sexta-feira, 31 de março de 2017

A crueldade de julgar severamente os refugiados do Oriente Médio


O juízo de valor, da mais extrema gravidade, dado "inocentemente" por um doce Divaldo Franco durante uma entrevista no XXIII Congreso "Espírita" Nacional na Espanha, é uma atitude deplorável, se levarmos em conta que o prestígio religioso, ao fazer com que seus detentores falem o que querem, levados por suas crenças, acabam cometendo erros preocupantes.

Divaldo Franco, se valendo das caraterísticas do "espiritismo" deturpado que temos, do qual ele é um dos artífices - dissolvendo igrejismo roustanguista num suposto "kardecismo autêntico" - , foi julgar os pobres refugiados dos países em guerra no Oriente Médio, que nem sempre conseguem se mudar para a Europa, de terem sido "tiranos europeus" em encarnações passadas e longínquas. Vejamos o depoimento do anti-médium baiano:

"No campo das deduções e de acordo com o meu pensamento, penso que aqueles que estão hoje, de volta à Europa, são os antigos colonizadores que deixaram, até hoje, a América Latina na miséria.
Como foi negado todo o direito aos seus residentes, como aculturaram os silvícolas, destruindo culturas veneráveis, pela Lei de Causa e Efeito aqueles estão retornando hoje à pátria, no estado de miséria, e que ameaçam os próprios países de onde saíram, para, um dia, buscarem a fortuna para o conforto europeu. Mas, também me recordo dos grandes problemas que estão a acontecer no antigo Levante, graças às tropas muçulmanas. “O Homem é o lobo do Homem” e, verificamos que estamos a transformar este lobo em cordeiro. Como sou otimista, acredito que em breve, o lobo e o cordeiro beberão no mesmo regato, em fraternidade. Já vemos muitas dessas uniões, através da educação que é proporcionada, e nós vemos isso na Internet, diariamente. Porque não, na realidade, amanhã?".

Isso é de extrema gravidade. Allan Kardec ficaria totalmente envergonhado. Jesus de Nazaré, completamente indignado. O espírito Erasto também confirmaria os alertas sobre os deturpadores do Espiritismo.

É uma declaração do tipo morde-e-assopra. Primeiro, Divaldo, seguro de sua "sabedoria", diz na cara dura que os pobres refugiados dos países em conflito "são os antigos colonizadores que deixaram a América Latina na miséria". De maneira generalizada, expõe a duvidosa tese dos "resgates coletivos", do "gado expiatório" que, só por compartilhar uma mesma situação e um mesmo infortúnio, são tidos como "portadores de um destino comum".

Em seguida, Divaldo faz um comentário bastante prolixo sobre a ideia de que o "homem é o lobo do homem", que mais confunde do que esclarece, falando sobre "transformar o lobo em cordeiro" não se sabe em que sentido Dito da forma como se deu, Divaldo, mais preocupado em pregar a "fraternidade" sob um contexto igrejista e moralista, não nos disse se os lobos virarão cordeiros ou os cordeiros virarão lobos ou talvez lobos e cordeiros se uniriam na "educação" sociopata da Internet.

Divaldo cita a "aculturação dos silvícolas" que destruiu "culturas veneráveis" e ignora que um dos que fizeram isso com gosto foi o padre Manuel da Nóbrega, que voltou através de Francisco Cândido Xavier, de quem o baiano é discípulo, sob o nome de Emmanuel. E quem imagina que Emmanuel - um servo de colonizadores que, pelo jeito, "voltou" de maneira "mais feliz" que os coitados dos refugiados - se arrependeu de seus métodos, está redondamente enganado.

O método de deturpação da Doutrina Espírita se assemelha muito com a catequização dos jesuítas sobre os índios. Fingia-se a assimilação das culturas do "outro", e as "devolvia" descaraterizadas pelos dogmas católicos medievais. O próprio Divaldo contribuiu com gosto com essa "aculturação" que desfigurou o legado kardeciano com dogmas do mesmíssimo Catolicismo jesuíta.

Além disso, quando houve a crise da fase abertamente roustanguista do "movimento espírita", quando Luciano dos Anjos denunciou que Divaldo Franco havia plagiado obras de Chico Xavier, os "espíritas" sofreram um racha, isolando a alta cúpula da FEB e criando uma falsa aliança entre "místicos" regionalistas (Chico e Divaldo) e "científicos" (como Herculano Pires) que deu origem à "fase dúbia", houve uma grande manobra.

Forjando "mensagens espirituais" de Bezerra de Menezes, os "místicos regionalistas" se dirigiram à alta cúpula dac FEB mostrando um suposto espírito de um de seus fundadores se dizendo "arrependido" do roustanguismo. e, pretensamente identificado com as bases espíritas originais, pedia aos "espíritas" para "kardequizar", uma clara corruptela do termo "catequizar", um trocadilho que diz muito em si.

OS REFUGIADOS

Ignoram os "espíritas" a agonia dos refugiados dos países em conflito, como Iraque, Líbano e Síria. São pessoas que não podem viver nesses lugares. Elas têm o risco de serem atingidas por bombas dentro de casa, ou serem vítimas de atentados durante uma inocente saída de casa.

Ainda em seu juízo de valor, Divaldo Franco ainda fala dos refugiados como "aqueles estão retornando hoje à pátria, no estado de miséria, e que ameaçam os próprios países de onde saíram, para, um dia, buscarem a fortuna para o conforto europeu", como se dissesse que os refugiados "estão pagando pelo que merecem", um punhal disfarçado em tão dóceis palavras.

Exemplos similares deste juízo de valor já renderam processos judiciais. O médico paulista Woyne Figner Sacchetin, acusando as vítimas do acidente com um avião da TAM (atual LATAM) de terem sido romanos sanguinários, rendeu um processo por danos morais. Uma médica de Rondonópolis, Mato Grosso, também foi processada por recusar-se a atender uma criança vítima de estupro alegando que ela "pagava reajustes morais".

Mas o mais deplorável foi o caso de Chico Xavier, que acusou as vítimas da tragédia de um circo em Niterói pelo mesmo motivo apresentado por Woyne, décadas depois. Afinal, Chico, tido como "símbolo da humildade plena", acusou pessoas humildes de terem sido romanos sanguinários, cometendo uma atrocidade moral, pois as vítimas não tinham dinheiro para processar o "médium" e, por sua inocência, nem tinham noção de como foram ofendidas pelo "bondoso homem".

No caso dos refugiados, esquecemos da alegria que muitos homens têm em alcançar o solo europeu. Quantos sírios, libaneses, egípcios, nigerianos, gente de cor, feliz apenas em arrumar um trabalho, por mais modesto que seja, uns solitários, outros com famílias, apenas para se livrar de áreas tomadas pela guerra.

Quão cruel é a visão de um "espírita" é acusar, na cara dura, pessoas assim de terem sido tiranos num passado remoto, e isso diante de uma doutrina brasileira mais preocupada com pregações igrejistas, como se fosse um Catolicismo à paisana, e não cumpre adequadamente qualquer preceito sobre mediunidade, vida espiritual e moral reencarnatória!

Proteger-se sob o manto confortável do prestígio religioso, acostumado a um clima de adoração subserviente de fiéis seguidores ou simpatizantes não é garantia de estar sempre com a verdade e a razão em suas mãos. Principalmente no caso de Divaldo Franco, que, como Chico Xavier, deturpou de propósito os ensinamentos de Kardec, afinal ninguém faz sem querer um erro transmitido em centenas de livros ou palestras.

Fica a nossa consideração com os refugiados dos países em guerra. Independente deles terem sido ou não tiranos europeus, é positivo que eles cheguem à Europa e reinventarem o continente, já abalado com a crise da União Europeia, diante do processo de oficialização da saída da Grã-Bretanha.

quarta-feira, 29 de março de 2017

O gravíssimo juízo de valor do pretenso sábio Divaldo Franco


Quão atrasado está o nosso Brasil quando se consideram como paradigmas de sabedoria engodos igrejistas, místicos e rebuscados, uma mistureba de ideias, umas boas, outras absurdas, que pretensos sábios servem para uma plateia deslumbrada que não se encoraja de contestá-los.

Um dos dois maiores deturpadores da Doutrina Espírita, o anti-médium baiano Divaldo Pereira Franco, chega a parecer verossímil em muitos momentos, mais dissimulado que Francisco Cândido Xavier. Pois Chico Xavier não teve a habilidade em usar o verniz de "kardeciano autêntico", envolto em uma trajetória cheia de confusões e marcada por um catolicismo escancarado.

Divaldo, mais esperto, adota um verniz intelectual, ainda que seu ar professoral remetesse aos padrões dos antigos professores da Educação hierarquizada e conservadora que era predominante no Brasil até os anos 1940. Sua verborragia e ainda apoiada por uma aparente filantropia, que mal conseguiu ajudar menos de 0,1% da população brasileira.

Em uma entrevista dada à mídia portuguesa, em dezembro de 2016, durante um congresso "espírita" na Espanha, ele deu aquele mesmo discurso de pretenso profeta, misturando igrejismo com pedantismo científico, e contrariando a natureza dos verdadeiros sábios que nem sempre vem com certezas prontas de bandeja em seu cardápio de ideias.

Embora ele tenha veiculado ideias agradáveis ligadas à "felicidade" e "fraternidade", Divaldo Franco lançou ideias estranhas aos postulados kardecianos, como a atribuição de "resgates coletivos" que transformam multidões em "gado expiatório". Além disso, Divaldo disparou um gravíssimo juízo de valor contra os pobres cidadãos que saem de países africanos ou do Oriente Médio em geral para tentarem a sorte na Europa. Vejamos:

"No campo das deduções e de acordo com o meu pensamento, penso que aqueles que estão hoje, de volta à Europa, são os antigos colonizadores que deixaram, até hoje, a América Latina na miséria.
Como foi negado todo o direito aos seus residentes, como aculturaram os selvícolas, destruindo culturas veneráveis, pela Lei de Causa e Efeito aqueles estão retornando hoje à pátria, no estado de miséria, e que ameaçam os próprios países de onde saíram, para, um dia, buscarem a fortuna para o conforto europeu".

Como deturpador da Doutrina Espírita, é duvidoso que Divaldo Franco fique falando com absoluta certeza das vidas anteriores dos infortunados que morrem a caminho da Europa, fugindo de países em guerra, como a Síria, a Nigéria, Iraque, Jordânia e Líbano. De maneira generalizada e investindo apenas no sofrimento das vítimas, Divaldo se preocupou mais na alegação de uma vida passada do que das raízes e do mérito da fuga de países em sangrentos conflitos.

O juízo de valor é uma constante nos ídolos "espíritas" e já fez uma médica adepta da doutrina igrejista recusar atendimento a uma menina vítima de estupro. A ideia da culpabilidade da vítima, própria do moralismo "espírita", não deve ser confundida com constatações como a de que o Brasil virou um "balneário" de espíritos atrasados reencarnados, porque aqui se refere ao âmbito das ideias e não do julgamento dos castigos sofridos.

Divaldo Franco, além disso, comete o equívoco em defender o mito de "resgates coletivos", uma ideia sem a menor coerência, mas que faz os "espíritas" atribuírem um mesmo destino a pessoas, estranhas entre si, que estão num mesmo local e sofrem alguma tragédia.

