segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Como é mesmo a "fase dúbia" do "movimento espírita" brasileiro?

DIVALDO FRANCO É O MAIOR BENEFICIADO DA "FASE DÚBIA" DO "ESPIRITISMO" BRASILEIRO.

O que é a "fase dúbia" ou "tendência dúbia" do "espiritismo" brasileiro? É uma fase em que o "movimento espírita" assume uma dupla identidade, sob a desculpa de adotar uma postura "equilibrada" e "conciliatória". É uma fase com cerca de 40 anos de vigência, e que foi marcada por graves contradições doutrinárias, causando mais confusão do que equilíbrio.

O termo parece ofensivo para os "espíritas", mas é realista. Afinal, observa-se a coexistência tanto de conceitos igrejistas com ideias cientificistas, dentro de um movimento feito para agradar gregos e troianos, ou melhor, "científicos" e "místicos", embora sob a supremacia destes últimos.

Há raízes históricas que levam à ascensão da fase dúbia do "movimento espírita", e que mostram mais um jogo de interesses do que realmente uma postura equilibrada, até porque o equilíbrio deveria se dar com o menor número de contradições possível, mas o "espiritismo", nas últimas quatro décadas, só agravou as contradições, maiores do que quando os "espíritas" pelo menos se assumiam adeptos do roustanguismo.

As raízes se dão desde o Pacto Áureo de 1949, organizado pelo Congresso da FEB no Rio de Janeiro, em que a cúpula da Federação "Espírita" Brasileira decidiu tudo sem ouvir as federações regionais. Apesar de sediada no Rio de Janeiro, durante anos capital federal, a FEB privilegiava mais a federação regional paulista, a FEESP.

Por outro lado, a postura roustanguista se tornou cada vez mais alvo de denúncias do grupo "científico" que integrava a FEB, mas divergia da orientação dominante no "movimento espírita". Nomes como Deolindo Amorim, José Herculano Pires e Carlos Imbassahy, o pai, denunciavam os arbítrios da corrente roustanguista do "movimento espírita".

No meio do "tiroteio" se encontrava Francisco Cândido Xavier, o maior astro do "movimento espírita", um sujeito arranjado "de fora", porque era um beato católico dotado de dons paranormais e que havia sido excomungado pela igreja de Pedro Leopoldo, mais pela paranormalidade do que pelas crenças católicas, já que Chico Xavier professava crenças ortodoxas e até medievais, como fervoroso beato do interior.

Também se encontrou nesse "tiroteio" Divaldo Franco, jovem baiano que, no final da década de 1950, já como organizador da Mansão do Caminho, iniciou carreira como suposto médium. Assim como Chico Xavier, Divaldo professava o roustanguismo de maneira enrustida, nunca assumida, e, embora sejam ligados à cúpula da FEB - Chico, por exemplo, era cria do presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, que agia como se fosse empresário do "médium" - , divergiam da postura centralista.

Eis que, quando Divaldo Franco iniciou seus trabalhos "psicográficos", pela sua inexperiência resolveu plagiar Chico Xavier, este já um plagiador de longa data. Foi um dos membros da cúpula da FEB, Luciano dos Anjos, denunciar tais atividades, que tornou-se aguda a crise no "movimento espírita", no decorrer da década de 1960.

Com isso, entrou em conflito a direção central da FEB e os dirigentes regionais. Como Jean-Baptiste Roustaing era o maior nome defendido pela direção da FEB, o nome de Allan Kardec passou a ser enfatizado como uma formalidade, como se fosse o paraninfo de um partido político dissidente. Mas isso não representava uma tendência dos "espíritas" regionais recuperarem as bases doutrinárias kardecianas para valer, muito pelo contrário.

A partir de 1963, Chico Xavier e Divaldo Franco, tendenciosamente, divulgaram supostas mensagens do médico e ex-presidente da FEB, Adolfo Bezerra de Menezes - que oficialmente permaneceu no plano espiritual, mas tudo indica que ele está em sua segunda encarnação após deixar a vida material em 1900 - , supostamente arrependido do roustanguismo e voltado aos postulados originais de Kardec.

A prova, no entanto, de que a promessa de recuperação das bases doutrinárias originais era conversa para boi dormir estava na forma com que o suposto Bezerra de Menezes definiu tal promessa, através da expressão "kardequizar", uma clara corruptela do termo "catequizar", que era o método com que os jesuítas do Brasil colônia adotavam para converter os indígenas para o Catolicismo.

Essa era a senha para a fase dúbia do "movimento espírita", que parecia ensaiar um distanciamento do grupo de Wantuil, o "mentor" terreno de Xavier, já que o presidente da FEB já se tornava idoso e, em 1970, se aposentava, doente, encerrando um ciclo que se fechou oficialmente com sua morte, em 1974.

Enquanto surgiam escândalos associados às fraudes de materialização respaldadas por Chico Xavier, e as relações entre este e Divaldo pareciam estremecidas, o "movimento espírita" ainda acentuava seu roustanguismo quando, nos anos 1970, se planejou uma deturpação ainda mais radical na tradução da obra de Allan Kardec, plano denunciado, até em programa de rádio, por José Herculano Pires.

Chico Xavier chegou a apoiar esse plano, mas, como era amigo de Herculano ("amigos, amigos, negócios à parte", vale lembrar), voltou atrás. Com o fim da era Wantuil, e, mais tarde, a falência da TV Tupi - emissora que blindava o "movimento espírita" na mídia - , o "movimento espírita" iniciava um novo ciclo com a fase dúbia, já sob o suporte midiático da Rede Globo de Televisão.

Com isso, criou-se uma postura cheia de contradições, mas com um discurso engenhoso e, em aparência , conciliador, que deixou de lado o "alto clero" da FEB, isolando o grupo liderado pelo sucessor de Wantuil, Francisco Thiesen, e Luciano dos Anjos. Roustaing seria descartado da mesma maneira que, recentemente, foi o ex-deputado Eduardo Cunha: ideias aproveitadas, idealizador deixado de lado.

Criou-se então uma postura dúbia: a apreciação das bases doutrinárias originais era politicamente correta, com a aparente evocação de fatos e personalidades científicos e filosóficos que, no entanto, soa pedante e temperada de muito misticismo esotérico. Misturava-se alhos com bugalhos confundindo ideias kardecianas com outras que lhes são opostas e associadas aos nomes de Emmanuel e André Luiz, entre outros.

A "mediunidade" continuava sendo o faz-de-conta dos simulacros que deixam dúvidas quanto à veracidade das mensagens ditas espirituais, porque apresentam muitas falhas em relação a aspectos pessoais dos autores mortos alegados.

Pior: ela crescia e o número de "médiuns" se tornou maior nessa época, algo muito estranho porque a lógica diz que essa atividade é complexa e diferenciada demais para que houvessem tantos especialistas assim. Em tese, todo mundo poder ser médium (embora o termo correto seja "paranormal"), mas poucos conseguem ter a concentração e a ação responsável para isso.

Daí que, quando surge um monte de "médiuns", é arrivismo. E aí a fase dúbia do "espiritismo", como se não bastasse o igrejismo propagado em palestras, "psicografias" e até romances "mediúnicos" - arremedos ruins de novelas da TV - , deu margem a muitas contradições, misturando cientificismo com moralismo medieval, lançando mão de profetismo barato, pedantismo intelectual etc.

Hoje essa fase se encontra em declínio, porque não consegue mais resolver suas contradições. Palestrantes misturam alertas de Erasto sobre os deturpadores da Doutrina Espírita com recados oportunistas e mentirosos trazidos pelo espírito-símbolo da deturpação, o jesuíta Emmanuel. Daí o nome "fase dúbia" ou "tendência dúbia", que fez do "espiritismo" brasileiro a religião mais contraditória do Brasil.

sábado, 28 de janeiro de 2017

Religião está semeando mais amargura e ódio do que amor entre as pessoas


A religião poderia ser válida como uma cultura que transmite fantasias e sonhos, e quando é expressa nos seus templos, pode se tornar um entretenimento saudável. Mas quando a religião interfere na realidade e quer intervir até mesmo na atividade intelectual e científica, cria sérios problemas.

O que um estudo que aponta que religião favorece o suicídio, manifestações de ódio contra a ex-primeira-dama Marisa Letícia e os juízos de valor de uma professora carioca e uma pediatra mato-grossense têm em comum? Muita coisa.

Uma pesquisa do Instituto Psiquiátrico de Nova York constatou que a religião é um fator que eleva o risco de pessoas deprimidas cometerem suicídio. É bom deixar claro que a pesquisa científica intrigou os cientistas, que pensavam que a religião ajudava as pessoas a saírem da depressão e evitarem o suicídio.

Normalmente, se costuma acreditar que a religião evita as pessoas de se suicidarem. Recentemente, um artigo do palestrante "espírita" Richard Simonetti, "Os que matam a esperança", falava da "vantagem" em acreditar em Deus, dentro da abordagem religiosa que descreve o autor.

No entanto, as seitas religiosas, que mais pedem para as pessoas aguentarem desgraças do que as ajudam a resolverem problemas na vida, cada vez mais estão estimulando o suicídio, em vez do contrário. E mesmo o "espiritismo", cada vez mais identificado pela Teologia do Sofrimento, mais contribui para estimular do que para intimidar o suicídio de alguém.

Uma pessoa passa por dificuldades extremas, daquelas que fazem com que uma pessoa não tenha controle sobre seu próprio destino e vira "brinquedo" das circunstâncias infelizes. Vai o "espírita" conhecer um caso do tipo e seu palestrante, "bondoso", pede para a pessoa "confiar em Deus" e "nunca reclamar da vida", sob a desculpa de "não atrair más energias" e o sugere para ver os passarinhos cantando na árvore, o rio correndo no seu curso etc.

Quando sofremos desgraças imensas, não é por preguiça. Em muitos casos, as pessoas se esforçam demais para nada, sobretudo na busca de um emprego em que o que aparece não está de acordo com sua vocação e está até relacionado a contextos infelizes (patrão prepotente, empresa corrupta etc.). E os sofredores já olham passarinhos na janela, rio correr, céu azul, se esforçam com alegria e fé, fazem jogo de cintura, semeiam otimismo etc. O que os "espíritas" aconselham o sofredor já fez.

O problema é quando tudo isso é feito em vão e as circunstâncias infelizes se acumulam e as barreiras da vida são intransponíveis. O "espírita", meio como um "amigo da onça", sugere para a pessoa "reavaliar seus desejos", "rever suas habilidades", pois, com seu juízo de valor, o conselheiro da hora alega que o sofredor "talvez não saiba o que quer na vida" e lhe aconselha uma "reforma íntima". É aí que o "espírita" cria, ainda que sem querer, as condições para o sofredor se matar.

Outro caso de falha religiosa está nas mensagens de ódio nas redes sociais, em que pessoas que se dizem "cidadãs de bem", "defensoras da Família" e devotas "do poder de Deus", praticam cyberbullying e difundem visões reacionárias que, não raro, revelam-se vingativas ou expressam preconceitos sociais muito cruéis.

As campanhas de ódio contra a ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva, mulher do ex-presidente Lula, que recentemente sofreu um acidente vascular cerebral, revelam que os reacionários, que costumam criminalizar tudo relacionado ao PT, em que Lula é criminalizado até por respirar, apelam para a "justiça divina" para o infortúnio sofrido pela professora aposentada Marisa.

Mas isso também cria juízos de valor como o da professora carioca Denise Oliveira, que definiu como "justiça divina" a morte de uma menina de dois anos por bala perdida. A menina era filha de um policial militar. A mensagem, publicada no Facebook, gerou péssima repercussão. Denise tentou se desculpar, mas os pais da menina resolveram processá-la na Justiça.

