o dado novo desde que bastante lapidado e mesclado com caraterísticas bastante conservadoras.

A partir do meio do século XIX, se intensificaram as pressões externas e internas para tentar extinguir, ou ao menos enfraquecer, a exploração do trabalho escravo no Brasil. Diversos parlamentares e jornalistas, alguns deles negros já emancipados, foram militar na causa abolicionista.

 No contexto histórico e político, a atuação do parlamentar Adolfo Bezerra de Menezes, médico que depois virou líder "espírita", foi razoável, escrevendo até um livro, A Escravidão no Brasil e as Medidas que Convém Tomá-la para Extingui-la Sem Dano para a Nação, lançado em 1869, que apresenta visões válidas sobre como superar a economia escravagista.

O trabalho escravista só foi extinto em 1888, mas mesmo assim sem representar uma digna compensação tanto para os senhores quanto para os negros libertos. Os negros foram deixados à própria sorte, em condições sociais que, entre outras coisas, gerou a favelização.

Já as elites exploradoras, sobretudo dos antigos senhores de engenho, se revoltaram com a Abolição e passaram a pressionar pelo enfraquecimento do poder do imperador Dom Pedro II e pela instauração da República, a partir de um golpe militar comandado por um monarquista (!), o marechal Deodoro da Fonseca. Edifício novo sobre andaimes velhos.

Um Brasil que muito tardia e confusamente mudava da Monarquia para a República - e, mesmo assim, com um altamente corrupto processo eleitoral - , que chegou a ter um Iluminismo com ideias escravocratas, e se dividia entre o velho populismo imperial e o velho coronelismo republicano, tinha que assimilar o Espiritismo da forma mais contida possível, praticamente castrada.

Sim, porque as ideias de Allan Kardec foram praticamente castradas. Apenas algumas novidades formais foram consideradas, como a existência de vida espiritual após a morte e alguns procedimentos de cura fluídica.

Admitia-se, também, uma redução do rigor punitivo do Catolicismo medieval, mas sem sair de sua essência moralista e extremamente mística. Dessa maneira, influências religiosas diversas, como dos cultos africanos e indígenas, eram respeitadas pelo "movimento espírita" de ideias ainda católicas, do contrário da intolerância antigamente feita pelos medievais.

Isso não impede, porém, que o medievalismo católico tenha sido descartado em sua essência. Já não se condenava hereges para serem queimados em praça pública, mas ainda se adotava um moralismo para o qual suicidas eram mais duramente atacados do que os homicidas, vistos pela moral espiritólica brasileira como "justiceiros das leis de Causa e Efeito".

A influência do Catolicismo medieval, que ainda prevalecia em Portugal - a título de exemplo, o dramaturgo e ator Antônio José da Silva, conhecido como "o Judeu", nascido no Brasil mas fazendo carreira em Portugal, havia sido condenado pela Inquisição em 1739 - , e encontraria ecos no Brasil ainda no século XIX, freou muito do impacto das ideias de Kardec no país.

Na própria França as ideias kardecianas eram deixadas de lado, já que mesmo seus aliados queriam atenuar o conteúdo científico em prol de ideias católicas defendidas pelo governo francês de então. Durante muito tempo os delírios católicos de Jean-Baptiste Roustaing foram considerados "mais modernos" e "assimiláveis" do que as ideias científicas de Allan Kardec.

E foi Roustaing quem primeiro fez baterem os corações dos pioneiros da FEB. Hoje a própria federação tenta ocultar esse aspecto, criando uma visão oficial e "limpa" da Doutrina Espírita, costurando a trajetória kardeciana sem as intervenções roustanguistas com a trajetória da FEB sem as polêmicas do grupo científico.

Essas manobras é que encontram sua justificativa não na admirável tradição dos povos brasileiros, mas na lamentável tradição dos interesses das elites conservadoras, que sempre puxam para trás e que criaram o hábito, válido até hoje, do Brasil só admitir novidades quando elas são adaptadas e domesticadas para atender a interesses conservadores dominantes.

sábado, 13 de setembro de 2014

Historiadora faz análise superficial e oficialesca sobre a Doutrina Espírita


A conceituada e experiente historiadora e professora da USP e da PUC/RJ, Mary Del Priore, é conhecida por muitos trabalhos de valor como Uma Breve História do Brasil, História das Mulheres do Brasil, A Viagem Proibida: Nas Trilhas do Ouro e Matar Para Não Morrer (este sobre Dilermando de Assis, o assassino do escritor Euclides da Cunha, autor de Os Sertões).