Esse é o grande perigo. Divaldo Franco é "sábio" num Brasil marcado pela ignorância e que, mal conseguindo sair de seus atrasos, está condenado a sofrer retrocessos ainda piores do que os da ditadura militar.

Antes que os seguidores de Divaldo Franco, ou mesmo os críticos da deturpação da Doutrina Espírita que tem medo de contestar este deturpador, reclamem deste texto, apresentamos trechos das obras de Allan Kardec que se referem aos pseudo-sábios, cujas caraterísticas, para desespero dos divaldistas e simpatizantes, se encaixam perfeitamente nos equívocos cometidos pelo anti-médium baiano.

Os textos abaixo apresentados são de traduções de José Herculano Pires, fiéis ao texto original, que, diante do escândalo das acusações de que Divaldo Franco, em seus primeiros livros, teria plagiado o (também plagiador) Chico Xavier, havia chamado o anti-médium baiano de "impostor". Vejamos então os trechos de duas obras kardecianas:

Do livro O Evangelho Segundo o Espiritismo:

Capítulo 02 - Autoridade da Doutrina Espírita, Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos:

"Sabe-se que os Espíritos, em conseqüência das suas diferenças de capacidade, estão longe de possuir individualmente toda a verdade; que não é dado a todos penetrar certos mistérios; que o seu saber é proporcional à sua depuração; que os Espíritos vulgares não sabem mais do que os homens; que há, entre eles, como entre estes, presunçosos e falsos sábios, que crêem saber aquilo que não sabem; sistemáticos, que tomam suas próprias idéias pela verdade; enfim, que os Espíritos da ordem mais elevada, que são completamente desmaterializados, são os únicos libertos das idéias e das preocupações terrenas. Mas sabe-se também que os Espíritos embusteiros não têm escrúpulos para esconder-se atrás de nomes emprestados, a fim de fazerem aceitar suas utopias. Disso resulta que, para tudo o que está fora do ensino exclusivamente moral, as revelações que alguém possa obter são de caráter individual, sem autenticidade, e devem ser consideradas como opiniões pessoais deste ou daquele Espírito, sendo imprudência aceitá-las e propagá-las levianamente como verdades absolutas".

OBS.: O texto em questão simplesmente desqualifica aberrações como "Divaldo Responde", já que o verdadeiro sábio não tem essa pretensão de poder responder tudo.

"Toda teoria em contradição manifesta com o bom-senso, com uma lógica rigorosa, e com os dados positivos que possuímos, por mais respeitável que seja o nome que a assine, deve ser rejeitada".

OBS.: Ideias como "crianças-índigo", "resgates coletivos" ou a presunção em determinar datas determinadas para transformações na humanidade correspondem a conceitos que contrariam a lógica e o bom senso, pois a primeira ideia é discriminatória (crianças "fora do comum"), a segunda é absurda (pessoas sem relação entre si que compartilham uma situação comum não podem ter um mesmo destino), e a terceira impossível, porque a realidade é cheia de imprevistos.

Capítulo 07 - Bem-aventurados os pobres de espírito; Mistérios ocultos aos sábios e prudentes:

"Pode parecer estranho que Jesus renda graças a Deus por haver revelado essas coisas aos simples e pequeninos, que são os pobres de espírito, ocultando-as aos sábios e prudentes, mais aptos, aparentemente, a compreendê-las. É que precisamos entender pelos primeiros os humildes, os que se humilham diante de Deus e não se consideram superiores aos outros; e, pelos segundos, os orgulhosos, envaidecidos com o seu saber mundano, que se julgam prudentes, pois que eles negam a Deus, tratando-o de igual para igual, quando não o rejeitam. Isso porque, na antiguidade, sábio era sinônimo de sabichão. Assim, Deus lhes deixa a busca dos segredos da Terra, e revela os do Céu aos humildes, que se inclinam perante Ele".

OBS.: Nota-se que, apesar da postura aparentemente "humilde" de Divaldo Franco, ele demonstra ser um tipo extravagante, "ilustrado", que faz palestras para os ricos e a estes faz lisonja e não cobranças de caridade, até presumindo no discurso que os ricos "já praticam caridade". O ar verborrágico, as pretensas profecias e as fantasias místicas que Divaldo lança o fazem uma atualização dos ditos "sábios e prudentes" que eram duramente criticados por Jesus em seu tempo.

O Livro dos Médiuns:

Capítulo 24 - Identidade dos Espíritos:

Alguns conselhos sobre a qualidade dos espíritos trazidos pela mensagem do espírito São Luís, que mostram os defeitos observados nas atividades e ideias de Divaldo Franco. Entenda aqui "maus espíritos" aqueles que, embora não cometam atrocidades e pareçam bons e simpáticos, são inclinados a cometer leviandades:

"7º) Os Espíritos bons só dizem o que sabem, calando-se ou confessando a sua ignorância sobre o que não sabem. Os maus falam de tudo com segurança, sem se importar coma verdade. Toda heresia científica notória, todo princípio que choque o bom senso revela a fraude, se o Espírito se apresenta como esclarecido.

8º) Os Espíritos levianos são ainda reconhecidos pela facilidade com que predizem o futuro e se referem com precisão a fatos materiais que não podemos conhecer. Os Espíritos bons podem fazer-nos pressentir as coisas futuras, quando esse conhecimento for útil, mas jamais precisam as datas. Todo anúncio de acontecimento para uma época certa é indício de mistificação".

Este trecho se refere justamente à verborragia e à linguagem pretensamente erudita de Divaldo Franco, sobretudo em palestras, depoimentos e entrevistas, em que se observa a oratória empolada, enfeitada mas cheia de pretensões e ideias místicas e igrejeiras:

"9º) Os Espíritos superiores se exprimem de maneira simples, sem prolixidade. Seu estilo é conciso, sem excluir a poesia das idéias e das expressões, claro, inteligível a todos, não exigindo esforço para a compreensão. Eles possuem a arte de dizer muito em poucas palavras, porque cada palavra tem o seu justo emprego. Os Espíritos inferiores ou pseudo-sábios escondem sob frases empoladas o vazio das idéias. Sua linguagem é freqüentemente pretensiosa, ridícula ou ainda obscura, a pretexto de parecer profunda".

O trecho abaixo se refere à "mentora" de Divaldo Franco, Joana de Angelis, provavelmente o espírito Máscara de Ferro se convertendo de obsessor a mensageiro igrejista, se valendo do uso de um nome ilustre de outrem, no caso a sóror Joana Angélica, para obter prestígio. Observa-se que, diferentemente de Joana Angélica, "Joana de Angelis" foi marcada pelo jeito autoritário e pela intolerância em relação à tristeza prolongada das pessoas. Vejamos:

"10°) Os Espíritos bons jamais dão ordens: não querem impor-se, apenas aconselham e se não forem ouvidos se retiram. Os maus são autoritários, dão ordens, querem ser obedecidos e não se afastam facilmente. Todo Espírito que se impõe trai a sua condição.

São exclusivistas e absolutos nas suas opiniões e pretendem possuir o privilégio da verdade. Exigem a crença cega e nunca apelam para a razão, pois sabem que a razão lhes tiraria a máscara".

Neste caso, ela corresponde a uma atitude que Divaldo faz com maior sutileza, mas, mesmo assim, não é difícil de ser identificada, sobretudo em palestras em eventos internacionais e para gente rica, onde a lisonja e a pompa são exercidas, não raro com entusiasmo, e sob o aparato da humildade:

"11º) Os Espíritos bons não fazem lisonjas. Aprovam o bem que se faz, mas sempre de maneira prudente. Os maus exageram nos elogios, excitam o orgulho e a vaidade, embora pregando a humildade, e procuram exaltar a importância pessoal daqueles que desejam conquistar".

Capítulo 23 - Da Obsessão:

Embora pareça uma contradição com o que se citou acima sobre "maus espíritos", devemos entender, para nossa análise, a distinção de essência e forma, pois "maus espíritos", no sentido de que causam algum prejuízo com suas ideias mistificadoras, podem não serem maus na forma, parecendo bons, gentis e simpáticos. Mesmo assim, podem atuar esbanjando pretensa sabedoria, trazendo ideias que contrariam a lógica e o bom senso.

Entende-se aqui a descrição do caso do espírito se comunicando com um médium, mas ele pode também ser entendido na relação entre um suposto médium e seu público, conforme o processo de emissão-recepção da teoria da Comunicação:

"246. Há Espíritos obsessores sem maldade, que são até mesmo bons, mas dominados pelo orgulho do falso saber: têm suas idéias, seus sistemas sobre as Ciências, a Economia Social, a Moral, a Religião, a Filosofia. Querem impor a sua opinião e para isso procuram médiuns suficientemente crédulos para aceitá-las de olhos fechados, fascinando-os para impedir qualquer discernimento do verdadeiro e do falso. São os mais perigosos porque não vacilam em sofismar e podem impor as mais ridículas utopias. Conhecendo o prestígio dos nomes famosos não têm escrúpulo em enfeitar-se com eles e nem mesmo recuam ante o sacrilégio de se dizerem Jesus, a Virgem Maria ou um santo venerado".

segunda-feira, 27 de março de 2017

Eduardo Cunha viveu dias de Humberto de Campos


Eduardo Cunha, o ex-deputado, está vivo. E muito vivo, e bem disposto. Disposto a denunciar seus antigos aliados no governo que ajudou a instalar, o do presidente Michel Temer, se caso o ex-presidente da Câmara dos Deputados não for beneficiado por alguma liberdade condicional.

Mas Eduardo Cunha desempenha papéis de um "morto". Ele não exerce mais a vida política e até o cartaz que ele tinha quando comandou a sessão de abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 17 de abril de 2016, foi reduzido a nada.

Político inexpressivo, ele foi eleito em 2014 para o cargo de deputado federal simbolizando uma onda conservadora que há tempos domina o Estado do Rio de Janeiro, unidade federativa brasileira marcada por um profundo processo de decadência, não apenas política, econômica e policial, mas também sócio-cultural envolvendo diversos aspectos.

Só para se ter uma ideia, é a região com maior número de cyberbullies no Brasil e cujo reacionarismo permitiu que fossem eleitos nomes como Jair Bolsonaro e o próprio Eduardo Cunha, e por isso a crise que atinge o Rio de Janeiro, Estado e capital, a colocam há um bom tempo em situação vergonhosa para o resto do Brasil, perdendo a reputação de vanguarda que antes cariocas e fluminenses expressavam para todo o país.

A outra experiência de "morto" de Eduardo Cunha, no entanto, é inusitada. Um livro chegou a ser lançado, meses depois da promessa do ex-deputado em lançar um livro fazendo denúncias sobre os bastidores do impeachment e do cenário político nacional.

Intitulado Diário da Cadeia, o livro foi editado pela Record e apresenta como crédito de autoria a expressão "Eduardo Cunha (Pseudônimo)". O ex-deputado Eduardo Cunha negou que tenha escrito a obra e acionou a Justiça do Rio de Janeiro para impedir a distribuição do livro pela Record, recolher exemplares que já foram enviados às livrarias e retirar qualquer referência a Eduardo Cunha na página da editora.

A editora retirou imediatamente as referências do site e tentou recurso para revogar a decisão. Na ação judicial, o peemedebista declarou não ser responsável pelo livro e considera a obra "gravíssima tentativa de ganho comercial a partir de sua reclusão". Cunha acrescenta que, sem a "identificação que possibilite o conhecimento da autoria", a obra "ofende o preceito da vedação ao anonimato".