Um outro caso se deu em Rondonópolis, Mato Grosso. quando uma pediatra se recusou a atender uma criança por causa de outro juízo de valor. A menina foi vítima de estupro e a pediatra se recusou a atendê-la porque a menina "estava pagando" por erros de "vidas passadas". A médica chegou a dizer que a menina "passava uma energia sexual" para um tio que a estuprou. A pediatra, que foi processada, se declarou "espírita".

Grupos fascistas e terroristas existentes no mundo inteiro também revelam um modus operandi religioso. A Klu Klux Klan, grupo racista e fascista dos EUA, declara-se uma seita religiosa. O Estado Islâmico também. O nazi-fascismo se inspirou nos princípios do Catolicismo medieval e seus tiranos eram vistos como "messiânicos". Pessoas ultraconservadoras veem retrocessos ou arbitrariedades sociais como se fossem "fórmulas milagrosas".

A pós-verdade, que permitiu que, com base em apelos à emoção e argumentos duvidosos, que se aprovasse a saída da Grã-Bretanha da União Europeia e a vitória eleitoral do reacionário Donald Trump, para a Presidência dos EUA. É a mesma pós-verdade que vemos na religião, em que as convicções de caráter subjetivo e emocional tentam se sobrepôr à realidade objetiva dos fatos.

No "espiritismo", a pós-verdade teve atuação pioneira, protegendo o "médium" Francisco Cândido Xavier, que de um pastichador de livros ganhou uma reputação de semi-deus devido aos apelos à emoção. De fraude em fraude, de juízo de valor a juízo de valor, de conservadorismo a conservadorismo, o "médium" de Minas Gerais quis ser unanimidade em tudo, e os brasileiros aceitam numa boa, ignorando que seu método, o "apelo à emoção", é reconhecidamente uma falácia.

A religião cria fanatismos, moralismos severos, e faz as pessoas se iludirem da superioridade social que não têm. Mesmo os "espíritas" parecem confiar num caminho curto para o céu, se esquecendo que seus juízos de valor podem levar as pessoas ao suicídio, o que, para os palestrantes que ficam dizendo para ninguém se suicidar, é uma constatação constante. Imagine um "espírita" voltar ao mundo espiritual e tomar conhecimento que alguém se suicidou sob sua influência?

Manifestos de ódio e atos de violência e assassinatos cometidos por "gente de bem" geram efeitos drásticos até para seus autores. Homicidas que tinham noção do risco de seus atos e não conseguem sossego pessoal sequer na impunidade. Ou valentões digitais que sofrem atentados a bala depois de tanto ofender e brigar com desafetos. Ou pessoas fazendo juízo de valor em nome da religião, e que são processadas por danos morais.

Isso revela o quanto a submissão religiosa e o vício de reduzir a bondade a uma pequena obrigação institucional de um movimento religioso trazem muitos equívocos e riscos. O apego à religião como fenômeno acima da realidade objetiva está fazendo o Brasil agravar sua crise em níveis preocupantes, o que faz muitos especialistas falarem em convulsão social.

A submissão da fé e o império da pós-verdade - quando pessoas tentam malabarismos retóricos para justificar suas convicções - está criando sérios problemas para a humanidade no mundo inteiro, e principalmente no Brasil, em que tais ações crescem a cada dia, e podem trazer efeitos devastadores não só para as vítimas, mas também para seus algozes.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Religião, apelo à emoção e estrelato

MICHAEL JACKSON, SÍMBOLO DA MITIFICAÇÃO HUMANA NA MÚSICA POP.

As pessoas ainda precisam aprender a respeito de sua emotividade e das noções idealizadas de "bondade", voltadas mais a uma estória de fadas do que de um processo concreto de ajuda ao próximo. Precisam ver que, por exemplo, não é só a cultura pop que pega emprestada da religião o ato de adorar os ídolos, mas o caminho inverso.

Não é preciso aqui detalhar paralelos de Michael Jackson com astros da religiosidade como Madre Teresa de Calcutá e Francisco Cândido Xavier. Eles também são construídos como astros pop, mas uma série de ilusões garantidas pelo mito da religiosidade omitem esse processo e fazem com que tudo pareça espontâneo e natural.

No "espiritismo" brasileiro, então, nem se fala. Além da ilusão de religiosidade que garante, aos olhos da Terra, o Paraíso a determinadas figuras "sagradas" - que no retorno ao mundo espiritual levam um choque ao saber que tal "oportunidade", tida como certa, não se deu - , há ainda outra ilusão resultante do hábito do brasileiro de dissimular as coisas: a ilusão de uma "racionalidade" e "objetividade" que não existem.

Isso garante uma dupla ilusão. A ilusão da religiosidade, que garante aos deslumbrados da Terra a "garantia" de que seus ídolos irão para um "mundo perfeito", após o fim da vida. E a ilusão da racionalidade, que dá um verniz de "objetividade" e "lógica" nas paixões da fé religiosa que o "espiritismo" copia da Igreja Católica.

SUPERFICIALISMO

A revista Seleções, edição brasileira da conservadora revista estadunidense Reader's Digest, em sua edição de janeiro de 2017 publicou um artigo de Sanghamirta Chakraborty, intitulado "Toque de Mãe", sobre uma visita feita a Madre Teresa de Calcutá à residência dela, na cidade indiana do seu famoso codinome, em 1989. A visita teria sido feita por ela para acompanhar uma amiga que precisava entrevistá-la para uma reportagem.

O artigo não traz novidades e apenas reforça a mitificação em torno de Madre Teresa. É algum daqueles relatos que, se envolvessem, em vez de ídolos religiosos, astros da cultura pop, como atores e cantores, seriam apenas reportagens ou artigos comuns, a ocupar as biografias dos idolatrados. Mas como se tratam de ídolos religiosos, cada relato desses é visto como atestado de pretensa superioridade espiritual destas personalidades.

Um trecho do artigo segue aquela visão deslumbrada de justificar as coisas com nada. É o deslumbramento religioso que faz as pessoas afirmarem alguma grande virtude sem trazer informações objetivas nem precisas, dando declarações que não vão além do "achismo" e, lembrando o caso do promotor brasileiro Deltan Dallagnol, da "força-tarefa" da Operação Lava Jato, é feito "sem provas, mas com muita convicção". Vejamos:

"(...) Sempre morei nesta cidade em que Madre Teresa adotou como sua, na qual construiu uma instituição que salvou milhões, lhes deu uma vida decente ou dignidade da morte. Éste é o lugar de onde ela inspirou milhões de pessoas a serem voluntárias e fazerem doações à sua causa. Eis aqui uma mocinha americana que viajou milhares de quilômetros para vê-la, E eu, eu estou aqui o tempo todo.

É claro que Madre Teresa também já teve seu quinhão de críticas, geralmente de quem vê um 'plano' por trás da ajuda aos pobres. Mas não foi por isso que não tentei. Li sobre seu trabalho e vi na televisão. Mas nunca me passou pela cabeça vir visitá-la".

Note-se que, tanto em aspectos positivos (a suposta caridade de Madre Teresa através da Congregação das Missionárias da Caridade) nem em aspectos negativos (como o tal "'plano' por trás da ajuda aos pobres") há dados precisos e objetivos. Não se fala como é a "vida decente ou dignidade da morte", revelando omissão de dados, mas também há o desprezo pela acusação de impor condições sub-humanas aos alojados pela "santa". Ambas as coisas são descritas de maneira vaga.

A narração da visita apenas parecia uma conversa amistosa que se encerrou com as tais "bênçãos". E um relato semelhante se observa através das respostas de internautas a um risível artigo de "Filosofia Imortal" sobre uma improcedente "confirmação" de "previsões" de Chico Xavier em 1969, sobre visitas de extra-terrestres em bases estadunidenses ocorridas antes, em 1964 e 1967:

"Eu tive a honra de conhecer pessoalmente o Chico Xavier, um homem simples, sábio e caridoso, talvez o mais caridoso que já conheci em todas as historias de pessoas em nossa era, faturou milhões com sua obra e doou cada centavo. Tenho visto simpatias, previsões e muitos outros relatos falsos que são atribuídos ao Chico,contrariando exatamente um dos pilares da doutrina que é a desmistificação e a fé com raciocínio. Muitos falam de Chico sem nenhum embasamento da realidade do que ele foi e representa para nossa evolução de caráter, fraternidade e humildade. Não é atoa que ele se considerava apenas um cisco no processo de evolução necessária para chegar a Jesus. Quer entender Chico? Então esqueça os fenômenos e apegue-se a caridade!".

O deslumbrado chiquista fala que tenta dar um verniz "realista" ao relato do contato pessoal com o anti-médium mineiro, criando falsas argumentações, pois trata Chico, comprovado deturpador da Doutrina Espírita, como se fosse "espírita autêntico" e, confuso, o internauta se apega a mitos, se recusando a questionar ou analisar fenômeno.

Esse é um tipo de sujeito que põe o mito acima do ser humano. Mas tenta fazer rodeios para que sua visão seja a mais "realista" e "consistente". Diferente dos católicos comuns, que ao menos assumem estarem tomados de emoção, os "espíritas" tentam parecer "racionais", "objetivos" e "coerentes". Fazem todo um engodo de argumentos "objetivos" para tudo terminar numa reles emotividade religiosa.

Imaginamos se esse contato pessoal com ídolos religiosos também não mostra as mesmas ilusões que o contato com um astro da música pop ou do cinema de Hollywood. Nestes casos, há um distanciamento entre a imagem idealizada da celebridade e a sua vida pessoal, e, embora as fantasias dos fãs sejam grandes, há uma consciência, por menor que seja, desse distanciamento, já que o admirador não faz parte da vida pessoal da celebridade, sendo quase sempre um estranho.

No contado com ídolos religiosos, porém, o devoto religioso tem a ilusão de que "furou o cerco" do mito e "penetrou na profundidade da realidade". O devoto acredita que, conhecendo pessoalmente o ídolo religioso, "penetra na sua intimidade" e se torna "beneficiado" pelo que entende como a "realidade do bem", ignorando que ele entrou em contato não com uma "figura humana", mas como um mito, com todo o seu distanciamento que não pode ser subestimado.

Temos que analisar os escaninhos da emotividade religiosa, dos apelos à emoção e das pós-verdades. E também a forma como se vê a "bondade" e a "caridade", quando se exalta, até com certo exagero, atividades que apenas ajudam muito pouco, dando ao "benfeitor" um cartaz e uma glorificação que estão aquém aos resultados de sua pálida filantropia.

A roupagem "realista" do "espiritismo" brasileiro mais parece um segundo verniz para o da devoção religiosa. Se esta já não estabelece diferença entre mito e realidade, aquela, concordando com a primeira, vai mais além, não estabelecendo diferença entre emoção e razão.

O deslumbramento dos católicos já é um problema que o apelo à emoção, ou o Argumentum Ad Passiones, se torna uma falácia bem sucedida. Entre os "espíritas" é um problema mais grave ainda, pois se protege sob a máscara da "fé raciocinada", desculpa para que mitos sejam sustentados por argumentos falsamente objetivos. É esse deslumbramento, que se apoia no pretexto da "bondade", que protege os deturpadores que corromperam o trabalhoso legado de Allan Kardec.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Usar a "bondade" para atenuar a deturpação espírita é mais grave do que se pensa

CHICO XAVIER SEGUINDO O ROTEIRO DE MALCOLM MUGGERIDGE, SOB AS BÊNÇÃOS DA REDE GLOBO

Usar a "bondade" e a "caridade" para atenuar e dissimular a deturpação da Doutrina Espírita não pode ser visto como uma qualidade positiva, mas um processo tendencioso e traiçoeiro de abrir caminho para a mistificação ainda mais intensa, diante da fábrica de consenso que o aparato filantrópico garante num país emocionalmente vulnerável que é o Brasil.

