segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Toda hipótese desqualifica a "presença" de Humberto de Campos na obra de Chico Xavier


Não há hipótese que possa salvar a suposta obra espiritual de Humberto de Campos lançada por Francisco Cândido Xavier. Quem tem um mínimo de hábito de leitura e conhecimento de nossa história literária, saberá que a suposta obra do "espírito Humberto de Campos" foi, realmente, um pastiche literário, e dos mais grotescos.

Essa constatação não se dá pela raiva a quem quer que seja, mas por uma análise bastante objetiva na comparação entre o que Humberto havia escrito em vida e o que foi lançado sob seu nome através de Chico Xavier. Mesmo os admiradores do "médium" podem ficar decepcionados se tiverem maior atenção nesta comparação.

A narrativa de Humberto de Campos nas obras deixadas em vida - inclusive trabalhos póstumos - era ágil, descontraída, culta mas acessível, muito bem escrita, com uma gramática impecável. A obra "espiritual" destoa de tudo isso, com uma narrativa pesada e cansativa, deprimente, linguagem culta mas forçada e cheia de vícios de linguagem, e não raro tinha parágrafos mais longos do que Humberto, em vida, foi capaz de escrever.

Essa comparação é certa. Não tem saída. O "Humberto" de Chico Xavier é falso. Depois que os deslumbrados chiquistas chorarem, feito crianças birrentas, é bom parar para pensar e ver que, antes de mais nada, somos seres lógicos, e não podemos atribuir abordagens ilógicas aos planos astrais, como se a burrice pudesse se tornar, no além-túmulo, sinônimo de mais perfeita inteligência.

As hipóteses que tentam legitimar a "obra espiritual" atribuída a Humberto de Campos, não bastasse a carteirada religiosa que cerca Chico Xavier, não têm o menor senso de lógica. A tese simplória das "mensagens de amor" e "lições de vida" são absolutamente risíveis, e constrangem quando vindas de uma religião que é a "espírita" que, no Brasil, tanto diz defender a lógica e o bom senso que, na prática, despreza profundamente.

Primeiro, não há como considerar que uma pessoa de talento refinado como Humberto teria "perdido" seu talento quando regressou no além-túmulo. Como espírito despojado das vestes materiais, suas faculdades intelectuais e seus talentos teriam crescido e não diminuído, não há espírito de grande talento na Terra que, no regresso ao mundo espiritual, tenha se tornado medíocre e inexpressivo, descontadas as "palavras de amor" que enchem os incautos de lágrimas derramadas à toa.

São completamente ridículas alegações como a de que Humberto teria "doado seu talento para a caridade", que se "esqueceu do talento de tão tomado pelas energias do amor" ou que "passou a escrever a linguagem universal do amor", como se a individualidade não fizesse parte do espírito. São avaliações completamente subjetivistas que nem para hipóteses plausíveis devem ser consideradas.

Segundo, não há como atribuir um suposto cansaço espiritual a Humberto por causa da morte prematura, aos 48 anos. Isso não procede. Ele pode ter ficado triste com tão repentina partida, mas como espírito sem corpo não ficaria cansado a ponto de escrever "de forma menos inspirada", sob o pretexto da "urgência de transmitir mensagens humanitárias".

Neste caso, há uma contradição grave. Até porque há uma pretensão de que Humberto estaria "iluminado" para "produzir obras tão edificantes". Se ele está cansado, contradiz essa disposição, e, sendo cansado e exausto, estaria em posição mais desanimadora. Como alguém tão desanimado e possivelmente triste iria transmitir mensagens que muitos consideram "consoladoras" e "animadoras"?

São, portanto, graves alegações que tentam "legitimar" a obra do "espírito Humberto". Desculpas esfarrapadas que não têm pé nem cabeça. Um Humberto que "reduz seu talento" porque foi "tomado pela energia do amor", porque "fala uma linguagem universal", porque "está cansado pelo fato de ter morrido cedo" etc. Isso faz com que não se decida se o "espírito Humberto" está disposto, animado e otimista ou se ele está cansado, chateado ou tristonho.

Daí que a suposta obra espiritual é uma fraude. E essa desonestidade deveria derrubar Chico Xavier de vez, e a Justiça de 1944 ter condenado o "médium" por falsidade ideológica e usurpação do prestígio alheio de alguém falecido.

Devemos abrir mão da paixão religiosa e termos a consciência de que somos seres racionais e que a fé religiosa, ainda que tenha seu lugar de apreciação, não está acima da razão. Conhecer não é sinônimo de acreditar, porque a crença, muitas vezes, se basta nos terrenos da fantasia e da mistificação. Abrir mão dessas quimeras é doloroso para muitos, mas é realista e trará benefícios futuros quando passarmos a ver as coisas fora do deslumbramento religioso, muitas vezes cego.

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Papa Francisco dá recado que serviria muito bem para "espíritas dúbios"


Numa missa realizada a poucos dias no Vaticano, o papa Francisco I fez um sermão no qual reprovava o comportamento escandaloso dos ditos católicos, citando um comentário muito comum da sociedade no qual seria melhor ser um ateu do que um católico hipócrita.

"O que é um escândalo? É dizer uma coisa e fazer outra, é a vida dupla. ‘Eu sou muito católico, vou sempre à missa, pertenço a esta ou à outra associação, mas a minha vida não é cristã, não pago com justiça aos meus empregados, aproveito-me das pessoas, faço negócios sujos", disse o pontífice.

É claro que o papa estava falando de Igreja Católica, hábitos católicos e coerência de caráter dentro desta perspectiva. Mas o recado do papa também serve para ser usado em outro contexto, o da postura "dúbia" dos "espíritas" que exaltam o cientificismo de Allan Kardec mas praticam o igrejismo.

É irônico que Divaldo Franco, certa vez, tentou visitar o papa, que por limites de agenda só cumprimentou rapidamente vários visitantes. O comentário em questão se dirige justamente a ele e outros astros da "fase dúbia" do "espiritismo" brasileiro, pela vida dupla que levam.

O contexto varia porque não é por "falta de cristianismo", mas talvez até pelo seu excesso. A vida dupla dos "espíritas" segue um outro aspecto, mas é tão escandaloso quanto a vida fútil dos católicos mencionados pelo papa Francisco.

O "espiritismo" é marcado pela desonestidade doutrinária, pela falsa mediunidade e pelo moralismo ultraconservador que, de maneira nunca oficialmente assumida, se volta para a Teologia do Sofrimento, corrente medieval da Igreja Católica e, portanto, não compartilhada pelo papa.

É assustador que os "espíritas" fiquem falando o tempo todo sobre "aceitar o sofrimento", "perdoar os algozes nos seus abusos", "desgraças são desafios, sofrimentos são aprendizados" dentro desse cenário político catastrófico do governo Michel Temer, marcado por uma avalanche de desordens e abusos. Fica parecendo que o "movimento espírita" está com Temer. PMDB e PSDB são partidos "espíritas"? Ou talvez o "espiritismo" seja a religião da Rede Globo.

A frase "É dizer uma coisa e fazer outra, é a vida dupla", como definição de escândalo, arrepia os "espíritas". Há casos de palestrantes que, num artigo, exaltam a "propriedade oportuna" dos avisos de Erasto, mas depois falam na "sabedoria" de Emmanuel. Bajulam o trabalho de Allan Kardec, comentando a "vigorosa atualidade" de seus textos, mas, em outro artigo, derramam os mais diabéticos elogios à "missão humana" e as "mensagens de paz" de Chico Xavier.

