domingo, 30 de abril de 2017

O maior erro de José Herculano Pires


José Herculano Pires foi um dos espíritas autênticos de notável trajetória, e que, como tradutor, é o que mais manteve fidelidade com o texto original de Allan Kardec, traduzindo quase todos os livros da Codificação publicados pela LAKE (Livraria Allan Kardec Editora), enquanto, sob sua orientação, obras como O Que é o Espiritismo tinham a tradução do colaborador Wallace Leal Rodrigues.

Pires, sobrinho do contador caipira Cornélio Pires - é curioso falarmos em cultura caipira, quando se vê que até ela é alvo de intensa deturpação - , foi também um dos mais enérgicos críticos da deturpação da Doutrina Espírita.

Em boa parte de suas obras - num currículo que inclui formação em Filosofia e intensa atividade jornalística e literária - , Pires faz duras críticas ao que ele denomina "igrejificação" do Espiritismo, tendo sido o maior representante do grupo dos "científicos", fiéis aos postulados espíritas originais, em detrimento dos "místicos", que predominam e tomam as rédeas no "movimento espírita".

É de Herculano Pires - também creditado muitas vezes como "J. Herculano Pires" - o termo "doutrina dos papalvos" ("papalvo" quer dizer "pateta" ou "imbecil") para definir a deturpação igrejista feita com o Espiritismo. Denunciou, em 1973, um plano ainda mais perverso que a FEESP, Federação "Espírita" do Estado de São Paulo (federação regional privilegiada pelo poderio da FEB), de fazer uma tradução dos livros kardecianos mais próxima ainda da deturpação roustanguista.

Pires também alertou para o roustanguismo confesso do baiano Divaldo Franco, embora este diga que "não teve tempo para ler a obra de Jean-Baptiste Roustaing" (a falta de tempo não teria sido em relação a outro autor, Divaldo?).

No entanto, Herculano Pires cometeu um sério erro. Amigo de Francisco Cândido Xavier, superestimou a confiança dada ao anti-médium mineiro e, talvez vendo boa-fé no "médium" na condução igrejificada do Espiritismo, acreditasse que o mineiro poderia seguir corretamente o legado de Allan Kardec, fazendo até com ele parcerias em cinco livros.

AMIGOS, AMIGOS, NEGÓCIOS À PARTE

Pelo menos, Herculano era pé no chão e nunca acreditaria que Chico Xavier teria sido reencarnação de Allan Kardec. Há uma entrevista em um programa em 1971 no qual Herculano pergunta a Chico sobre alguma informação sobre reencarnação de Kardec e o mineiro afirma não ter tido qualquer informação.

Renato – Existe alguma notícia, já que se fala tanto, do plano espiritual sobre a reencarnação de Kardec aqui no Brasil ou em algum outro país?

Chico Xavier – Até hoje, pessoalmente, eu nunca recebi qualquer notícia positiva a respeito da presença de Allan Kardec reencarnado no Brasil ou alhures. Entretanto, eu devo dizer que em se tratando desses vultos veneráveis do nosso movimento, seja do cristianismo, seja do espiritismo, pessoalmente eu tenho muito receio de receber qualquer notícia, porque temo, pela minha fragilidade, e estimaria não ser o médium de notícias tão altas.

J. Herculano Pires – Excelente, Chico, essa resposta, porque infelizmente há por aí uma onda de reencarnações de Allan Kardec. Infelizmente há. Nós sabemos que isso são perturbações que ocorrem no movimento espírita em virtude da invigilância dos médiuns e da falta mesmo de compreensão de grande parte dos nossos companheiros no tocante à significação de uma personalidade espiritual como a de Kardec. De maneira que a sua resposta é também para nós de um valor inestimável.

Chico Xavier – Muito obrigado. Pensamos que, quando Allan Kardec surgir ou ressurgir, ele dará notícias de si mesmo pela sua grandeza, pela presença que mostre.

E onde está o erro de José Herculano Pires? Talvez tenha havido uma certa invigilância prática, até porque se reconhece, pelas próprias atividades, que Chico Xavier foi um deturpador proposital, não um ingênuo deturpador do Espiritismo. O mineiro não agiu por boa-fé, mas sim por má-fé, senão ele não teria escrito uma série de livros e depoimentos ligados à mais explícita igrejificação do "movimento espírita".

O erro pode ter sido uma complacência que abriu caminho para a "fase dúbia". Herculano era até bem intencionado na sua crença de que Chico Xavier ou mesmo Divaldo Franco teriam sido "vítimas de espíritos das trevas" e, por isso, houvesse uma chance dos dois se corrigirem e passarem a pregar corretamente os postulados espíritas originais.

Não foi isso que aconteceu. E, diante da esperança de haver um "equilíbrio" entre "científicos" e "místicos", com a coexistência "em bons termos" do rigor científico dos ensinamentos de Allan Kardec e dos valores católicos "na dose certa" atribuídos a Jesus de Nazaré, acreditava-se que o Espiritismo estaria com seu formato ideal. Esse suposto equilíbrio chegou a influir na popularização do "espiritismo", nos últimos 40 anos.

Todavia, o que se observa é que a "fase dúbia" é que se originou com esse "convívio pacífico" entre a árvore espírita e a erva daninha da deturpação. E ignorando aberrações como a de que o próprio conceito de "médium" foi deturpado no Brasil, expressando culto à personalidade, pretensa sabedoria e estrelismo explícito, a promessa de recuperação das bases kardecianas foi seriamente prejudicada.


HERCULANO PIRES VIROU "CABEÇA DE PAPEL"

Mesmo bem intencionada, a esperança de Herculano Pires se constituiu num erro fatal. A acolhida dos "médiuns" deturpadores, mesmo sob o signo da misericórdia e da fraternidade, e a promessa de que o igrejismo estaria nos limites "estritamente cristãos" trouxe efeitos nefastos.

O fato de Chico Xavier e Divaldo Franco espalharem a deturpação, com ideias igrejistas e misticismo surreal, de forma proposital e ampliada, através de livros e, no caso deste último, de palestras ao redor do mundo, fez com que a esperança de Herculano Pires tivesse sido em vão.

A "fase dúbia" fez piorar ainda mais a deturpação do Espiritismo, uma vez que o roustanguismo deixava de ser assumido. Como no caso do ex-deputado Eduardo Cunha para o grupo político do governo Michel Temer, se descartou o idealizador, mas se aproveitou o seu legado e hoje projetos defendidos por Cunha, como a terceirização e a flexibilização das relações de trabalho, continuam na pauta do grupo político, mesmo com o ex-deputado virado "carta fora do baralho".

Dessa forma, criou-se um roustanguismo sem Jean-Baptiste Roustaing, mas com citações pedantes não apenas de Allan Kardec, mas também de personalidades científicas. Até mesmo Erasto é evocado pelos roustanguistas não-assumidos, como meio de fingir que está cumprindo o rigor doutrinário, colocando as traições constantes e diárias debaixo do tapete.

Herculano Pires acabou sendo feito gato e sapato por aqueles que ele tentou acolher na melhor das intenções. Depois da morte do batalhador, ele foi usado numa suposta materialização, ainda em 1979, repetindo as técnicas fraudulentas que se via até a década de 1970, com uso de gazes e colagem de fotos mimeografadas. Uma foto conhecida de Herculano Pires foi usada na farsa.

Houve também, num "centro espírita" de Brasília, uma suposta psicografia de 2003 atribuída a José Herculano Pires, mas com qualidade muito inferior de seus textos e poemas - Herculano também escrevia poesia, até por influência do tio poeta e compositor - , ia na contramão de seu senso lógico, pois a suposta mensagem espiritual alegava que Chico Xavier era reencarnação de Allan Kardec.

Sabe-se que, em Brasília, há o suposto médium Ariston Teles, nascido na Bahia mas vivendo na capital do país. Suposto incorporador de Xavier - talvez por conseguir imitar sua voz, após tempos de convívio quando o anti-médium mineiro era vivo - , Ariston defende a tese de que "Chico foi Kardec", uma tese absurda mesmo se considerarmos os parâmetros da deturpação do Espiritismo. 

O poema, carregado do mais laxativo igrejismo, é este que vemos abaixo:

A VOZ DE CHICO

Atribuído ao espírito Irmão Saulo, suposto pseudônimo de Herculano Pires

O além sempre mostrando
A presença da bondade,
Um anjo se apagou
E serviu à Humanidade.

Os enganos, desenganos,
Na luta junto a Jesus,
Kardec se engrandece
Após o Chico e a cruz.

O mesmo médium mineiro,
De tanta simplicidade,
Ocultava a voz do Mestre,
É Kardec na cidade..

Quanta vontade de ver
Os amigos de outrora,
Dizer-lhes que me enganei
Pois Chico se esplendora.

Viva luz banha meu peito,
Chico nimbado de luz
Em junho, dois mil e dois,
Pois avista-se a Jesus.

O Mestre vem receber
O amigo de todos nós,
Allan Kardec desperta
E Chico solta sua voz.

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Pessoas de bem já conhecem demais perdas e tragédias. E os espíritos atrasados?


Vivemos uma educação moralista viciada. O moralismo religioso sempre apela para aceitarmos as perdas e ainda tenta forçar a apresentar "novas lições", quando na verdade já aprendemos demais sobre as perdas que sempre temos e estamos até cansados de ter.

Quantos progressos humanos foram adiados por tantas e tantas perdas. Quantas missões humanas foram ceifadas ou interrompidas na sua plenitude, em tarefas desempenhadas de maneira insubstituível, porque não há trainée que faça um canastrão ou arrivista substituir o gênio que se foi.

Certo palestrante "espírita" recomendou o filme A Cabana (The Shack), baseada num best seller literário, sobre um homem que perdeu sua filha mais nova e nunca mais viu seu cadáver e volta ao local da tragédia para encontrar uma lição de vida.

A impressão que temos é que sempre somos masoquistas. Mas tragédia envolvendo pessoas de um caráter mais evoluído é algo que existe há anos e atingiu um número maior de pessoas. Vivemos tantas tragédias desse nível que chega a ser um acinte termos que "obter mais lições" sobre aquilo que a gente aprendeu até demais. Somos pós-graduandos na perda de entes queridos!!

O que quase ninguém percebe é que, agora, quem precisa aprender o que é perda são aqueles que são muito atrasados. Ficamos na visão materialista que defende que um espírito grotesco fique "mofando" a vida toda na esperança de que ele aprenda o que sua vaidade impede de aceitar. Muita gente se recusa a admitir que as pessoas que impõem tragédias e infortúnios aos outros são as que mais se atraem e se prejudicam, criando seus próprios prejuízos e mortes.

O Brasil que se apega ao supérfluo, ao inútil e ao nocivo sempre se portou de maneira dolorosa, nostálgica mas conformada quando perde o que mais necessita. O Brasil sempre se inclina aos retrocessos e só aceita progressos quando eles são desfigurados pelo próprio retrocesso, obtido pela banalização que sempre deturpa uma novidade.

O que há de personalidades de grande valor que faleceram cedo ou no auge de sua tarefa espiritual na Terra, o Brasil já está cansado de saber. Ficamos até resignados e estamos acostumados de ver gente brilhante morrendo de repente, deixando trabalhos em andamento, cancelando uma série de projetos futuros que nunca mais serão realizados.