A "caridade paliativa" deve se tornar, em breve, um dos mais complicados problemas dos anos 2020, porque é uma "bondade" que pouco ajuda, que coloca o benfeitor à frente dos beneficiados, uma "caridade" feita mais para arrancar lágrimas do público do que para realmente acabar com a miséria e as injustiças sociais.

O "espiritismo" deturpador, que finge apreciar e respeitar Allan Kardec mas foge de seus postulados - "fuga" muito bem dissimulada com traduções grosseiras das obras kardecianas, que deturpam o conteúdo original - , é ainda mais grave e mais pernicioso quando se apoia na "caridade" para forçar a aceitação de seus conceitos igrejistas e ultraconservadores.

É bom lembrar que a aparente caridade pode, muitas vezes, ser fachada de intenções levianas. Quantas aparentes filantropias servem para a "lavagem" de dinheiro de corruptos e até de mafiosos? E o famoso crime eleitoral, de fornecer cestas básicas? Isso também não poderia ser visto como "caridade" e todos aceitassem livremente que o candidato que investisse nessa trapaça seja unanimemente visto como "caridoso"?

Infelizmente, as pessoas até se tornam cegas e um tanto agressivas quando se referem à "caridade espírita" como "transformadora" e "revolucionária". Se prestarmos atenção nos resultados, vemos que ele não merece metade dos fogos e artifícios que se jogam para seus pretensos filantropos, que usam dessa medida não para mudar a sociedade, mas para permitir que fossem aceitos pela sociedade com suas deturpações doutrinárias.

O Brasil fechou os ouvidos a Erasto, o espírito que se comunicou para um médium a serviço de Allan Kardec, que alertou sobre os supostos médiuns traiçoeiros. Ele admitiu que estes podem às vezes trazer coisas boas, mas ele recomendou, neste caso, maior cautela, porque essas coisas boas podem servir de fachada para que eles transmitam ideias levianas e obscurantistas.

Os brasileiros ainda têm uma ideia medieval do que é "bondade", reduzida a um subproduto da religião que serve mais para colocar o filantropo acima da filantropia, criando uma "caridade" que ajuda pouco e não mexe no sistema de desigualdades sociais em que vivemos.

É uma "bondade" de cativeiro, de alojar pessoas humildes com o aparente intuito de ajudá-los em tudo, mas sob o preço do proselitismo religioso e do controle moral dentro de um sistema de valores em que se recomenda nunca confrontar com os abusos dos detentores de poder. Uma "caridade" que nada interfere nos abusos que acontecem na sociedade desigual que é a brasileira, só servindo como um espetáculo para arrancar lágrimas da plateia.

É absurdo que Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco sejam vistos como "ícones máximos da bondade" porque os dois são os piores deturpadores da Doutrina Espírita em toda sua história. Trouxeram conceitos que entram em séria colisão com os ensinamentos originais de Kardec, corrompendo-os em prol de preconceitos igrejistas e até esotéricos e obscurantistas.

Chico Xavier fez pastiches literários, plágios, expôs as famílias que perderam entes queridos ao sensacionalismo da mídia, enganou muita gente, fez juízo de valor, caluniou os amigos de Jair Presente, humilhou as humildes vítimas do incêndio de um circo em Niterói e ofendeu os humildes agricultores e operários que se organizam politicamente, e ainda defendeu generais e torturadores a pretexto da "preparação de um reino de amor".

Como um cara desses pode ser considerado "puro"? É por causa daqueles clichês de pretensa caridade, que foram copiados do documentário de Malcolm Muggeridge sobre Madre Teresa de Calcutá, que mostram apenas uma "caridade" que só serve para deslumbrar o público do que realmente ajudar o próximo? Se as pessoas acham que isso é "bondade plena e transformadora", é sinal que estão vendo novelas e comerciais de TV demais.

E Divaldo Franco? o que dizer dos festejos em excesso em torno desse deturpador que espalhou a mentira igrejista para o resto do mundo? Ser considerado "maior filantropo do Brasil" por ajudar, e ainda assim, de maneira qualitativamente medíocre, menos de 1% da população brasileira é um absurdo, como é o fato de Divaldo nunca recorrer às elites para cobrar alguma colaboração, mas para bajular e fazer elogios bastante viscosos aos detentores do poder!

Tudo isso mostra que a ideia de "bondade", quando ela serve para acobertar os erros dos deturpadores, se torna não uma caridade, mas um delito ainda mais grave, caraterizando no truque que é conhecido como "bom-mocismo", quando alguém dotado de alguma esperteza forja "boas qualidades" para enganar e seduzir as multidões.

Isso piora mais as coisas porque os deturpadores da Doutrina Espírita se tornam ainda mais deploráveis, porque forçam a associação da ideia de "bondade" com atitudes desonestas, porque os deturpadores arruinaram, de propósito, o trabalhoso legado de Allan Kardec, e se tornam mentirosos quando se dizem "fiéis e rigorosos seguidores" do pedagogo francês. Não há filantropia que possa inocentar os deturpadores do Espiritismo de seus mais graves delitos.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Apego a Chico Xavier é coisa mais perigosa do que se pode imaginar


As pessoas vivem presas em paradigmas religiosos. Fica fácil alguém virar ídolo através de uma retórica de palavras bonitas, um repertório moralista cheio de juízos de valor, pretensas frases de esperança e otimismo e uma fachada de bondade institucional feita para impressionar plateias e provocar comoções baratas.

Daí que elas não imaginam o caráter perigoso do endeusamento de um dos piores deturpadores da Doutrina Espírita no Brasil, o "médium" Francisco Cândido Xavier, que fará, no final de junho próximo, 15 anos de falecimento, criando um período de intensa fascinação obsessiva.

FASCINAÇÃO E SUBJUGAÇÃO

Chico Xavier é alvo e beneficiário de dois tipos de obsessão, bastante perigosos. As pessoas em geral sentem por Chico a chamada "fascinação obsessiva", uma espécie de submissão consciente que é perigosa pela rendição quase voluptuosa ao "médium", como se as pessoas caíssem num canto-de-sereia.

O jogo da aparência, movido pelo balé de palavras bonitas e por uma caridade paliativa que menos ajuda o próximo do que deslumbra o público, reflete essa cegueira emocional, o que revela uma insegurança moral nas pessoas que precisam de um ídolo religioso, ainda que associado a preocupantes fraudes e práticas duvidosas, para simbolizar uma "perfeição" que elas não conseguem por si mesmas buscar.

No capítulo 23 de O Livro dos Médiuns (tradução de José Herculano Pires, mais fiel ao texto original), intitulado "Da Obsessão", Allan Kardec cita o exemplo da relação do médium com o espírito, mas o processo de fascinação obsessiva pode ser de qualquer pessoa para qualquer pessoa. Kardec descreve assim o processo obsessivo que é conhecido como fascinação, no item 239:

"A fascinação tem conseqüências muito mais graves. Trata-se de uma ilusão criada diretamente pelo Espírito no pensamento do médium e que paralisa de certa maneira a sua capacidade de julgar as comunicações. O médium fascinado não se considera enganado. O Espírito consegue inspirar-lhe uma confiança cega, impedindo-o de ver a mistificação e de compreender o absurdo do que escreve, mesmo quando este salta aos olhos de todos. A ilusão pode chegar a ponto de levá-lo a considerar sublime a linguagem mais ridícula. Enganam-se os que pensam que esse tipo de obsessão só pode atingir as pessoas simples, ignorantes e desprovidas de senso. Os homens mais atilados, mais instruídos e inteligentes noutro sentido, não estão mais livres dessa ilusão, o que prova tratar-se de uma aberração produzida por uma causa estranha, cuja influência os subjuga.

            Dissemos que as conseqüências da fascinação são muito mais graves. Com efeito, graças a essa ilusão que lhe é conseqüente o Espírito dirige a sua vítima como se faz a um cego, podendo levá-lo a aceitar as doutrinas mais absurdas e as teorias mais falsas como sendo as únicas expressões da verdade. Além disso, pode arrastá-lo a ações ridículas, comprometedoras e até mesmo bastante perigosas".

Em outro trecho do mesmo item, Kardec parece adivinhar a idolatria que os brasileiros sentiriam por Chico Xavier, diante dos argumentos apresentados no parágrafo em questão. É surpreendente que toda a deturpação da Doutrina Espírita, incluindo os apelos à emoção que incluem tanto palavras bonitas como aparente filantropia. Eis o trecho que deixaria os chiquistas envergonhados, se soubessem o real sentido do alerta:

"As grandes palavras como caridade, humildade e amor a Deus servem-lhe de carta de fiança. Mas através de tudo isso deixa passar os sinais de sua inferioridade, que só o fascinado não percebe; e por isso mesmo ele teme, mais do que tudo, as pessoas que vêem as coisas com clareza. Sua tática é quase sempre a de inspirar ao seu intérprete afastamento de quem quer que possa abrir-lhe os olhos. Evitando, por esse meio, qualquer contradição, está certo de ter sempre razão".

Alguém não percebeu que muitos dos "apelos lindos" da "filosofia" (?!?!?!?!?!) de Chico Xavier sempre pediam para as pessoas nunca questionarem, não contestarem e não julgarem? Em suas obras, também se observa a criminalização do ato de pensar, quando ele ameaça os dogmas religiosos, daí termos como "tóxico do intelectualismo" e alegações dos chiquistas sobre a "overdose de raciocínio" que se revela um absurdo sem tamanho.

O próprio Chico Xavier fazia isso para salvar sua pele. A maior parte de seu trabalho "psicográfico" apresenta irregularidades fáceis de serem identificadas - a outra parte apresenta irregularidades mais sutis, mas sempre irregularidades - e a identificação das mesmas pode pôr em xeque-mate a reputação de um arrivista religioso que começou como pastichador de poemas e hoje é visto como um semi-deus.

Apegados a velhos valores moralistas, aliados a uma velha religiosidade, os brasileiros deixam passar isso. Criam em seu inconsciente uma ideologia ultraconservadora, apegada a velhos mitos e velhos dogmas, e isso favoreceu a reputação de Chico Xavier como "ícone da bondade", e muitos esquecem que essa concepção de "bondade", além de ser um subproduto da religião, beneficia mais o "benfeitor", pelo cartaz que recebe, do que o necessitado, que recebe poucos e frágeis benefícios.

Já o segundo tipo de obsessão é feita pelo meio jurídico e midiático. É a subjugação. Um tipo mais perigoso, entendido como uma obsessão semi-consciente, mas muito mais submissa e impulsiva, que soa como uma espécie de escravidão ao obsessor. Kardec trata do assunto no item 240.

"A subjugação é um envolvimento que produz a paralisação da vontade da vítima, fazendo-a agir malgrado seu. Esta se encontra, numa palavra, sob um verdadeiro jugo.

A subjugação pode ser moral ou corpórea. No primeiro caso, o subjugado é levado a tomar decisões freqüentemente absurdas e comprometedoras que, por uma espécie de ilusão considera sensatas: é uma espécie de fascinação. No segundo caso, o Espírito age sobre os órgãos materiais, provocando movimentos involuntários. No médium escrevente produz uma necessidade incessante de escrever, mesmo nos momentos mais inoportunos. Vimos subjugados que, na falta de caneta ou lápis, fingiam escrever com o dedo, onde quer que se encontre, mesmo nas ruas, escrevendo em portas e paredes.