A juíza Ledir Dias de Araújo também menciona a vedação ao anonimato e diz que o caso não é coberto pela proteção a pseudônimos. "A obra foi escrita como se tivesse sido pela pessoa do autor da ação, o que ele nega. Logo, não se pode ter a presente obra como lícita", conclui a magistrada, que pediu para a Record identificar e qualificar o autor. Por sua vez, o editor da Record, Carlos Andreazza, admitiu que o livro é uma obra de ficção.

O advogado de Eduardo Cunha, Ticiano Figueiredo Oliveira, diz que a decisão "é justa porque não fere o entendimento do Supremo (Tribunal Federal) em relação às biografias, mas deixa claro que o uso de pseudônimo para fraudar uma autobiografia deve ser coibido".

HUMBERTO DE CAMPOS

Evidentemente, a situação foi facilitada porque Eduardo Cunha está vivo, podendo pessoalmente mover uma ação contra um livro apócrifo. Além disso, evidentemente Diário da Cadeia não mostra "mensagens de amor" e nem usa como desculpa o "pão dos pobres", o que permite que a Justiça brasileira, ainda muito hesitante em relação a problemas religiosos, suspender a comercialização do livro.

Menos sorte teve Humberto de Campos, o eminente escritor maranhense que chegou a ser membro da Academia Brasileira de Letras, bastante popular em seu tempo, mas hoje condenado a um semi-esquecimento, até pelas circunstâncias que envolveram seu nome.

Humberto teve seu nome usurpado dois anos após seu falecimento. O primeiro livro, Palavras do Infinito, de 1936, parodiava o livro Memórias, que havia sido lançado em 1933, mas já apresentava as diferenças gritantes que uma simples leitura atenta consegue separar, sem dificuldade, a obra do Humberto que esteve entre nós daquela atribuída ao suposto espírito.

Entre essas diferenças, está o conteúdo por demais igrejista que destoa da temática laica do autor maranhense. Mas a própria forma de escrita também aponta diferenças, pois a escrita do suposto espírito é pesada, melancólica e cansativa de ser lida, enquanto a que Humberto deixou em vida era ágil, de leitura prazerosa e linguagem culta, mas bastante acessível.

A sorte é que o suposto médium Francisco Cândido Xavier, protegido do ambicioso Antônio Wantuil de Freitas, já havia se tornado uma figura pitoresca quando lançou uma suposta antologia poética de "autores do além". Uma obra intitulada Parnaso de Além-Túmulo, que foi remendada cinco vezes, pondo em xeque a tendência natural de "obra acabada da espiritualidade".

A atribuição de obra coletiva alimentava o sensacionalismo, principalmente pelo "FlaXFlu" ideológico que se deu ao omitir que o livro havia sido obra coletiva, sim, mas de Chico Xavier, Wantuil, editores e redatores da Federação "Espírita" Brasileira e consultores literários cariocas. Portanto, uma multidão terrena forjando uma obra que imitava autores do passado, já falecidos, mas bem longe de refletir os respectivos estilos pessoais, apontando falhas graves neste sentido.

O "FlaXFlu" se deu sob a atribuição de que Chico Xavier "fazia tudo sozinho". Isso garantia o sensacionalismo em qualquer das duas hipóteses: se a "psicografia" era uma fraude, Chico seria "muito sofisticado" para representar diversos estilos literários. Se fosse autêntica, Chico seria reconhecido como "amigo de literatos do além". Ponto para o sensacionalismo tramado pelo senso marqueteiro de Antônio Wantuil.

Com Humberto de Campos, o sensacionalismo foi só aumentado, diante de um nome literário de sucesso, mas com fama secundária. Não se escolheria Machado de Assis, porque seria ir longe demais e despertaria suspeitas. Mas a própria escolha de Humberto causou problemas e Chico Xavier teve apenas a sorte de ter uma Justiça seletiva, muito hesitante diante de ídolos religiosos.

Daí o caso gerou empate e Chico Xavier, que havia seduzido a mãe do falecido escritor, Ana de Campos Veras, não tardou também a usar de seus métodos de manipulação da mente humana para dominar o filho do mesmo nome do autor maranhense, convidando para a "emboscada do bem" que foi uma doutrinária e uma caravana em Uberaba, no Triângulo Mineiro, em que o "médium" explorou a fascinação obsessiva (condenada por Allan Kardec) ao abraçar o antes cético Humberto Filho.

Diante disso, Humberto de Campos, em sua obra deixada em vida, foi aos poucos condenado ao esquecimento, e rebaixado a uma "propriedade" de Chico Xavier. Os livros "espirituais" publicados sob seu nome destoam explicitamente do estilo pessoal do saudoso literato, facilitando reconhecimento de fraude. Mas as obras, pelo prestígio religioso do "médium", são publicadas impunemente até hoje. Humberto de Campos não está aí para reclamar.

sábado, 25 de março de 2017

Chico Xavier foi um engenhoso truque de marketing

WANTUIL DE FREITAS - O "CRIADOR" DE CHICO XAVIER.

Muitos se derretem diante do mito de Francisco Cândido Xavier, conhecido como Chico Xavier. Sem qualquer motivo lógico e objetivo, o mito dele é adorado pelos caprichos da emoção extrema vinculada às paixões religiosas, através de estereótipos de bondade, humildade e generosidade que as pessoas acolhem sem questionar.

Poucos sabem e menos ainda estão dispostos a admitir que o mito de Chico Xavier nunca passou de uma grande estratégia de marketing, primeiro montada minuciosamente pelo presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, para atrair dinheiro e público para a federação.

Essa constatação choca muitos e os leva às lágrimas soluçantes. "Não, não é isso, Chico, todo amor e bondade, truque publicitário?", dirá o menos raivoso dos chiquistas. "Preste atenção na obra dele antes de dar qualquer julgamento", diria um "espírita" ainda mais dedicado.

Sim, prestamos atenção na obra de Chico Xavier e chegamos a essa conclusão: é estratégia de marketing, sim. Um sujeito que começou como um beato católico envolvido em pastiches literários (que não eram feitos por ele sozinho, vale lembrar) para se transformar, em mais de meio século, em um quase-deus, só pode ser fruto de uma engenhosa estratégia de marketing.

É surpreendente que as pessoas que tanto adoram Chico Xavier não adorem também Antônio Wantuil de Freitas, seu "mentor" terreno. Foi Wantuil que transformou o "médium" num popstar da religiosidade, criando uma "pegadinha" que deu certo durante mais de sete décadas.

Se você prestar atenção em Chico Xavier, abrindo mão de paixões religiosas - mesmo aquelas que se disfarçam sob um verniz de objetividade e razão - e de tantas idealizações que fantasiam demais o anti-médium mineiro, se verá que ele nunca foi mais do que um católico ortodoxo e ultraconservador, cuja obra "mediúnica" é cheia de irregularidades e cuja "bondade" não trouxe efeitos concretos e amplos para a sociedade.

Foi Wantuil que fez o mito de Chico Xavier crescer, fazendo-o passar por cima de qualquer escândalo. Wantuil tinha um senso publicitário muito esperto, e ainda teria feito um recurso muito comum para arrivistas: recorreu à umbanda, fazendo "despachos" para limpar o caminho para a ascensão vertiginosa de uma causa, alcançando níveis nunca cogitáveis em situações normais.

Casos como os do DJ de "funk", o DJ Marlboro, e o empresário Mário Kertèsz também indicam que também fizeram "despacho" para se ascenderem acima até mesmo do que poderiam alcançar se se esforçarem para tanto. O direitista Kertèsz chegou a cooptar as esquerdas da Bahia para seu domínio e DJ Marlboro conseguiu se infiltrar em eventos de vanguarda, lembrando que o "funk" não é mais do que um ritmo dançante puramente comercial e de retaguarda.

Wantuil teria tido a ideia da antologia poética que uma grande equipe de editores da FEB e consultores literários bolou, sob a redação de Chico Xavier e do próprio Wantuil. Tornou-se conhecido como Parnaso de Além-Túmulo que, em que pese as semelhanças genéricas feitas à primeira vista com os estilos originais dos autores mortos alegados, nota-se em todos os poemas a expressão de linguagem e pensamento pessoais de Chico Xavier e, às vezes, de Wantuil.

O sensacionalismo da antologia poética era um gancho para faturar em cima de uma polêmica forjada, sendo que criar controvérsia é um ótimo marketing para atrair visibilidade. A confusão garante muito mais fama e prestígio do que a própria busca por unanimidade. E Parnaso de Além-Túmulo tornou-se ainda mais sensacionalista depois que ganhou uma resenha de duas partes feita por Humberto de Campos, ainda vivo em 1932.

E foi uma revanche de Chico Xavier - que não gostou de Humberto ter desaconselhado a existência de uma produção literária do além - que impulsionou outra sugestão de Wantuil, a de usar o nome do autor maranhense para alimentar mais sensacionalismo, uma ação estratégica que só não usurpou o nome de Machado de Assis para não pegar mal, preferindo um escritor popular, mas de prestígio mais mediano e pouco conhecido pelo chamado leitor médio.

Afinal, já basta que um escritor fundador da Academia Brasileira de Letras, Olavo Bilac, tenha tido seu nome incluído no Párnaso, sob protestos de intelectuais renomados, que identificaram sérios pastiches e graves erros de expressão poética. Um crítico literário, João Dornas Filho, havia afirmado, com indignada ironia:

"Olavo Bilac, um homem que no estágio de imperfeição nunca assinou um verso imperfeito, depois de morto ditou a Chico Xavier sonetos inteirinhos abaixo dos medíocres".

O próprio mito de que Chico Xavier lançava livros sem colaboradores - fato desmentido por Alceu Amoroso Lima, que constatou que Parnaso de Além-Túmulo foi concebido por uma equipe de editores e redatores - criava um "Fla X Flu" ideológico, no qual se sustentava o seguinte maniqueísmo:

1) Se Chico Xavier realizou pastiches dos mais diversos estilos e expressões literárias, então ele, que era um caipira de mediana formação escolar, teria um suposto talento de intelectual dos mais sofisticados, merecendo a entrada na Academia Brasileira de Letras, como diziam alguns;

2) Se Chico Xavier realmente fez psicografia, então ele tinha excelentes relações com os espíritos das mais renomadas personalidades literárias, o que o faria possuidor de ampla cultura autodidata, através da comunicação com o "outro lado".

Ambas as teses se disputavam em polêmicas, embora a segunda saísse quase sempre vitoriosa. Mas ambas não resolvem os problemas da irregularidade nas expressões literárias trazidas pelo "médium". Mesmo assim, elas foram um prato cheio para alimentar o sensacionalismo em torno de Chico Xavier.

E aí, foram forjados projetos "filantrópicos", pois o assistencialismo - prática tendenciosa de caridade, mais para promover o benfeitor do que os benefícios aos necessitados - é um ótimo meio de abafar críticas e receber a blindagem da chamada sociedade civil, e aí o mito sensacionalista de Chico Xavier aos poucos desenvolveu esse estereótipo igrejeiro e institucional, quase burocrático, de "bondade".