Mas isso é compreensível. O que não dá para compreender é quanto a homicidas ricos e poderosos que ficam impunes, quando têm suas tragédias potenciais anunciadas - como um câncer ou um sério risco de infarto - , fazem pessoas reagirem como se isso fosse um dado ofensivo. O medo de ver tais criminosos morrerem apavora mais as pessoas do que a perda de um ente querido. Por que será?

Talvez se possa explicar pelo fato da sociedade brasileira ser moralista, conservadora e, de certa forma, vingativa. Uma sociedade que defende o porte de armas e que alega que homicidas ricos e poderosos tenham cometido crimes por um propósito "justo". São "justiceiros de luxo", às vezes vistos como arremedos de Deus pelo "direito de definir a morte do outro", e, por isso, são pessoas que "não podem morrer".

Mas isso é uma grande, aliás, uma gigantesca ilusão. Os feminicidas conjugais (antes definidos como "criminosos passionais"), famosos pela desculpa da "defesa da honra", estão entre as pessoas com o maior alto risco de sofrer infartos no Brasil, não raro antes dos 60 anos de idade. São também jurados de morte em potencial, pela revolta que seus crimes, matando mulheres inocentes por conta de um ciúme doentio, provocam numa sociedade em processo de explosiva convulsão social.

Os pistoleiros que matam camponeses, missionários e ativistas rurais também não possuem uma boa expectativa de vida. Os chamados "jagunços" são mal alimentados, fumam e bebem demais e geralmente parecem mais velhos que são, de forma que dificilmente eles conseguem chegar à velhice, em muitos casos tendo uma vida tão curta quanto as vítimas que mataram, falecendo de câncer, infarto e até por distúrbios alimentares.

As pessoas que, em geral, tiram a vida do outro, provocam duas tragédias: a da vítima, uma "tragédia à vista", e a de si mesmas, uma "tragédia às prestações". É certo que não vamos sair matando homicidas impunes, porque é outra atrocidade, mas, assim que devemos respeitá-los em suas vidas, também devemos nos preparar para a própria tragédia que eles contraíram para si.

É aquela coisa: "deixemos eles viverem em paz, mas também deixemos morrer em paz, também". Mas se é um homicida que ocupou os noticiários nacionais, sobretudo durante julgamentos transmitidos em redes de TV, não há também como a imprensa omitir.

Há um medo de noticiar o falecimento de algum homicida rico, sobretudo um feminicida conjugal, uns com medo de despertar a consciência trágica nos machistas, outros para não estimular a comemoração do movimento feminista.

A omissão faz com que este tipo de homicida seja o único tipo de pessoa que "não pode morrer" e que, portanto, quando é para morrer, "morre sem morrer", sendo apenas presumidamente morto a partir dos 93 anos, por mais que tenha morrido bem antes.

A sociedade moralista se apavora com tais tragédias, achando que os homicidas ricos e poderosos "precisam de tempo" para ressocialização. Mas aí um desequilíbrio ético se ressalta, pois os homicidas, ainda tomados de muita vaidade, apenas zelam para recuperar os privilégios materiais que seus nomes terrenos representam. Poucos são aqueles que realmente sentem remorso pelo que fizeram e aprendem rigorosamente a má lição de seus crimes.

As pessoas se apavoram só de pensar que um feminicida rico morra antes dos 60 anos de idade. Mas aí vem o refrão "olha só quem fala". Pessoas que se preocupam com a tragédia de um homicida se resignam quando seus próprios filhos morrem antes de entrar na faculdade e realizar seus valiosos projetos pessoais, em muitos casos de alto nível altruísta. Por outro lado, não se importam em ver homicidas vivendo até os 85 anos como se fosse um "turista" na Terra.

Em muitos casos, o homicida que morre apenas têm como "prejuízo" a perda de seu nome material. Sua ressocialização não se encerra, e, em muitos casos, é benéfica: livre daquele nome ilustre manchado com o sangue de outra pessoa, ele não precisará cobrir de ouro as manchas sangrentas da encarnação anterior e, sob o risco de "aprendizado", retomar todos os privilégios e arrogâncias.

Em vez disso, ele terá uma nova encarnação, mais "limpa" e sem os atributos sociais que as condições terrenas da encarnação anterior mantinham. Em vez de passar a velhice tentando apagar as manchas de sangue que comprometem seu ilustre nome e seus privilégios, ele encontrará situações novas, talvez até limitações, que poderão remodelar sua personalidade de forma a preveni-lo de um novo crime.

Em muitos casos, o feminicida conjugal que havia sido, em tal encarnação, um empresário, profissional liberal, jurista etc, pode reencarnar como alguém que sofre desilusões amorosas e consegue apenas empregos modestos.

Sem o status profissional, ele poderá se preocupar mais com o trabalho, podendo, em vez de usar o prestígio social para praticar um crime de vingança e depois recuperar em vão a reputação perdida, ele poderá usar o emprego modesto para construir seu progresso espiritual, diante da impossibilidade de conquistar a mulher que ele queria namorar.

Da forma como ocorrem tragédias e não-tragédias no Brasil, os espíritos atrasados, que mais precisam de desilusão para regular seus desejos e instintos abusivos, são os que mais se livram desta necessidade, preferindo fazer turismo encarnacional que os faz cada vez mais privilegiados.

O consentimento de uma sociedade moralista com isso, enquanto deixa pessoas de grande valor morrerem antes até de iniciar qualquer tarefa de progresso social, só serve para o Brasil ficar ainda mais atrasado, iludido com a conciliação entre as forças do atraso e do progresso, acreditando num falso equilíbrio.

Hoje o que se vê é um progresso antes condicionado pelas restrições do atraso, ser cada vez mais deixado de lado pelos retrocessos que perdem a vergonha de serem impostos à população. E, como numa fruta nova contagiada pelo fungo da fruta podre, o apodrecimento ameaça até mesmo o que parece relativamente novo nas atividades diversas de nosso país.

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Millôr Fernandes nocauteou Chico Xavier e Divaldo Franco


No malabarismo das belas palavras, o "espiritismo" sempre cai em contradição. Cai quando assume posturas que, no dia seguinte, irá desmentir. Cai por cometer erros de propósito que no momento posterior são tidos como acidentais.

Cria-se todo um faz de conta de pretensa sabedoria, com os supostos médiuns promovidos a dublês de pensadores e beneficiados pelo culto à personalidade. Aberrações como a série de livros "Divaldo Responde" são ilustrativas sobre o quanto o "espiritismo" deturpado arroga-se a se achar "possuidor da verdade".

Uma frase de Millôr Fernandes, este, sim, alguém que pôde transmitir o saber através do humor, Em pelo menos duas frases, Millôr pode ser tomado emprestado para questionar o irregular "espiritismo" e seus médiuns dotados de um estrelismo messiânico mal disfarçado de humildade.

Uma frase é "Quem sabe tudo, é porque anda mal informado". Só essa frase faria com que os volumes pedantes do anti-médium Divaldo Franco, os tais "Divaldo Responde", tenham vergonha até de serem jogados nos sebos, porque ninguém vai querer ficar com livros igrejistas que prometem "respostas prontas" para tudo.

A realidade é muito complexa para haver pseudo-sábios oferecendo respostas para todas as coisas, arrogando uma perfeição descomunal. Além do mais, o verdadeiro sábio não é aquele que oferece respostas, mas questões. Ou dúvidas, como uma outra versão da frase de Millôr que circula na Internet: "Se você não tem dúvidas, é porque está mal informado".

Ha um malabarismo discursivo em que os "espíritas" primeiro assumem posições taxativas que depois vão relativizando. Eles ficam fazendo um interminável jogo de palavras que tenta dar a falsa impressão de tanto oferecer certezas como adotar autocríticas. Falam sem saber, iludidos com sua sensação de "posse da verdade" e, quando são desmascarados, tentam reconhecer os erros mas é tarde demais.

A doutrina marca por um festival interminável de contradições. Os seguidores, tomados de uma emotividade extrema, deixam tudo passar. Pensam que o a coerência pode montar uma ilha num mar revolto de tantas contradições e confusões. que o bom senso e o contrassenso podem ser falsamente conectados por uma palavra solta chamada "amor". Seria um falso equilíbrio que, na verdade, atestaria a vitória do contrassenso sobre o bom senso.

Outra frase de Millôr é a de que "Heróis nunca me iludiram". Os supostos "médiuns espíritas", que já destoam violentamente do que os médiuns do tempo de Allan Kardec eram, pois em vez de serem pessoas discretíssimas e quase anônimas, tornaram-se portadores do mais aberrante culto à personalidade, da forma mais cafajeste, disfarçada de humildade, mas inspiradora dos mais levianos gozos terrenos, que ocorrem sob a lona das paixões religiosas.

Os "médiuns" viraram pretensos heróis, pretensos santos canonizados de maneira informal, um agravante em relação à canonização católica, porque, com todo o tendenciosismo e leviandade de muitos processos - pessoas que se revelaram perversas como o padre José de Anchieta e Madre Teresa de Calcutá viraram "santos" - , há pelo menos uma formalização e uma organização. No "espiritismo", basta o "achismo" para atribuir santidade a fulano ou sicrano.

O que parece lindo, confortante, animador e admirável é, na verdade, uma leviandade. "Médiuns" que viram objetos de adoração extrema, pelo malabarismo das palavras, pelo espetáculo de suas atividades religiosas, pela pretensa sabedoria e por uma aparente filantropia que mais expõe o "benfeitor" do que realiza benefícios, por sinal, bastante inexpressivos.

Ainda há uma outra frase de Millôr Fernandes que também pode ser interpretada, não exatamente ao pé da letra, mas diante de uma mania muito comum no Brasil, que é de abraçar novidades e compactuá-las com conceitos velhos: "Quando uma ideologia fica bem velhinha, ela vem morar no Brasil".

Na verdade, a ideologia em si não é o sistema original de ideias contido numa corrente que, no exterior, surgiu inovadora, mas a forma com que ela foi recebida no Brasil. Tivemos vários exemplos de quanto as novidades "perecem" pela compactuação com aspectos retrógrados da corrente que deveria ser rompida, mas que sobrevive na essência quase oculta da novidade deturpada.

Tivemos, no Brasil, um Iluminismo que compactuou com a escravatura. Mais recentemente, tivemos uma cultura rock'n'roll que compactuou com velhos paradigmas de diluições comportadas dos EUA e Itália assimiladas pela Jovem Guarda, e rádios de rock que se deturparam em prol de uma linguagem "jovem", ou melhor, Jovem Pan, espécie de rádio pop mofada.

E temos um feminismo que tem que negociar com o machismo, seja "aconselhando" mulheres com inteligência, opinião e sem sensualismo obsessivo a se casarem com homens de liderança, enquanto aquelas que se contentam em ser meros objetos sexuais são "dispensadas" até de ter um namorado.

O Espiritismo entra nesse bolo de bolor, com cobertura nova e recheio podre, que se faz muito no Brasil. O que se vê na doutrina de Allan Kardec, no Brasil, é sua desfiguração total: em lugar do cientificismo original kardeciano, influenciado pelo Iluminismo francês, o que se vê é um igrejismo extremado e um receituário moralista inspirado na Teologia do Sofrimento do Catolicismo medieval.

Diante de tantas análises, Millôr Fernandes, que embora desagrade muitas pessoas por ter sido ateu, foi um grande intelectual que usava do humorismo para trazer boas lições para a humanidade. Não se preocupava em ser santo, sábio ou herói, e com isso tinha a liberdade de trazer ideias consistentes.