A subjugação corpórea vai às vezes mais longe, podendo levar a vítima aos atos mais ridículos. Conhecemos um homem que, não sendo jovem nem belo, dominado por uma obsessão dessa natureza, foi constrangido por uma força irrestível a cair de joelhos diante de uma jovem que não lhe interessava e pedi-la em casamento. De outras vezes sentia nas costas e nas curvas das pernas uma forte pressão que obrigava, apesar de sua resistência, a ajoelhar-se e beijar a terra nos lugares públicos, diante da multidão. Para os seus conhecidos passava por louco, mas estamos convencidos de que absolutamente não o era, pois tinha plena consciência do ridículo que praticava contra a própria vontade e sofria com isso horrivelmente".

No caso brasileiro, o que existe é uma subjugação moral. A Justiça dos homens fica paralisada diante de qualquer hipótese de investigar uma fraude "espírita". Uma fraude na psicografia, na psicofonia, na pictopsicografia, nas "curas mediúnicas".

Mesmo quando irregularidades se mostram explícitas, como quadros que nem de longe refletem os estilos dos autores mortos alegados, mas, no caso de um mesmo "médium", seu estilo pessoal é facilmente identificado em pinturas supostamente de diferentes autores espirituais, não há o menor risco de haver sequer um inquérito ou uma investigação.

Criam-se até mesmo argumentos jurídicos que podem apresentar desculpas esfarrapadas dadas em "juridiquês": como por exemplo nas assinaturas, o porquê delas mostrarem apenas a caligrafia do "médium": "É porque o médium, como anfitrião da obra espiritual, se torna o responsável da assinatura, como um juiz assinando um auto, dispensando o espírito de assinar a sua própria obra, pois já lhe basta a pintura feita".

São argumentos absurdos, mas possuem uma roupagem associada à "lógica" e a "tecnicidade", trazendo uma visão falsamente objetiva das coisas. Aliás, é a partir dessa ilusão que temos um governo como o de Michel Temer, associado a um aparato de "tecnicidade", "moderação" e "técnica" que esconde práticas delinquentes que deixam o Brasil em estado de séria fragilidade institucional.

A subjugação permite que juízes, acadêmicos e jornalistas não mexam com os ídolos "espíritas". As fraudes são apenas "analisadas" só para fingir alguma polêmica, mas tudo é feito para garantir a impunidade absoluta aos ídolos "espíritas". Tudo para manter uma concepção conservadora de "bondade", linda como um conto de fadas, mas que na realidade pouco traz benefícios aos necessitados.

E ver que até a mãe e o filho de Humberto de Campos, Ana de Campos Veras e Humberto de Campos Filho, foram vítimas da fascinação obsessiva movida por Chico Xavier é chocante. E mostra o caráter muito perigoso do apego a um deturpador.

Não é difícil imaginar haver coincidência demais em tantos devotos de Chico Xavier que veem seus filhos ou outros entes morrerem de repente, em acidentes. Soa como uma grande maldição, que não deve ser minimizada pela consciência da vida espiritual, que aqui é encarada de maneira irresponsável, porque entender que o espírito vive no além-túmulo e existe reencarnação não é desculpa para jogarmos fora uma encarnação por causa de infortúnios e tragédias.

O grave deturpador que foi Chico Xavier, cujo "guia espiritual" foi o autoritário Emmanuel - segundo Kardec, espíritos autoritários são de natureza inferior - , que ainda se fazia valer da aparência física de caipira inocente, somada depois a de um velhinho frágil, representou o exemplo mais perigoso de obsessão, inspirando nas pessoas comuns a fascinação obsessiva e, nos meios jurídicos, intelectuais e jornalísticos, a subjugação.

Isso é tão perigoso que pessoas preferem ser prejudicadas do que abrir mão de seus ídolos religiosos. Cria-se um masoquismo sem necessidade, e muitos sucumbem à doença infantil do deslumbramento religioso, lembrando a metáfora de uma cidade cujo povo aceita a sua própria destruição, desde que seja mantida em pé a estátua de seu ídolo maior.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Prestígio social e a banalização do erro

ROMERO JUCÁ, MICHEL TEMER, GEDDEL VIEIRA LIMA E RENAN CALHEIROS - Eles cometem erros graves e o pessoal tranquilinho em casa?

A banalização do erro humano cria uma moral seletiva. Pessoas que cometem erros pequenos mas são desprovidas de prestígio social são seriamente criticadas, enquanto outras, que cometem erros gravíssimos e até crimes de arrancar os cabelos, são poupadas e vistas apenas como pessoas que cometem pequenas molecagens.

O Brasil começa a viver uma crise de status quo, porque é justamente nas pessoas dotadas de alguma superioridade, como na idade, no dinheiro, na fama, no diploma e no poder exercido de alguma forma é que se observam os erros mais graves e preocupantes, o que deixa os deslumbrados ainda acomodados na sua indiferença, vivendo na doce ilusão de que os "tarimbados", quando erram, apenas "erram como todo mundo".

O "errar como todo mundo", sob a desculpa de dizer "quem nunca erra?" ou "somos gente como a gente" faz com que haja essa complacência. O governo de Michel Temer, por exemplo, é uma terrível e assustadora catástrofe política e as pessoas não parecem preocupadas com isso. Até pouco tempo atrás, era o mesmo pessoal que se enfurecia só de ver a cara de Dilma Rousseff na TV.

Imagine você sendo passageiro de um navio que navega em águas revoltas num momento de tempestade e o timoneiro e a tripulação, além de cometerem delitos - digamos que eles cheguem até a furtar objetos das bagagens dos passageiros - , se desentendem seriamente a ponto de haverem casos de agressões físicas entre os conflituosos.

Imagine se o timoneiro deixa de guiar o navio por causa dessa confusão toda, que cria um caos nos bastidores e a embarcação ainda está rumando em direção a um rochedo. Você, passageiro do navio, permaneceria tranquilo numa situação dessas, acrescentando que o céu apresenta trovoadas, o ar se movimenta em vendaval e no mar se formam ondas gigantes?

A situação é como essa metáfora e o governo Michel Temer, que só pode ser considerado "governo" por uma simples formalidade, pois mais parece desgoverno, é recheado de tantos e graves deslizes e escândalos que só mesmo o surrealismo para explicar a serenidade das pessoas e a ingenuidade (ou cinismo?) de uns em rir desses escândalos, como se a tragédia fosse uma comédia?

São erros cometidos pelo próprio Temer e seus associados: Romero Jucá, Henrique Meirelles, Alexandre de Moraes, José Serra, Geddel Vieira Lima, Renan Calheiros, Rodrigo Maia, Aécio Neves, ou mesmo Gilmar Mendes, Carmem Lúcia e os irmãos donos das Organizações Globo (José Roberto, João Roberto e Roberto Irineu Marinho). A plutocracia política, econômica, jurídica e midiática revela erros muito graves que o status social quer que sejam vistos como "coisa menor".

Com o nível de responsabilidades que têm os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário - é bom deixar claro que até o "super-herói" Sérgio Moro tem irregularidades graves em sua trajetória - , é assustador que haja tantos e tantos escândalos, porque o Brasil é deixado à deriva num momento em crises sociais profundas, algo que mais parece véspera de catástrofe.

No Rio de Janeiro, então, a serenidade de pessoas indiferentes a isso faz com que famílias entrem num restaurante mesmo quando um caminhão de lixo fedorento, cujo ar fétido flui em contato com a comida a quilo, contaminando os alimentos, e todos vão felizes fazer sua refeição sem saber que o contato do lixo com a comida pode produzir, após a ingestão, uma intoxicação alimentar.

A felicidade dos cariocas, não só eles mas principalmente eles, é um retrato surreal do país que mergulha em gravíssimas crises, que hoje culminam com as rebeliões nos presídios que não só envolvem a chamada "nata do banditismo" nacional, mas também envolvem supostos fornecedores de entorpecentes consumidos por gente rica nas festas.

É uma situação de calamidade pública, de provocar insônias e não sonos tranquilos, de inspirar apreensão e não tranquilidade, e que não permite relativismos do tipo "todo mundo erra". Isso é até uma hipocrisia, porque as elites são tão distintas em qualidades positivas, mas quando erram têm que ser niveladas ao cidadão comum, mesmo sendo erros graves de gente rica ao lado de erros pequenos de gente pobre ou de classe média.

E O "MOVIMENTO ESPÍRITA"?

A complacência ao erro também é muito comum no "espiritismo" brasileiro. A deturpação que teve em Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco seus maiores propagandistas é uma gravidade sem tamanho que empastelou, de forma deplorável e irresponsável, o legado de Allan Kardec.

Não se trata de algo acidental ou feito sem propósito, apoiado por boa-fé ou cometido pela falta de tempo. Chico Xavier e Divaldo Franco deturparam com muito gosto e propósito o legado kardeciano, mas seus fanáticos seguidores insistem que isso foi apenas efeito de "falta de tempo para estudar" os postulados espíritas, tese muito bonita e bem articulada, mas sem veracidade nem consistência.

A "falta de tempo para estudar" não procede como motivo da deturpação "acidental" porque tanto Chico quanto Divaldo produziram vários livros cujo conteúdo contraria severamente os postulados originais da Doutrina Espírita, e não se produz farto material por causa de um "pequeno erro de atenção" ou "falta de aprendizado".

Se fosse assim, qualquer calouro de faculdade já teria pronta sua tese de mestrado, com monografia pronta na base do achismo e enfeitada com linguagem empolada. O que os dois "médiuns" fizeram é de extrema gravidade e feita de puro propósito. Eles deturparam porque quiseram e gostaram, essa é a verdade mais crua, embora difícil de ser aceita por muitos.

Chico Xavier já tinha "dez anos de espiritismo", como se atribuía oficialmente, quando elaborou o livro Nosso Lar em 1943. O livro mostra uma "colônia espiritual", coisa que Allan Kardec em nenhum momento julgou plausível em suas obras, devido à inexistência de estudos que apontassem sequer um único indício de tais lugares no mundo espiritual. A vida espiritual apenas tinha existência aceita por argumentos lógicos, mas carecia de estudos para ver como ela era.

O "movimento espírita" criou práticas que mais parecem arremedos do que se fazia na Igreja Católica, como "água fluidificada" (nome que soa redundante), em lugar da "água benta" e o "auxílio fraterno", espécie de "confessionário". Nos "centros espíritas" brasileiros, a reunião de estudo tão citada pelo pedagogo de Lyon foi substituída por uma missa em que a única ruptura ocorreu no ritual do senta-e-levanta dos ritos, além do aparato pomposo de batinas, órgão etc.

Não há um aspecto do cientificismo de Allan Kardec que tenha sido adotado. Em primeira instância, porque a FEB teve como propósito original dar preferência a Jean-Baptiste Roustaing, que criou as raízes do "espiritismo" que conhecemos. Só depois, com a fase dúbia, nos anos 1970, é que se fez um "roustanguismo sem Roustaing", supostamente fiel aos postulados originais de Kardec.

E o que acontece? Acontece que os erros dos "espíritas" também são encarados como coisinhas pequenas. O fato deles admitirem que "erram o tempo inteiro", declaração que esconde uma falsa modéstia e um medo de sofrer os efeitos de suas irregularidades, revela o quanto o prestígio religioso serve não só para alimentar vaidades pessoais, mas também de proteger contra os efeitos naturais de suas decisões e práticas desacertadas.

Não há uma tradução de um livro sequer de Franz Anton Mesmer, o estudioso de Magnetismo que inspirou o professor Rivail a estudar os fenômenos espíritas e adotar o codinome Allan Kardec, e por isso os passes, não bastasse o caráter "passebo" (trocadilho com "placebo", relacionado a supostos remédios de efeitos inócuos), se reduzem apenas a um espetáculo de sacudir de mãos no ar ou tocando no corpo de alguém.

São erros cometidos de propósito, que por isso mesmo não podem ser minimizados nem relativizados. E os erros de Chico Xavier foram de uma gravidade imensa, que derrubam, como uma onda do mar atingindo um castelo de areia, sua reputação de "iluminado" e "espírito puro". Ele causou muita confusão e isso não é culpa dos que o questionaram, porque, no caso dos pastiches literários, os fatos mostram que os críticos literários que contestavam o "médium" estavam certos.