Isso é a "fase dúbia". E o maior ícone da "fase dúbia" é Divaldo Franco, que se ascendeu nesta etapa do "movimento espírita", vigente desde os anos 1970. Chico teria vivido seu auge, pois, embora surgido ainda durante o roustanguismo assumido da FEB, o "médium" mineiro teve seu mito "reinventado" com a ajuda da Rede Globo, que presenteou a federação com um estereótipo "limpo" de suposto filantropo, nos moldes que Malcolm Muggeridge fez com Madre Teresa de Calcutá.

Na "fase dúbia", o "espiritismo" tornou-se bem mais hipócrita do que quando assumia a herança de Jean-Baptiste Roustaing, descartado apenas por meras simbologias. Roustaing estava associado ao alto-clero da FEB, que brigou com as federações regionais, criando, mesmo depois de um acordo, uma "divergência" na qual os regionalistas - apoiados no mineiro Chico e no baiano Divaldo - usavam o nome de Kardec por mera formalidade e conveniência.

Nesta hipocrisia, o "espiritismo" passou a fingir que recuperava as bases doutrinárias originais. "Mensagens" atribuídas a Adolfo Bezerra de Menezes eram forjadas e o termo "kardequizar" citado numa delas dá a senha da postura "dúbia", pois, embora o neologismo se relacione ao pedagogo francês, é também uma corruptela do termo "catequizar", referente ao Catecismo, a pedagogia católica.

É essa a "vida dupla" dos "espíritas". Num momento, se acham intelectualizados, esclarecedores, questionadores, filosóficos e científicos, dizendo-se afeitos ao trabalho criterioso de Allan Kardec, se julgando ter "fidelidade absoluta" e "respeito rigoroso" aos postulados espíritas originais.

Num outro momento, se derramam num igrejismo piegas, lacrimoso, medieval, obscurantista, ritualístico e dogmático, exaltando o deturpador Chico Xavier até não lhe caberem mais elogios, recomendando até romances "espíritas" que, de tão medíocres, parecem terem sido folhetins tirados do lixo das diretorias das redes de TV.

Para se tornar ainda mais hipócrita, essa "vida dupla" é tida como "equilibrada", como se contradição fosse sinônimo de equilíbrio, e sabemos que não é. E, o que é mais grave, usa-se a filantropia como um falso elo de ligação entre pontos de vista que nunca se batem, como se pensar uma coisa e fazer outra fosse válido se fosse "voltada para a caridade".

O "espiritismo" virou um intragável engodo ideológico. Se nos basearmos na mensagem do papa Francisco, seria melhor que os "espíritas" se assumissem católicos e roustanguistas. Antes eles se assumissem medievais, igrejeiros, beatos, obscurantistas e admitissem que a filantropia que eles defendem não pode mexer nos privilégios das elites. Seria uma postura menos confortável e menos atraente, porém muito mais sincera do que a postura "dúbia" e suas dissimulações.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Universidade e a cosmética acrítica das monografias


Ontem se realizou a sabatina que fez o ministro licenciado da Justiça, Alexandre de Moraes, assumir a vaga de Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal. Seu currículo irregular foi insuficiente para haver barreiras à sua chegada, diante das inúmeras conveniências sociais que refletem na vida política e econômica brasileira, cada vez mais mergulhada em retrocessos.

Recentemente, Alexandre de Moraes foi acusado de ter cometido plágios em seus livros. Num deles, Direitos Humanos Fundamentais, ele havia plagiado trechos do livro Derechos Fundamentales y Principios Constitucionales, do jurista espanhol Francisco Rubio Llorente (1930-2016). Pelo menos, neste caso, o Chico foi o plagiado, não o plagiador.

Mas o que vemos em Francisco Cândido Xavier é algo surreal. Chico Xavier cometeu inúmeros plágios em suas obras, e a sociedade brasileira lhe garantiu o céu que seu espírito, na verdade, nunca usufruiu e está longe de usufruir. Mas, para o bem das fantasias humanas movidos pelas paixões religiosas, Chico Xavier, mesmo com seus graves erros e confusões, está morando no Céu junto a Deus Pai Todo-Poderoso.

O Brasil é movido por vícios de sentimentos, abordagens, procedimentos e pontos de vista que começam a perder sentido. As pessoas presas nessa zona de conforto se revoltam de tal forma que, entre as elites, aumentam cada vez mais os surtos psicóticos e se reduzem ainda mais os escrúpulos em expressar visões e sentimentos de puro preconceito e discriminação social, dos mais graves.

Castramos ou cometemos abusos conforme as circunstâncias, quase sempre causando alguma grave injustiça. O apego ao status quo apresenta suas crises muito graves, e a sucessão de crimes, gafes e sérios erros cometidos por pessoas dotadas de algum privilégio social - do financeiro ao religioso, passando pelo poder político e até pelo porte de armas - , surpreende e já não cabe mais a complacência ou o consentimento das pessoas quanto a esses atos de gente "importante".

Afinal, as gafes e os erros graves não podem ser vistos como "erros pequenos" só porque são cometidos por pessoas dotadas de algum prestígio social. Ver os escândalos políticos do governo Temer, gravíssimos - a escolha de Alexandre de Moraes para o STF é um deles - , não pode ser visto como se fosse comédia da televisão, sob risadas da população de classe média.

Isso mexe com o país, isso pode trazer prejuízos sérios para a vida das pessoas e mesmo os mais abastados, que gracejam diante da corrupção de um Romero Jucá, Geddel Vieira Lima, Aécio Neves e José Serra porque pensam que isso é "divertido", pagarão caro pelas risadas dadas que nem de longe interrompem o sono tranquilo dos que não percebem a catástrofe em que vive o Brasil.

Temos que abandonar vícios de décadas, como o deslumbramento religioso, que também permite a divinização de ídolos religiosos que cometem erros graves (como a falsidade ideológica em pretensas psicografias). Erros graves de "gente importante" sempre são vistos como comédia, erros menores, ou deslizes miúdos sem importância. E a sociedade paga caro diante de tais complacências.

Afinal, com Michel Temer autorizando até a venda de terras brasileiras a estrangeiros, daqui a pouco a Praia de Copacabana será propriedade do mercado hoteleiro de Los Angeles, e aí vamos ver os jovens cariocas de elite tão felizes diante da catástrofe brasileira e rindo dos escândalos que deveriam causar aflição terem que pedir autorização e pagar ingresso para ficarem na areia tomando chope, jogando conversa fora ou ouvindo o "funk" e o "sertanejo" no seu celular.

MONOGRAFIAS ENFEITADAS

Um dos inúmeros vícios da sociedade brasileira se refere ao âmbito acadêmico. As universidades, infelizmente, não conseguem exercer com plenitude sua missão de transmitir Conhecimento e estimular a reflexão crítica sobre os vários fenômenos da vida humana.

Em vez disso, cria-se uma burocracia acadêmica, subordinada às verbas de pesquisas, nas quais a produção de teses de pós-graduação se resumem apenas a uma cosmética acrítica de monografias, que procuram, na forma, estabelecer a mais absoluta fidelidade ao discurso objetivo, com narrativas "imparciais" e um fingimento de que se está questionando um fenômeno, quando ele termina a monografia como sempre começou, um problema muito descrito e quase nunca questionado.

Especialistas começam a se preocupar, até porque a qualidade das monografias já começa a migrar do sofrível ao estúpido. Verdadeiras bobagens são aprovadas pelas bancas acadêmicas, porque as monografias seguem, na forma, o rigor do discurso científico, a narrativa objetiva. A título de exemplo, vamos supor um fictício caso de um antropólogo que quer provar o valor dos glúteos femininos no sucesso da Música Popular Brasileira:

"Os glúteos, considerados paixão de todo brasileiro, se configuram numa nova força da Música Popular Brasileira, onde se configuram imaginários e simbologias que envolvem uma rede de relações societárias, onde a ênfase na população pobre, que mais aprecia essa expressiva parte do corpo feminino, em que os homens estabelecem novos significados a partir desse controverso significante.