Muito diferente dos "médiuns espíritas" que, no Brasil, vivem o culto à personalidade, se passando por pretensos sábios e supostos filantropos, para promover um igrejismo velho e cansado, mas que ainda arrasta multidões seduzidas pela tentação fácil das paixões religiosas.

Com suas frases, Millôr Fernandes nocauteou os "médiuns" Divaldo Franco e Chico Xavier e outros que seguem linhas semelhantes.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Pretensas mediunidades refletem carência materialista diante das mortes prematuras

HUMBERTO DE CAMPOS - Usurpação de seu nome por Chico Xavier atende à obsessão materialista por obras que os mortos não podem produzir.

Na ausência de pesquisas mediúnicas que poderiam permitir uma comunicação efetiva com os mortos, já que o "espiritismo" brasileiro praticamente surgiu rompendo com os postulados de Allan Kardec - só nas últimas décadas há a "fase dúbia" que exalta o pedagogo francês mas se pratica o igrejismo de Jean-Baptiste Roustaing - , não há como receber obras novas confiáveis dos espíritos falecidos.

A estranha facilidade de haver supostos médiuns e de surgir, em quantidade industrial, trabalhos supostamente mediúnicos, inclusive a aberrante "reunião" de pintores do além-túmulo de diversos lugares e épocas, já faz comprovar o quanto a mediunidade é fraudulenta, porque o contexto não nos permite que surjam trabalhos em série e médiuns em grande quantidade.

As paixões religiosas que fazem as pessoas aceitarem todos esses absurdos, apenas porque apresentam uma retórica e um aparato associados a supostas ações e ideias de bondade, fazem com que a emotividade cega peça para que surjam "novas obras" atribuídas a personalidades falecidas. Isso cria um mercado voraz, em que qualquer famoso que morre passa a ter seu nome apropriado por um terceiro, sem autorização e sob a desculpa do "pão dos pobres".

O que poucos percebem é que os supostos trabalhos mediúnicos acabam atendendo a uma obsessão materialista. Como os mortos já não exercem as atividades que faziam na Terra, no caso deles terem sido escritores ou pintores quando eram vivos, eles não têm condição para lançar trabalhos inéditos, cabendo meios sérios de possibilitar essa comunicação, inexistentes devido à falta de estudos sérios e consistentes.

O que se vê como "obra mediúnica" no Brasil é uma aberração. As obras não refletem o estilo do autor morto alegado, mas expressam fielmente o pensamento pessoal do suposto médium e todo o estilo deste. Pior: para evitar acusação de fraude, as obras são sempre acompanhadas de algum apelo religioso, ainda que implícito, porque, assim, dificilmente desperta alguma desconfiança.

E isso acaba seduzindo e aliciando as pessoas, se tornando uma pegadinha tão bem sucedida que até os familiares do morto alegado acreditam. É um truque tão engenhoso que dificilmente é desmascarado, embora aspectos de fraude não sejam difíceis de serem identificados.

A saudade dos mortos faz com que as pessoas, movidas pela carência materialista de novos trabalhos e mensagens, aceitassem como "autênticas" as mensagens apócrifas que carregam os nomes dos entes queridos ou dos ídolos famosos, sob o pretexto de que elas trazem "mensagens positivas" e portanto "não causam a menor ofensa".

Só que isso revela uma obsessão doentia. Ver, por exemplo, que Humberto de Campos faleceu prematuramente, aos 48 anos, as pessoas sentem falta de material novo relacionado a ele. Poucos trabalhos póstumos Humberto deixou em vida: dois livros de memórias, um deles deixado incompleto, e um diário secreto. Além destes, diversas coletâneas foram lançadas.

Então, surgem trabalhos "espirituais" que aparentemente sugerem "continuidade" da obra inédita do autor maranhense. Só que se sabe que são trabalhos que destoam do estilo original do autor maranhense. Mas, num Brasil de hábito de leitura irregular, intelectualmente medíocre e frágil e apegado às paixões religiosas, as pessoas aceitam como "autênticas" as supostas psicografias de Humberto.

Sendo então o "médium" uma figura cercada de muitos fanáticos, como Chico Xavier, as pessoas então sucumbem à mais cega credulidade. E aí Chico faz uma verdadeira farra aos materialistas, que sem perceber as nuances do espírito, aceitam que venha do "bondoso homem" toda uma carga de supostas mensagens do além, que na verdade refletem o estilo e o pensamento pessoal do "médium".

Com isso, até a certeza da vida após a morte é submetida ao capricho das paixões materialistas, nas quais as paixões religiosas, cobertas pelo verniz de uma suposta espiritualidade, dissimulam as ânsias vorazes e a adoração voluptuosa àqueles que têm a "façanha" de morrer cedo. Com isso, eles têm que estar associados a supostas mensagens inéditas que, em verdade, saem das mentes dos "médiuns".

sábado, 22 de abril de 2017

Deturpar Allan Kardec é muito mais grave do que se pensa


Quando falamos que os deturpadores da Doutrina Espírita cometeram graves erros, as pessoas choram apavoradas, bradando que "se está desmoralizando o trabalho do bem", "perseguindo pessoas bondosas" etc e tal.

Mas as críticas em torno da deturpação devem ser levadas a sério. Esqueçamos o recreio das "palavras de amor", da "filantropia" que beneficia mais o benfeitor do que o beneficiado, graças  ao  seu prestígio religioso.

Também vamos deixar de lado as paixões religiosas e o entretenimento das comoções fáceis do derramamento desnecessário de lágrimas, como s fôssemos chafarizes humanos. Deixemos as orgias da fé e seu prazer oculto pela desgraça alheia. E paramos de sonhar com gozos prometidos para "pátria espiritual".

A deturpação do Espiritismo é do mais alto nível de gravidade. Somos acostumados a conviver com uma suposta Doutrina Espírita que soa como um produto pirata do qual se foi obrigado a adquirir. Mas a situação deveria ser de preocupação e não de alívio.

Afinal, dois pontos muito importantes devem ser considerados. Um é que os ditos médiuns Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco não deturparam a Doutrina Espírita por ingenuidade ou boa-fé, mas com todo o propósito e, podemos dize, ma-fé. E isso se constata com uma razão bem simples.

Não se pode considerar como um errinho ingênuo algo que foi feito com muitíssimos livros. Chico Xavier e Divaldo Franco registraram, em uma grande quantidade de livros, conceitos e valores que causariam vergonha ao professor de Lyon, e não é de hoje que se denuncia os dois "médiuns" como deturpadores do Espiritismo.

"Ah, mas são as palavras de amor, mensagens de esperança, tem tanta história linda... É, muitas ideias contrariam o pensamento de Kardec, mas prestemos atenção na caridade, mas boas lições de vida...", costumam reagir muitas pessoas, se esquecendo dos avisos do espírito Erasto sobre as "coisas boas", que ele definiu como armadilhas para a transmissão de ideias levianas.

Outro ponto importante a ser considerado é que Allan Kardec teve um duro trabalho para desenvolver suas obras. Era praticamente ele sozinho, com o apoio de sua esposa Amelie Gabrielle Boudet, a desenvolver um arrojado sistema de ideias lógicas e coerentes que nem sempre eram bem recebidos pela sociedade francesa.

Kardec não tinha patrocinador para suas viagens de pesquisa. Ele mesmo as bancava do próprio bolso. A Revista Espírita era feita por ele, dando muito duro para explicar e esclarecer muitas ideias por ele divulgadas e muitos mal-entendidos que vinham do caminho. Até quando suas energias físicas estavam se esgotando, o pedagogo buscava dar o máximo de esclarecimentos sobre a nova doutrina.

Chico Xavier e Divaldo Franco são "filhos" de Jean-Baptiste Roustaing, o deturpador do Espiritismo que primeiro lançou conceitos igrejeiros. Não se compara os eventuais sofrimentos de Chico e Divaldo e suas vidas com os de Kardec, porque os dois "médiuns" viveram como beatos católicos e com os sofrimentos próprios destes.

Por outro lado, comparado com o trabalho do pedagogo francês, os dois "médiuns" tiveram a "cama feita" para "deitar e rolar". Viraram astros da idolatria religiosa, símbolo das tentações emotivas das paixões religiosas - tão traiçoeiras quanto os "gozos mundanos" do sexo, do dinheiro e das drogas - e fizeram a fortuna dos chefões da Federação "Espírita" Brasileira.

Chico e Divaldo fizeram turismo patrocinados por outrem, principalmente este último. Muito diferente do professor lionês que pagou suas próprias viagens. E fizeram isso espalhando mentiras e conceitos que em muitos aspectos desmoralizaram os conhecimentos trazidos por Kardec, o que significa, em parte, uma ofensa ao trabalho árduo do Codificador.

Muitos de nós, mesmo quando criticamos a deturpação da Doutrina Espírita, somos tentados a sucumbir às paixões religiosas e temos medo de criticar severamente Chico e Divaldo. Ainda somos movidos por velhos padrões de religiosidade, coisas do tempo da vovó, e preferimos, em nome da fé, deixarmos para lá as graves irregularidades que mancham seriamente o legado da Doutrina Espírita.

Temos que deixar de lado essas paixões e não cair na sina vergonhosa de Humberto de Campos Filho, que recebeu um abraço de Chico Xavier que mais parecia o "beijo da morte". O homem que chegou a processar o suposto médium pela apropriação indébita do nome de seu pai, ter que ser tomado pelo processo de fascinação obsessiva, uma armadilha emocional alertada por Kardec, é uma demonstração de como as paixões religiosas podem consistir em uma perigosa tentação.

Criticar a deturpação e poupar os deturpadores não irá recuperar as bases originais do Espiritismo. Sermos "fraternos" com os deturpadores não é defender a verdadeira solidariedade, mas usar o "amor" e a "caridade" a serviço da deturpação e da desonestidade doutrinária. Romper com a deturpação sem romper com os detupadores é cortar o mal pelo caule, visto que, com a consideração dada aos detupadores, a deturpação volta ainda com mais força. E, aí, adeus Kardec.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

A falsa estabilidade do "espiritismo" visto de fora



Tudo parece reinar na santa paz aos olhos dos leigos, quando se refere ao "espiritismo" brasileiro. Fica muito fácil, mesmo com a melhor das intenções, criar uma narrativa aparentemente equilibrada e imparcial, mas que claramente mostra a forçada coexistência entre o Espiritismo original de Allan Kardec e a forma deturpada feita no Brasil e popularizada por Francisco Cândido Xavier.

Oficialmente, o que o senso comum entende como Doutrina Espírita no Brasil nunca sai disso: uma visão oficialesca, digna de meros releases fornecidos por empresas. Uma visão "de fora" que prevalece e que, na prática, desqualifica e rebaixa Allan Kardec, transformado num mero refém de seus principais deturpadores, o próprio Chico Xavier e seu seguidor Divaldo Franco.

As pessoas se contentam com essa visão, extremamente superficial e equivocada, das coisas, em que uma boa teoria esconde práticas cuja irregularidade cada vez mais se confirma. Observa-se que muitas das mensagens "mediúnicas" se assemelham mais ao respectivo "médium" do que do próprio falecido, e apresenta aspectos comprometedores que destoam da personalidade do referido finado.