Não há como servir de "carteirada religiosa" para minimizar os erros gravíssimos vistos no "movimento espírita". Não há como atribuir, quando uma pessoa sofre desgraças em excesso, a culpabilidade da vítima, porque isso acaba revelando um juízo de valor severo, injusto e, portanto, muito cruel dos "espíritas", algo que se torna digno de processo por danos morais.

Os erros de Chico, Divaldo e seus semelhantes são de muita gravidade. Eles envolvem tanto o desprezo conceitual aos postulados espíritas originais quanto à indisposição de obter o rigor necessário das práticas mediúnicas, que no Brasil se reduziram a um faz-de-conta usado como propaganda religiosa.

São erros graves, porque os "espíritas" assumiram responsabilidades que pressupunham a consciência de virtuais erros, o que mostra que os "espíritas", principalmente os "médiuns" tão festejados e adorados, assumiram o risco diante dos deslizes que cometeram ao longo dos anos.

Achar que, só porque "todos erram", os "espíritas" devem ser eximidos de responsabilidade e, portanto, de sofrer os efeitos drásticos de seus atos, é ainda mais deplorável, porque isso revela o orgulho e o medo de ver sua reputação ser reduzida a nada diante da revelação de tão graves erros. É como se tivessem medo de caírem do alto da escada que constroem para o Céu.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Texto "espírita" amplia sentido de "caridade" para... Serviço?


O "espiritismo" é um bale de belas palavras, um espetáculo de palavras bonitinhas e até aparentemente bem intencionadas, que muitas vezes desviam do foco da doutrina de Allan Kardec - "muitas vezes" é apelido, porque quase sempre isso acontece - para dar lições moralistas num tom bastante paternalista e simpático.

Sempre surgem os "cavaleiros da esperança" que lançam palavras bonitas e textos descontraídos, que servem de água com açúcar para os adeptos do "movimento espírita". Há vários deles nos "centros", com suas palestras "empolgantes", admite-se até menos maçantes que a verborragia espetacular de um Divaldo Franco. Mesmo assim, são, como no conjunto da obra, palestras de mistificação e pregações moralistas, não raro bastante severas.

Um texto que ilustra bem isso é o recente "A Teoria e a Prática", de Richard Simonetti, um dos festejados palestrantes do "movimento espírita". Diante dos desavisados "espíritas" brasileiros, o texto poderia soar uma "análise prática", da "vida simples do cotidiano", dos ensinamentos kardecianos, dentro de uma abordagem ao mesmo tempo simplória e superficial, não bastasse a visão deturpada da orientação igrejeira.

O texto mostra o casal, Custódio e Nora, que acolhem outros casais amigos que conheceram de atividades "espíritas", que conversam de maneira animada numa casa onde tem até crianças fazendo barulho com suas brincadeiras.

Custódio, sentado, sempre pedia para Nora lhe fazer um favor, servir refrigerantes, atender a campainha etc. Ficava "acomodado". Lembrando uma conversa com Osório (membro de um dos casais), que citava Agostinho (o filósofo Santo Agostinho, que se manifestou em mensagem aproveitada em O Livro dos Espíritos), Custódio refletiu sobre a "oportunidade de fazer algo pelo semelhante".

Custódio falava sobre esses atos, mas não praticava. Na conversa com os amigos, havia dito: "As pessoas têm uma visão distorcida da Caridade. Há quem a suponha uma contribuição mensal a obras assistenciais ou o atendimento de um necessitado que nos procura. Parece-me, todavia, que não se trata de um comportamento para determinadas situações e, sim, de uma atitude perante a vida. Onde estivermos, no lar, no local de trabalho, na rua, podemos exercitá-la, estimulando o bem onde estivermos".

A lição do texto de Richard Simonetti - figura bastante prestigiada na FEB, há muito tempo - , o sentido da "caridade" está em "cumprir o dever" e aproveitar, em tese, todo momento para ajudar as pessoas e trazer algum benefício a elas. Tudo muito bem intencionado, mas cabe algumas reservas.

Em primeiro lugar, os próprios "espíritas" se comportam como Custódio e mesmo os palestrantes fazem isso. Diante de uma religião moralista e ultraconservadora que é o "espiritismo", em que a "caridade" prioriza ajudas "seletivas" aos algozes, arrivistas e miseráveis extremos, o "sentido amplo" da caridade se esvazia diante do sistema de desigualdades sociais.

No moralismo "espírita" que influi, energeticamente, nas situações surreais vividas por pessoas necessitadas que recorrem a essa seita, o "convite da caridade" se limita ao consentimento dos abusos dos algozes, ao convívio tendencioso com os arrivistas e ao assistencialismo paternalista aos miseráveis apenas para evitar os efeitos extremos das desigualdades sociais, mais para prevenir o ônus social das elites do que para resolver os graves casos de pobreza extrema.

A "ampliação" do sentido da "caridade" apenas ao ato de "servir", dado assim de forma vaga e simplória, não resolve e não traz respostas aos problemas vividos pela natureza humana. O "serviço", como expressão de bom-mocismo, pode ser feito sem que injustiças sociais fossem desafiadas e sem que o jogo de interesses marcado pelas conveniências fosse posto em xeque.

Um exemplo. Um rapaz quer namorar uma mulher considerada não só atraente, mas culta, discreta e muito inteligente. Mas ele atrai apenas aquelas moças "vulgares" que só ostentam os corpos e ouvem músicas de gosto duvidoso. Que "caridade" pode consistir no rapaz aceitar namorar uma dessas moças grotescas pela razão simplória de "fazer o bem" ensinando coisas boas e valores relevantes, se comportando mais como um professor de bons modos do que um namorado?

Além disso, essas moças "vulgares" quase nunca estão receptivas para aderir aos valores ensinados pelo rapaz. E, mesmo que se convençam de tal adesão, não é algo natural, mas algo forçado pelas circunstâncias, motivado pelas conveniências e estimulado pelo tendenciosismo. A "caridade" se torna inútil, porque torna-se apenas fachada para sustentar o jogo de interesses, porque tais moças querem ter rapazes discretos como namorados apenas por arrivismo e fetiche sexual.

Outro dado a considerar é a que ponto os próprios palestrantes "espíritas" podem pregar tais conceitos, quando eles mesmos os descumprem, sempre fazendo um belo espetáculo de palavras bonitas e atos de fachada ("caridade paliativa" feita mais para impressionar o público do que ajudar as pessoas), se iludindo que estão "servindo a humanidade" ao ostentar a perfeita coreografia de textos "comoventes".

O "espiritismo" deturpador tenta ser um primor de moralismo. O problema não está na lição de Santo Agostinho, ele que havia sido um padre católico que, vivendo na Idade Média, se empenhou em superar o obscurantismo medieval, atuando como cientista e intelectual, como um filósofo que iniciou o caminho longo para o Iluminismo.

O grande problema está na abordagem igrejeira dos "espíritas", que vão na contramão de correntes católicas avançadas - do exemplo pessoal de Agostinho à Teologia da Libertação - , caminhando para o obscurantismo e a Teologia do Sofrimento (claramente defendida, embora nunca assumida, por Chico Xavier).

É muito fácil dar, dar e dar, quando se aceita tudo, quando não se avalia o peso das circunstâncias e dos contextos. Fácil aceitar o sofrimento e dar o que não tem, ou servir ao abuso de outro com resignação e fé.

O recado de Richard Simonetti se esquece do fundamental: a vida não é só aceitação, existem também momentos de recusa, e as maiores renúncias não estão no ato, por si só, de recusar benefícios, mas de recusar as circunstâncias de sofrimento e expiação. O humilde não é aquele que diz "sim" o tempo inteiro, mas o que diz "não" no momento certo para dizê-lo.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

O sentido irresponsável da "filosofia" que foge da verdade

SLIDE DETURPA O SENTIDO DE "FILOSOFIA ESPIRITUALISTA" COLOCANDO A FOTO DO DETURPADOR CHICO XAVIER.

O que é filosofia? Palavra de origem grega que significa "amigo da sabedoria" ou "amor pelo saber", a expressão é aplicada no Brasil de maneira fútil, no qual o compromisso pela busca do Conhecimento é justamente o que se evita, servindo mais de aparato para ideias mistificadoras, superficiais ou obscurantistas.

Numa mídia decadente como a nossa, "filosofia" acaba se tornando um repertório de frases curtas, pequenos parágrafos, que as pessoas recolhem como avestruz, adquirindo sem raciocinar. Frases e depoimentos inteligíveis, que tanto podem ser declarações coerentes de famosos como recados moralistas e falsamente filosóficos de ídolos religiosos, postos em "memes" - figuras que transmitem alguma mensagem nas redes sociais - , acabam sendo erroneamente vistos como "filosofia".

O Brasil vive uma preguiça intelectual violenta. Cursos de pós-graduação discriminam quem tem um nível afiado de questionamento das coisas. É ilustrativo, por exemplo, que na Universidade Federal de Juiz de Fora, exista um Núcleo de Pesquisas de Saúde e Espiritualidade que não passa de um fã-clube enrustido do deturpador Francisco Cândido Xavier.

O "espiritismo" brasileiro, de raiz roustanguista, se aproveita muito dessa burrice que entende a "filosofia" como um desfile de frases curtas supostamente sábias. Um país que elege uma nulidade como Merval Pereira para a Academia Brasileira de Letras (antiga casa de Humberto de Campos - seria um "presente" do "filantropo da Rede Globo" Chico Xavier?), "filosofia" pode ser tudo, menos "amor pela sabedoria".

"SABEDORIA FAST FOOD"

O que as pessoas entendem como "filosofia" é uma espécie de "sabedoria fast food" feita para quem tem preguiça de pensar. Para quem não quer ler livros, ou, quando os quer, escolhe as obras que fogem de qualquer transmissão de conhecimento, sobretudo sobre "lindas estórias de amor e superação" do religiosismo mais piegas.

A "sabedoria fast food" consiste num recolhimento de frases e depoimentos feitos quase no automático. Frases que variam de um questionamento realmente sensato a pregações moralistas, trazidos por qualquer famoso, e que só servem para dar a impressão de que as redes sociais estão tomadas de sabedoria e inteligência.

É justamente nas redes sociais - que, por sinal, adoram Chico Xavier, tamanhos os "memes" que exibem suas frases e os vídeos mais delirantes a favor dele que se multiplicam feito praga no YouTube - que estão os maiores redutos de reacionarismo de internautas e onde se concentram até mesmo movimentos neonazistas que, aproveitando esse clima de catarse, atraem nada menos do que 150 mil seguidores em apenas uma de suas comunidades.

As redes sociais produziram o fenômeno da "pós-verdade" (post-truth), termo imediatamente dicionarizado pela Universidade de Oxford diante da gravidade que isso representa: um adjetivo que expressa ideias ou situações nas quais os fatos objetivos têm menos importância do que apelos à emoção e crenças pessoais na formação da opinião pública".

O religiosismo no Rio de Janeiro foi uma forma de pós-verdade, na qual medidas na verdade prejudiciais - como a imposição da pintura padronizada nos ônibus municipais, que acoberta a corrupção político-empresarial no setor - são impostas respaldadas pelo status quo de quem idealizou (lá de longe, na "República de Curitiba", por Jaime Lerner, o "pai da pintura padronizada") e por supostos benefícios como ônibus com ar condicionado, concepção avançada e chassis suecos.