Wantuil procurou passar por cima de vários escândalos: procurou abafar os escândalos ligados à materialização e psicofonia; fez campanha contra o livro de jornalismo investigativo de Attila Paes Barreto, O Enigma Chico Xavier Posto à Clara Luz do Dia; teria feito mandinga para afastar quem pudesse denunciar as irregularidades de Chico Xavier; e apoiou a campanha difamatória contra o sobrinho Amauri Xavier, que iria fazer semelhantes denúncias.

O então presidente da FEB teve um senso de oportunidade e oportunismo e lançou até mesmo o chamado "apelo à emoção" - Argumentum Ad Passiones, termo que voltou à moda nos debates intelectuais por conta do fenômeno da pós-verdade (seria Chico Xavier pioneiro desta forma de falácia?) - para fazer ascender ainda mais seu pupilo, se deixando valer das fraquezas emocionais de muitos brasileiros, que os fazem cair às tentações das paixões religiosas.

O que Wantuil não fez a FEB faria depois com a ajuda da Rede Globo, corporação midiática famosa por tantas manipulações no consciente e inconsciente coletivo. E aí vem a imagem mais conhecida de Chico Xavier, associada ao "amor e caridade", construída a partir de um discurso midiático inspirado no que a BBC, por meio de Malcolm Muggeridge, fez com Madre Teresa de Calcutá.

As pessoas deveriam cair na realidade. Deixar as paixões religiosas e perceber que muito de sua adoração a um ídolo religioso se deve a uma retórica bem construída em diversas etapas, um processo de manipulação ideológica em que a emoção encontra um campo de abordagem ilimitado, em que a própria realidade lógica é posta em xeque, pois o que valem são as fantasias do "coração". Ver que, neste caso, prevalece o absurdo e a fantasia, é que é chocante.

quinta-feira, 23 de março de 2017

Deturpação e roupagem científica


Dois textos - um deles até cita o nosso blogue - mostram o quanto o estranho fenômeno de Francisco Cândido Xavier, a pessoa mais blindada na História do Brasil, é sempre beneficiado por ressalvas aqui e ali. Como deturpador da Doutrina Espírita, no entanto, Chico Xavier não mereceria se tornar ídolo nem ser glorificado ou receber atenuantes aqui e ali do seu currículo deturpador.

Ele personifica os perigos que já haviam sido alertados no século XIX pelo espírito de Erasto, que exigiu maior vigilância quando o espírito ou o "médium" mistificador vier com "coisas boas". Os "espíritas" e simpatizantes da doutrina brasileira fingiram concordar com o grave conselheiro espiritual, mas foram surdos aos seus alertas.

Tudo virou uma construção de discurso de "bondade", que muitos pensam ser um exemplo de realidade iluminada, depositária de sentimentos de otimismo, esperança e progresso. do qual Chico Xavier e, por associação, Divaldo Franco e similares, se tornam seus símbolos. A partir deste discurso, não se permite desqualificação, quando tudo apenas descrição de passagens polêmicas de suas trajetórias.

Um texto publicado na revista Ipotesi, da Universidade Federal de Juiz de Fora, edição de julho a dezembro de 2012, mostra um texto de Alexandre Caroli Rocha, pesquisador de obras "espíritas" e doutor em Teoria e História Literária pela Unicamp, intitulado "Complicações de uma estranha autoria (O que se comentou sobre textos que Chico Xavier atribuiu a Humberto de Campos)".

Caroli tenta parecer neutro nas suas pesquisas. O texto é correto na forma discursiva de uma monografia, além de eficaz no aparato de neutralidade que garante o sono tranquilo da classe acadêmica. No entanto, a polêmica de Caroli se torna incompleta e inócua, por pelo menos dois aspectos:

1) Ele subestima a análise textual como recurso de verificação de veracidade ou fraude. Acha que os problemas das supostas psicografias devem ser considerados apenas se avaliar o fenômeno mediúnico e o processo da vida após a morte.

2) Ele ignora que a polêmica em torno da suposta psicografia de Chico Xavier foi incompleta, porque ficou no maniqueísmo da fraude e da "sobrecarga" de pastiches, desprezando o fato de que as imitações envolvendo vários autores mortos se deram por colaboração de terceiros, já que Chico tinha colaboradores na cúpula da FEB, na equipe editorial da federação e nas orientações de consultores literários.

3) Caroli parece quase taxativo em definir Chico Xavier apenas como "autor empírico" e não como "autor intelectual" dos textos, como se tivesse uma posição discretamente parcial, a favor da atribuição das "psicografias" aos autores espirituais alegados, deixando de lado o aspecto textual e esperando que uma teoria sobre o "além-túmulo" pudesse dar alguma "explicação".

Quanto ao primeiro item, a própria deturpação que atinge o Espiritismo no Brasil impede que sejam estudadas corretamente as questões de vida espiritual e paranormalidade. Cria-se uma mediunidade de faz de conta que só divulga propaganda religiosa em mensagens de valor bastante duvidoso. E se sonha uma vida espiritual através de cidades idealizadas, as "colônias espirituais", das quais não há uma hipótese cientificamente provável.

Evidentemente, a análise textual é um ponto de partida, mas ela é suficiente para apontar indícios de fraudes quando se conhece a biografia e os estilos de personalidade dos mortos em questão. O que também se deve analisar, e isso Caroli não parece se preocupar, é que não são as semelhanças, em si, que atestam veracidade nas obras ditas mediúnicas, mas a ausência de alguma diferença comprometedora.

Outro texto é "Pela Autenticidade de Parnaso de Além-Túmulo - Em Defesa de Chico Xavier", de Jorge Caetano Júnior, que se declara umbandista, tem livro publicado no Clube dos Autores - cada vez mais dominado por publicações religiosas, apesar de seu caráter independente - e se diz "imparcial" e "preocupado com questões técnicas e bases teóricas". Ele cita um texto deste blogue a respeito do Parnaso de Além-Túmulo de Francisco Cândido Xavier.

Ele tenta dar um argumento estranho para contestar nossa constatação de fraude no livro, como se confiasse cegamente em Chico Xavier. Considerando nossa avaliação como "errônea", ele tenta dar seu argumento, mais bondoso com o "médium" do que dotado de qualquer lógica ou bom senso:

"Digo erroneamente, já que, em nenhum momento, o médium assumiu em nome próprio a autoria dos poemas constantes do livro. Fosse mistificação, como poderia ser plágio? Seria um estranho caso de plágio às avessas, onde o plagiador atribui produção própria a terceiros".

Apenas o fato de uma pessoa "nunca assumir em nome próprio" a autoria dos poemas constantes, em si, não é atestado de que as autorias espirituais alegadas sejam verdadeiras. A tese de "plágio às avessas" também é muito estranha e confusa, porque é evidente que o interesse do suposto médium em usar terceiros para levar vantagem sobre uma obra "mais inusitada".

Quanto ao fato de um suposto médium "ter razão" só porque disse que não fez isso ou aquilo que lhe é atribuído mediante provas consistentes, vale lembrar de uma pergunta do espírito Erasto em O Livro dos Médiuns na seguinte questão, no capítulo 20, "Influência Moral dos Médiuns":

"6. Se as qualidades morais do médium afastam os Espíritos imperfeitos, porque um médium dotado de boas qualidades transmite respostas falsas ou grosseiras?

— Conheces todos os segredos da sua alma? Além disso, sem ser vicioso ele pode ser leviano e frívolo. E pode também necessitar de uma lição, para que se mantenha vigilante".

Embora Jorge Caetano também usasse uma roupagem "científica" no seu texto, ele parece bem menos objetivo. E confunde críticas e questionamentos a Chico Xavier com ataques pessoais. Jorge tenta ser "imparcial" e criticar o ufanismo de Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, mas sonha em ver Parnaso de Além-Túmulo reconhecida como "obra autêntica".

Não se deve querer ou desejar que um livro de pastiches seja autêntico. O livro sofreu vários remendos, o que é inadmissível para um livro que se lança como uma mensagem acabada da espiritualidade. Se a obra fosse mesmo autêntica, teria se encerrado logo na primeira edição, ou, quando muito, tendo havido apenas uma outra edição para acréscimos em vez das correções ocorridas.

O que Jorge esqueceu é que, em maio de 1947, o próprio Chico Xavier "confessou o crime" quando, em carta a Antônio Wantuil de Freitas, agradeceu a ele e a um editor da FEB pela revisão dos textos para a edição definitiva do livro poético, admitindo o "médium" não ter tempo para analisar os "originais". E essa revelação se deu por acidente, trazido por uma adepta de Chico, Suely Caldas Schubert, no livro Testemunhos de Chico Xavier.

Jorge tenta alegar "autenticidade" através de "semelhança impressionante" sobre os diversos poemas publicados. E ele também se fundamenta no mito de que Chico Xavier fazia sozinho os livros quando se percebe que, na FEB, havia uma equipe editorial, e as imitações poéticas eram feitas a várias mãos e sob a consultoria de especialistas literários.

Evidentemente Chico Xavier não imitaria sozinho um número grande de poetas. Mas, em que pese as "semelhanças impressionantes", elas constituem em imitação. Ou alguém aceitaria uma "Auta de Souza" escrevendo com o estilo de Chico Xavier? Ou um Olavo Bilac perdido sem a métrica necessária? Vão dizer que Olavo Bilac ficou tão tomado de amor que se esqueceu do próprio estilo, ou doou o seu talento para a "caridade" e foi expressar a "linguagem universal do amor"?

A semelhança não é indicativo de veracidade. Em muitos poemas, há, mesmo sob semelhanças aparentemente mais fortes, contradições que põem em xeque a veracidade da obra. E, se ele parece impressionado com a "semelhança" entre o poema "Saudades", de Casimiro de Abreu, e "Terra", atribuído ao seu espírito, em que pese o lirismo deste, nota-se que a semelhança é de pastiche, mesmo, até porque não há como ver o estilo pessoal de Casimiro nele. Vejamos:

Trecho do poema “Saudades” de autoria de Casimiro de Abreu:

Nas horas mortas da noite
Como é doce o meditar
Quando as estrelas cintilam
Nas ondas quietas do mar;
Quando a lua majestosa
Surgindo linda e formosa,
Como donzela vaidosa
Nas águas se vai mirar!

Nessas horas de silêncio,
De tristezas e de amor,
Eu gosto de ouvir ao longe,
Cheio de mágoa e de dor,
O sino do campanário
Que fala tão solitário
Com esse som mortuário
Que nos enche de pavor.

Trecho do poema “A Terra” atribuído ao Espírito Casimiro de Abreu:

Se há noite escura na Terra,
Onde rugem tempestades,
Se há tristezas, se há saudades,
Amargura e dissabor,
Também há dias dourados
De sol e de melodias,
Esperanças e alegrias,
Canções de eterno fulgor!

A Terra é um mundo ditoso,
Um paraíso de amores,
Jardim de risos e flores
Rolando no céu azul.
Um hino de força e vida
Palpita em suas entranhas,
Retumba pelas montanhas,
Ecoa de Norte a Sul.

Se botasse o poema "Terra" na autoria de, digamos, Gonçalves Dias ou Castro Alves, também se diria que é "o estilo pessoal de cada um deles". A estrutura poética que Jorge Caetano tanto define como "do estilo de Casimiro" é bastante superficial em temática para se assegurar alguma veracidade.