Livros como O Que é Espiritismo, da Série Primeiros Passos da Editora Brasiliense e de autoria de Maria Laura Viveiros de Castro (na verdade, uma "segunda visão", pois um volume homônimo da mesma série foi lançado por Roque Jacintho) - ironicamente, quase o mesmo título de um pouco conhecido livro de Allan Kardec - e Do Outro Lado: a História do Sobrenatural e do Espiritismo, seguem essa orientação um tanto pedestre, embora bem intencionada.

O problema destes trabalhos não é a forma como são feitos, mas a fonte a que recorrem quando o assunto é Doutrina Espírita. Eles vão logo à FEB, a roustanguista Federação "Espírita" Brasileira, que certamente vai lhes oferecer uma visão corporativista, pronta, um release supostamente didático, mas cheio de visões que, embora oficiais, são mentirosas.

Devemos levar em conta que essa orientação vem desde os anos 1980, quando o "espiritismo", aparentemente, chegou a um "bom termo". Na verdade, uma estabilidade forçada, na qual um princípio ideológico passou a prevalecer, a coexistência do Espiritismo original de Kardec e sua forma deturpada e igrejista no Brasil.

Foi a consagração da "fase dúbia", autoproclamada "kardecista" (termo hoje desmoralizado entre os espíritas autênticos, que preferem se definir "kardecianos" e não "kardecistas") e que havia sido forjada a partir dos anos 1960, através de suposta mensagem de Bezerra de Menezes pedindo para "kardequizar" (termo ainda de apelo igrejista, como corruptela para "catequizar"), mas foi oficialmente implantada nos anos 1970, depois da morte de Antônio Wantuil de Freitas.

A atual fase do "espiritismo" brasileiro parece fechar o seu ciclo, com a sutil ascensão de um neo-roustanguismo expresso por palestrantes como Orson Peter Carrara, Richard Simonetti e Rogério Coelho, veículos como o "Correio Espírita" e supostos espíritos como um tal de "poeta alegre" que se manifesta em Portugal, comprovando explicitamente a inclinação do "movimento espírita" ao Catolicismo medieval e sua Teologia do Sofrimento, que já era defendida por Chico Xavier.

Mesmo assim, a "fase dúbia" persiste, sobretudo através de Divaldo Franco e sua verborragia, típica dos professores das velhas escolas ultraconservadoras da República Velha, mas tido como "moderno" e "futurista" ao vender a falsa imagem de "entendedor de Kardec". Mas se temos o projeto político retrógrado do presidente Michel Temer, autoproclamado "ponte para o futuro", então se considera "futurista" um orador igrejista nos padrões dos velhos oradores empolados de cem anos atrás.

E esse rol de contradições e equívocos da mais extensa gravidade, que praticamente desmoralizam e ridicularizam o trabalhoso legado kardeciano, construído com muito trabalho e sob pressões adversas, não é observado pelos leigos que se tornam "espíritas de primeira viagem" aceitando como se fosse o Espiritismo autêntico um engodo de conceitos igrejeiros com outros apenas razoavelmente científicos.

Os leigos não conseguem entender por que existe tanta contradição e até se revoltam quando existem questionamentos aprofundados que desfazem o "ambiente de paz" de um "espiritismo" contraditório, tosco e retrógrado, mas forçadamente estabilizado em um falso equilíbrio que apenas esconde sob o tapete as contradições entre uma teoria kardeciana "correta" e um igrejismo entusiasmadamente praticado nos moldes do Catolicismo medieval.

É essa falta de percepção que permite, em outras áreas das atividades humanas, que o Brasil mergulhe na onda de retrocessos terríveis, tudo porque as pessoas se contentam com prestígios sociais aqui e ali. O prestígio do diploma, da toga, da fama, da fé religiosa, do dinheiro, ou mesmo do porte de arma e da forma física ou de um carisma "doméstico" numa turma de amigos, ilude a sociedade que ainda é movida pela ditadura do status quo, da "religiosização" dos privilégios sociais.

Pois são esses privilegiados, transformados em semi-deuses por conta de alguma vantagem social - do porte de um revólver à presunção de estar próximo a Deus, passando pelas conhecidas vantagens da grana, do poder, do diploma, da fama, da toga etc - , que no entanto se converteram nos "anjos caídos" que acabam levando o Brasil ao "inferno" que vive nos últimos tempos. E os "espíritas" têm boa parte de responsabilidade com isso, graças à deturpação do legado de Kardec.

terça-feira, 18 de abril de 2017

"Espiritismo" apressa a "evolução" de espíritos atrasados

ARRIVISMO - O "médium" José Medrado (segundo à esq.) e Mário Kertèsz, de paletó cinza, pegando carona no prestígio do escritor e poeta Affonso Romano de Santana (E), nos bastidores de um evento promovido pela Rádio Metrópole FM, de Salvador.

O "espiritismo" tem uma triste peculiaridade. Enquanto influi em energias negativas para pessoas de perfil bastante diferenciado, que não raro são vítimas de tragédias prematuras ou, na mais razoável das hipóteses, sofrem dificuldades praticamente insuperáveis, o "espiritismo" se torna mais benéfico apenas para pessoas que compactuam com o conservadorismo social e moral ou com pessoas de perfil mais atrasado que são dotadas de intenções arrivistas.

O arrivismo ocorre quando um indivíduo ambicioso quer obter uma vantagem pessoal a qualquer custo. Geralmente são pessoas retrógradas que, no contexto de hoje, embarcam em contextos de vanguarda para levar vantagens pessoais e se promover às custas de movimentos, fenômenos e instituições avançadas, pegando carona no progresso alheio, que não é necessariamente o do arrivista.

O Brasil, com sua moral um tanto torta que permite a memória curta e o jeitinho brasileiro, é famoso pela eterna compactuação entre valores retrógrados, decadentes e obsoletos com ideias e tendências inovadoras, de forma que estas têm sempre que se condicionar em favor daqueles, criando uma novidade deturpada em que a essência acaba sendo do movimento que deveria ser extinto mas se recicla sob a capa da aparente novidade.

O "espiritismo" já é consequência disso. A novidade trazida por Allan Kardec foi desfigurada no Brasil. a ponto do "movimento espírita" hoje estar mais inclinado ao Catolicismo jesuíta do Brasil colonial e à Teologia do Sofrimento da Idade Média, inserida originalmente no "espiritismo" pelo deturpador pioneiro Jean-Baptiste Roustaing.

Nota-se a seletividade das energias "espíritas", diante de conteúdo tão retrógrado. Pessoas diferenciadas e de perfil mais avançado são mais vulneráveis a tragédias. E isso piorou diante do mito de Francisco Cândido Xavier, uma figura sombria que não deveria ter sido glorificada como foi e ainda é (com a ajuda tendenciosa de seu padrinho Antônio Wantuil de Freitas e, mais tarde, com a habilidade da Rede Globo em usar o "médium" para competir com os "pastores eletrônicos").

Chico Xavier tinha um fetiche por mortos prematuros. É só verificar que boa parte das supostas psicografias do anti-médium mineiro atribui autoria a falecidos precoces: Humberto de Campos, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Cruz e Sousa, Irma de Castro Rocha (Meimei), Auta de Souza, Jair Presente, Augusto dos Anjos.

Várias pessoas, inclusive famosos, que entraram em contato com Chico Xavier tiveram a estranha sina de perder filhos de forma prematura: as atrizes Ana Rosa e Nair Bello, o diretor Augusto César Vannucci, e, mais recentemente, o desenhista Maurício de Souza, que, após colaborar com uma revista em quadrinhos "espírita", teve um filho morto aos 44 anos.

O mau agouro de Chico Xavier se justifica em imagens mais antigas, quando o "médium" não escondia seus olhos salientes. Seus olhares eram agressivos, com ar de maldição. Consta-se que ele passou a usar óculos escuros para esconder o olhar que inspira as piores energias. E, se nos últimos anos ele passou a ter um "olhar tenro", era um marketing religioso inspirado em Madre Teresa de Calcuta, se bem que tanto Chico quanto Teresa eram, no íntimo, pessoas bem ranzinzas.

A energia maléfica de Chico Xavier pode ser constatada confrontando dois ex-presidentes da República, para dar ideia da influência seletiva da mesma. Os casos de Juscelino Kubitschek e Fernando Collor nos põem a pensar sobre tais energias.

JUSCELINO E COLLOR - O MAIS RETRÓGRADO FOI O MAIS FAVORECIDO

Juscelino era amigo de Chico Xavier e lhe dava consideração. O médico mineiro que presidiu o Brasil entre 1956 e 1961 e investiu na construção de Brasília era um político de um partido conservador, o PSD, mas tinha uma inclinação progressista, devido ao seu projeto nacional de desenvolvimento.

Foi só Juscelino dar à Federação "Espírita" Brasileira o título de Instituição de Utilidade Pública, em gratidão à entidade e a Chico Xavier, para a coisa sucumbir ao azar. Juscelino perdeu a continuidade política ao não conseguir eleger seu sucessor, o marechal Henrique Lott, o mesmo que fez um contragolpe, em novembro de 1955, para garantir a posse de JK, que estava ameaçada.

Juscelino, mesmo defendendo o golpe militar de 1964, contrariado com o envolvimento do seu ex-vice presidente João Goulart com o radicalismo de Leonel Brizola, foi um dos primeiros políticos cassados pela ditadura militar.

Pior: a campanha presidencial de 1965, dada como certa, foi cancelada e JK passou a viver infortúnios pessoais diversos, não conseguindo lutar pela redemocratização do país nem sequer conquistar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, a mesma que foi capaz de eleger, anos mais tarde, uma verdadeira futilidade literária que é o comentarista político Merval Pereira.

Juscelino morreu num estranho acidente com aspectos de atentado, embora também investigações oficiais não falem em assassinato. A única filha biológica, Márcia Kubitschek, morreu de câncer em 2000. Mas a má sorte pode também ter contagiado gente direta ou indiretamente ligada a JK.

Henrique Lott teve uma filha, Edna, assassinada numa discussão fútil com um deputado, em 1971. Parceiros de JK na Frente Ampla, o ex-vice João Goulart e o antigo desafeto de ambos, Carlos Lacerda, faleceram em circunstâncias misteriosas. Mas a energia chegou até o ator José Wilker, que interpretou JK numa minissérie da Globo, inesperadamente falecido por infarto fulminante depois que ele, ateu, recorreu a um "centro espírita".

Por outro lado, o ex-presidente e senador Fernando Collor de Mello teve mais sorte. Apoiado por Chico Xavier na campanha eleitoral de 1989, Collor apenas perdeu o mandato devido a um impeachment após denúncias de corrupção. Mas foi favorecido pelas circunstâncias, pouco depois.

Aqueles que o denunciaram, o irmão Pedro Collor e o ex-tesoureiro de campanha, Paulo César Farias, morreram. PC Farias foi ainda a morte mais misteriosa, assassinado com Susana Marcolino num quarto de hotel, numa ocorrência definitivamente sem vestígios, pois uma faxina posterior limpou as marcas do crime.

Collor retomou os direitos políticos em 2000, se elegeu senador em 2006 com o apoio da revista Isto É e das redes sociais e as denúncias de corrupção política parecem não lhe assustar. Para piorar, o seu breve período político (1990-1992) é alvo de saudosismo sócio-cultural, com ídolos do "pagode" e "sertanejo" da época hoje se autopromovendo com tributos à MPB, personalidades como a siliconada Solange Gomes e Gugu Liberato em alta e até um Guilherme de Pádua (que matou a atriz Daniela Perez no mesmo dia do impeachment) vivendo a boa vida da impunidade jurídica e social.