A evocação da negritude, trazida pela projeção dos glúteos em formato redondo, produzido pelo silicone, revela um paradigma que se reconfigura na sua complexidade, reconstruindo novas simbologias que em si não soam depreciativas, apenas criando novos elementos que requerem uma apreciação no sentido de repensar o modo de emancipação feminina da mulher pobre, negra ou não, nesses novos contextos em que o lúdico não sente o temor da provocatividade e da autoparódia da miséria humana.

Segundo Fulano (1982b), certas simbologias se reconstroem em novos elementos que permitem avaliar as coisas não somente pelos aspectos negativos ou socialmente depreciativos, mas se baseando num diálogo movido pela polêmica que reinventa hábitos e crenças que na Música Popular Brasileira estabelecem novos paradigmas de expressão, representando novos enfoques e uma nova abordagem das periferias onde os movimentos glúteos trazem uma linguagem própria, com seus significados inusitados, trazendo novas mensagens de expressividade social e reconstrução das relações societárias das comunidades".

Um texto desses é uma grande bobagem. Um verdadeiro asneirol. Mas ele é narrado dentro do padrão do discurso científico, é um texto que agrada às bancas acadêmicas porque traz uma abordagem inofensiva, falsamente objetiva, que faz com que muitas monografias vivam seus quinze minutos de fama nas exposições de pós-graduação, mas não têm a menor serventia para a transmissão de Conhecimento e sua utilidade para pesquisa é praticamente nula.

Alexandre de Moraes se projetou com vários livros sobre Direito Constitucional, que fizeram doutor (mas não pós-doutor, pois neste caso o título, inexistente, foi registrado por engano pela USP) e professor universitário, e, além dos plágios, seus textos seguem o padrão da cosmética textual, com uma narrativa "objetiva" de um conteúdo oco, quando muito apenas correto, porém superficial.

No "espiritismo", temos casos de Alexander Moreira-Almeida, da Universidade Federal de Juiz de Fora, e Alexandre Caroli Rocha, doutor pela Unicamp e, com mais sorte que seu xará ministro, com pós-doutorado em andamento na USP (pelo menos segundo dados de 2011).

Nos dois casos, há uma preocupação apenas em descrever as polêmicas em torno de Chico Xavier, sem que se pudesse adotar uma postura a respeito. As monografias, embora tecnicamente corretas, seguem no entanto uma neutralidade viciada, que nada contribui para a transmissão de Conhecimento nem de convite à análise, pois há uma posição bem mais apologista em relação ao problema estudado, como se a monografia se comprometesse apenas em descrever e não analisar.

Um exemplo disso é o texto de Alexandre Caroli Rocha, no seu texto "Complicações de uma estranha autoria (O que se comentou sobre textos que Chico Xavier atribuiu a Humberto de Campos)", publicado na revista Ipotesi, da mesma UFJF de Moreira-Almeida.

Nota-se que Caroli se autoproclama "especialista em análise textual", mas ele se mostra um tanto melindroso diante dos problemas da suposta psicografia de Chico Xavier, que revelam irregularidades fáceis de serem identificadas - não raro, havendo plágios e pastiches grosseiros - , preferindo rejeitar a análise do texto como fator para verificar a veracidade ou não das ditas mensagens espirituais:

"Este estudo permite a identificação de pontos importantes suscitados pela configuração autoral
sustentada por Chico Xavier e por seus editores, segundo a qual o médium é o autor empírico, mas não o autor intelectual dos textos. Vimos que não é pertinente a pressuposição de que, por meio apenas de fatores textuais, seja possível autenticar ou refutar a alegação do médium. Mostramos que os textos colocam à tona a discussão a respeito do post-mortem, tema que, nos ambientes acadêmicos, costuma ser relegado a domínios metafísicos ou religiosos. Concluímos, pois, que os veredictos taxativos para a identificação do autor são possíveis somente com a assunção de uma determinada teoria sobre o postmortem ou sobre o fenômeno mediúnico. Quando, no debate autoral, ignora-se a relação entre teoria e texto, percebemos que a apreensão deste é bastante escorregadia, mesmo entre leitores especialistas".

É o tipo do argumento que se resume a uma frase simplória: "não vou questionar isso", ou seja, o autor se recusa a fazer a análise textual. O mais engraçado é que Caroli apela para sugerir que a veracidade dos textos deva ser analisada sob o critério das pesquisas sobre vida espiritual e fenômenos mediúnicos, algo que, prestando bem atenção, soa muito risível.

Afinal, Caroli pede para que se faça o que os "espíritas" não querem fazer. Pior: o que temos como "mediunidade" são demonstrações de faz-de-conta, mensagens da mente dos supostos médiuns (fraude que não escapa sequer de Chico Xavier e Divaldo Franco) que não passam de propaganda religiosa e mostram problemas sérios quanto aos aspectos individuais dos autores mortos alegados.

Da mesma forma, também é problemática a abordagem da vida espiritual no "movimento espírita", na qual se repousam idealizações fantasiosas como as "colônias espirituais", refutadas por Allan Kardec, e que só servem para que se permita veicular a Teologia do Sofrimento (que faz apologia das desgraças humanas), corrente medieval da Igreja Católica que foi inserida no "espiritismo" brasileiro por iniciativa de Chico Xavier.

Em outras palavras, o "paraíso espiritual", simbolizado a partir da fictícia Nosso Lar - que lembra mais um belo condomínio de luxo com bosque, como nos comerciais de corretoras de imóveis - é usado para forçar as pessoas que sofrem muitas desgraças a se conformarem com isso em troca de uma "vida melhor" no "outro lado". Algo que parece lindo, mas, mediante uma análise cautelosa, soa um escárnio.

Caroli, então, recusa o modo mais simples de analisar as supostas psicografias pelo critério textual, conformado com uma polêmica que ele não é capaz de superar, até pela latente atração que ele sente por Chico Xavier. E pede um método mais complexo de analisar tais trabalhos, que no entanto é inviabilizado pela prática desonesta e fantasiosa que essa abordagem, sugerida por Caroli, é feita.

Com isso, mostra-se que o vício das monografias em permanecer com uma aparência tecnicamente correta, com uma mera apresentação formal de palavras e narrativas dentro do padrão de suposto rigor científico e suposta análise objetiva, mas cujo conteúdo nada diz e nada interfere na problemática adotada. A problemática deixa de ser problemática não por ser resolvida pelo questionamento crítico e encerra a monografia tão problemática e inquestionada como no começo.

E é isso que cria um monte de aberrações intelectuais. Cientistas sociais e jornalistas culturais que defendem a bregalização da cultura popular. Catedráticos cheios de discurso empolado, belo na forma, oco no conteúdo (Divaldo Franco deve adorar). Acadêmicos que fingem analisar criticamente o assunto e encerram o tema sem fazer a menor contestação.

No meio do caminho, plágios, pastiches e muito "enchimento de linguiça". Muita tese, muita monografia e muito artigo que nunca traz uma verdadeira transmissão de Conhecimento, recusando-se a intervir nas problemáticas abordadas. Daí a ascensão de um Alexandre de Morais no Judiciário brasileiro.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Neo-roustanguismo: nova tendência do "movimento espírita"?