A medida dos "ônibus padronizados" (diferentes empresas exibindo uma mesma pintura, causando confusão nos passageiros) foi imposta pelo ex-prefeito Eduardo Paes rompendo princípios legais e forçando o apoio - sustentado também por uma "patrulha ideológica" de busólogos, que criaram até página de ofensas para quem contestar a nefasta medida - da população em troca de uma "mobilidade urbana" espetacularizada feita para o turismo durante os eventos esportivos de 2014 e 2016.

A breve experiência da Rádio Cidade na "cultura rock" também foi resultado no religiosismo. A ideia "milagrosa" de ver o rock "irradiando" na frequência 102,9 mhz no dial FM, que fez relativo sucesso (não para o público de rock, mas para uma parcela pseudo-rebelde da juventude carioca), também foi vista de forma "divinizada", com o apelo à emoção trazido pela promessa de que, com a Cidade como "FM roqueira", o mercado teria medalhões do rock estrangeiro tocando todo ano no Rio de Janeiro.

A pós-verdade se apoia nesse processo de "divinizar" medidas não muito benéficas, por causa de falsas promessas, ou benefícios duvidosos que são superestimados. No plano mundial, se identificam como "pós-verdades" a vitória de Donald Trump - motivada pelo suposto estímulo de "arejar" a política estadunidense com um "não-político" - e o projeto de saída do Reino Unido da União Europeia (denominado "Brexit" - abreviatura de british exit), por suposta autonomia político-econômica.

No "espiritismo" brasileiro, observa-se que um dos maiores pioneiros da pós-verdade no Brasil e, talvez, no mundo inteiro, seja o próprio Chico Xavier. Impune no caso Humberto de Campos, de nada valeu apontar falhas grotescas na suposta psicografia que leva o nome do autor maranhense. A incompreensão de juízes, que só levaram em conta a tese de que "obras do além não rendem direitos autorais a autores já mortos", gerou um empate que favoreceu muito o mito do anti-médium mineiro.

Chico Xavier simbolizou a pós-verdade como ninguém. Fazia apelos à emoção para que sua trajetória atropelasse todo tipo de lógica e bom senso, criando uma legião de fanáticos e forjando uma unanimidade no "movimento espírita" na qual irregularidades no trabalho mediúnico são aceitas sem reservas por causa de "mensagens de amor" e "lições de esperança e fé".

A situação chegou a tal ponto que, se alguém for "espírita" e tem um prestígio considerável entre uma parcela da população, pode cometer fraudes mediúnicas que nenhum processo judicial lhe ameaça. Isso se torna um prato cheio para advogados de defesa que podem usar malabarismos de argumentação jurídica para defender o pretenso "filantropo", que vira "unanimidade" nem tanto pela honestidade mas pelo "amor ao próximo".

Sim, "espiritismo" brasileiro nada tem a ver com Filosofia, Ciência e Moral. Mais parece seguir a tríade Pós-Verdade, Igrejismo e Moralismo. Ver que seus pregadores usam do apelo à emoção (Argumentum Ad Passiones, um dos mais graves tipos de falácia existentes) para justificar suas fraudes, é ilustrativo desses tempos de pós-verdade.

Usar do "amor" e da "caridade" para permitir fraudes "espíritas" de todo tipo, em atividades que apresentam irregularidades evidentes, nem de longe representa filosofia, no sentido de "amigo da sabedoria". Significa, isso sim, a pós-verdade que permite que se explore a emoção e o sentimento para aceitar coisas desprovidas de lógica e bom senso. Daí o sucesso da deturpação do Espiritismo no Brasil.

sábado, 14 de janeiro de 2017

A perigosíssima "moral espírita"


O "espiritismo", de tão deturpado, criou problemas sérios em sua doutrina. Distanciado das lições originais trazidas, com o mais duro trabalho, por Allan Kardec, o "espiritismo" de raiz roustanguista (que persiste, apesar de formalmente renegada nas últimas décadas pela fase dúbia), acentuou os retrocessos doutrinários e criou posturas bastante sombrias para um movimento que se dizia "moderno" e "futurista".

Uma dessas posturas é a "moral espírita". O caso da pediatra de Rondonópolis (MT), condenada por recusar-se a atender uma criança vítima de estupro não deve ser considerado caso isolado. A criança não foi atendida porque a médica atribuiu a ela "problemas espirituais" que supostamente carregava de "vidas passadas", supondo que a menina, de apenas sete anos, exerceu "energia sexual" que atraiu o tio ao impulso do estupro. Em outras palavras, a vítima sempre é "culpada".

Esse caso não é isolado porque o que a médica expressou foi um moralismo "espírita", que não deve ser encarado como uma postura "exagerada" de "algumas casas espíritas", como veem a fazer crer os palestrantes, sempre preocupados em jogar a culpa da deturpação da Doutrina Espírita a "peixes pequenos", quando os piores posicionamentos já vêm de "peixes grandes".

Francisco Cândido Xavier, por exemplo, é responsável por muitas dessas posturas. Sim, o tão querido Chico Xavier, ele não causou confusões porque era um cidadão bondoso que causou incômodo de muita gente. Ninguém se incomoda com pessoas de bem, se supostos bondosos causam confusão, é porque praticou também erros graves que não podem ser encarados como "coisinhas de nada".

Ele ampliou e radicalizou a deturpação da Doutrina Espírita, arrasando (sim, é esse o termo) o legado de Allan Kardec com igrejismo extremo. Sorte é que o Brasil vive de deslumbramento religioso e sucumbe fácil à armadilha da "fascinação", processo obsessivo já alertado nos tempos do pedagogo de Lyon e claramente descrito pelos postulados espíritas originais.

É esse processo de "fascinação", capaz de inserir imagens do deturpador Chico Xavier em imagens de paisagens floridas ou céus azuis de brancas nuvens, que cria a complacência fácil. Pelo prestígio religioso, se aceitam até os graves erros da deturpação espírita, difíceis de serem combatidos até por críticos pouco vigilantes, que, no meio do caminho, aliviam o teor das contestações por causa da "bondade".

Chico Xavier foi capaz de fazer julgamentos de valor muitíssimo severos e cruéis, apesar dele apelar tanto para que "ninguém julgasse quem quer que fosse". A covardia com que o "bondoso médium" fez ao atribuir a humildes (sim, humildes!) vítimas do incêndio de um circo em Niterói, no final de 1961, de terem sido romanos sanguinários, é de uma perversidade moralista sem tamanho.

Foi no livro Cartas e Crônicas, de 1966. E seria tolice atribuir esse juízo de valor a Humberto de Campos, que os "espíritas" mal disfarçam pelo tendencioso pseudônimo de "Irmão X". Isso porque está comprovado que, pelo estilo do "espírito Humberto" não condizer ao legado que o autor maranhense deixou em vida, Humberto de Campos não escreveu um til na obra supostamente mediúnica que carrega seu nome.

Isso significa que o juízo de valor partiu do próprio Chico Xavier, que foi capaz de defender a ditadura militar diante das câmeras de TV - e isso quando a ditadura estava bem mais repressiva e parte da direita que a apoiou migrou para a oposição - , contrariando a falsa imagem "progressista" que pegou até as esquerdas desprevenidas.

O moralismo "espírita" é bastante perigoso. Parte de uma interpretação leviana da existência da reencarnação e da vida espiritual, o que autoriza que se legitimem e se aceitem injustiças sociais diversas sob a desculpa de que "algo melhor" virá na "vida futura". Usa-se a "eternidade" como desculpa para se impor os sofrimentos longos do presente. Pela "libertação no além-túmulo", se aceita a fixação de algemas durante anos e anos, sem motivo consistente.

Daí as atribuições de "vidas passadas", que já foram alertadas por Allan Kardec em sua obra. O esquecimento de encarnações anteriores foi por ele analisado como forma de evitar com que vaidades, humilhações, ódios e soberbas fossem acentuados, agravando mais os conflitos sociais do que se pode supor.

Por outro lado, a própria ignorância dos "espíritas" quanto à comunicação com o mundo espiritual, feita de maneira especulativa - como as "colônias espirituais" que não passam de devaneios de um "mundo idealizado" que se contrapõe ao caos terrestre - e pelo faz-de-conta mediúnico (falsas mediunidades - "mentiunidades" - que os médiuns fazem para esconder que não têm concentração suficiente para "falar" com os mortos), piora ainda mais a avaliação moralista.

Daí que elas não podem supor que encarnação havia sido alguém numa vida anterior. Os supostos tratamentos de "vidas passadas" mais parecem um jogo de combinações biográficas, que podem causar impressões drásticas e perigosas, com suposições de vidas anteriores feitas sem um estudo sério e consistente, mas impulsionado pelo "achômetro" que é o motor das atividades "espíritas" feitas no Brasil.

A tese de "resgates coletivos" é improcedente, porque os "espíritas" juntam um "gado expiatório" a que se atribui um "destino comum", mesmo quando algo trágico ocorra numa fila de açougue, em que as pessoas apenas estão "unidas" para aquisição de um produto, mas são totalmente estranhas entre si e nem sequer se cumprimentam. Mas, se ocorre um atentado e todos morrem, os "espíritas" atribuem, de maneira leviana, um "único destino" como se todos os estranhos fossem íntimos entre si.

O "espiritismo", contraditoriamente, age como os imperadores romanos que recolhiam pessoas de casa em casa para um espetáculo de flagelos, torturas ou assassinatos nos estádios esportivos de seu tempo. Tenta "unir" pessoas de procedências diferentes, que nunca se conhecem, que estavam juntas numa circunstância em que uma tragédia aconteça. Só por morrerem juntas, isso não significa que elas estavam juntas em outra vida ou vivem um mesmo destino de reparação moral.

Além do mais, o que Chico Xavier fez é de uma suposição perversa. Logicamente, não há como atribuir a todas as vítimas do incêndio uma encarnação, por sinal distante, na Gália do Século II. Além disso, a diversidade das pessoas supõe uma diversidade de encarnações e de diversos níveis morais. Sem um estudo sério, o que seria trabalhoso, invalida-se o juízo de valor que Chico Xavier fez e que, de forma irresponsável e hipócrita, atribuiu ao coitado do Humberto de Campos.

Chico Xavier criou uma escola irresponsável de "espiritismo", sob todos os aspectos. Atenuar isso à suposta missão de bondade não resolve, porque essa "bondade" nunca teve efeitos expressivos - se tivesse, o Brasil não viveria o caos das últimas décadas - e, em certos casos, foi também maléfica, como na ostentação das tragédias familiares ao sabor do sensacionalismo midiático, não bastasse a fraude das supostas mensagens dos entes queridos mortos, que eram puro mershandising religioso.

A partir disso, cria-se uma "moral espírita" perigosa, que mais permite a manutenção de injustiças e sofrimentos ou o desdém à tragédia alheia. Isso cria um sentimento perigoso de ódio e desdém, que permite a pediatra de Mato Grosso fazer o que fez. Isso vem do conjunto da obra, não é um caso isolado, embora a pediatra deva, sim, responder pessoalmente por seus atos.

Mas o moralismo "espírita" é co-responsável, por ter ensinado essas tristes lições do juízo de valor severo. Aí não dá para escapar, com os "espíritas" se escondendo na capa confortável do bom-mocismo e do simulacro de ações filantrópicas feitas mais para arrancar lágrimas do público do que para ajudar realmente o próximo. O moralismo já foi crueldade demais para ser acobertado pelo verniz da "bondade".

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Por que tanto reacionarismo e truculência na Internet?


O cyberbullying é um fenômeno preocupante no mundo inteiro, e mais preocupante ainda no Brasil, quando a retomada dos valores ultraconservadores, não bastasse a "patrulha do estabelecido" que há tempos atua nas redes sociais, aumenta o tom da agressividade digital.