No entanto, sua incursão nos assuntos da espiritualidade, ou melhor, do sobrenatural, através do livro Do Outro Lado - A História do Sobrenatural e do Espiritismo, embora bastante bem intencionada, peca pela superficialidade e por uma posição parcial, vinculada às fontes referentes à visão da Federação "Espírita" Brasileira.

O trabalho não é exclusivamente sobre a Doutrina Espírita, mas sobre a questão das relações dos brasileiros com o sobrenatural, incluindo umbanda, cartomancia e curandeirismo. Ela faz até um histórico interessante sobre os processos e movimentos referentes a esses temas, mas quando descreve o Espiritismo no Brasil a autora cai em equívocos.

Mary se limita a descrever uma visão superficial e oficialesca da Doutrina Espírita, considerando tão somente o ponto de vista dos dirigentes da FEB. Ela descreve uma trajetória "higienizada" da Doutrina Espírita no Brasil, em que o único confronto existente é entre o "movimento espírita" e a Igreja Católica, praticamente num maniqueísmo a favorecer os "espíritas".

A historiadora prefere evitar as polêmicas graves ocorridas no interior do "movimento espírita" e os dois extremos problemáticos que comprometeram a trajetória da Doutrina Espírita no Brasil, sejam as raízes das deturpações "catolicizantes", sejam os líderes espíritas que reivindicavam maior fidelidade às ideias científicas de Allan Kardec.

Em outras palavras, Mary Del Priore conta um histórico "limpo" do Espiritismo, eliminando as intervenções místicas e católicas de Jean-Baptiste Roustaing, fonte para o "espiritismo" defendido pela FEB, de um lado, e as reações de espíritas científicos como Afonso Torterolli contra as traições da FEB às ideias originais de Kardec.

Em vez disso, Mary Del Priore prefere uma narrativa "asséptica", em que a doutrina de Allan Kardec teria "inspirado" a doutrina da FEB, sem fazer qualquer questionamento se as abordagens de Adolfo Bezerra de Menezes estariam, na verdade, mais influenciadas no catolicismo de Roustaing do que no cientificismo de Kardec, o que ocorreu de fato.

Mary recusa essa problemática. Prefere se limitar a dizer que o Espiritismo surgiu no Brasil enfrentando tão somente a resistência da Igreja Católica e da sociedade policialesca da época, que chamava a polícia para fechar "centros espíritas" e prender seus envolvidos.

Quando muito, Mary apenas procura fazer a distinção entre o "espiritismo kardecista" e a umbanda, mencionando uma confusão hoje já superada, mas que durante muito tempo, até mesmo uns 20 anos atrás, ainda prevalecia no imaginário popular, entre os dois.

Ela até menciona o magnetismo de Franz Anton Mesmer e faz seu histórico, ignorando, no entanto, que o autor é desprezado pelos "espíritas" brasileiros a ponto de não haver a publicação de um único livro traduzido em português do autor alemão. Mary também ignora que hoje os passes, por exemplo, se reduziram a um mero ritual de sacudir as mãos, sem qualquer cuidado com os métodos magnetistas estudados.

Mary também cita o caso das "mesas giratórias" (ou "mesas volantes", como consta no livro), um fenômeno antigo, mas que havia se tornado moda na França do século XIX e foram analisadas pelo pedagogo Hippolyte Rivail antes dele assumir o codinome Allan Kardec. Rivail já era também um estudioso do magnetismo de Mesmer, tendo traduzido para o francês vários livros deste.

O problema, no entanto, é que Mary não mencionou os problemas internos do "movimento espírita", algo que parece supérfluo para um trabalho que ela julga ter sido dedicado aos iniciantes em assuntos sobrenaturais. Mas não é.

Ela poderia citar as polêmicas de uma forma ligeira, até pelo fato de Jean-Baptiste Roustaing querer "sobrenaturalizar" o sobrenatural, apostando na tese de que espíritos humanos reencarnariam em animais, plantas e até micróbios. E Roustaing foi durante muito tempo mais valorizado que Kardec entre as lideranças da FEB. E muito mais valorizado que se pensa.

O histórico "higienizado" da FEB pode dar uma péssima impressão para os iniciantes, já que muitos imaginam que o "espiritismo" catolicizado da federação, às custas de figuras como Bezerra de Menezes e Chico Xavier, é erroneamente herdado do cientificismo de Allan Kardec, que só descrevia a ideia de religião no sentido antropológico e filosófico, mas não no sentido místico-institucional.

Por isso o livro Do Outro Lado acaba sendo um trabalho menor da notável historiadora. Não que o livro não sirva para pesquisas, já que, descontando o histórico "limpo" da Doutrina Espírita no Brasil, o trabalho mostra dados bem interessantes sobre o tema do sobrenatural.