RÁDIO METRÓPOLE E JOSÉ MEDRADO

Por sinal, outra figura em evidência na Era Collor, o baiano Mário Kertèsz, prefeito de Salvador naquela época, também foi beneficiada pelas "energias colloridas": denunciado por um grave esquema de corrupção que paralisou grandes obras de urbanização na capital baiana, ele desviou verbas públicas cujo dinheiro foi usado por ele para adquirir ações em rádios, jornal e numa afiliada de uma rede de televisão.

Tendo sido político lançado pela ditadura militar, apadrinhado por Antônio Carlos Magalhães e filiado à ARENA, Kertèsz ainda foi designado interventor do Jornal da Bahia, jornal de centro-esquerda que marcou história na imprensa baiana. Kertèsz destruiu o jornal, transformando-o num tabloide de péssima qualidade, inspirado no paulista Notícias Populares.

O que poderia ser um inferno astral político foi revertido para uma trajetória arrivista: Kertèsz teve que se desfazer de parte de seu patrimônio midiático e, com o que restou, formou o grupo Metrópole. Direitista, cooptou setores de esquerda para seu apoio, e conseguiu convencer, mediante acordo de divulgação dos livros sobre o Jornal da Bahia, que os autores João Carlos Teixeira Gomes (Joca) e João Falcão, fundadores do periódico, evitassem comentários desfavoráveis ao ex-interventor.

A Rádio Metrópole tem como um dos contratados o "médium" José Medrado, suspeito de irregularidades na construção da Cidade da Luz e cuja obra de supostas pinturas mediúnicas apresenta sérias irregularidades de estilo.

Neste caso, observa-se a sorte que a Rádio Metrópole FM possui, pois, embora a rádio não seja lá uma das mais ouvidas de Salvador nem do interior da Bahia - existe o artifício de forjar um "Ibope alto" comprando sintonias em estabelecimentos comerciais e em categorias profissionais como taxistas, donos de botequins, frentistas de postos de gasolina e motoristas de vans escolares - , ela é blindada pela imprensa local, como os jornais A Tarde, Tribuna da Bahia e Correio da Bahia.

Kertèsz não é considerado um bom jornalista. É tendencioso, parcial, e acusado de promover o culto à personalidade em sua rádio. É obrigado a se assumir, não como editor-chefe, mas como diretor de seus programas noticiosos, para evitar problemas com o Sindicato dos Jornalistas. O talento de Kertèsz, como radiojornalista, é medíocre e apenas imita os clichês do radiojornalismo de âmbito nacional de emissoras como CBN, Jovem Pan e Band News.

Altamente tendencioso, Kertèsz, poucos dias atrás, se autopromoveu, como exímio arrivista, com uma entrevista ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, que ganhou repercussão nacional. O direitista Kertèsz agiu com esperteza, pois, embora a entrevista tivesse sido divulgada também por veículos conservadores como Globo e Folha, ela teve cartaz na mídia progressista, solidária a Lula, o que pode ser um risco de uma certa complacência com a tendenciosa Metrópole FM.

Esse é um exemplo de como um arrivista de perfil retrógrado pode embarcar em movimentos progressistas para obter vantagens pessoais. Protegido pelas energias de um contratado "espírita", Kertèsz é um exemplo de como um espírito atrasado é blindado pelo "espiritismo" brasileiro, de forma a pegar carona em movimentos de vanguarda visando a pura promoção pessoal.

domingo, 16 de abril de 2017

O juízo de valor que derrubou Divaldo Franco e Chico Xavier

AYLAN KURDI, UMA DAS 423 CRIANÇAS REFUGIADAS DO ORIENTE MÉDIO MORTAS EM ACIDENTES DURANTE TRAVESSIA PARA A EUROPA.

"Não julgueis para não serdes julgados", dizia o ensinamento de Jesus. Pegando carona, o anti-médium mineiro Francisco Cândido Xavier criou um arremedo da mesma ideia: "Não julgueis quem quer que fosse". Mas desobedeceu o que ele mesmo disse.

Em 1966, o pior julgamento de valor que se pode dar contra multidões humildes foi dado por Chico Xavier. No livro Cartas e Crônicas, Xavier acusou de terem sido "romanos sanguinários" os pobres cidadãos que, de várias partes do Grande Rio, foram assistir alegremente um espetáculo circense em Niterói, em dezembro de 1961, e foram vítimas de um incêndio criminoso.

O agravante da infundada acusação - feita sem provas documentais, de maneira generalizada, sem estudo da Ciência Espírita e preocupada com suposta encarnação longínqua e superada - é que Chico Xavier, para se livrar de culpa, botou a responsabilidade no pretenso autor espiritual, Humberto de Campos, muito mal disfarçado pelo codinome Irmão X.

Só neste episódio, Chico Xavier cometeu várias perversidades. Tido como "símbolo máximo de humildade", o anti-médium mineiro acusou pessoas humildes de terem sido pessoas sanguinárias que "pagaram pelo que fizeram". Segundo, botou a responsabilidade em um escritor já falecido há décadas, ofendendo ele e seus herdeiros, não adiantando aquele teatrinho de "bondade" para aliciar o produtor Humberto de Campos Filho, anos antes.

Se verificarmos, no entanto, que, em 2009, caso semelhante ao de Xavier rendeu processo por danos morais, a coisa piora para Xavier. Sabe-se que, no livro O Voo da Esperança, que o suposto médium Woyne Figner Sacchetin atribuiu levianamente ao engenheiro Alberto Santos Dumont, pioneiro da aviação brasileira, as vítimas do famoso acidente da TAM no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, há dez anos, foram acusadas de terem sido "romanos sanguinários".

É exatamente a mesma acusação de Chico Xavier em Cartas e Crônicas, com os mesmos artifícios. Mas, com um aspecto gravíssimo. As vítimas do acidente da TAM tiveram dinheiro para pagar advogados e processar Woyne por danos morais e o livro teve que ser retirado das livrarias. No caso de Chico Xavier, são famílias pobres que não tinham recursos para pagar advogados, e por isso a crueldade teve um peso muitíssimo maior.

Recentemente, em dezembro de 2016, durante uma entrevista depois de um "congresso espírita" na Espanha, o anti-médium baiano Divaldo Franco, perguntado sobre as mortes de refugiados do Oriente Médio na travessia para a Europa, também deu um comentário extremamente infeliz:

"No campo das deduções e de acordo com o meu pensamento, penso que aqueles que estão hoje, de volta à Europa, são os antigos colonizadores que deixaram, até hoje, a América Latina na miséria.
Como foi negado todo o direito aos seus residentes, como aculturaram os selvícolas, destruindo culturas veneráveis, pela Lei de Causa e Efeito aqueles estão retornando hoje à pátria, no estado de miséria, e que ameaçam os próprios países de onde saíram, para, um dia, buscarem a fortuna para o conforto europeu".

Se valendo de seu prestígio religioso, Divaldo Franco feriu com palavras doces, como uma mancenilheira de palavras com sabor de mel mas que atingem feito um punhal dos mais afiados as costas de alguém.

Imagine o sacrifício que muitos cidadãos, não suportando mais viver em áreas de conflitos bélicos dos mais violentos, com bombas e mísseis capazes de cair em qualquer residência, atingindo dezenas de pessoas diariamente, terem, portanto, que se mudar para a Europa, onde esperam ter um mínimo de paz e dignidade, não raro enfrentando tragédias e dificuldades extremas.

Consta-se que cerca de 423 crianças, talvez mais, morreram nessa travessia longa, demorada e feita em muitas etapas. O menino Aylan Kurdi, de três anos, o da foto desta postagem, é um desses exemplos e cujo corpo, encontrado no Mediterrâneo, chocou o mundo inteiro, criando uma grande comoção sobre o drama dos refugiados.

Se considerarmos o juízo de valor de Divaldo Franco, beneficiado pelo confortável status do prestígio religioso, que lhe dá o aparente privilégio de sabedoria, sensatez e humanidade - em um DVD, Divaldo é classificado no título como "humanista" - , o pobre menino teria sido um sanguinário colonizador que tinha prazer de mandar condenados para se afogarem em alto mar.

Que fundamento Divaldo Franco teve para fazer tal acusação? Nenhum, pelo fato dele ter tido formação roustanguista e ser um grave deturpador da Doutrina Espírita, incompetente quanto ao rigor da Ciência Espírita. Além disso, se preocupar com uma encarnação antiga e já superada, de uns mais de 500 anos, é uma leviandade sem tamanho.

A declaração demonstra a soberba de alguém que há muito faz palestras para gente rica e se compraz com uma visão eurocêntrica que revela o temor de uma Europa descaraterizada por pessoas erroneamente associadas ao terrorismo. Muito poucas pessoas que fogem dos países do Oriente Médio são ameaçadoras. A coisa é muito diferente, por exemplo, do que se fez no Brasil colonial, quando bandidos, arruaceiros e outras pessoas desagradáveis foram jogadas para cá por Portugal.

São pessoas praticamente sem condições financeiras expressivas, famílias não raro numerosas, indivíduos recorrendo a seu próprio sacrifício, de fugirem para a Europa, andando quilômetros de distância, se instalando em sucessivos alojamentos, enfrentando embarcações apertadas, com a alma triste e traumatizada.

É possível que Divaldo Franco peça desculpas pelo comentário infeliz e, naquele seu discurso, dizer que os refugiados "merecem toda consideração". Mas aí é tarde demais. Afinal, a cada vez mais os palestrantes "espíritas" primeiro fazem comentários e alegações cruéis, para depois pedirem desculpas. Como se não bastasse traírem os ensinamentos de Allan Kardec o tempo inteiro e depois se autoproclamarem "rigorosamente fiéis" a ele.

O prestígio religioso não pode permitir tais julgamentos. Ninguém está acima de tudo. O "amor" do "movimento espírita" não pode estar acima da Lógica e do Bom Senso. Não há como promover a fraternidade do Bom Senso com o Contrassenso e usar conceitos duvidosos, refutados por Kardec, como "resgates coletivos" (uma multidão vista como "gado expiatório" de ocorrências infelizes e, por vezes, funestas).

Na verdade, a sociedade paga um preço caríssimo por se apegar às paixões religiosas e dar crédito aos deturpadores do Espiritismo, que usam a "caridade" e todo um artifício de belas palavras e uma filantropia que nunca ajudou de verdade - a Mansão do Caminho de Divaldo Franco não ajudou 0,1% da população brasileira e ele é "o maior filantropo do Brasil"? - e que serve mais para a promoção pessoal dos supostos médiuns, já beneficiados pelo culto à personalidade.

sexta-feira, 14 de abril de 2017

Religiosa, São Gonçalo assusta pela violência crescente


Já se falou que São Gonçalo, embora seja uma cidade com um dos maiores números de casas religiosas no Estado do Rio de Janeiro, é também uma das mais violentas. A violência chega a ocorrer à luz do dia e faz as pessoas evitarem sair à noite e provoca fechamento de casas e até prédios comerciais.