Há uma frase de Raimundo Magalhães Júnior, conhecido escritor do século XX, a respeito das imitações. E olha que ele foi tido pela FEB como um dos que "atestaram a veracidade mediúnica" de Chico Xavier, estando, a princípio, entre os neutros. Disse ele:

"Quem ler durante 60 dias, noite e dia, dia e noite, apenas Euclides da Cunha, escreverá no estilo de Euclides sem notável esforço, sem fazer uma ginástica mental muito dura."

Infelizmente, os partidários de Chico Xavier se usam até de roupagem científica ou intelectual para defender um "médium" que condenava o pensamento intelectual e o ato de questionar e contestar. Um caipira conservador, deturpador da Doutrina Espírita, e que é blindado como não se podia imaginar nos tempos de Kardec.

É triste que haja polêmicas assim, preocupando com a deificação de Chico Xavier, a ponto de rotular como "ataques" os questionamentos que o cercam. O Brasil é um país provinciano mesmo, preso em paixões religiosas, supostamente espiritualistas mas dotadas de abordagens materialistas. Ignorando coisas importantes como o Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos e os alertas de Erasto, as pessoas são "espíritas" substituindo o cérebro pelo coração e pelo umbigo.

Assim, se protege demais um deturpador, e ainda se idealiza a "autenticidade" de um livro que sofreu reparos suspeitos. e ainda teve a revelação do próprio Chico Xavier de que o livro tinha a colaboração dos editores da FEB. Se revelar aspectos estranhos, obtidos à luz da análise, sobre Parnaso de Além-Túmulo, é "fazer ataque", então o problema não é nosso, mas naqueles que sentem medo quando os questionamentos avançam contra dogmas e totens consagrados por muitos.

terça-feira, 21 de março de 2017

O apego doentio aos entulhos sociais

O ANO QUE NÃO ACABOU, NO BRASIL.

O Brasil teima em não sair de 1974. Os retrocessos que pretendem recuperar, pelo menos, os padrões de democracia controlada e conservadorismo ideológico que vigoraram na transição dos governos dos generais Emílio Médici e Ernesto Geisel, que as elites julgam ser um período "equilibrado", estão à tona.

O apego aos entulhos sociais, aos valores retrógrados, ao ultraconservadorismo e a um misto de moralismo com truculência, revela o quanto o Brasil força uma marcha-a-ré existencial desesperada e sem freio, como se fosse um carro desgovernado andando para trás e descendo uma ladeira.

O cenário político de Michel Temer, que consiste numa gororoba que, mesmo num verniz "democrático", mistura vários momentos da ditadura militar, seja a implantação de projetos econômicos excludentes como os do governo Castelo Branco, seja a crise dos tempos do governo João Figueiredo, ilustra muito isso.

A decadência de vários setores associados a um privilégio social, do dinheiro à fama, do porte de armas ao prestígio religioso, revela o quanto velhos paradigmas estão prestes a cair e isso apavora muita gente. A zona de conforto de uma sociedade que acha que podia tudo está prestes a ruir, mas a ilusão de que a decadência pode ser contornada prevalece.

As redes sociais estão tomadas de profundo reacionarismo social. A vida política, combinando esquemas de corrupção e implantação de medidas impopulares. Na religião, o moralismo severo, a caridade paliativa que traz mais cartaz ao "benfeitor" do que benefícios aos necessitados.

As elites privilegiadas acham que podem tudo, que podem contornar as crises, que estão acima dos obstáculos. E isso é assustador, porque o "espírito do tempo" do Brasil hoje é uma espécie de "frente ampla" para o retrocesso, havendo a chamada "revolta do bolor".

É um apego doentio a paradigmas de moralismo, licensiosidade, impunidade, truculência, sempre garantindo os privilégios de uma sociedade conservadora que demonstra seus interesses injustos e movidos por conveniências.

Isso não é novo e faz com que ideias e movimentos novos aplicados no Brasil sempre sejam filtrados por algum aspecto das ideias e movimentos que deveriam ser obsoletos. É como se o "novo" negociasse com o "velho" para vigorar no Brasil, fazendo com que novidades acolham aspectos obsoletos, como edifícios novos construídos em andaimes velhos.

Um exemplo é o próprio feminismo, que precisa ser duplamente negociado com o machismo. Se a mulher não quer ser um objeto sexual, terá que se "emancipar" sob o patrocínio conjugal de um marido poderoso. Se ela topa ser um objeto sexual, ela fica dispensada da companhia de um marido ou namorado. É um artifício no qual o machismo sempre arruma jeito para sobreviver num cenário de aparente emancipação da mulher.

De um lado, a pornografia das musas "populares". Do outro, o obscurantismo religioso. De um lado, a repressão da Justiça a atividades em prol de informações sobre temas mais delicados. De outro, a impunidade de páginas ofensivas na Internet.

No "espiritismo", o que se vê é a radicalização de algo que já existia desde antes da fundação da FEB, o roustanguismo que era entusiasmado e ultimamente anda velado numa postura falsamente kardeciana.

Provando se aproximar cada vez mais do Catolicismo medieval por conta da defesa da Teologia do Sofrimento, o "espiritismo" parece apelar para o neo-roustanguismo, embora mantenha as evocações oportunistas e tendenciosas do nome de Allan Kardec.

Mantendo, no entanto, as contradições tão conhecidas nos últimos 40 anos, quando o "movimento espírita" tenta vender uma falsa imagem de "autenticamente kardeciana", é de praxe que os "espíritas", hoje tão criticados, esperem mais uma vez por uma retratação.

Isso porque o próprio "espiritismo" reflete a situação em que se vive, quando o Brasil, que sempre foi conservador, radicalizou essa postura nas últimas décadas, porém de forma mais explícita de 2016 para cá.

Temos que nos alertar porque a onda de ultraconservadorismo no Brasil é tanta que há quem ache 1974 uma época futurista demais, fazendo com que muitos pensem até em revogação da Lei Áurea, do Sete de Setembro ou até anular os progressos da vinda da família real portuguesa. Há quem queira ver o Brasil nas velhas condições coloniais e provincianas, diferindo apenas em contextos mais gerais.

domingo, 19 de março de 2017

"Nem todos os que dizem 'Senhor, Senhor' entrarão no Reino dos Céus"

DE TANTA DETURPAÇÃO, OS "ESPÍRITAS" ACABAM SE NIVELANDO AOS SACERDOTES FARISEUS TÃO REPROVADOS POR JESUS.

A deturpação da Doutrina Espírita feita no Brasil causou tantos estragos que representou um retrocesso em relação ao legado de Allan Kardec. Aliás, um retrocesso grave, do qual explicaremos em outra oportunidade, por não só ter feito uma afronta ao trabalho do pedagogo francês, mas também pelos valores medievais que a doutrina brasileira assimilou com muito gosto.

Sob a desculpa de "valorizar a religiosidade brasileira", os "espíritas" fizeram uma marcha-a-ré de tal forma que, assimilando o legado jesuíta do Catolicismo do Brasil colonial, mergulharam fundo na Idade Média e seus palestrantes acabam personificando a mesma extravagância dos antigos sacerdotes que haviam sido reprovados por Jesus de Nazaré em suas diversas conversas com as pessoas.

Ver que os "espíritas" se inclinam mais e mais com a Teologia do Sofrimento e, com toda a bajulação que fazem para Allan Kardec e até para Erasto, se afastam de seus ensinamentos e conselhos, é muito chocante. Mas constatar isso não é demonstração de ódio nem de intolerância, e, por outro lado, os "espíritas" devem também aceitar os efeitos danosos de suas péssimas escolhas.

Prestando atenção no que Jesus, Kardec e Erasto disseram e alertaram, somos obrigados a reconhecer, até em figuras tão adoradas por muitos, como Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco, a personificação dos vícios e caprichos dos velhos sacerdotes que se arrogavam de sua falsa humildade, sonhando com tesouros no Céu.

Todos os aspectos negativos se foram notados em Chico Xavier e Divaldo Franco: ideias excêntricas aos postulados de Kardec, textos empolados, mistificação igrejeira, culto à personalidade, e por mais modestas as cerimônias nos eventos "espíritas", elas também apresentam uma pompa não menos presunçosa do que nos ritos católicos.

Ver que a deturpação do Espiritismo não se deu por boa-fé é estranho para muitos. Mas, pensemos: se os dois "médiuns" tão adorados e festejados foram "ingênuos" na compreensão errada da Doutrina Espírita, então por que eles publicaram centenas e centenas de trabalhos, por longos anos, transmitindo essa deturpação?

Não se faz algo sem querer com centenas de livros e uma longa carreira de palestras. A verdade é que os dois "médiuns" souberam, sim, o que estavam fazendo e há registros de Chico Xavier apoiando a deturpação do Espiritismo pela FEB e um histórico de irregularidades comprova claramente essa prática infeliz.

Atualmente, os palestrantes "espíritas" seguem o mesmo caminho. E tão se arrogam da pretensa humildade e da suposta caridade que ajuda tão pouca gente e serve mais para colocar o benfeitor no pedestal, que só falam para os mais ricos para elogiá-los e nunca cobrá-los qualquer tipo de ação em favor do próximo. Não raro se ouve "espíritas" dizerem em palestras que "os ricos estão cada vez mais ajudando as pessoas", sem que algo neste sentido se fosse observado na prática.

Não estamos fazendo ataques. Estamos fazendo as mesmas críticas severas que naturalmente Jesus de Nazaré, Allan Kardec e Erasto fariam, e eles talvez fossem mais severos nesse sentido. Deixemos a mania infantil de chorarmos quando os "médiuns" mais festejados estão sendo criticados, porque praticar o erro e se esconder sob o escudo do prestígio religioso é muito fácil.

Os brasileiros costumam se deixar dominar pelas paixões religiosas, que mostram emoções muito perigosas, criando uma ilusão de felicidade, lirismo e comoção, que, uma vez desfeita, gera muita raiva e rancor. O rancor não está nos que criticam os "médiuns" brasileiros dotados de culto à personalidade, mas da reação desesperada de seus próprios defensores, feridos pela queda brusca que tiveram do céu estrelado das fantasias religiosas.

Um exemplo de como Jesus, Kardec e Erasto poderiam reprovar Chico e Divaldo está em muitos aspectos observados nas obras kardecianas. Não se recomenda traduções da FEB e IDE, que reduzem o pedagogo francês a um pároco de província, mas a de José Herculano Pires, que se mantém fiel ao texto francês original.

Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, no capítulo 18, Muitos os Chamados e Poucos os Escolhidos, Kardec, comentando passagens do Novo Testamento, corroborou os ensinamentos de Jesus que soam como uma facada nos tão aclamados e blindados "espíritas" brasileiros. Vejamos o que diz o item 9:

"Todos os que confessam a missão de Jesus, dizem: Senhor, Senhor! Mas de que vale chamá-lo Mestre ou Senhor, quando não se seguem os seus preceitos? São cristãos esses que o honram através de atos exteriores de devoção, e ao mesmo tempo sacrificam no altar do egoísmo, do orgulho, da cupidez e de todas as suas paixões? São seus discípulos esses que passam os dias a rezar, e não se tornam melhores, nem mais caridosos, nem mais indulgentes para com os seus semelhantes? Não, porque, à semelhança dos fariseus, têm a prece nos lábios e não no coração. Servindo-se apenas das formas, podem impor-se aos homens, mas não a Deus". 