Mas o livro peca por essa visão oficialesca e superficial do Espiritismo, que mesmo num trabalho que se anuncie como introdutório e talvez comercialmente viável torna-se um procedimento muito perigoso. Isso porque a Doutrina Espírita, da forma como foi feita no Brasil, foi corrompida em prol de um misticismo que prejudicou por dentro a divulgação do Espiritismo no Brasil.

E esse aspecto negativo, que inclui disputas de poder, vaidades pessoais, expulsão de membros "incômodos" e toda sorte de deturpações, fraudes e pregações moralistas bastante retrógradas, é o que mais carateriza o "espiritismo" brasileiro, realidade cuja omissão pode significar um choque para seus seguidores assim que tais irregularidades forem reveladas.

Por isso Mary Del Priore deveria, ao menos, antecipar aos leigos e iniciantes esse grave problema no "espiritismo" brasileiro, que é o conflito entre tendências religiosistas e científicas, com prejuízo para esta última, que era mais fiel às ideias originais do professor Kardec. A historiadora perdeu uma boa oportunidade de fazer essa prevenção.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Religiosidade prejudicou adaptação da Doutrina Espírita no Brasil


O texto da socióloga Célia da Graça Arribas, "O Caráter Religioso do Espiritismo", parece um bálsamo para muitos adeptos do chamado "espiritismo" brasileiro, que se aliviam diante de uma tese que atende aos seus interesses de acreditar que a Doutrina Espírita não é mais do que uma "água com açúcar" religiosa.

A tese lhes cai bem, diante do crescimento dos questionamentos severos que o "movimento espírita" anda sofrendo nos últimos anos, e parece pôr fim à polêmica envolvendo facções religiosistas e cientificistas no "espiritismo" brasileiro, favorecendo a supremacia dos primeiros, a pretexto das tradições de diversidade religiosa no Brasil e de sua missão aparentemente moral e filantrópica.

No entanto, uma observação mais cautelosa mostra que a supremacia da facção religiosista no "movimento espírita" brasileiro tornou-se muito mais nociva do que qualquer um poderia cogitar ou admitir, mesmo em hipóteses mais moderadas.

Isso porque a principal herança dessa postura no "movimento espírita" foi a assimilação de valores emprestados do Catolicismo português, principal tradição religiosa vigente no Brasil colonial, difundida pelos padres da Companhia de Jesus. Essa corrente do Catolicismo ainda era carregada de ideias medievais, e ainda no começo do século XIX promovia sangrentas condenações da chamada Santa Inquisição.

Célia afirma que a facção religiosa do "movimento espírita" não traiu as ideias originais de Allan Kardec. Tal visão é um equívoco. Historicamente, o que se viu foi uma traição que veio desde o começo, o bem cortado pela raiz, quando, nos primórdios da FEB, o "complicado" Kardec era deixado de lado, enquanto Jean-Baptiste Roustaing era preferido pelos dirigentes "espíritas", sobretudo a partir de Adolfo Bezerra de Menezes.

O escândalo causado pelas denúncias de que Roustaing estaria impondo teorias absurdas sobre a espiritualidade, que gerou amargos conflitos dentro das lideranças da FEB e criou cisões dentro de um clima bastante tenso, fizeram com que a federação, com o tempo, se aproveitasse da memória curta e escondesse Roustaing depois que ele, antes predileto, virou um problema para os "espíritas".

Foi como se um belo anel, de repente, passasse a apertar os dedos a ponto de feri-los. Roustaing foi deixado de lado, apesar de sua obra Os Quatro Evangelhos ser publicada até hoje, e a FEB, que desprezava Kardec por ser "complicado demais", teve que usá-lo até mesmo para atribui-lo às ideias menos polêmicas que, na verdade, eram originárias de Roustaing.

A prevalência da "religiosidade espírita", em vez de ter encerrado problemas e polêmicas, na verdade criou novos e mais graves problemas. Oficialmente, a "religião espírita" foi uma forma da FEB de promover a "união" entre facções divergentes apenas porque, em tese, promove a solidariedade e o assistencialismo.

Os incomodados apenas teriam que pular fora do "espiritismo" brasileiro, apesar das "portas abertas para todos" dentro da perspectiva "religiosa" da Doutrina Espírita. Mas isso criou sérios problemas, a partir de uma má interpretação do sentido de religião trazido por Allan Kardec.