Embora boa parte da sociedade imagine a religião como instituição que sempre resgata a vida dos cidadãos, a cada vez mais a realidade mostra o lado contrário, pois boa parte das manifestações de ódio nas mídias sociais vem de pessoas que, de alguma forma, professam alguma religião.

A campanha de ódio que tirou do poder a presidenta Dilma Rousseff e colocou no lugar seu vice, Michel Temer, que a traiu em prol de um projeto político voltado a medidas amargas que desfazem conquistas sociais históricas e que representam um grave retrocesso social que retomaria as velhas estruturas de rigorosa desigualdade social do Brasil colonial.

O efeito aparentemente benéfico da religião começa a ser questionado, principalmente pelo fato dos internautas mais reacionários serem "cristãos": muitas das práticas de cyberbullying são feitas por pessoas que se dizem "acreditar em Jesus" e que atribuem à imagem de Satanás qualquer desafeto, desde aquele que contesta o "estabelecido" até um político de um partido de esquerda.

Surge a notícia de que os evangélicos vão defender a candidatura de Jair Bolsonaro, uma das mais perigosas figuras da política brasileira, pelo extremo reacionarismo e pelas confusões com que se envolveu e que os noticiários comprovam. Isso é muito grave, não bastasse as medidas que o Congresso Nacional, cada vez mais indiferente ao povo, impõe à população, como a reforma previdenciária e a reforma trabalhista, cujo aperitivo é a já aprovada terceirização generalizada.

O modo "religioso" de ver as arbitrariedades e erros, vários gravíssimos, de gente dotada de algum privilégio social, da fama à religião, do porte de armas ao diploma, do domínio de informática à concentração do capital, também preocupa.

Dependendo do prestígio social, mesmo crimes de morte passam a ser encarados de forma atenuante. Confusões que podem pôr uma humanidade a perder são vistos com gracejos, como se não fossem graves confusões, mas demonstrações do senso de humor.

Arbitrariedades que mais prejudicam a população - como, no Rio de Janeiro, a pintura padronizada nos ônibus que confundia as pessoas na hora do ir e vir - são aceitas de maneira submissa sob a ilusão de "sacrifício necessário", uma falácia que aqueles que se escondem pelo prestígio tecnocrático do diploma, do dinheiro ou poder político usam para impor medidas injustas e nocivas sob a falsa promessa de um "benefício maior".

Parece até Teologia do Sofrimento. E é, aplicada fora da religião. através da ilusão de que as supostas atribuições técnicas e racionais de uma elite de políticos, administradores e tecnocratas lhes permite prejudicar a população, forçando-a a aceitar o próprio prejuízo em prol de pretensos benefícios que não se tem certeza se serão benéficos ou se eles realmente existirão.

A "religiosização", que é atribuir missões divinas a ações que na verdade parecem medíocres ou nefastas, e que se manifesta pela pós-verdade - a mania de criar uma retórica racional para ideias nada racionais - , também faz com que certas pessoas se achem no direito de praticar certas maldades porque, depois, a religião irá "limpar" as "sujeiras" que fez.

Em muitos casos, atrocidades são justificadas por pretextos moralistas. O feminicídio conjugal, por exemplo, usa as desculpas da "defesa da honra" e, não raro, evoca valores da "família" e, pasmem, até do "amor". A violência latifundiária contra os camponeses também evoca uma "causa nobre", a defesa da "propriedade", não raro "garantida por Deus".

O histórico do Catolicismo da Idade Média, portanto, revela o quanto a religião também pode cometer crueldades. A supremacia da fé e a ilusão do vínculo divino - lembrando que a figura de Deus é ainda muito enigmática e sem comprovação científica - permitiu aos católicos praticar o "banho de sangue" em níveis comparáveis aos do holocausto nazi-fascista, movimentos políticos que se ascenderam pela "religiosização" da política.

Atualmente, seitas neopentecostais e o "movimento espírita" buscam herdar o espólio do Catolicismo medieval enquanto a Igreja Católica propriamente dita busca se atualizar. Seitas como a Igreja Universal do Reino de Deus se ancoram na leitura medieval do Velho Testamento, enquanto o "espiritismo" brasileiro adota a leitura do Novo Testamento, também em abordagem medieval. IURD e FEB também têm braços midiáticos, respectivamente a Record TV e a Rede Globo.

Diante desse suporte midiático, as religiões se ampliam num contexto cada vez mais conservador. A própria grande mídia é divinizada, exercendo poderes sagrados de impor até mesmo gírias e ídolos. Poucos percebem, mas a Globo usou Chico Xavier e o glorificou para fazer frente a Edir Macedo e R. R. Soares na disputa pela supremacia religiosa.

Dito isso, é ilustrativo que locais onde há muitas casas religiosas são também redutos de grande violência. Não é a religião que se instala em locais violentos para eliminar a criminalidade, embora, em tese, seja seu propósito, mas é a violência que é liberada pela lógica emocional e justiceira da fé.

Não por acaso, muitos dos "centros espíritas" e tempos neopentecostais se localizam em áreas que, depois, têm sua violência agravada. Áreas como Pau da Lima e Uruguai, em Salvador, Madureira no Rio de Janeiro, e Viradouro e Fonseca, em Niterói, se tornam redutos preocupantes de violência, com assassinatos e assaltos ocorridos até à luz do dia e diante de muito movimento de pessoas.

Da mesma forma, São Gonçalo também se torna reduto. E isso cria um prejuízo tão grave que os roubos de cargas refletem até nos preços das mercadorias, com aumentos de até 35%. Os índices de homicídios chegam a uma média de 25 por dia, quase uma vítima por dia. Para se proteger, cercas e portões com material cortante e portas gradeadas são instaladas até em vilas.

Bairros como Salgueiro e Jardim Catarina demonstram ser os mais violentos e os que mais oferecem dificuldades para a ação policial. Mas outros bairros, como Pacheco, Santa Isabel e o entorno do Jardim Alcântara e Galo Branco também mostram episódios preocupantes de assassinatos e roubos.

Que a violência existe em qualquer lugar e sob qualquer contexto, isso é verdade. Mas a religião, que se anuncia como a solução para reduzir os índices de criminalidade, acaba os estimulando, até pelo fato de que seitas conservadoras servem mais para poupar os algozes, numa suposta "misericórdia" ou "ressocialização" que só lhes restitui os privilégios e o poder, do que os mais necessitados, que continuam sofrendo desgraças. Diante dessa desigualdade, o crime só tende a aumentar.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

"Bondade" que sobrepõe a imagem do benfeitor é duvidosa


O "espiritismo" brasileiro tem uma desculpa pronta para levar todas as deturpações e outras irregularidades para a frente: a "caridade". Em muitos casos, se autopromove como a "religião da bondade", com apelos que chegam ao ponto da pieguice mais enjoativa mas suficiente para deixar as pessoas conformadas com esse "atenuante" da doutrina que traiu Allan Kardec.

Quantos palestrantes realizam todo um balé de palavras bonitas! Quantos apelos à fraternidade e à paz, com palavras do mais puro gosto de mel! Quantos apelos à beleza, à simplicidade, ao amor! Quantos, quantos e quantos discursos que desarmam até o mais ácido questionador da deturpação da Doutrina Espírita, se ele não estiver preparado para enfrentar esses cantos-de-sereias!!

O Brasil, país tão atrasado que hoje abriga espíritos cujo comportamento sugere que muitos brasileiros tenham sido reencarnações de espíritos retrógrados - dos aristocratas do Império Romano aos macartistas dos EUA, passando por medievais e nazi-fascistas - , o que se comprova pelo "espírito do tempo" marcado pelas ações que geraram esse quadro político, midiático e sócio-econômico viciado dos últimos anos, ainda não consegue entender a verdadeira natureza da bondade.

A bondade é vista aqui como um empreendimento vinculado a uma instituição religiosa de "livre escolha". Esse empreendimento é de propriedade de um ente chamado Deus e qualquer pessoa pode adquirir essa franquia, de forma "livre" e "ilimitada", desde que haja algum vínculo institucional ou uma relação com algum ídolo religioso.

As pessoas acabam caindo em tentações movidas pela paixão religiosa. De repente, diante de certos projetos filantrópicos, se esquecem dos beneficiados, diante da exaltação do benfeitor. E, no "espiritismo", a "caridade" é usada mais para legitimar os deturpadores que, em termos de prática espírita, fazem tudo errado, mas se sobressaem por causa da "bondade", a ponto dos críticos da deturpação do Espiritismo aceitarem de bom grado os deturpadores.

Quando a "bondade" expõe o benfeitor sobre o beneficiado, é bom desconfiar. No "espiritismo", pouco se fala de beneficiados, embora a realidade mostre que a doutrina ajudou muito pouco, investindo em meras ações paliativas que nem de longe transformam a vida das pessoas. Os necessitados são quase sempre os mesmos. E projetos pedagógicos se limitam a formar cidadãos corretos, mas beatos e inócuos, simpáticos porém medíocres.

Fala-se demais do benfeitor. Claro, é uma forma de minimizar as responsabilidades que o deturpador deveria assumir pela traição ao pensamento de Allan Kardec, algo que muitos subestimam, mas é um ato de desonestidade explícita.

Ignora-se que Allan Kardec fez sozinho todo seu sistema de valores, procurando selecionar as mensagens espirituais que solicitou de outros médiuns. Vale lembrar que os médiuns a serviço de Kardec eram pessoas discretas e quase anônimas, sem o culto à personalidade e o messianismo associados a gente como Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco.

Kardec pagou suas próprias viagens, sem patrocínio alheio. Passava altas horas da noite respondendo dúvidas e questionamentos. Recorria à própria esposa, Amelie Gabrielle Boudet, para pedir conselhos em situações difíceis. Nos momentos finais da vida, ainda escrevia sofrendo febre alta e portando um aneurisma cerebral.

Tudo isso foi feito com muita dificuldade para depois a Doutrina Espírita servir para as diversões igrejistas dos grandes detupadores Chico Xavier e Divaldo Franco, seguidores nunca assumidos do pioneiro deturpador Jean-Baptiste Roustaing, o primeiro que quis "catolicizar" o legado kardeciano.

Os dois "médiuns" fizeram tudo errado, transformaram o Espiritismo num engodo, num bacanal religioso marcado por péssimos romancistas, cientistas fracassados e paranormais de fraca concentração mental que recorrem à "mediunidade de faz-de-conta", inserindo apelos religiosos para afastar qualquer desconfiança de fraude, porque raramente alguém tem coragem de investigar "mensagens de amor".

A "bondade" serve de escudo para deturpadores, que se armam de projetos "filantrópicos" aparentemente "admiráveis", mas que pouco trazem de benefícios. Em muitos casos, os benefícios são menores do que certos projetos filantrópicos bancados por gente rica e famosa, que, com toda a ostentação de seus benfeitores, ainda faz "algo mais" do que os tão festejados "espíritas". Como educação cultural e um ensino de História com um pouco mais de análise crítica.

Um bom termômetro disso é Uberaba, a cidade adotiva de Chico Xavier. Tão "beneficiada" pelo suposto carisma do anti-médium mineiro, tão "protegida" por suas "boas energias" e tão transformada" por sua aparente filantropia, a cidade do Triângulo Mineiro caiu 106 posições, em Índice de Desenvolvimento Humano, nos levantamentos de 2000 e 2010 e, no centenário de nascimento do "bondoso homem", Uberaba ficou em 210º lugar com índices de pobreza e violência.