SÓ FALTAM VOLTAR OS "CRIPTÓGAMOS CARNUDOS" OU A REENCARNAÇÃO HUMANA EM PLANTAS, MICRÓBIOS, VERMES, VÍRUS OU INSETOS.

Esta a caminho, no "movimento espírita", a retomada do roustanguismo, não necessariamente reassumindo o nome de Jean-Baptiste Roustaing, o responsável do livro Os Quatro Evangelhos, mas a volta do mais conservador misticismo religioso como tendência hegemônica.

Desde mais ou menos 1975, com o fim da Era Wantuil - ele se aposentou em 1970, morreu quatro anos depois, mas sua influência se deu até o meio da década setentista - , veio a tendência dúbia do "movimento espírita", em que se fingiu a retomada das bases originais kardecianas que servia apenas para disfarçar o igrejismo extremado do movimento.

Era um igrejismo pseudocientífico, uma tendência que, aos olhos dos incautos, parecia um suposto equilíbrio entre Filosofia, Ciência e Moral e uma ênfase um tanto tendenciosa e arrivista da "bondade" e "caridade". Uma "bondade" que mais fascina do que ajuda, como se fosse um conto de fadas de gente grande.

A fase dúbia do "movimento espírita" representou a ascensão de Divaldo Franco, ele a personificação exata desta fase, mais do que Francisco Cândido Xavier, ainda ligado a um roustanguismo ainda assumido, mas já sofrendo escândalos.

Isso porque Divaldo Franco personifica com nitidez as contradições desta fase. Seu perfil lembra o de um professor dos anos 1930-1940, de ares aristocráticos, pedagogia hierarquizada, um perfil extremamente conservador, mas dissimulado por uma reputação pretensamente intelectual e científica, embora também um católico ortodoxo com timbre vocal de um padre.

Mesmo sendo um deturpador, Divaldo Franco poderia se camuflar de "fiel discípulo de Allan Kardec", tentando se vincular, de maneira oportunista e falsa, aos esforços de recuperação das bases espíritas originais. Seu simulacro de intelectualismo através de um discurso verborrágico garante isso e o pretexto de "bondade" também o faz querer entrar no Espiritismo autêntico pela porta dos fundos.

E aí, simbolicamente, vemos Divaldo levando Chico Xavier de carona. Xavier já é um forasteiro mais explícito: era um católico ortodoxo, mas de hábitos paranormais, que depois foi adotado pela FEB para produzir livros que fizessem fortunas para a instituição. Era moleza: a FEB ficava com os lucros, a sociedade pensava que era para a "caridade" e o "movimento espírita" se constituía numa aristocracia religiosa cuja gravidade é subestimada pela opinião pública.

Desta forma, os inimigos internos do Espiritismo - somos obrigados, pela lógica da realidade, a considerar desta forma Chico e Divaldo, pelo conteúdo das ideias trazido por seus livros, palestras e depoimentos - tiveram uma oportunidade de embarcar sempre em qualquer esforço de recuperação dos postulados kardecianos, como se a mentira fosse sempre a zelosa amiga da verdade.

É como no cenário político recente, quando Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, era exaltado como um "paladino da moralidade", propôs uma série de retrocessos políticos depois assumida pelo presidente da República, Michel Temer, e apoiada por setores e figuras do Judiciário (Sérgio Moro, Gilmar Mendes etc) e Ministério Público (Deltan Dallagnol). Denunciado por corrupção, Cunha foi depois descartado, mas demorou muito para isso.

Jean-Baptiste Roustaing também foi exaltado pelo "movimento espírita". Em uma das primeiras "pseudografias", um estranho "espírito Allan Kardec" trazido pelo "médium" Frederico Júnior, da FEB, pedia para que conhecêssemos a "revelação da revelação", eufemismo dado por Roustaing aos retrocessos que ele propunha na primeira tentativa de "catolicizar" o Espiritismo.

Mas como Roustaing era denunciado pelos espíritas de tendência "científica", voltados pelas bases kardecianas, tamanha a traição doutrinária descrita em Os Quatro Evangelhos, ele foi então descartado aos poucos, não sem antes a FEB adaptar o roustanguismo à realidade brasileira, através de Chico Xavier.

A adaptação foi tão sutil que a ideia roustanguista dos "criptógamos carnudos" - a tese absurda da reencarnação de seres humanos dotados de falhas espirituais sérias em plantas, micróbios, vermes, vírus ou insetos - , que poderia evocar até a ideia kafkiana do homem transformado em barata, foi substituída por Chico Xavier pela ideia agradável de encontrar animais domesticos nas ditas "cidades espirituais", como Nosso Lar. Gatinhos, cachorrinhos, até mesmo passarinhos.

Aos poucos, Roustaing pôde ser descartado, não sem antes ser isolado no "alto clero" do "movimento espírita". E, diante do conflito da direção centralizadora da FEB, ainda nos tempos do presidente Antônio Wantuil de Freitas, com as federações regionais (apesar de originalmente surgida no Rio de Janeiro, a FEB só dava privilégios a uma federação paulista, a FEESP), a recuperação das bases kardecianas serviu de pretexto para um misto de farsa e oportunismo dos lesados pela FEB.

Foi aí que surgiu a tendência dúbia. O trampolim de Divaldo Franco, o "abrigo" ideológico para Chico Xavier fazer seu catolicismo pessoal mas sob o rótulo de "espiritismo autêntico" e um simulacro de cientificismo encharcado de muito misticismo ocultista. A partir daí, vieram os Gasparetto, Ramatis, crianças-índigo, um sem-número de falsas mediunidades etc. Tudo virou uma "casa da Mãe Joana". A tendência dúbia teve os principais objetivos:

1) USAR ALLAN KARDEC COMO "PARTIDO" - Como Roustaing era o símbolo da direção centralizada da FEB, ainda mais radicalmente defendido por sua cúpula depois da aposentadoria de Wantuil, os "dissidentes" que criaram a tendência dúbia usaram Allan Kardec como contraponto, prometendo um suposto retorno às bases doutrinárias. Daí que, tendenciosamente, a tendência dúbia passou a ser definida pela denominação um tanto hipócrita de "kardecismo autêntico".

2) AGRADAR ESPÍRITAS "CIENTÍFICOS" - Como o roustanguismo era largamente denunciado pelos espíritas "científicos", que cobravam da FEB respeito rigoroso aos postulados kardecianos originais, a tendência dúbia de roustanguistas enrustidos foi adotada de forma que, sem abandonar o igrejismo, seja simulada uma "volta às bases de Kardec" para agradar os espíritas realmente autênticos. Note-se que Chico Xavier e José Herculano Pires foram amigos. Mas "amigos, amigos...".

3) VALORIZAR FEDERAÇÕES REGIONAIS COMO DA BAHIA E MINAS GERAIS - A ideia é não só usar Kardec como um "rótulo" para se contrapor a Roustaing, mas também dar mais poder para federações regionais não contempladas pelo poder central da FEB. Os respectivos Estados de Chico Xavier e Divaldo Franco, Minas Gerais e Bahia, reivindicavam poder de decisão, e, com a tendência dúbia, ganharam maior destaque.

4) ILUDIR A OPINIÃO PÚBLICA COM A FALSA IMPRESSÃO DE QUE O LEGADO DE ALLAN KARDEC ESTÁ PRESERVADO - Tomando como base a tradução de Salvador Gentile (editora IDE), até depois das denúncias dadas à tradução de Guillon Ribeiro e a ameaça de uma tradução ainda mais roustanguista dos livros de Kardec, a tendência dúbia tenta, com seus simulacros de cientificismo e filosofia, que mal conseguiam disfarçar o igrejismo mais entusiasmado, dar à opinião pública a falsa impressão de que o legado de Allan Kardec está salvo e preservado.