Os "espíritas" se servem das formas e se impõem aos homens de toda forma que estabelecem fascinação obsessiva entre os seguidores e traz subjugação àqueles que tentam investigá-los, como jornalistas, juristas, advogados e acadêmicos, que param no começo do caminho, intimidados pelo aparato de "bondade" que enverniza os deturpadores da Doutrina Espírita.

Lembrando das diferenças de contexto, já que os fariseus modernos capricham muito mais na forma e conseguem até mesmo usar o pretexto dos "bons sentimentos" para respaldar o igrejismo que corroeu o Espiritismo no Brasil, citemos outro trecho, deste mesmo parágrafo:

"É em vão que dirão a Jesus: “Senhor, nós profetizamos, ou seja, ensinamos em vosso nome; expulsamos os demônios em vosso nome; comemos e bebemos convosco!” Ele lhes responderá: “Não sei quem sois. Retirai-vos de mim, vós que cometeis iniquidade, que desmentis as vossas palavras pelas ações, que caluniais o próximo, que espoliais as viúvas e cometeis adultério! Retirai-vos de mim, vós, cujo coração destila ódio e fel, vós que derramais o sangue de vossos irmãos em meu nome, que fazeis correrem as lágrimas em vez de secá-las! Para vós, haverá choro e ranger de dentes, pois o Reino de Deus é para os que são mansos, humildes e caridosos. Não espereis dobrar a justiça do Senhor pela multiplicidade de vossas palavras e de vossas genuflexões. A única via que está aberta, para alcançardes a graça em sua presença, é a da prática sincera da lei do amor e da caridade".

Pode ser que ações explicitamente cruéis não sejam cometidas pelos membros do "movimento espírita", mas a iniquidade existe na maneira em que os "espíritas" não só não se arrependem pela deturpação feita ao trabalhoso legado de Kardec, que deu à doutrina brasileira um caráter de profunda desonestidade em relação à obra kardeciana, como tentam camuflar seus erros e distorções através da bajulação barata ao pedagogo francês, que se intensificou nos últimos anos.

A iniquidade existe quando o "espiritismo" chega a apelar pela pieguice, através de citações tão tendenciosas de ideias de "amor", "caridade" e "fraternidade". "Sejamos irmãos pela deturpação", é o que eles acabam demonstrando. Sermos "fraternos" no erro, cúmplices na distorção dos ensinamentos de Kardec, que no Brasil se reduziu a um padreco de igreja dessas cidades do interior controladas pelo coronelismo.

Desmentem as palavras pelas ações, pois o malabarismo espetacular das belas palavras, que tanto enchem de dinheiro os palestrantes "espíritas", a pregar aos sofredores a aceitação do sofrimento, é desmentido pela prática, pois os próprios palestrantes, tidos como "sábios", nunca aceitariam as desgraças que, "bondosamente", recomendam aos outros.

Querem disfarçar a deturpação com suposta filantropia, um roteiro de pequenas caridades paliativas, que só teriam sentido em países arrasados pela guerra, onde o "pouco" parece "muito" diante do "nada", mas num país como o Brasil, em que se pode fazer mais, "pouco" é "quase nada". E, além disso, se vê que essa "caridade" é mais festejada que praticada, colocando o "benfeitor" acima até mesmo da própria ação filantrópica, ajudando mais ele do que os mais necessitados.

É chocante, mas Chico Xavier e Divaldo Franco apresentam aspectos que causariam em Jesus o mesmo constrangimento que ele sentia em relação aos sacerdotes e escribas do seu tempo. A postura extravagante, o discurso empolado, o aparato de "superioridade moral", ou mesmo a pretensa humildade que dissimula o culto à personalidade muito comum entre os "médiuns" brasileiros, tudo isso já havia sido alertado em outros tempos por Jesus, Kardec e Erasto.

O Brasil tem a mania de dissimular as coisas. O país é dominado pelas paixões religiosas, verdadeiras orgias sem sexo, sem dinheiro, sem drogas, mas tão levianas, tão entorpecentes e tão perigosas na sedução das emoções e dos instintos, em que os êxtases não são sexuais, havendo a "masturbação dos olhos" pela comoção fácil por um mero balé de palavras bonitinhas e imagens de apelo sentimentalista, alegres ou tristes.

O grande desafio é superar as paixões religiosas, em vez de apoiar a ilusão de uma minoria de homens e mulheres que, apoiados pelo prestígio religioso - que simboliza pretensas glórias tão terrenas quanto os bacanais da fortuna e da pornografia - , acham que ganharam o passaporte para o Céu ou, na pior das hipóteses, estão com o caminho encurtado para o Paraíso. E justamente eles, que aceitam e até defendem que os sofredores percam encarnações inteiras com desgraças...

sexta-feira, 17 de março de 2017

Texto "espírita" faz apologia ao sofrimento e contradiz ensinamentos de Jesus


O "espiritismo" brasileiro deturpou tanto o legado de Allan Kardec que, tentando alcançar, na marcha-a-ré religiosa, as tradições do Catolicismo jesuíta brasileiro, retrocedeu para os padrões medievais do Catolicismo Apostólico Romano.

Se afastando, na prática, dos postulados originais de Kardec, apesar de seu nome ser muito bajulado pelos palestrantes "espíritas", a doutrina brasileira optou por ser uma "lixeira" da Igreja Católica. O "espiritismo" acolheu em seus postulados desenvolvidos no Brasil valores já considerados obsoletos pelos católicos, como a apologia ao sofrimento, na qual existe até uma ideologia, a Teologia do Sofrimento.

Essa ideologia não era compartilhada por todos os católicos, mas tem origem na Idade Média, através das pregações dos sacerdotes da época. Nos últimos tempos, a Teologia do Sofrimento foi difundida, no século XIX, por Teresa de Lisieux e, mundialmente, por Madre Teresa de Calcutá, no século XX.

No Brasil, ocorre uma coisa gozada. Há defensores católicos da Teologia do Sofrimento, como o padre João Mohana, já falecido, autor do livro Sofrer e Amar, mas a ideologia, sem que seu nome fosse assumido um só momento, foi popularizada não entre os católicos, mas entre os "espíritas", através de Francisco Cândido Xavier. Sim, isso mesmo, Chico Xavier, em suas obras, pregava a Teologia do Sofrimento, com suas próprias palavras.

E uma comprovação de que a Teologia do Sofrimento domina mais o movimento "espírita" do que mesmo as interpretações distorcidas das ideias de Allan Kardec é o texto que o jornalista e escritor "espírita" de Muriaé, Rogério Coelho, publicou e que, em parte, foi reproduzido na página de outro escritor, Orson Peter Carrara. Como Rogério, Carrara também expressou ideias próprias da Teologia do Sofrimento em outras oportunidades.

O texto em questão foi publicado nesta página. São argumentos próprios da Teologia do Sofrimento, já defendidos pelos católicos, que se resumem assim: "Ninguém nasceu para sofrer, mas é necessário amar o sofrimento como meio de encurtar o caminho para Deus e merecer a obtenção de bênçãos futuras". Muito bonito no discurso, mas falar é fácil.

Um trecho que chama muita a atenção no texto de Rogério é um parágrafo que, em si, é de uma preocupante gravidade. Além de confirmar a identificação com as ideias da Teologia do Sofrimento - algo que não pode ser desmentido pelos "espíritas", porque aí seria negar o que fazem - , o trecho revela uma perversidade que contradiz os ensinamentos de Jesus. Vejamos:

"Utiliza-te da sua metodologia para o mais breve triunfo que te cumpre alcançar.
Aquele que se arrepende de um mal, está aflito; aquele que se encoleriza, sofre aflição; quem persegue, padece agonia; quem inveja extremunha-se e chora; quem odeia, galvaniza-se sob o açodar da fúria e combure-se nos altos fornos do desequilíbrio que gera. Estes não serão, por enquanto, consolados.  Somente quando a consciência da dor os faça amar, submetendo-os à Divina Vontade, encontrarão na aflição a felicidade por que anelam".

Rogério caiu em contradição. Principalmente em relação ao arrependimento de um mal. No decorrer do parágrafo, o escritor contradiz a própria frase de Jesus: "Bem aventurados os que choram (aflitos), porque serão consolados", ao afirmar que "aquele que se arrepende de um mal, está aflito", e, por isso, "não será consolado", a não ser que encontre na aflição "a felicidade".

O próprio apelo de "amar o sofrimento" vai contra o Pai Nosso, oração que se atribui autoria a Jesus de Nazaré, que pede a Deus "não deixar alguém cair em tentação, mas a livre do mal". Se Jesus falava em "livrar do mal", por que se tem que "amar a desgraça" usando os próprios infortúnios como trampolim para a premiação celestial?

É muita contradição. E isso vai contra os próprios ritos católicos, expressando o quando o "espiritismo" brasileiro, na sua busca desesperada pela palavra final e pela presunção de coerência, cai em contradição o tempo todo, a partir de sua própria catolicização que o fez afastar dos ensinamentos do mesmo Allan Kardec bajulado o tempo todo.

Isso porque o próprio Catolicismo enfatiza o arrependimento pelo mal, e, fora das abordagens medievais da Teologia do Sofrimento, não há uma apologia ao masoquismo religioso do amor às desgraças. A glamourização da desgraça humana acaba indo contra os ensinamentos de Jesus, até porque a ênfase na aceitação do sofrimento se aproxima mais do moralismo severo daqueles que o condenaram ao martírio da cruz.

Evidentemente "espíritas" como Rogério e Orson vão tentando desfazer mal-entendidos aqui e ali e até renegar, se possível, a Teologia do Sofrimento, ou considerar "cruel" associar esta ideologia a Chico Xavier.

Mas o que está feito, está feito, em palavras das mais explícitas, e se observa claramente que o "espiritismo" brasileiro está mais preocupado em ser um receituário medieval de ideias moralistas católicas. Difícil desmentir isso com seu malabarismo de palavras bonitas, mas desprovidas de lógica e consistência.

quarta-feira, 15 de março de 2017

Chico Xavier e o vitimismo ante as críticas duras


Criticar Francisco Cândido Xavier não e fazer ataques. É simplesmente mostrar os erros graves que ele cometeu, e que desmerecem todo o mito que as pessoas cultuam dele, movido pelas paixões religiosas.

Pouco importa se esse mito se mostra sob a imagem de um suposto profeta ou de uma pretensa reencarnação de Allan Kardec, ou se ele é apenas visto como filantropo ou, por outros, como também um filósofo. Todos esses mitos, na verdade idealizações de cunho materialista, são seriamente levianos e legitimam a reputação de um sério deturpador da Doutrina Espírita.

A atitude de coitadismo ou vitimismo, que Chico Xavier teve em vida e, postumamente, é evocada ou herdada pelos seus chorosos seguidores, revela o quanto o deslumbramento religioso e o apego obsessivo a um ídolo da fé igrejista, símbolo de uma suposta bondade que nunca produziu um resultado profundo - se tivesse, nosso país não teria sucumbido ao desastre político e social de hoje - se tornam perigosos, sendo fontes de sentimentos obsessivos de seus adeptos fervorosos.