Nos últimos anos, os assassinatos que ocorreram em Uberaba atingiram índices tão preocupantes que foi feita até foto-montagem com a famosa "dama encapuzada com seu foice" andando por uma rua da cidade. E ocorreram até passeatas pedindo Justiça e mais policiamento. Os "espíritas" devem achar isso "injusto", porque em Uberaba só morre de violência quem tiver sido patrício de Roma...

A verdade é que, infelizmente, a "bondade" é usada para abafar a gravidade dos deturpadores da Doutrina Espírita, que praticam o roustanguismo seu de cada dia, com o igrejismo mais viscoso, cheio de fantasias em torno de "crianças-índigo", "colônias espirituais" e a redução da emotividade humana a um mero entretenimento.

E tudo isso apoiado não no legado de Kardec, mas na medieval Teologia do Sofrimento católica, aquela que diz que "é bonito sofrer". Até porque é necessário haver desgraçados para que se acione a "indústria de bondade" que garante a propaganda de exaltação aos deturpadores convertidos em "missionários". Kardec estaria envergonhado se visse tudo isso.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Seletividade jurídica e prestígio religioso

"ANCESTRAIS" DE RODRIGO JANOT E SÉRGIO MORO DEIXARAM PASSAR OS PASTICHES LITERÁRIOS DE CHICO XAVIER E COMPANHIA.

A Justiça brasileira é aberrante? Sua atuação é bastante seletiva, sendo menos rigorosa com aqueles que são dotados de algum prestígio social? A realidade de nossa Justiça, que apenas parece menos cruel, em punições, do que os patrícios do Império Romano, é algo muito, muito antigo.

Já que hoje os "espíritas" comemoram o aniversário do seu ídolo Francisco Cândido Xavier - que teve a sorte de não ter nascido no próprio Dia da Mentira, mas um dia depois - , cita-se o caso de Humberto de Campos, o caso mais deplorável de apropriação indébita de um escritor falecido, e o caso mais assustador de impunidade que permitiu que seu infrator se transformasse, ao longo dos anos, em um quase deus!!

A memória curta apagou a imagem de pastichador de textos de Chico Xavier, lembrando que o anti-médium mineiro não fazia essa tarefa sozinho. Tinha a colaboração de editores, redatores e consultores literários. Em muitos casos, não conseguia imitar o estilo literário de um escritor, e acabou imitando, sem querer, o de outro.

Osório Borba, eminente crítico literário, afirmou certa vez que Chico Xavier confundiu Augusto dos Anjos com Antero de Quental. Detalhe: um poeta brasileiro e um poeta português. Isso diz muito pelo fato de que, se Chico Xavier não podia fazer pastiches sozinho, também seria incapaz de fazer uma obra mediúnica verdadeira se os autores do além "escrevem" e "pensam" igualzinho ao "médium".

O caso de Humberto foi o mais aberrante, embora sejam da mesma foma deploráveis os casos de Olavo Bilac e Auta de Souza, que "perderam seus estilos pessoais" com a pena de Chico Xavier. Um "Olavo Bilac" descuidado de métrica com versos sem musicalidade, uma "Auta de Souza" sem o estilo pessoal feminino e meigo, que nas obras publicadas em vida saltava nos versos.

Mas o caso de Humberto é que foi deplorável. Soa como uma revanche. Afinal, Humberto havia, em vida, feito um comentário bastante irônico sobre o livro Parnaso de Além-Túmulo, de Chico Xavier, pedindo para que os "poetas do além" não concorressem com os vivos na publicação de obras poéticas. Chico que, como todo caipira, queria fazer sucesso nas cidades grandes - Humberto morava no Rio de Janeiro, então capital do Brasil - , entendeu aquilo como reprovação de seu livro.

O suposto Humberto de Campos das obras "espirituais" (inclui aquelas em que se foi colocado o codinome "Irmão X"), em que pesem as semelhanças superficiais que só saltam na primeira e apressada impressão, depois se revelando bem poucas, é na essência completamente diferente do Humberto de Campos que esteve entre nós.

Textos muito pesados de se ler, sem a narrativa ágil que marcou a trajetória do autor maranhense. Mesmo quando se imitam contos curtos de diálogos rápidos, não é a mesma coisa. O "Humberto de Campos" trazido por Chico Xavier é mais melancólico, deprimente, em muitos momentos religiosamente panfletário, que numa leitura atenta não traz o mesmo prazer do que os livros que Humberto publicou em vida, por mais que se esforce em fingir a mesma sensação.

Os brasileiros médios não fazem uma leitura atenta, e ainda são seduzidos pelas paixões religiosas, um problema sério, de extrema gravidade, que ainda será analisado largamente fora da blogosfera que questiona as irregularidades "espíritas", e talvez fora até mesmo deste âmbito religioso, onde os deturpadores da Doutrina Espírita não poderão convencer mostrando slides de crianças pobres sorrindo para afastar qualquer crítica contra quem faz tal deturpação.

Tudo isso é evidente, claro. As obras "mediúnicas" de Chico Xavier sempre trazem explicitamente pontos comprometedores em relação a detalhes pessoais dos autores mortos alegados. Isso põe em xeque a tese de veracidade das mensagens, ou mesmo a tímida e hesitante tese de "não admitir que são verdadeiras, mas também não negar" que certas correntes adotam.

Isso a Justiça dos homens fez vista grossa. No caso do julgamento do processo movido pelos herdeiros de Humberto de Campos, dois erros foram cometidos tanto por quem formulou a petição quanto quem a julgou:

1) Os herdeiros foram pouco firmes no enunciado do processo. Em vez de dizer que Chico Xavier teria feito apropriação indébita de Humberto de Campos (até como "resposta" ao comentário irônico que o autor maranhense lhe fez em vida), o enunciado foi melindroso: pedia aos juristas analisarem se a obra "espiritual" era verdadeira ou não; se caso positivo, FEB e Chico Xavier pagariam direitos autorais aos herdeiros; se caso negativo, haveria multa por indenização.

2) Os juízes só levaram em conta a questão dos direitos autorais sobre obras atribuídas à atividade de um espírito já falecido. Não levaram em conta questões de estilo ou expressão textual, nem outros aspectos pessoais violados pela "mediunidade", algo que era até do conhecimento do advogado dos herdeiros de Humberto, Milton Barbosa, que identificou até grosseiros cacófatos na obra "espiritual". Com isso, os juízes preferiram concluir que a ação judicial era improcedente, causando empate.

A interpretação do caso pelos juízes de 1944, "ancestrais" de Sérgio Moro e de outros magistrados, como procuradores (a exemplo de Rodrigo Janot), juízes etc, não só foi restritiva e, talvez, intimidada pelo prestígio religioso de Chico Xavier, como certas fontes interpretam a questão pela tese de que o "médium" era responsável pelos direitos autorais da suposta obra espiritual.

Bingo! Junta-se essa licenciosidade com o prestígio religioso de Chico Xavier, ainda pequeno naqueles idos de 1944, e o mito se deslanchou de maneira monstruosa. Chico virou o "monstro" do conto de Humberto de Campos, que a Dor e a Morte não puderam criar, mas que a Conveniência criou com surpreendente habilidade.

A seletividade da justiça, capaz de inocentar feminicidas e deixar presos por tempo indeterminado meros ladrões de frutas, tornou-se assunto corrente nos últimos meses pelo desigual tratamento dado a políticos do PT e do PSDB na Operação Lava Jato.

No passado, a Justiça dos homens, movida pelas paixões religiosas diante de alguém que personificava o estereótipo do "caipira inocente", ao dar empate no caso Humberto de Campos, permitiu a esse "bondoso homem" virar praticamente um "dono dos mortos", criando sérios problemas na comunicação entre vivos e mortos - praticamente desmoralizada no Brasil - e corrompendo a atividade de médium que, no nosso país, virou uma grande aberração.

Isso agravou demais a situação do Espiritismo no Brasil, que praticamente se rendeu completamente à deturpação. Uns até criticam a deturpação, falando que o legado de Allan Kardec foi "vaticanizado", mas se poupam os deturpadores de tal forma que os próprios deturpadores reprovam, no discurso, aquilo que eles mesmos fazem na prática.

Criou-se uma desordem religiosa, e fez com que o legado de Kardec sofresse sina muito pior do que o legado de Jesus de Nazaré nas mãos da aristocracia romana que fundou o Catolicismo, na Idade Média. Em que pese o Catolicismo ter se servido de práticas anti-cristãs como as "cruzadas" e as condenações mortais aos hereges, ele não representou a hipocrisia dos "espíritas" que se dizem "esclarecedores" mas promovem tamanho obscurantismo, apenas adaptado ao contexto atual.

Os juízes brasileiros, se já em 1944 tivessem condenado Chico Xavier e a FEB, pela apropriação indébita e oportunista do nome de Humberto de Campos. Basta comparar os textos da obra de Humberto e a suposta psicografia, as irregularidades estão explícitas, em diferenças aberrantes de estilo.

Se isso tivesse sido feito, teríamos evitado a ascensão de um ídolo religioso ultraconservador, que praticamente desmoralizou e bagunçou com o trabalho árduo de um pedagogo francês, e os brasileiros teriam sido prevenidos pelas tentações traiçoeiras e sombrias das paixões religiosas simbolizadas de maneira perigosa por Chico Xavier.

sábado, 8 de abril de 2017

José Mayer e a "tradição" machista brasileira


Mais um incidente mostra o quanto o Brasil continua com seus valores retrógrados dominantes. Temos um cenário político que se compromete em adotar medidas prejudiciais ao povo brasileiro, enquanto se prepara para enriquecer ainda mais os mais ricos e vender para gigantescas corporações estrangeiras os recursos naturais existentes em nosso país.

Temos um Judiciário totalmente irregular, com um Sérgio Moro se comportando como se fosse um tira de segunda categoria dos filmes de Hollywood e a corte do Supremo Tribunal Federal tomada de pessoas que são uma ameaça para o equilíbrio jurídico das leis, como Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, além de um Ministério Público atuando como dublê de delegacia de polícia e uma Polícia Federal tomada de muita prepotência.

Temos um contexto social em que, de repente, preconceitos sociais foram liberados, em nome da catarse coletiva. Pobres de direita ameaçam a si mesmos defendendo, com entusiasmo, uma figura racista e fascista como Jair Bolsonaro. Valentões das redes sociais organizam campanhas de cyberbullying contra quem contestar valores "estabelecidos" e não raro criam páginas ofensivas dedicadas a suas vítimas.

Vivemos um grande pesadelo social. É como se um galinheiro passasse a ser governado de maneira permanente por uma raposa. O ultraconservadorismo sempre foi uma qualidade latente em boa parte da população brasileira, em diferentes graus, mas desde 2016 as pessoas saíram do armário e passaram a defender retrocessos sociais profundos, da maneira mais raivosa possível.

Num contexto em que até o publicitário Nizan Guanaes e o empresário Flávio Rocha (da rede de moda Riachuelo) expressam profundos e cruéis preconceitos elitistas, temos mais um caso de surto "estimulado" pelos tempos atuais: o assédio sexual, beirando a um estupro, cometido por um antes renomado ator de televisão.

O caso anda rendendo muita polêmica, desde quando a figurinista da Rede Globo, Susllem Tanoni, resolveu denunciar o ator José Mayer depois de um episódio de muita humilhação, que quase seria um estupro em praça pública.