5) USAR A "BONDADE" COMO ESCUDO PARA QUALQUER ERRO COMETIDO - O poder da tendência dúbia do "movimento espírita" se consolida de maneira bastante habilidosa. Qualquer irregularidade identificada nos "espíritas" da tendência dúbia era rebatida com a desculpa de que "pelo menos eles acertam pela 'bondade'". Uma "bondade" estereotipada, com caridade frouxa, feita mais para deslumbrar do que para realmente trazer algum tipo de progresso social.

Quanto a este quinto item, Chico Xavier foi pioneiro. Esperto, ele sempre apelou pelo coitadismo, pelo vitimismo quando era duramente criticado. Era uma maneira de se passar por benevolente e levar vantagem ficando quieto e fazendo uma postura supostamente triste e resignada. A manobra depois era seguida pelo triunfalismo, a mania de querer se achar vencedor em sucessivas derrotas, um meio sutil de não aceitar ser derrotado, uma arrogância disfarçada de humildade.

Agora, com a retomada da sociedade conservadora, o que se vê é a retomada do roustanguismo, que em 2015 já fazia parte da pauta da FEB. Ela retomou as rédeas depois que Chico Xavier faleceu, alguns astros "espíritas" já não são jovens (Divaldo Franco tem quase 90 anos, João de Deus faz tratamento contra câncer e mesmo José Medrado é um senhor de 55 anos) e não há um grande nome a figurar no "movimento espírita".

Desta forma, sem um nome carismático - o escritor Robson Pinheiro não tem vínculo formal com o "espiritismo" e lançou livros de apelos fascistas, que só agradariam as minorias entrincheiradas no Movimento Brasil Livre e similares - , o "espiritismo" parece voltar a assumir um viés ainda mais conservador, através do que publicações, páginas e palestras "espíritas" demonstram.

A ênfase nos "aspectos morais", evocando valores conservadores ligados à Família, à fraternidade e outros dogmas religiosos de herança católica, além da apologia ao sofrimento humano que revela o vínculo "espírita" da Teologia do Sofrimento (herança de Chico Xavier, devoto desta corrente), tornam-se os temas desta nova fase do "movimento espírita".

Trata-se de um neo-roustanguismo que, no entanto, não evoca o nome de Jean-Baptiste Roustaing. a FEB já tem uma nova série de traduções dos livros de Allan Kardec, embora se destaque também as traduções da IDE. Mas chama a atenção o fortalecimento do legado católico medieval nas pregações "espíritas" de hoje, o que pode fazer a fase dúbia chegar ao seu fim.

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Brasil paga caro por seus próprios vícios


Os últimos dez meses no Brasil comprovaram o quanto o país torna-se refém de suas próprias teimosias, pagando um preço muito caro pelos próprios vícios, vários deles mantidos desde décadas e até séculos, e cujos prejuízos são enormes, mas também ignorados pelos próprios prejudicados.

Do clientelismo ao deslumbramento religioso, o Brasil acreditava num suposto progresso mantendo desigualdades que eram justificáveis por alegações que parecem até argumentos lógicos, mas são, na verdade, desculpas esfarrapadas sob alguma roupagem intelectual, por mais simplória que esta se expresse.

A retomada de preconceitos sociais, seja pela manifestação de preconceitos racistas e machistas nas redes sociais, seja pelos apelos elitistas de gente antes prestigiada mas que passou a defender a degradação do mercado de trabalho e a redução dos salários, ignorando que nas classes trabalhadoras existem famílias numerosas, voltou à tona por conta de uma sociedade moralista, elitista e patrimonialista.

Coisas aberrantes ocorrem. Como no caso da violência contra a mulher, mais chocante do que ver mulheres assassinadas por seus cônjuges e eles ainda por cima saírem impunes, é o apego de uma sociedade moralista a eles e a ignorância do fato de que um homicídio, sobretudo por motivos fúteis de obsessão amorosa, pelos efeitos sociais que gera também traz efeitos trágicos ou dramáticos para seus autores.

Mencionar a tragédia dos feminicidas não é desejar morte a eles. Se eles viverem longamente, tudo bem. Mas o problema é que muitos desses crimes são motivados por distúrbios psicológicos ou descuidos à saúde, que faz homens que praticam esse crime vulneráveis a doenças fatais e acidentes de trânsito, mesmo na faixa dos 40 e 50 anos, pelas pressões causadas pelos seus próprios atos.

Os próprios amigos de homens assim já relataram indícios de fragilidade ou descuido à saúde. Em 1977, amigos de Doca Street, que assassinou a socialite Ângela Diniz no final do ano anterior, relatavam estarem preocupados com o tabagismo dele, que ainda teve passado de uso de cocaína. Da mesma forma que amigos do promotor Igor Ferreira, que mandou assassinar a esposa Patrícia Aggio Longo em 1998, também apresentava profunda fraqueza e abatimento quando estava foragido.

Nos últimos anos, uma página de "mídia independente" declarou "preconceituoso" um texto que informava que Doca estaria doente de câncer. Um texto nada demais, alertando que feminicidas também adoecem, mas isso seria expor a fraqueza de machistas que, num dado momento, se acharam no "direito de vida e morte" sobre suas companheiras. Um contexto oriundo da ditadura, pois outro feminicida, Leopoldo Heitor, que matou a socialite Dana de Teffé em 1961, faleceu aos 79 anos em 2001 sem qualquer problema, com o óbito creditado até no Wikipedia.

Para completar o quadro, de dimensões kafkianas, páginas da mídia como O Globo, Folha de São Paulo e a coluna Glamurama de Joyce Pascovitch, relembraram o crime sem informar se Doca estava vivo ou não. Por sorte dele, a última aparição de Doca foi aos 72 anos, em 2006, quando lançava seu livro autobiográfico Mea Culpa. Pelo currículo de cocaína e tabagismo, se esperava que o assassino de Ângela Diniz teria falecido no começo dos anos 1990, entre 55 e 59 anos.

É estranha a inquietação da sociedade diante das tragédias de feminicidas ricos. Se todos nós morremos um dia, por que homens que assassinaram mulheres também não morrem? Será que o apego aos feminicidas e o medo de ver seus nomes num obituário de jornal ou site não tem a ver com o apego a uma simbologia machista, patriarcal ou ao "livre posse" de armas?

Feminicidas conjugais muitas vezes fumam, usam drogas, perdem a cabeça quando estão no volante e hoje, em tempos de convulsões sociais, são ameaçados de morte por estranhos de qualquer canto do mundo, se expõem muito mais a tragédias do que nós, que admitimos nossa vulnerabilidade e, entre outras coisas, evitamos sair na calada da noite. Mas poucos se esquecem que um feminicida conjugal tem alto risco de infarto até se ouvir, no rádio, a canção de tema romântico de quando ele e sua vítima eram namorados.

Mas essa sociedade que tem medo de ver homicidas ricos, sobretudo feminicidas, adoecerem gravemente, é a mesma que tem neuroses muito mais graves. Ver que existem médicos que podem matar integrantes do Partido dos Trabalhadores por envenenamento é algo que parece paranoia, mas é uma realidade. Os próprios feminicidas conjugais já expressavam essa sociedade doentia no passado, tais como fazendeiros que contratam pistoleiros para matar trabalhadores, sindicalistas e missionários.

Isso é um ato extremo de uma sociedade marcada pelo status quo e que acha que pode fazer o que quer sem enfrentar os efeitos naturais de seus atos. E isso transforma a sociedade brasileira num "pântano" onde o prestígio e o poder sociais escondem aspectos que variam de fraudes e atrocidades, revelando o quanto a sordidez ainda é protegida pelos privilégios mais diversos.