Recentemente, o blogue Escreva Lola Escreva, da professora universitária Lola Aronovich, teve sua conta de e-mail cancelada e as fotos bloqueadas para exibição. Uma armação foi feita envolvendo cyberbullies que criavam contas falsas para forjar falsos comentários ofensivos e posturas intolerantes atribuídos à blogueira para depois denunciá-las por tais mensagens.

A ação de reacionários da Internet já preocupa a opinião pública e chama a atenção de juristas e autoridades policiais há pelo menos dois anos. Muitos blogues de calúnias e difamações são bastante vistos por policiais que investigam o conteúdo dos textos e averiguam os protocolos de Internet de seus responsáveis.

Infelizmente, há farsantes que cometem esses crimes e põem na conta de outro. O fake criado com o nome de Lola Aronovich motivou as denúncias levianas que vitimaram a blogueira, que está com boa parte das fotos sem aparecer na maior parte das postagens. Até a imagem de apresentação, que mostra ela criança, "desapareceu", denunciada pelos farsantes como se fosse "apologia à pedofilia".

A impunidade com que muitos truculentos da Internet vivem ainda é grande. A preocupante adesão de internautas não necessariamente valentões, mas que são iludidos com o aparente senso de humor desses brutamontes digitais faz com que ataques de cyberbullying sejam quase sempre atividades coletivas, com dois ou três valentões recebendo o apoio de um grande número de internautas, geralmente membros de uma comunidade comum.

É assustador que esses valentões tenham prestígio nos seus meios, e, mesmo que sejam advertidos ou punidos, eles reagem com arrogância e aparente naturalidade. Seu refrão diante de toda advertência é a risada em letra escrita: um "K" repetido várias vezes, que quer dizer risada histérica, dada por puro esnobismo.

Numa época de ódio, reacionarismo e um apetite voraz das elites em recuperar seus privilégios e expressar preconceitos sociais cruéis, seja contra pobres, homossexuais, mulheres, negros e índios, preocupa a ocorrência de tudo isso dentro de um contexto em que o Brasil vive retrocessos tão intensos que há o risco até de voltar às condições de mera colônia de exploração, como era em 1500, quando nossas riquezas iam para as mãos dos mercadores estrangeiros.

Hoje o risco é perdermos o pré-sal e ver as empresas de engenharia e infra-estrutura brasileiras serem extintas ou compradas por estrangeiras. E ver que até o satélite de monitoramento à distância do Brasil poderá ser entregue a estrangeiros, que terão acesso a informações estratégicas e confidenciais do governo brasileiro, é uma catástrofe que não pode ser ignorada.

O Brasil aos poucos deixa de ser Brasil e os retrocessos diversos, como o congelamento de verbas públicas e a degradação do trabalho - com aposentadoria adiada para o fim da vida, a precarização do emprego, as perdas salariais e a flexibilização das negociações trabalhistas que favorecerá mais os patrões - , põem os brasileiros num cenário ainda mais sombrio, praticamente o de um pesadelo.

E acrescentando isso a farra dos valentões nas redes sociais, alguns escondidos com fakes e outros assumindo seus nomes, nota-se o clima de terror que existe no Brasil por causa de elites e grupos reacionários e ultraconservadores que não querem abrir mão de sua supremacia e seus abusos. Fala-se na necessidade de um freio para essas ações, sem que prejudique a liberdade na Internet.

Lamentável a conivência do "espiritismo" diante disso, com seus palestrantes mais preocupados em pedir aos sofredores para "aceitarem o sofrimento", "reverem suas necessidades", "abrirem mão de seus desejos" e "perdoar os algozes mais do que nunca", como se estivessem fazendo apologia às injustiças sociais e usando o pretexto da "vida eterna" para fazer apologia da desgraça humana, através da Teologia do Sofrimento.

Na verdade, todas as forças retrógradas que retomaram o poder e os privilégios abusivos deveriam ter limites. Espera-se que a vida mostre as fraquezas de quem força uma guinada para trás, como se fosse possível voltar a 1974, período ditatorial considerado "equilibrado" e "benéfico" para as elites. Essa retomada forçada do passado, a partir do governo de Michel Temer, custará caro para as próprias elites, dos rentistas aos cyberbullies. Citando Cazuza: "o tempo não para".

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Grande Rio preocupa com número de fumantes


O Estado do Rio de Janeiro está em calamidade pública. Não por causa do rombo nos cofres públicos, na falta de segurança ou na corrupção política, mas também numa crise generalizada de valores e nos vícios que uma boa parcela de fluminenses mantém, prejudicando a imagem do povo fluminense como um todo e trazendo prejuízos sérios para o Estado.

É preocupante ver a alienação insensível de pessoas que, tomadas de uma preguiçosa alegria, parecem viver no "paraíso" mesmo diante de um cenário infernal, com clima meteorológico que lembra o de uma sauna ao ar livre, em uma região metropolitana poluída, o Grande Rio, e uma série de retrocessos que a sociedade local encara com submissão bovina, como se prejuízos do presente trouxessem benefícios futuros.

É assustador, por exemplo, ver jovens alegres no calçadão da praia, enquanto lixo é jogado em área próxima e as fezes de cachorro soltam um mau cheiro. Famílias vão para um restaurante onde na frente se estaciona um caminhão de lixo fedorento - do contrário da "preguiçosa" Salvador, os caminhões de lixo fluminenses não contam de técnicas para prevenir a exalação de mau cheiro - sem saber do risco de intoxicação alimentar pela contaminação da comida pelo ar.

Há uma anedota em que o Rio de Janeiro alterou seu nome para Riley Day Janeiro, em alusão à Síndrome de Riley Day, doença que faz a pessoa ficar insensível à dor. A indiferença dos fluminenses aos próprios problemas, cuja gravidade só admitem através da chamada mídia hegemônica, atinge níveis preocupantes, na medida em que se aceita todo tipo de retrocesso. Pior: aceita-se não apenas com resignação, mas com alegria, mesmo.

A aceitação em torno dos ônibus com pintura padronizada, que prejudica a pessoa já no seu direito de ir e vir - a medida confunde os passageiros e favorece a corrupção político-empresarial - é um dado preocupante, porque envolve os deslocamentos de muitos cidadãos, desnorteados com diferentes empresas de ônibus ostentando uma mesma identidade visual.

Espera-se que o novo secretário de Transportes, Fernando McDowell, que se afirmou contrário à medida, a cancele, criando um precedente para o país, pois a pintura padronizada nos ônibus era para ser banida em todo o país (ela já não faz sentido sequer em Curitiba e São Paulo) e não ampliada (os sistemas de ônibus de Recife e Florianópolis, por exemplo, refletem sua decadência com a adesão tardia a essa mesmice visual).

Em todo caso, o problema dos ônibus padronizados já era para afligir na saída de casa e as pessoas, mesmo sobrecarregadas de seus afazeres, aumentando o risco de embarcar num ônibus errado - o que é um perigo de proporções trágicas, como pegar um ônibus para o Jacaré pensando ser para Grajaú e deparar com um traficante no ponto de desembarque - , ficam conformadas com a situação.

O Rio de Janeiro acumula tragédias e crises severas cuja banalização deixa as pessoas insensíveis. É comum ver homens rindo dos problemas do Estado. E já se fala no risco de explodir uma rebelião de presos em Bangu ou em outro presídio carioca, o que, até o fechamento deste texto, ainda não ocorreu.

Outro dado preocupante é a alta existência de fumantes, vários deles tomados de arrogância e espírito de desrespeito. Alguns, cinicamente, apelam para o hábito de "fumar com os dedos", andando quarteirões sem tragar um cigarro, que continua soltando sua fumaça para ser inalada por um não-fumante.

Nem mesmo os recentes óbitos de atores e jornalistas de TV, mortos antes dos 70 anos e, em certos casos, no comecinho dos 60 anos de idade, sensibilizam as pessoas. Há muitos relatos de gente que, por causa do cigarro, perdeu amigos até de 38, 42 anos, mortos de repente, poucos dias depois do último contato, quando pareciam firmes e fortes.

O Rio de Janeiro virou o reduto de insensibilidade, não bastasse os casos de ataques fascistas na Internet. Por enquanto, notícias de surtos fascistas ocorrem mais em São Paulo - recentemente, um motoqueiro com camisa do grupo Abutre's agrediu uma jornalista por ela se declarar esquerdista - , mas potencialmente eles são suscetíveis de ocorrer no Rio, Estado com maior número de praticantes de cyberbullying nas mídias sociais.

No caso dos fumantes, é assustador que pessoas falem naturalmente que vão comprar cigarros, que pedem isqueiros, o que dá a impressão que, para elas, o preço do maço de cigarro é bem baratinho. Até parece que cigarro tem preço de bala, e os preços são muito generosos, num mercado em que os demais produtos custam caro, como carnes, vegetais, laticínios, cereais etc.

Outro dado alarmante é que o lobby da indústria tabagista já tenta minimizar a imagem negativa do fumo, através de comparações tendenciosas sobre o uso do açúcar, com o lema "o açúcar é o novo tabaco". Embora o pretexto seja divulgar os males do consumo excessivo de açúcar, a ideia é minimizar a gravidade do fumo, criando um "vilão tão ou mais forte" do que ele. Já não basta que uma das marcas de cigarro mais vendidas se chama Gift ("presente", em inglês)?

Dessa forma, as pessoas nem precisam mais comprar açúcar, podendo comprar muito mais cigarros. E isso cria tantos problemas, até pela arrogância dos fumantes. Nota-se a cara feia e o pouco caso com que fumantes, quando entram nos ônibus ou estabelecimentos comerciais, jogam o cigarro no chão e fazem cara feia, como se não gostassem de serem "privados" pelo "prazer" de fumar.

Consta-se que boa parte da poluição no Rio de Janeiro, que cria um desequilíbrio de proporções trágicas na meteorologia, com manhãs de calor infernal e anoitecer de temporal e trovoadas, se dá pelo entretenimento convicto do fumo, o que faz do cigarro uma espécie de "chupeta de gente grande", e da adesão ao fumo como um apego às conveniências sociais e uma expressão da insegurança de muitas pessoas.

Algo tem que ser feito. O Rio de Janeiro, Estado marcado pelo fanatismo do "sucesso" pessoal, da religião e do futebol, e considerado, ao lado de São Paulo e Paraná, o mais conservador do Brasil, sofreu retrocessos em ritmo vertiginoso, fazendo praticamente inverter sua posição que outrora era de vanguarda cultural e notável, embora imperfeito, progresso social.

Hoje o Estado do Rio de Janeiro é considerado um dos mais atrasados do Brasil, dentro de um contexto em que o Sul e Sudeste deixaram de lado seus paradigmas de modernidade e desenvolvimento social para mostrar surtos preocupantes de intolerância social e manifestações fascistas. Alguém tem que frear tudo isso, antes que o resto do Brasil pague com a fascistização do "moderno" Sul e Sudeste.

domingo, 8 de janeiro de 2017

Periódico "espírita" insiste na tese dos "resgates coletivos"

PEDAÇOS DO AVIÃO QUE LEVAVA A EQUIPE DA CHAPECOENSE, DESTRUÍDO NUM ACIDENTE OCORRIDO NA COLÔMBIA, EM 2016.

O "espiritismo" brasileiro insiste em suas teses. O jornal "Correio Espírita", do Rio de Janeiro, em sua matéria principal da edição deste mês, insiste em atribuir o acidente do avião que levava a equipe do clube esportivo Chapecoense à tese de "resgates coletivos".

Em seu juízo de valor, o jornal alega que as vítimas estavam "unidas" pelo Destino para sofrer aquela "reparação espiritual", interpretação dada à tragédia que comoveu não apenas o Brasil, mas o mundo inteiro.