Tudo começou no ano passado, quando José Mayer, famoso por papéis de garanhão em novelas da emissora, fazia elogios entusiasmados à jovem Susllem. "Como você é bonita", "como você se veste bem" eram os comentários do ator, galanteios que, à primeira vista, pareciam muito elegantes.

Depois os galanteios se tornaram mais constantes, assustando a figurinista, até que, em fevereiro de 2017, o ator se aproximou da jovem e tocou na genitália dela, diante de outras duas mulheres da equipe técnica da Globo. Susllem ficou constrangida e apavorada, mas as outras, rindo, pareciam gostar da situação. Uma chegou a falar para a figurinista: "Diz que esse é seu desejo antigo, diz!". A atitude do ator estava beirando a um estupro.

Mas a gota d'água veio quando, diante de cerca de 30 pessoas, José Mayer ameaçou o mesmo assédio, e, ao ser contrariado, ainda xingou a figurinista: "Vaca!". Mayer parecia achar que, por ser um ator prestigiado e considerado um dos mais destacados galãs do país, ele deveria ser correspondido em cada galanteio.

O que chama a atenção são três detalhes: José Mayer é casado há 42 anos com a também atriz Vera Fajardo, que atua mais no teatro. Os dois têm uma filha, Júlia Fajardo, com considerável currículo como atriz. E, o que é pior, o assédio de Mayer à figurinista não foi o primeiro que ele havia cometido, traindo sua condição de homem casado.

Com a repercussão negativa, José Mayer teve que ser suspenso por tempo indeterminado. Ele saiu da novela A Lei do Amor e foi cortado do elenco de uma futura novela. Na reprise da novela Senhora do Destino, chegou-se a cogitar o corte das cenas com Mayer mas a Globo desmentiu.

Além de Mayer, houve o caso do ídolo do "sertanejo universitário" Victor Chaves, da dupla Victor & Léo - um dos nomes musicais blindados pelos reacionários das redes sociais - , que foi denunciado por ter agredido a própria esposa, obrigando o cantor a deixar o juri de um reality show musical da mesma Globo.

Mayer tentou se explicar dizendo que sua geração era "machista" e disse "ter se arrependido" do que fez. Mas isso não amenizou a situação e abriu caminho para denúncias de que o assédio sexual é uma prática muito comum nos bastidores da TV brasileira. Se bem que até Hollywood mostra tais práticas infelizes.

O machismo brasileiro é tão arraigado que, mesmo no caso do feminicídio, a sociedade é melindrosa. Não se pode sequer pensar que feminicidas também têm sua tragédia pessoal, pelos próprios efeitos de seus atos. Com tantos brasileiros de valor já falecidos, muitos precocemente, a sociedade tem mais medo de ver Doca Street e Pimenta Neves (ambos, segundo rumores, sofrendo de câncer em estágio avançado) morrendo um dia.

Folha de São Paulo e O Globo, periódicos conservadores, lembraram do caso Ângela Diniz (morta por Doca no final de 1976) sem dizer se seu assassino continua vivo ou não (as últimas informações sobre o paradeiro dele datam de 2006). E Folha ainda se lembrou de uma foto em que, diante de uma delegacia de Cabo Frio, pessoas manifestavam solidariedade ao feminicida, símbolo da "honra machista" dominante na época.

Se há um medo enorme de ver feminicidas citados em algum obituário, como se, na violência machista, a mulher assassinada fosse apenas um troféu que se quebrou e seu assassino, um "deus" que "nunca morre", então o machismo ainda é muito, muito forte, a ponto de Jair Bolsonaro, figura perigosamente emergente na política brasileira, não respeitar sua própria filha e dizer que ela nasceu por "fraquejada".

O machismo também é exaltado no lado lúdico, quando há uma parcela de mulheres siliconadas que só vivem de mostrar o corpo físico exagerado, em imagens forçadamente sexuais. De maneira hipócrita, tais mulheres se proclamam "feministas" só porque não têm namorados ou maridos e se dizem "donas de seu corpo", embora elas expressem abertamente sua condição de mercadorias eróticas para o imaginário de internautas machistas.

Esse quadro mostra o quanto o Brasil está enferrujado em seus valores sociais. As reações ao caso José Mayer como, há um ano atrás, contra o estupro coletivo de uma menina de Jacarepaguá por fãs de "funk carioca", são intensas, mas a situação do machismo no Brasil ainda é favorável, diante de tantos valores retrógrados que, de repente, voltaram à tona.

Essa situação é apenas parte de uma série de fatores que não pode inspirar felicidade nas pessoas, sob a desculpa de que o PT saiu do poder e um novo tempo se abriu para o país. O que vemos desde maio de 2016 é um grande pesadelo social em vários aspectos. Talvez as pessoas só caiam na real quando o preço da cerveja aumentar exorbitantemente e as praças e praias forem privatizadas de vez.

quinta-feira, 6 de abril de 2017

A diferença entre a caridade que ajuda o próximo e a "caridade" que promove o "benfeitor"


Certo palestrante "espírita", simpatizante da Teologia do Sofrimento, é conhecido bajulador de figuras avançadas não só da Doutrina Espírita, como em outros movimentos religiosos ou mesmo fora da religião.

A atitude não é pessoal dele, mas ele tem responsabilidade de assumir tal postura através de outros exemplos nos meios "espíritas", em que vemos uma boa centena de palestrantes que não passam de malabaristas da palavra, bajuladores baratos de pessoas lúcidas e atuantes, mas praticantes de ideias e procedimentos obscurantistas e retrógrados.

É muito fácil, por exemplo, elogiar a "surpreendente atualidade" de Allan Kardec e depois partir para a exaltação do deturpador Francisco Cândido Xavier. Ou então destacar a "urgência" de Erasto nos seus alertas sobre a mentira, e depois mergulhar no mais obscurantista igrejismo jesuíta trazido por Emmanuel.

Os "espíritas" se contradizem o tempo todo e acham que é só botar a "caridade" no meio para serem considerados "equilibrados" e "lúcidos". Há aqui uma grande malandragem. Fulano diz uma coisa e faz outra, ou diz uma coisa e diz outra logo em seguida, e se esconde na desculpa da filantropia ou da fraternidade para se passar por "moderado" ou "equilibrado".

Não, a realidade não permite que liguemos ideias opostas com filantropia. Até porque a tão festejada caridade nos meios "espíritas" não passa de conversa para boi dormir, porque, se ela fosse realmente algo profundo e verdadeiro, o Brasil não teria caído na situação decadente de desordem generalizada que atinge até o Poder Judiciário e os mais nobres cenários da grande mídia.

De repente o "espírita" foi exaltar a ativista social Zilda Arns, falecida ao ser soterrada junto a uma multidão pelo desabamento de um prédio durante o terremoto no Haiti, em 2010. Ela foi irmã do sacerdote católico Dom Paulo Evaristo Arns, uma figura progressista que se opôs energicamente à ditadura militar. Os irmãos se consagraram por uma trajetória realmente progressista e humanista e ultrapassaram os limites ideológicos do Catolicismo para defender os direitos humanos.

Aparentemente bem intencionado, o "espírita", perdido ao recolher para seus relatos iniciativas em que aparece palavras como "caridade" e "solidariedade", se esquece que, enquanto Dom Paulo Arns participou de um levantamento de informações sobre vítimas de tortura do regime militar, o "mestre" dos "espíritas", Chico Xavier, aparecia num programa de TV, na mesma época de repressão intensa, para dizer que os generais e torturadores estavam construindo um "reino de amor" para o futuro.

Sim, o endeusado Chico Xavier, "símbolo máximo de amor e humildade", defendia que oremos pelos generais, e esculhambava operários e camponeses como se fosse um golpista ainda nos tempos de João Goulart. Não nos esqueçamos que Chico e a FEB apoiaram, com gosto, a Marcha da Família Unida com Deus pela Liberdade, no Vale do Anhangabaú, São Paulo, em 19 de março de 1964, que foi um evento supostamente ecumênico que pediu a instalação de uma ditadura no Brasil.

ALHOS COM BUGALHOS

Temos que tomar muito cuidado com a retórica da fraternidade, da caridade, do amor. Há muitas armadilhas por trás de palavras com sabor de mel. A mistura de alhos com bugalhos, quando se fala em ativismo social e generosidade humana, é capaz de juntar num mesmo balaio pessoas realmente humanistas com outras que apenas usaram a "caridade" como meio de promoção pessoal.

Há livros que juntam figuras humanistas como o pastor evangélico Martin Luther King e o cineasta e ator inglês Charles Chaplin e figuras de valor duvidoso como Madre Teresa de Calcutá, denunciada nas últimas décadas por ter deixado em condições desumanas aqueles que ela dizia acolher como "filhos".

Junta-se aqueles que mostram uma lição subliminar de caridade, como a arte humanista de Chaplin e sua poesia cômica do vagabundo Charlie - conhecido aqui como Carlitos - , e a tendenciosa "caridade" de Madre Teresa, que viajava com ditadores e magnatas corruptos para receber fortunas e desviar tudo para os cofres do Vaticano, enriquecendo sacerdotes e piorando a vida dos humildes.

Para piorar, quando os "filhos" de Madre Teresa morriam, ela ainda ficava feliz, dizendo que eram "novos anjos no seio do Senhor". Gente tratada de forma desumana, expostas doentes umas diante das outras em colchões desconfortáveis, remediados apenas com aspirina ou paracetamol e recebendo injeções de seringas sujas, lavadas com água de torneira (que não é lá aquela higiene, sobretudo num país como a Índia).

A caridade que realmente ajuda o próximo, ainda que de forma inusitada, não pode ser confundida com a "caridade" em que se nota a assinatura do "benfeitor" ofuscando até mesmo os fraquíssimos resultados alcançados.

Foi uma grande gafe o Fantástico de 2015 com Divaldo Franco tratá-lo como se fosse o "maior filantropo do país" ajudando apenas cerca de 160 mil pessoas. Isso corresponde, mediante um cálculo combinando os anos de existência da Mansão do Caminho (63, na época) com dados populacionais, e chegou-se a uma média anual inferior a 1%. E isso apenas considerando apenas a população de Salvador.

Isso foi uma gafe porque se comemorou demais com pouco. Embora os defensores de Divaldo Franco viessem com mil desculpas e argumentos, o que se está em jogo não é outra coisa senão o prestígio e a promoção pessoal do anti-médium baiano, algo mais típico de fanatismo religioso do que de uma suposta admiração a alguém tido como ativista e filantropo.

Tal postura é grave, porque são justamente as paixões religiosas que corrompem tais percepções. E, no "espiritismo", o que se nota é uma postura hipócrita das pessoas, que elogiam a "caridade" do dito "médium", nem tanto pelos beneficiados, que elas pouco importam serem muitos, poucos ou nenhuns, mas pela figura do próprio "benfeitor", que está acima dos próprios benefícios ou prejuízos.

Isso é como endeusar um ídolo religioso que se acha "acima do bem e do mal". E o "espiritismo" cada vez mais se corrompe, com "médiuns" dotados de culto à personalidade e alçados ao olimpo da idolatria religiosa mais fanática, tomada de emotividade cega apenas dissimulada por arremedos de razão. Daí que no Brasil muitos tentam usar desculpas "racionais" para ideias irracionais. A emoção é muito pior quando tenta usar a razão para sustentar ideias duvidosas.
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