PAIXÕES RELIGIOSAS

A religião não escapa disso e o "espiritismo" choca pela sua desonestidade diversa, seja doutrinária, como a traição aos postulados originais de Allan Kardec enquanto seus praticantes supõem "sentir respeito rigoroso" à Doutrina Espírita, seja em sua prática, com "mediunidade" de faz-de-conta que não passa de mero marketing religioso, com claro apelo igrejista.

O "espiritismo" foi invadido de tantos valores retrógrados descartados pelo Catolicismo, valores que eram originários da Idade Média e vigentes no Brasil colonial, que até a Teologia do Sofrimento tornou-se, hoje, mais um postulado "espírita" do que católico, defendido abertamente, mas não com esse "rótulo", por ninguém menos que Francisco Cândido Xavier.

O apego doentio que se dá a Chico Xavier também revela muitos preconceitos e vícios sociais. Sem que ele fosse realmente uma pessoa virtuosa, já que uma pesquisa minuciosa revela que ele não foi mais do que um arrivista que queria se promover como ídolo religioso (em um país menos imperfeito, isso daria cadeia e processos por charlatanismo), ele passou a simbolizar as fantasias idealizadoras das paixões religiosas, tão perigosas quanto as chamadas "tentações da carne".

O medo paranoico que os "espíritas" têm em ver os livros de Chico Xavier como fraudes é muito grande, que existe até o descaso diante das constatações, com provas documentais, de que muitos dos textos atribuídos a Humberto de Campos, Auta de Souza, Olavo Bilac e Casimiro de Abreu, por exemplo, se revelam sérios pastiches e que o "dr. André Luiz" nunca passou de personagem de ficção.

Provas consistentes revelam isso, mas os chiquistas, tão apegados e obsediados em suas paixões religiosas pelo "bondoso médium", preferem inventar, usando de roupagem "intelectual", que as análises textuais "são insuficientes" para atestar veracidade ou não porque "carecem de bases teóricas".

Carecem como assim? Elas se baseiam na ideia de que um texto revela traços pessoais de quem o escreve. Se, por exemplo, um livro é atribuído a um escritor, e por mais que haja semelhanças estilísticas, uma diferença grave a compromete, já é possível identificar uma fraude. O próprio Kardec alertava: identificou um grave erro, descarta.

Em vez de descartar, as paixões religiosas do "espiritismo", lançando mão do verniz "intelectual" desta doutrina, que no fundo sempre condena o pensamento científico quando se intromete nos dogmas da fé, cria discursos "científicos" para dizer que "não dá" para identificar irregularidades pela análise textual por causa de "aspectos mais complexos" e que temos que aceitar como "verídica" ou, quando muito, como "cogitável", a "autenticidade" de uma suposta Auta de Souza que escreve e pensa parecido com Chico Xavier.

Os inúmeros vícios prevalescentes no Brasil criam aberrações emotivas, morais, ideológicas e práticas que sempre comprometeram o real progresso brasileiro. Até a cultura popular é afetada por esses preconceitos. Afinal, que "combate ao preconceito" está em aceitar a bregalização cultural se ela já traz uma imagem preconceituosa do povo pobre e uma abordagem entreguista de uma cultura brasileira forçada a moldar os valores no imaginário pop comercial dos EUA?

O próprio brega, sobretudo sua expressão mais "arrojada", o "funk", é um conjunto de valores preconceituosos nos quais o povo pobre é confuso em seus desejos e na sua autoafirmação, diferente da cultura popular autêntica que revela uma solidez no desenvolvimento de valores, crenças e hábitos das comunidades. O "popular demais" das "periferias" revela valores ainda mais preconceituosos quando faz apologia à ignorância e a pobreza e submete a "emancipação popular" às regras do mercado e ao paternalismo das elites.

Esse imaginário, mesmo empurrado para os círculos esquerdistas - traídos pelo rótulo "popular" de certos ideólogos da bregalização - , caminha na mesma direção dos tecnocratas econômicos, que prometem o "paraíso" se conseguirem vender nossas riquezas ao exterior, Tão tolamente as pessoas que acham o "funk" o "primor do socialismo" se esquecem de que ele é apenas um braço musical de uma mesma indústria que agora quer ver o pré-sal nas mãos das corporações estrangeiras.

Também pudera, o "funk" é apenas uma macaqueação do som da Flórida, reduto das elites latinas e anti-esquerdistas dos EUA, e que foi inserido no Brasil para evitar a emancipação social do povo fora do controle midiático. Como produto de mídia e do mercado, o "funk" também envolve um emaranhado de preconceitos, que vão da glamourização da miséria ao machismo dos funkeiros, mas também ao preconceito de esquerdas de classe média sobre o que pensam ser o "verdadeiro popular".

O Brasil chegou ao governo desastrado de Michel Temer, com sua "equipe de notáveis" que simbolizava antigos prestígios sociais, políticos, econômicos e tecnocráticos, prometendo uma atuação ao mesmo tempo "técnica e moderada", "austera mas benéfica" e só desenvolveram um cenário de crises e escândalos muito graves, por causa dessa combinação de tantos e tantos preconceitos sociais.

São preconceitos que criam uma moral desigual, que faz com que se pense até numa Internet que censure páginas investigativas ou de questionamentos mais aprofundados sobre determinados assuntos, enquanto dão livre direito a valentões das redes sociais criarem páginas ofensivas de quem apenas discorda do "estabelecido", num país que não consegue resolver suas neuroses e paranoias senão botando a sujeira debaixo do tapete e apelando para a "memória curta" ou o "jeitinho".

São preconceitos que fazem as pessoas pouco se incomodarem em ver nossas riquezas entregues aos estrangeiros ou uma figura confusa e truculenta como Alexandre de Moraes na corte suprema do Judiciário. Pessoas capazes de festejar morte de petistas mas têm muito medo de ver o nome de um feminicida conjugal no obituário da imprensa. Pessoas que aceitam perder direitos trabalhistas sob a desculpa de "botar o país pra frente" ou acham possível uma "cultura popular" subordinada ao "deus mercado".

E aí, quando o país sofrer mais efeitos violentos de sua crise, as pessoas vão correndo logo para ler a Bíblia ou um livro de Chico Xavier. Se a paixão religiosa resolvesse as coisas, não teríamos chegado ao estado catastrófico em que chegamos. Se reza demais e se ouve estórias lindas, como as crianças ouvindo contos de fadas enquanto o mundo explode por aí fora.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

O gravíssimo equívoco, em dois versos, do poema atribuído a Casimiro de Abreu


Um defensor de Francisco Cândido Xavier até se esforçou, na sua campanha de querer que Parnaso de Além-Túmulo seja reconhecida como uma "obra autêntica" dos poetas do mundo espiritual. Mas, chamando a atenção o poema citado, "A Terra", atribuído ao espírito de Casimiro de Abreu, que o escritor alega ter "semelhanças mais impressionantes" com o estilo original, observa-se uma falha gravíssima que põe xeque-mate ao sonho do chiquista em ver o livro ser considerado autêntico.

O que o referido escritor, chamado Jorge Caetano Júnior, não esperava é que ele fez comparações usando apenas duas estrofes, entre o "poema espiritual" e um outro que Casimiro lançou em vida, "Saudades". Reproduzimos aqui apenas o suposto poema espiritual, pelo foco de nosso trabalho, e com o texto integral, para aprofundar nossa análise pois, do contrário que o autor alega, nós trabalhamos com bases teóricas, sim.