Há que se criticar tudo no "espiritismo" brasileiro e os adeptos dessa religião, sobretudo adoradores de Chico Xavier e Divaldo Franco, podem se acostumar e pegar seus baldes por onde derramarão lágrimas de chocante desilusão. Afinal, há toda uma rede de contradições, equívocos e prejuízos que precisam ser contestados e analisados, e isso não é uma demonstração de ódio, mas de preocupação com a lógica e o bom senso.

Se for para os chiquistas se revoltarem contra o "tóxico do intelectualismo" ou "overdose de raciocínio", que tal eles manifestarem toda sua raiva contra o próprio Allan Kardec, que sempre se preocupou com o debate e a coerência e não aprovava os devaneios e demais caprichos do deslumbramento religioso?

Manifestem, da mesma forma, contra o espírito Erasto, que falou sobre os "inimigos internos do Espiritismo" e pediu vigilância quando os mistificadores transmitirem "coisas boas", porque as usam para inserir ideias desprovidas de lógica e coerência.

O coitadismo era usado por Chico Xavier para se livrar de acusações de fraude e deturpação do Espiritismo. Era um meio de forçar a comoção da opinião pública, se aproveitando da sua aparência de caipira e, depois, de velhinho doente. Ele caprichava nas poses de tristonho e falava coisas como "não vamos botar querosene nesse incêndio".

A verdade, porém, é que, em muitos momentos, Chico Xavier era incapaz de provar seus equívocos e irregularidades. A gente lê os livros "psicográficos" e vê diferentes autores "pensando igual" a Chico Xavier e estranha, mas não pode criticar nem apontar fraude, porque Chico e seus adeptos (e, nos últimos anos, apenas estes) vão cair na choradeira.

Os "espíritas" estão desesperados porque, a cada dia, lhes são cobrados posturas de coerência, lógica e bom senso que eles dizem ter mas não possuem. E a cada dia, quando criticados, eles reagem com coitadismo, chegando mesmo a comparar as críticas duras que recebem à inquisição medieval ou à arena de leões famintos nos tempos do Império Romano.

Isso é um contrassenso. Afinal, os próprios "espíritas" se revelam medievais, e isso se comprova pela natureza histórica, pela herança que receberam do movimento jesuíta do Brasil colonial, que inseriu no "espiritismo" brasileiro até mesmo a retrógrada Teologia do Sofrimento.

A "fase dúbia" do "movimento espírita", surgida sob o pretexto de equilibrar Ciência e Fé e conciliar científicos e místicos, se revelou ainda mais contraditória, na medida em que nunca se decidiu entre ser fiel a Allan Kardec e ser devoto do igrejismo. Fazia uma coisa e fazia outra, como que em vida dupla.

Outra aberração é costurar cientificismo e igrejismo com o cordão frágil da pretensa filantropia. Uma "caridade" em que se vê claramente que o "benfeitor", glorificado pelo prestígio religioso, se coloca acima dos beneficiados, que são poucos e recebem tão poucos benefícios, que os beatos do "movimento espírita" dizem ser "muitos", sem trazer dados concretos para tanto.

Não há como recorrer ao vitimismo. O "espiritismo" está sendo cobrado pelos seus erros diversos e, não raro, gravíssimos, que cometeu em sua trajetória. São erros que, quando as conveniências permitiam, eram apoiados e feitos com prazer e propósito. Mas, na medida em que são descobertos e denunciados, seus praticantes reagem com choradeira e cabeça baixa.

Isso não dá para admitir. Até porque é esse vitimismo que permitiu o prolongamento da deturpação do Espiritismo, ultimamente sob a dissimulação de suposta fidelidade ao legado de Kardec. Os "espíritas" deveriam imaginar se seria bom Allan Kardec se sentir traído e descrever, uma por uma, as irregularidades do "espiritismo" brasileiro. Vai haver mais choradeira com isso?

segunda-feira, 13 de março de 2017

"Espiritismo" e os limites que impõe à Ciência


O "espiritismo" brasileiro, como tenta se passar por uma adaptação da Doutrina Espírita de Allan Kardec, apesar da raiz ter-se fundamentado nos postulados do deturpador Jean-Baptiste Roustaing, tenta manter todo um jogo de aparências para se aproximar, aos olhos dos incautos, da essência do Espiritismo original francês.

Portanto, o "espiritismo" brasileiro faz tudo para parecer uma doutrina intelectualizada, amiga da Ciência e da Filosofia, defensora do pensamento questionador e da análise científico-filosófica, em prol da busca do Conhecimento.

Mas isso é apenas uma aparência e um simulacro, pois, no conteúdo dado pelo "espiritismo" brasileiro, observa-se que seus postulados mais estabelecem limites do que amplitudes ao pensamento científico-filosófico, e as restrições não são muito difíceis de serem identificadas.

Observando os textos "espíritas" que evocam temas científicos ou filosóficos, notamos que as retóricas seguem um caminho comum, o de passar a introdução e o desenvolvimento do referido texto (podendo ser artigo, livro ou documentário, entre outras formas textuais) trazendo uma aparência de intelectualizado, para no final trazer uma conclusão igrejista e pretensamente "pacifista" (no sentido igrejeiro do termo) e "fraternal".

A intenção do "espiritismo", quando aborda personagens, fatos e conceitos científicos, é usar a Ciência para sustentar seu igrejismo. Dentro desses limites, a Ciência é sempre bem vinda, quando ela se serve aos caprichos da fé religiosa, sob o pretexto de "promover a fraternidade e a união entre as pessoas", ideia que é eufemismo para o ato de atrair fiéis a esta doutrina igrejeira.

Quando a Ciência não ultrapassa os limites impostos pela Religião, os "espíritas" apoiam a atividade científica totalmente. Quando filósofos se ocupam em temas arbitrários, como o Ser e o Existir, ou quando denunciam a opressão explícita das ações bélicas que devastam cidades, o "espiritismo" bate palmas e apoia amplamente.

Da mesma forma, quando cientistas pesquisam doenças de difícil cura, como AIDS e vários tipos de câncer, ou, em outras áreas, fazem cálculos sobre as relações entre miséria e produtividade industrial, os "espíritas" aceitam livremente.

É certo que, nos casos das doenças, existe a aparente concorrência da "medicina mediúnica", feita de maneira improvisada e adotando métodos duvidosos nos quais se sonega o diálogo entre a Ciência da Terra e a espiritualidade, preferindo práticas "inexplicáveis" de cirurgias, nas quais se insere uma tesoura ou faca, às vezes contaminadas, no estômago de alguém, para tirar um caroço que se acredita ser um tumor.

Mesmo assim, o "espiritismo" não pode reagir com intolerância à "medicina da Terra". Até porque vemos episódios como o "médium" goiano João Teixeira de Faria, o João de Deus, tendo que recorrer à "ciência terrestre" para se curar de um câncer. "Barbeiro corta o próprio cabelo?", indagou João de Deus, quando se perguntou por que ele não fez autocirurgia.

Quando a Ciência, no entanto, passa a invadir os terrenos da Religião e questiona os paradigmas da fé e do misticismo, os "espíritas" já reagem com alarmismo. Termos maledicentes como "intoxicação do intelectualismo", "impaciência da Ciência" e "overdose de raciocínio" surgem de "espíritas" revoltados, que se sentem ameaçados em ter seus dogmas e ritos contestados pelo raciocínio questionador e investigativo.

Mesmo diante de irregularidades desmontadas pela lógica e pela coerência das investigações questionadoras, como é o caso de supostas psicografias como o famoso caso Humberto de Campos, os "espíritas" tentam camuflar as irregularidades dizendo que as "diferenças de estilo" são "meras impressões" terrenas diante da "linguagem universal do amor".

Chegam os "espíritas" a argumentarem que, se uma mensagem "psicográfica" difere do estilo ou mostra algum aspecto pessoal diferente do morto a que se atribui autoria, é porque "certos detalhes escapam das condições limitadas do raciocínio humano", como se confundisse falta de lógica com mistérios que a Ciência "não consegue resolver".

Ainda no caso Humberto de Campos, o que se observa é que o estilo que se nota nas obras "espirituais" que levam seu nome é totalmente diferente do estilo deixado pelo autor em vida (mesmo em publicações póstumas). E isso é fácil de observar comparando obras trazidas por Francisco Cândido Xavier com o acervo original de Humberto de Campos.

Mas como Chico Xavier é a pessoa mais blindada do país, qualquer irregularidade relacionada a ele é aceita por seus seguidores sem reservas. E nota-se, nas suas pregações ideológicas, um aspecto que facilmente pode ser identificado como contrário aos postulados originais de Allan Kardec.

Note-se que, em seu tempo, Allan Kardec sempre convidava as pessoas para o debate e o questionamento. Ele se oferecia para ser questionado, mas mediante argumentos lógicos. Chegou mesmo a dizer que, se for comprovada alguma ideia no Espiritismo que não estiver de acordo aos procedimentos lógicos da Ciência, que preferisse a Ciência ao Espiritismo.

Kardec lidava com um dado novo, a Ciência Espírita, no qual se esforçou em codificar e entender com o maior nível de abrangência possível e procurando dar aos conhecimentos uma contemporaneidade de entendimento.

Como legado, criou o C. U. E. E., Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos, para atualizar e ampliar as compreensões da Ciência Espírita, pois em seu tempo os recursos de Comunicação, por exemplo, ainda estavam limitados à fotografia. O rádio, a televisão, o cinema e a informática surgiram depois do falecimento do pedagogo francês.

Isso é muito diferente de Chico Xavier, que, do contrário de Kardec, renegava o debate. O anti-médium brasileiro passou o tempo todo apelando para as pessoas não questionarem, não contestarem, não julgarem, embora contraditoriamente dizia "apoiar a busca e a transmissão de Conhecimento".

Xavier criou um engodo conceitual marcado de misticismo religioso e moralismo conservador, e toda aquela promessa vã de "transmitir Conhecimento" não passou de conversa para boi dormir.

Diante de tantos equívocos conceituais e de prática "mediúnica", Xavier pedia para "ninguém contestar" até por causa própria, visando salvar sua pele, no seu arrivismo de, como "astro do espiritismo no Brasil", se ascender como ídolo religioso e virar unanimidade nacional, se aproveitando dos paradigmas de religiosidade muito comum entre os brasileiros.

A falsa apreciação da Ciência e da Filosofia servem apenas para sustentar "intelectualmente" os dogmas religiosos do "espiritismo" brasileiro. Servem, também, para garantir a fachada do "movimento espírita" como uma doutrina "intelectualizada", forjando um diferencial na competição religiosa diante dos evangélicos neopentecostais e de modernas correntes da Igreja Católica como a Renovação Carismática.

Mas, provando seu conservadorismo, o "espiritismo" brasileiro estabelece limites para o pensamento científico-filosófico, apenas atualizando, com leve concessão, a discriminação da atividade científica e intelectual pelo Catolicismo da Idade Média, não mais banindo tal atividade, mas estabelecendo restrições à sua ação.