A tragédia da Chapecoense comoveu tanto que inspirou até um artista plástico estrangeiro a incluir o logotipo do time numa obra reunindo os mortos de 2016 (mais alguns de 2015, como Lemmy Kilmister, músico do Motorhead) e outras referências trágicas (como a saída da Grã-Bretanha da União Europeia, o "Brexit"), com base na capa de Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles.

O "espiritismo", que pelo jeito não tem a individualidade como uma causa amiga, adota a tese absurda dos "resgates coletivos" como se pessoas vindas de diferentes situações, sem intimidade entre si, de repente estivessem "unidas" por uma "sina trágica comum".

GADO EXPIATÓRIO

A tese é absurda porque as pessoas cumprem seus destinos individualmente, e não em grupo. A ocorrência de tragédias coletivas apenas cria uma coincidência de tantas pessoas diferentes sofrerem um mesmo destino trágico, mas isso é apenas um único momento em comum, a não ser em casos de haver relações sociais fora desta circunstância.

Ainda assim, cada pessoa cumpre seu destino pessoalmente. Não há um "gado expiatório". É bastante duvidosa a tese de que todas as vítimas de uma mesma tragédia estejam cumprindo um mesmo destino de "reparação" ou de "encerramento de missão".

A tese dos "resgates coletivos" chegou a inspirar um dos mais cruéis juízos de valor contra pessoas humildes, e vindos, pasmem, do "maior símbolo de amor e bondade do Brasil", o "médium" Francisco Cândido Xavier.

Se esquecendo de seus próprios conselhos - "não julgueis quem quer que fosse" - , ele julgou, em 1966, no livro Cartas e Crônicas, as pobres vítimas do incêndio criminoso que destruiu um circo em Niterói, no final de 1961, de terem sido patrícios do Império Romano que, vivendo na Gália, sentiam prazer em ver hereges sendo reunidos em um estádio para serem queimados ao vivo, diante da plateia ensandecida.

O juízo de valor é perverso e ilógico. Além de expor um suposto passado, anunciado sem provas documentais nem argumentos lógicos, ofendendo as famílias das vítimas que só queriam ver um espetáculo circense e sofreram uma tragédia traumática, o juízo de valor de Chico Xavier ainda botou na responsabilidade de Humberto de Campos, para o "médium" livrar-se de culpa.

OLHE SÓ QUEM FALA

O mais irônico é que o juízo de valor menciona autoridades romanas que recolhiam acusados de suas respectivas residências para reuni-las no estádio para o triste espetáculo das queimas de pessoas vivas. Os próprios "espíritas" adoram "recolher" pessoas aqui e ali para atribuir supostas falanges espirituais e supostos "resgates coletivos" em ocorrências infelizes, não somente trágicas.

Os "espíritas" criticam tanto os imperadores romanos que recolhiam pessoas de suas casas para aprisionamento ou punições coletivas, mas eles fazem o mesmo quando, em pretensas pinturas mediúnicas, também "recolhem" aqui e ali supostos espíritos de pintores falecidos, de diferentes épocas, como se fosse fácil juntar fulano, sicrano e beltrano tirados daqui e dali.

A atribuição de "resgate coletivo" da tragédia da Chapecoense não procede, mesmo quando suas vítimas tinham alguma relação social comum, como os jogadores de futebol e os jornalistas esportivos que estavam juntos no voo. Mesmo com tal relação, os destinos só são cumpridos individualmente, e não de forma grupal, como se fosse um "gado expiatório".

A tese do "resgate coletivo" vai contra a visão de Allan Kardec, que afirmava que os reparos morais eram da natureza individual de cada pessoa. E isso não é difícil de compreender, vide o exemplo dos atentados terroristas que ocorrem no Oriente Médio.

Neles, há muitas ocorrências realizadas em ambientes comerciais ou em praças públicas. Pessoas que nem se falam morrem juntas diante de um atentado a bomba. Como atribuir um destino comum a pessoas que nem trocam um "bom dia" entre si e às quais estão atribuídas uma mesma missão de "reparações espirituais"?

Usar a vida espiritual para tanto não faz sentido, porque isso não explica nem justifica a pretensa atribuição dos "espíritas", que lembra mais um juízo de valor baseado numa avaliação especulativa, e que não corresponde à realidade, porque os indivíduos cumprem seus destinos individualmente.

sábado, 7 de janeiro de 2017

"Espiritismo" e os limites que impõe à Ciência


O "espiritismo" brasileiro, como tenta se passar por uma adaptação da Doutrina Espírita de Allan Kardec, apesar da raiz ter-se fundamentado nos postulados do deturpador Jean-Baptiste Roustaing, tenta manter todo um jogo de aparências para se aproximar, aos olhos dos incautos, da essência do Espiritismo original francês.

Portanto, o "espiritismo" brasileiro faz tudo para parecer uma doutrina intelectualizada, amiga da Ciência e da Filosofia, defensora do pensamento questionador e da análise científico-filosófica, em prol da busca do Conhecimento.

Mas isso é apenas uma aparência e um simulacro, pois, no conteúdo dado pelo "espiritismo" brasileiro, observa-se que seus postulados mais estabelecem limites do que amplitudes ao pensamento científico-filosófico, e as restrições não são muito difíceis de serem identificadas.

Observando os textos "espíritas" que evocam temas científicos ou filosóficos, notamos que as retóricas seguem um caminho comum, o de passar a introdução e o desenvolvimento do referido texto (podendo ser artigo, livro ou documentário, entre outras formas textuais) trazendo uma aparência de intelectualizado, para no final trazer uma conclusão igrejista e pretensamente "pacifista" (no sentido igrejeiro do termo) e "fraternal".

A intenção do "espiritismo", quando aborda personagens, fatos e conceitos científicos, é usar a Ciência para sustentar seu igrejismo. Dentro desses limites, a Ciência é sempre bem vinda, quando ela se serve aos caprichos da fé religiosa, sob o pretexto de "promover a fraternidade e a união entre as pessoas", ideia que é eufemismo para o ato de atrair fiéis a esta doutrina igrejeira.

Quando a Ciência não ultrapassa os limites impostos pela Religião, os "espíritas" apoiam a atividade científica totalmente. Quando filósofos se ocupam em temas arbitrários, como o Ser e o Existir, ou quando denunciam a opressão explícita das ações bélicas que devastam cidades, o "espiritismo" bate palmas e apoia amplamente.

Da mesma forma, quando cientistas pesquisam doenças de difícil cura, como AIDS e vários tipos de câncer, ou, em outras áreas, fazem cálculos sobre as relações entre miséria e produtividade industrial, os "espíritas" aceitam livremente.

É certo que, nos casos das doenças, existe a aparente concorrência da "medicina mediúnica", feita de maneira improvisada e adotando métodos duvidosos nos quais se sonega o diálogo entre a Ciência da Terra e a espiritualidade, preferindo práticas "inexplicáveis" de cirurgias, nas quais se insere uma tesoura ou faca, às vezes contaminadas, no estômago de alguém, para tirar um caroço que se acredita ser um tumor.

Mesmo assim, o "espiritismo" não pode reagir com intolerância à "medicina da Terra". Até porque vemos episódios como o "médium" goiano João Teixeira de Faria, o João de Deus, tendo que recorrer à "ciência terrestre" para se curar de um câncer. "Barbeiro corta o próprio cabelo?", indagou João de Deus, quando se perguntou por que ele não fez autocirurgia.

Quando a Ciência, no entanto, passa a invadir os terrenos da Religião e questiona os paradigmas da fé e do misticismo, os "espíritas" já reagem com alarmismo. Termos maledicentes como "intoxicação do intelectualismo", "impaciência da Ciência" e "overdose de raciocínio" surgem de "espíritas" revoltados, que se sentem ameaçados em ter seus dogmas e ritos contestados pelo raciocínio questionador e investigativo.

Mesmo diante de irregularidades desmontadas pela lógica e pela coerência das investigações questionadoras, como é o caso de supostas psicografias como o famoso caso Humberto de Campos, os "espíritas" tentam camuflar as irregularidades dizendo que as "diferenças de estilo" são "meras impressões" terrenas diante da "linguagem universal do amor".

Chegam os "espíritas" a argumentarem que, se uma mensagem "psicográfica" difere do estilo ou mostra algum aspecto pessoal diferente do morto a que se atribui autoria, é porque "certos detalhes escapam das condições limitadas do raciocínio humano", como se confundisse falta de lógica com mistérios que a Ciência "não consegue resolver".

Ainda no caso Humberto de Campos, o que se observa é que o estilo que se nota nas obras "espirituais" que levam seu nome é totalmente diferente do estilo deixado pelo autor em vida (mesmo em publicações póstumas). E isso é fácil de observar comparando obras trazidas por Francisco Cândido Xavier com o acervo original de Humberto de Campos.

Mas como Chico Xavier é a pessoa mais blindada do país, qualquer irregularidade relacionada a ele é aceita por seus seguidores sem reservas. E nota-se, nas suas pregações ideológicas, um aspecto que facilmente pode ser identificado como contrário aos postulados originais de Allan Kardec.

Note-se que, em seu tempo, Allan Kardec sempre convidava as pessoas para o debate e o questionamento. Ele se oferecia para ser questionado, mas mediante argumentos lógicos. Chegou mesmo a dizer que, se for comprovada alguma ideia no Espiritismo que não estiver de acordo aos procedimentos lógicos da Ciência, que preferisse a Ciência ao Espiritismo.

Kardec lidava com um dado novo, a Ciência Espírita, no qual se esforçou em codificar e entender com o maior nível de abrangência possível e procurando dar aos conhecimentos uma contemporaneidade de entendimento.

Como legado, criou o C. U. E. E., Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos, para atualizar e ampliar as compreensões da Ciência Espírita, pois em seu tempo os recursos de Comunicação, por exemplo, ainda estavam limitados à fotografia. O rádio, a televisão, o cinema e a informática surgiram depois do falecimento do pedagogo francês.

Isso é muito diferente de Chico Xavier, que, do contrário de Kardec, renegava o debate. O anti-médium brasileiro passou o tempo todo apelando para as pessoas não questionarem, não contestarem, não julgarem, embora contraditoriamente dizia "apoiar a busca e a transmissão de Conhecimento".

Xavier criou um engodo conceitual marcado de misticismo religioso e moralismo conservador, e toda aquela promessa vã de "transmitir Conhecimento" não passou de conversa para boi dormir.

Diante de tantos equívocos conceituais e de prática "mediúnica", Xavier pedia para "ninguém contestar" até por causa própria, visando salvar sua pele, no seu arrivismo de, como "astro do espiritismo no Brasil", se ascender como ídolo religioso e virar unanimidade nacional, se aproveitando dos paradigmas de religiosidade muito comum entre os brasileiros.

A falsa apreciação da Ciência e da Filosofia servem apenas para sustentar "intelectualmente" os dogmas religiosos do "espiritismo" brasileiro. Servem, também, para garantir a fachada do "movimento espírita" como uma doutrina "intelectualizada", forjando um diferencial na competição religiosa diante dos evangélicos neopentecostais e de modernas correntes da Igreja Católica como a Renovação Carismática.

Mas, provando seu conservadorismo, o "espiritismo" brasileiro estabelece limites para o pensamento científico-filosófico, apenas atualizando, com leve concessão, a discriminação da atividade científica e intelectual pelo Catolicismo da Idade Média, não mais banindo tal atividade, mas estabelecendo restrições à sua ação.

Assim, a Ciência e a Filosofia só são bem vindas quando se limitam às suas especialidades ou colaboram para confirmar dogmas e ritos religiosos do "espiritismo" igrejeiro. Quando se recusam a essa última tarefa, essas duas áreas do Conhecimento humano são amaldiçoadas pelos "espíritas", que no seu juízo de valor acusam o ato de pensar como "excessivo" quando se coloca a lógica acima da fé, o saber acima da crença.
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