Tivemos boa vontade em analisar o poema "A Terra" e tentar enxergar alguma possibilidade de autenticidade. Buscamos ver semelhanças e diferenças, com base na teoria de que a veracidade de uma obra não se atribui necessariamente ao maior e mais convincente número de semelhanças, mas na ausência de uma diferença comprometedora.

Esquece Jorge do aviso do espírito Erasto, que já alertou sobre os deturpadores da Doutrina Espírita, como se já antecipasse as armadilhas deixadas por Chico Xavier e Divaldo Franco: "é mais válido rejeitar dez verdades do que aceitar uma única mentira".

Usando essa frase de Erasto para analisar as supostas obras mediúnicas, aplicamos esse conceito na ideia de que faz mais sentido rejeitar uma obra com muitas semelhanças do que aceitar uma única diferença que comprometa qualquer chance de veracidade.

E, vendo o poema em questão, identificamos ao menos uma diferença que simplesmente derruba qualquer chance de ver autenticidade à obra. A constatação é chocante para os adeptos de Chico Xavier, mas é realista e de acordo com a lógica e o bom senso. Vamos ao poema e depois aos comentários sobre os versos irregulares.

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A Terra - Francisco Cândido Xavier, atribuído ao espírito de Casimiro de Abreu

Aos pessimistas 

Se há noite escura na Terra, 
Onde rugem tempestades, 
Se há tristezas, se há saudades, 
Amargura e dissabor, 
Também há dias dourados 
De sol e de melodias,

Esperanças e alegrias, 
Canções de eterno fulgor! 
A Terra é um mundo ditoso, 
Um paraíso de amores, 
Jardim de risos e flores 
Rolando no céu azul. 
Um hino de força e vida 
Palpita em suas entranhas, 
Retumba pelas montanhas, 
Ecoa de Norte a Sul. 

Os sonhos da mocidade, 
As galas da Natureza, 
Livro de excelsa beleza 
Com páginas de esplendor, 
Onde as histórias são cantos 
De gárrulos passarinhos, 
Onde as gravuras são ninhos 
Estampados no verdor; 

Onde há reis que são poetas, 
E trovadores alados, 
Heróis ternos, namorados, 
Gargantas de ouro a cantar, 
Saudando a aurora que surge 
Como ninfa luminosa, 
A olhar-se toda orgulhosa 
No espelho do grande mar! 

Onde as princesas são flores, 
Que se beijam luzidias, 
Perfumando as pradarias
Com seu hálito de amor; 
Desabrochando às centenas, 
Na estrada onde o homem passa, 
Oferecendo-lhe graça, 
Sorrindo, cheias de olor. 

O dia todo é alvorada 
De doces encantamentos; 
A noite, deslumbramentos 
Da Lua, em seus brancos véus! 
A tarde oscula as estrelas, 
Os astros o Sol-nascente, 
O Sol o prado ridente, 
O prado perfuma os céus!... 

Quem vive num éden desses, 
É sempre risonho e forte, 
Jamais almeja que a morte 
Na vida o venha tragar; 
Sabe encontrar a ventura 
Nesse jardim de pujanças, 
E enche-se de esperanças 
Para sofrer e lutar. 

Se há noite escura na Terra, 
Abarrotada de dores, 
De lágrimas e amargores, 
De triste e rude carpir, 
Também há dias dourados 
De juventude e esplendores, 
De aromas, risos e flores, 
De áureos sonhos no porvir!...

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Na penúltima estrofe, verificamos os dois últimos versos que derrubam todo o poema. E isso com uma análise muito simples, tomando como critério o fato de que um texto é, acima de tudo, uma manifestação pessoal, sendo a irregularidade da suposta psicografia fácil para ser identificada por uma análise textual, quando um aspecto destoa do estilo pessoal do alegado autor espiritual.

Notem os seguintes versos:

"Sabe encontrar a ventura
Nesse jardim de pujanças,
E enche-se de esperanças
Para sofrer e lutar".

Com a mais absoluta certeza, conhecendo a personalidade de Casimiro de Abreu através de sua obra e dos dados biográficos deixados para nós, sabe-se que os dois versos grifados nunca refletiriam o pensamento pessoal do poeta ultrarromântico. Em nenhum momento. Diz-se isso com a mais absoluta segurança e mediante motivos bastante lógicos.

Os versos correspondem ao pensamento pessoal de Chico Xavier. Ele, como católico beato e ortodoxo em crenças, até por sua natureza de homem nascido no interior, numa cidade praticamente rural como era a mineira Pedro Leopoldo na primeira metade do século XX, era entusiasta da Teologia do Sofrimento, corrente medieval da Igreja Católica que, nas últimas décadas, teve como maior representante mundial Madre Teresa de Calcutá, muito comparada ao anti-médium mineiro.

Chico Xavier fazia apologia ao sofrimento humano em vários depoimentos. "Sofrer sem mostrar sofrimento", "o silêncio é a voz da sabedoria", "pelo silêncio é que Deus lhe ouve suas súplicas", "no pior dos sofrimentos, olhe a Natureza" são várias das ideias resumidas em vários de seus depoimentos e palestras.

Isso tudo é claramente a Teologia do Sofrimento, uma corrente que não tem apoio unânime entre os católicos, mas tornou-se uma tendência dominante, embora também não unânime, no "movimento espírita". Pelo menos de parte de Chico Xavier, identifica-se claramente, em suas próprias palavras, toda apologia ao sofrimento como "atalho para o Paraíso", que é a base ideológica da Teologia do Sofrimento.

Isso se choca com a natureza pessoal de muitos autores mortos usurpados por Chico Xavier. Observa-se, no caso de Casimiro de Abreu, que ele, como poeta ultrarromântico, que nunca viu no sofrimento humano um privilégio ou um "caminho para o Céu", mas um motivo para angústia e muita tristeza, que ele, em nenhum momento, seria capaz de escrever tais versos. Até porque é uma tolice achar que pode se ter esperança em obter sofrimento que, na verdade, é o "motor" do desespero.

Mesmo se considerarmos que Casimiro de Abreu mudasse seus valores humanos na vida espiritual, ele nunca escreveria coisas como "ter esperanças em sofrer". Feliz em obter desgraças? Esperança em sofrer? Não. Sem dúvida alguma, Casimiro seria incapaz de escrever tais versos, essa constatação nem vale ser questionada.

Afinal, os versos em questão refletem o pensamento de Chico Xavier, portador de uma ideologia ultraconservadora que nem de longe pode ser considerada "universal". A idolatria cega, fanática e doentia ao anti-médium mineiro, mesmo que mascarada por certos "relativismos" - como admitir que Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho foi ufanista ou que Emmanuel era muito autoritário e retrógrado -, não pode pressupor que a ideologia de Chico Xavier possa se unânime ou dominante.

Portanto, mais uma vez os chiquistas erraram. O poema "A Terra", com certeza, não foi escrito pelo espírito de Casimiro de Abreu porque, com todas as semelhanças que se podem haver em relação ao estilo original do autor, uma pequenina diferença comprometedora derruba qualquer chance de autenticidade.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

"Centros espíritas" de Salvador podem afastar até pessoas afins da vida amorosa


Sendo uma doutrina deturpada e marcada pela desonestidade ideológica - a alegada "fidelidade" aos postulados de Allan Kardec não procede, diante de tantas práticas e crenças igrejistas, além de irregularidades na aparente mediunidade - , o "espiritismo" brasileiro é uma fonte de energias maléficas que as paixões terrenas da religião não conseguem disfarçar.