RELIGIÃO NO SENTIDO ANTROPOLÓGICO

Allan Kardec quis, quando afirmou que a Doutrina Espírita era um somatório de ciência, filosofia e religião, que o sentido da religiosidade nada tinha a ver com o que era promovido por seitas ou igrejas, com seus ritos, dogmas e mitos, mas com o sentido antropológico da ligação original do ser humano com a força que se supõe provável origem de todas as coisas e fenômenos na Terra.

O "espiritismo" brasileiro interpretou mal esse conceito de Kardec e, quando assimilou o sentido "religioso" da Doutrina Espírita, o fez da pior forma, assimilando aspectos do Catolicismo medieval português, e resgatando antigos procedimentos jesuíticos, já a partir da evocação do padre Manuel da Nóbrega, agora sob o codinome Emmanuel.

Em seguida, o "espiritismo" brasileiro se serviu da adaptação de ritos católicos, como a "água fluidificada" (água benta), o "auxílio fraternal" (confessionário), as "palestras espíritas" (sermões), além de um empréstimo de um rito protestante, o "passe" (exorcização), cuja prática rompeu, com o passar do tempo, com a compreensão já superficial e vaga do magnetismo de Franz Mesmer.

Além disso, toda a pregação "espírita" passou a se ancorar em narrativas de cunho moralista, ora surreais - como em Nosso Lar, que narra supostos mundos espirituais - , ora folhetinescas, como na maioria das obras sobre "sofrimentos humanos" na Terra, enquanto abordava aspectos científicos da vida espiritual de forma confusa, pedante e também superficial.

ESTRAGOS

Houve também estragos diversos. A prevalência da facção religiosista no "movimento espírita" não só fez travar a evolução das ideias de Allan Kardec, criando um círculo vicioso da exploração da fé religiosa, como permitiu não só a deturpação do conhecimento kardeciano como também deu margem a uma prática fraudulenta da mediunidade.

Essa fraude se deu por causa tanto do desprezo do conhecimento científico, ou seja, o desinteresse de se aprofundar na Ciência, quanto dos interesses particulares dos dirigentes e até mesmo da fragilidade de médiuns que, na verdade, não possuem todas as habilidades que supostamente são atribuídas a eles.

Denúncias de fraudes contra personalidades badaladas como Chico Xavier e Divaldo Franco, entre outras, deixam vazar essas limitações. Eles não teriam sequer metade do poder mediúnico que alegam ter, limitando sua mediunidade praticamente apenas aos contatos espirituais com seus mentores.

As acusações são pesadas, envolvendo de plágios de livros ao apoio de falsificações na materialização e na psicopictografia (pintura mediúnica), quando supostas materializações seriam na verdade de pessoas vivas encapuzadas usando fotos impressas de gente morta, e os quadros seriam falsificações que destoam dos estilos das obras dos pintores originais atribuídos às obras falsas.

Também se criou uma "escola de psicografia" que transforma qualquer falecido em propagandista religioso, dentro daquele clichê "eu sofri, fui socorrido e encontrei a luz", destoando também das personalidades dos finados. Seriam, na verdade, mensagens mandadas por supostos médiuns, vindas de sua própria imaginação, ou de espíritos zombeteiros se passando por outro alguém.

Junto a isso, há também a "escola de psicofonia", em que, estranhamente, se evocam espíritos de falecidos que viveram no século XIX e dos quais não constam registros sonoros, mesmo quando ainda eram vivos na época do advento do fonógrafo, em 1877, ou da primeira comercialização da tecnologia, no começo do século XX. Seriam, na verdade, falsetes usados pelas vozes dos supostos médiuns.

São aspectos muito negativos que se propagaram e que são tidos como "práticas autênticas" de mediunidade, chegando mesmo a ludibriar juristas, acadêmicos e críticos e arte, que aceitam essas práticas como "verdadeiras" mais pelo temor de uma espiritualidade que não compreendem do que pela aceitação da "doutrina espírita" tal como é feita no Brasil.

Isso tudo prejudicou até mesmo a adaptação da Doutrina Espírita no Brasil. Célia Arribas está errada na sua defesa. O "espiritismo" brasileiro traiu, sim, as ideias originais de Kardec e desprezou sua essência, pois o que a socióloga entende como "adaptação local" foi a corrupção da doutrina em prol de vícios religiosos antigos.

Deste modo, o "espiritismo" brasileiro desprezou o pensamento científico e, na disputa com setores ortodoxos da Igreja Católica, se corrompeu ao se transformar numa seita moralista, estando muito mais próximo de ser um neo-catolicismo espiritualista do que uma adaptação brasileira da doutrina de Allan Kardec, intelectual francês bajulado no discurso mas ignorado na prática pelos "espíritas" brasileiros.
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