Assim, a Ciência e a Filosofia só são bem vindas quando se limitam às suas especialidades ou colaboram para confirmar dogmas e ritos religiosos do "espiritismo" igrejeiro. Quando se recusam a essa última tarefa, essas duas áreas do Conhecimento humano são amaldiçoadas pelos "espíritas", que no seu juízo de valor acusam o ato de pensar como "excessivo" quando se coloca a lógica acima da fé, o saber acima da crença.

sábado, 11 de março de 2017

Chico Xavier usou Humberto de Campos Filho para abafar processo judicial


O processo dos herdeiros de Humberto de Campos contra Francisco Cândido Xavier e a FEB poderia ter saído vitorioso. As supostas psicografias de Chico Xavier revelam claramente irregularidades de estilo e outros aspectos relacionados aos autores mortos alegados, que apenas uma leitura atenta pode comprovar a fraude, para desespero de Alexandre Caroli Rocha, um "especialista em análise textual" que se recusava a fazer análise textual para verificar as "obras mediúnicas".

No entanto, havia dois problemas. Um foi o enunciado da ação judicial, que pedia à Justiça analisar se havia veracidade ou não nas obras "psicografadas" sob o nome de Humberto de Campos. Outro era a compreensão estreita dos juízes que avaliaram o caso, que apenas usaram como base teórica a questão dos direitos autorais.

No primeiro problema, a situação complicou para os herdeiros. Afinal, no caso da "psicografia" ser considerada autêntica, os familiares receberiam o dinheiro dos direitos autorais, participando do lucro da venda dos livros sob o nome do escritor. No caso de ser considerada fraude, Chico Xavier e a FEB teriam que indenizar os familiares do falecido autor. Isso fez os "espíritas" definirem, injustamente, os herdeiros de Humberto de Campos como "gananciosos" e "mercenários".

No segundo problema, os juízes, limitados a essa interpretação estreita, só entenderam o caso como uma questão de quem se responsabilizaria pelos direitos autorais de obras ditas "do além-túmulo". Algumas interpretações remetem ao "médium" a responsabilidade dos direitos, na condição de "autor empírico", o que seria uma festa para Chico Xavier, apesar do processo ter gerado num empate técnico.

Em todo caso, o empate fez o mito de Chico Xavier crescer e, com a memória curta das pessoas, que consagram imagens e estereótipos tardios e dóceis de quem esconde um passado mais sombrio, esse mito passou a crescer de forma descontrolada, a ponto de, praticamente, muitos considerarem a ideia de "verdade" privatizada: seu proprietário é Francisco Cândido Xavier e seus discípulos e herdeiros mais próximos.

O que poucos se lembram é que os herdeiros de Humberto de Campos, representados pelo advogado Milton Barbosa - o advogado da FEB, por outro lado, foi Miguel Timponi - , chegaram a recorrer da sentença, enquanto Chico Xavier teria que eliminar o nome de Humberto para "evitar maiores dissabores", usando, a título de paródia, o pseudônimo "Irmão X", imitação parcial de um dos pseudônimos que Humberto havia lançado em vida, o Conselheiro XX.

Sob o novo nome, Chico Xavier lançou o livro Lázaro Redivivo, em 1945, o primeiro dessa nova fase, na qual o nome de Humberto de Campos só era "reconhecido" nos meios "espíritas". A obra, todavia, dava sequência à usurpação que o anti-médium mineiro fazia do autor maranhense, transformando-o num "deprimente sacerdote" que nada tinha a ver com o estilo original do finado escritor.

Mas Chico Xavier, ao longo de pouco mais de uma década após o julgamento do processo de 1944, construiu seu arrivismo sob a ajuda de Antônio Wantuil de Freitas (pelo menos o antigo presidente da FEB poderia ser endeusado pelos chiquistas, não é mesmo?) e várias experiências foram feitas até a oportunidade de atrair para si o cético Humberto de Campos Filho.

Chico Xavier já usurpou a falecida jovem professora Irma de Castro Rocha, a Meimei, a ponto de atrair a cumplicidade do viúvo desta, Arnaldo Rocha (hoje já falecido). Partiu para supostas práticas de psicofonia e materialização, como forma de alimentar ainda mais o sensacionalismo da imagem do "médium". E começava a trabalhar livros "científicos" ao lado de Waldo Vieira, antigo menino prodígio da suposta mediunidade.

Diante disso, a FEB também procurou abafar e condenar ao esquecimento o livro O Enigma Chico Xavier Posto à Clara Luz do Dia, do jornalista Attila Paes Barreto, lançado em 1944 e que revelava detalhes sobre as irregularidades da trajetória do "médium". Excelente trabalho de jornalismo investigativo, o livro, porém, é oficialmente visto como "rancoroso" e está fora de catálogo, tornando-se uma preciosa raridade.

FASCINAÇÃO E ASSISTENCIALISMO

E aí chega-se a 1957 e Chico Xavier resolve convidar Humberto de Campos Filho para assistir a uma doutrinária (missa "espírita") num "centro espírita" de Uberaba. Então produtor de TV, o filho do autor maranhense havia demonstrado seu ceticismo quanto às supostas psicografias do pai, chegando a dizer que não autorizaria o uso do nome do escritor, em entrevista à Revista da Semana, de 08 de abril de 1944, respondendo à seguinte pergunta:

"- Mas encarando a questão seriamente. Acha concebível que aqueles livros tenham sido escritos por seu pai?

- Claro que não. Tanto assim que evitamos tocar no assunto e nunca demos a nossa permissão para a publicação desses livros a meu pai. Frequentemente apareciam delegações espíritas ou padres católicos e até representantes de outras religiões, todos querendo convertê-lo. Ele a todos recebia e ouvia com a devida consideração, mas era só. Nunca foi espírita."

Postura muito diferente ele escreveu no livro Irmão X, Meu Pai, que Humberto Filho lançou em 1997, quando descreveu o seu parecer, nesta época, sobre o desfecho do processo que ele, sua mãe e seu irmão Henrique moveram contra o "médium" e a FEB, 53 anos atrás:

"A causa não deveria terminar senão do jeito que terminou: praticamente um empate técnico. Os herdeiros nada obtiveram senão a retirada do nome do escritor daqueles livros. Em uma conotação com o pseudônimo que Humberto de Campos usou na série de onze livros com estórias galantes e humorísticas - Conselheiro XX - os livros psicografados por Chico Xavier passaram a ter a assinatura de Irmão X".

Humberto chegou a atribuir o processo aos interesses pessoais de Milton Barbosa, acusado de manipular a viúva do escritor e mãe do produtor, Catarina Vergolino, a "dona Paquita", e ainda alegou que o episódio "só serviu para fazer propaganda do Espiritismo", entendido aqui o "espiritismo" deturpado no Brasil.

E o que fez Humberto mudar de opinião? Não bastasse ele trabalhar num meio televisivo, em que há um lobby de profissionais "espíritas" - vários simpatizantes de Chico Xavier, como Augusto César Vannucci, Nair Bello, Paulo Goulart, Nicette Bruno, Ana Rosa, e, mais recentemente, Carlos Vereza - , ele ainda se rendeu aos encantos do manipulador de mentes que era o anti-médium mineiro.

A narrativa de Humberto, ainda que pareça "linda" aos leitores tomados de muita paixão religiosa, revela três armadilhas usadas por Chico Xavier para seduzir Humberto Filho e conquistar sua confiança (ou credulidade, ou, digamos, boa-fé): o apelo à emoção, a fascinação e o assistencialismo.

As três estratégias são consideradas perigosas. O apelo à emoção (Argumentum Ad Passiones) estava no aparato "comovente" da doutrinária e outras atividades que Chico mostrou a Humberto Filho. É considerado um tipo de falácia, e um dos mais perigosos, recentemente associado à pós-verdade, fenômeno no qual mentiras e meias-verdades "confortáveis" estabelecem supremacia sobre a realidade lógica e objetiva.

A fascinação, ou fascinação obsessiva, é um tipo de obsessão descrito por Allan Kardec em O Livro dos Médiuns. É considerado um tipo grave, ainda que em nível inferior ao da possessão. Na fascinação obsessiva se trabalham ideias e paradigmas supostamente sublimes para veiculação de ideias e práticas mistificadoras que trazem ideias desprovidas de coerência, lógica e bom senso. Em muitos casos o Ad Passiones é um instrumento usado ela fascinação obsessiva.

A fascinação obsessiva, na narrativa que reproduziremos abaixo de Irmão X, Meu Pai, se manifesta sobretudo no abraço de Chico Xavier em Humberto de Campos Filho, no qual Chico lança mensagens "carinhosas" e faz um falsete que fez o filho "suspeitar" se era a voz do autor maranhense. Vale lembrar que Chico teria seduzido Humberto Filho também pela linguagem tenra usada nas supostas cartas do "espírito Humberto de Campos".

O assistencialismo, também visto como uma prática negativa de "caridade tendenciosa", em que a ajuda ao próximo é quase sempre inócua, feita mais para promover a imagem do "benfeitor", que tira vantagem dessa "filantropia", é visto no caso pela caravana de Chico Xavier, que dá à suposta caridade um caráter ostensivo, quando se percebem que os propósitos são bem inócuos e meramente paliativos (doação de mantimentos). Algo que apenas resolve parcialmente o problema.

Segue então o texto que deve ser lido sem qualquer paixão religiosa, mas com um criterioso senso crítico para percebermos como Humberto de Campos Filho caiu na "doce emboscada" armada por um dos maiores deturpadores da Doutrina Espírita para abafar qualquer risco de ser novamente processado:

"Chegamos a tempo de conseguir entrar na sala superlotada, onde pouco depois, começaria a sessão, com a presença de Chico. Lá pelas tantas, vozes partidas da mesa, por ele presidida, pediam que Humberto de Campos Filho se aproximasse para falar com o médium. É fácil imaginar minha emoção. Sei que meus olhos estavam inundados pelas lágrimas quando nos abraçamos, comovidamente. De início, foi o Chico que falou, dizendo coisas tocantes e carinhosas. À certa altura, era outro alguém... Talvez meu pai?... E o que ouvi teve o efeito de um impulso que fez disparar uma sucessão de soluços, que pareciam que jamais iriam parar.
   No dia seguinte, um sábado, ainda com a impressão de que meu espírito havia tomado um banho de luz, fomos participar da distribuição de mantimentos.
   Sem mais nem menos, tive a nítida impressão de que estava em alguma cidade da Galileia, nos primórdios do cristianismo.
   Em um enorme galpão, sem paredes laterais, senhoras e moças, alegres e sorridentes preparavam a sopa que, mais tarde, seria distribuída entre os pobres. Pilhas de cenouras, montes de batatas, iam sendo descascadas e levadas para os caldeirões que, a um canto, fumegavam cheirosamente.
   Ao cair da tarde, nos incorporamos à caravana, liderada pelo Chico, que ia distribuir sacolas de mantimentos pelos casebres da periferia. Ao lado do Waldo Vieira, caminhamos naquele pôr-de-sol, com a certeza de que uma legião de espíritos luminosos também caminhavam conosco. Lá  pelas tantas, Chico entrou numa palhoça, de um só cômodo. Ficamos à porta, com espaço bastante para ver Chico sentar-se na beirada de uma cama estreita e miserável. Nela estendido, um pobre velho, pouco mais que um monte de ossos, sob uma cabeça coberta por uma grande barba e cabelos desgrenhados. O coitado fez menção de erguer-se mas Chico, colocando a mão no seu peito, não deixou. De onde estávamos não era possível ouvir o que ele dizia. Mas o que disse fez o pobre homem se transformar em um enorme sorriso, cheio de gratidão e alegria. E, ao mesmo tempo, sentimos uma onda de perfume, de jasmins colhidos naquele instante, invadir completamente aquela tapera..."
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