Recebemos reclamações de rapazes que fizeram tratamentos espirituais em dois "centros espíritas" de Salvador, o "Paulo e Estêvão", situado em Amaralina, e o "Bezerra de Menezes" (antigo Núcleo Assistencial Cavaleiros da Luz) e localizado no Uruguai. Note-se que ambos os "centros" se situam em áreas bastante perigosas da capital baiana.

Três rapazes amigos - um deles nos enviou e-mail contando o caso - , em suas vidas particulares, estavam se relacionando com moças com as quais tinham muita afinidade pessoal, e tinham uma vida profissional em ascensão. Eles recorreram aos "centros espíritas" em busca de fortalecimento e proteção pessoal, e obedeceram a todas as recomendações para enfrentar tratamentos espirituais.

De repente, num espaço de seis meses, tudo começou a desandar. Dois deles perderam o emprego, e tiveram dificuldade de encontrar uma ocupação, e um deles foi aconselhado por mais de uma pessoa a trabalhar numa empresa acusada de corrupção, mas considerada "prestigiada" pela a cada dia menos confiável grande imprensa. Dos outros dois, um (autor do e-mail) foi vítima de um sério caso de cyberbullying na Internet por causa de uma pequena discordância que irritou um valentão.

Mas a situação só se tornou pior. Uma das garotas com a qual um dos rapazes mantinha contato permanente na universidade, sumiu sem qualquer aviso. A garota do rapaz que foi aconselhado a trabalhar numa empresa corrupta se casou com outro homem, depois de quatro meses de sumiço. A do outro rapaz, vítima de cyberbullying, morreu num acidente de carro no feriado da Semana Santa.

A vida dos rapazes, que prometia ser digna e satisfatória, sem luxos mas com muita dignidade, se reverteu para oportunidades de valor muito duvidoso. O rapaz que foi vítima de cyberbullying e perdeu a pretendente só recebeu uma proposta de emprego num jornal comunitário, cujo editor recebia ameaças de bandidos que dominavam uma comunidade.

Os tratamentos eram feitos nos dois "centros". Os dois rapazes, o que teve a pretendente morta e o que viu sua pretendente "desaparecer" sem aviso, fizeram tratamento em Amaralina, e o outro, no Uruguai. Os infortúnios ocorreram em espaços de oito meses a dois anos.


Na vida amorosa, ocorreu até uma situação surreal. Os três rapazes, que nunca se identificaram com o sensualismo grotesco do "pagodão" e das chamadas "periguetes" e nunca estabeleceram energias de atração desse universo, passaram a ser assediados por moças do tipo, em situações diferentes para cada um.

Para piorar as coisas, não se tratavam apenas de simples paqueras, de moças achando os rapazes bonitos e atraentes, o que, pelo menos, seria aceitável, mas elas os olhavam com a certeza absoluta que os conquistariam para o casamento. E olha que eles sempre reagiam com indiferença, mas elas sempre faziam assédio, chegando ao ponto de, no caso do rapaz que viu uma colega pretendente "sumir de repente", uma delas ficar gritando, assanhada: "Vem cá, gostoso!".

Isso era terrível, porque não havia atração por parte deles a esse padrão de vida. Eles até respeitavam, não tinham o repúdio elitista que se vê a esse meio, mas eles sempre consideravam que aquilo não era a "praia" deles, de maneira consciente e imparcial. Mas também nenhum deles tinha vontade de participar daquele meio, e ficavam constrangidos com as "novas pretendentes" que passaram a atrair, com as quais nenhuma afinidade pessoal eles tinham.

O rapaz que foi vítima de cyberbullying, perdeu tragicamente sua pretendente e nos enviou o e-mail (evidentemente, os três rapazes se abstiveram de dizer seus nomes, se limitando a dizer que moram na Região Metropolitana de Salvador) conversou com uma frequentadora do "centro" de Amaralina dizendo que estava sofrendo muito azar.

Essa frequentadora, no entanto, tentou fazer o rapaz crer que os infortúnios "provavam" que o tratamento espiritual estava "dando certo" e que o que ele está sofrendo é ação de "irmãozinhos incomodados" que não querem seu sucesso.

Contraditória, a senhora, ao saber que o rapaz passou a ser assediado por "periguetes" sem qualquer afinidade pessoal, aconselhou, com aparente bondade, para o rapaz pegar uma delas e estabelecer o diálogo, moldando a personalidade dela ao mostrar coisas boas e valores sublimes da vida. Ela tentou argumentar com palavras bonitas. O rapaz não concordou, mas também não quis responder, fingindo que aceitou o conselho.

Mas, no seu íntimo, quando voltava para casa, o rapaz refletiu consigo mesmo, mentalmente: "Como é que vou obrigar uma garota dessas a ser como eu quero? Ela tem suas crenças, suas convicções, seus hábitos! Eu teria que ensiná-la a falar, a pensar, a ouvir coisas diferentes! Isso é difícil! Eu nada tenho a ver com ela, não sei o que ela quis de mim! Não vou aceitá-la, até porque moldá-la ao sabor de minhas vontades não tem a menor graça, mesmo que ela se disponha a ceder para me agradar!".

Em tese, "centros espíritas" se situam em áreas de altos índices de criminalidade para estabelecer um trabalho assistencial e trazer energias positivas para esses lugares. No entanto, a prática revela o contrário e o que se vê, pela própria natureza deturpada, contraditória e irregular do "espiritismo" brasileiro, são os "centros" que acabam sendo depósitos de energias maléficas.

É como em hospitais psiquiátricos e mesmo em penitenciárias que, na teoria, são feitos para dar tratamento humanizado aos internos. Diante da incompetência, das debilidades e dos deslizes morais, tais instituições acabam sendo dominadas pelos internos, que pelo seu mau comportamento se tornam violentos e prepotentes, criando uma curiosa tirania vinda daqueles que deveriam ser tratados e se tornam tipo feras indomáveis.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Não se pode enganar as pessoas por amor


O maior problema do "espiritismo" brasileiro é a sua desonestidade doutrinária. Nas últimas décadas, passou a renegar as raízes roustanguistas, em nome de uma falsa promessa de recuperar as bases kardecianas. A chamada fase dúbia, no entanto, só conseguiu agravar o apelo igrejista que herdou dos tempos em que assumiu sua predileção por Jean-Baptiste Roustaing.

O "espiritismo" usou de uma malandragem para permitir essa fase dúbia, na qual a hipocrisia adotada pelo "movimento espírita" se acentuou, com as federações regionais agindo pior do que o "alto clero" da FEB. Usando das tradições de religiosidade do brasileiro, forjou-se um suposto "espiritismo autêntico" altamente catolicizado.

É só ver o quanto, na fase dúbia, os romances "espíritas" passaram a fazer mais sucesso, o igrejismo de Francisco Cândido Xavier esteve no auge, o de Divaldo Franco entrou em plena ascensão e as "casas espíritas" passaram a contar ainda mais, em suas palestras, estórias "lindas" de "amor e superação" que pairam entre contos de fadas e milagres católicos.

A desonestidade do "movimento espírita" ainda está no caso da "mediunidade" de faz-de-conta, que não passa de propagandismo religioso, praticamente um mershandising. Até mensagens atribuídas a ateus falecidos carregam um apelo igrejeiro um tanto suspeito. Todos pedindo para "unirmos pela fraternidade em Cristo", sem variações.

Que religiões como o catolicismo e o protestantismo apresentam casos de irregularidades, tudo bem. No caso deste último, as seitas neopentecostais simbolizam, por exemplo, um arrivismo movido a acúmulo financeiro através dos "dízimos" colhidos de fiéis, que tempos depois se "converte" (olha em trocadilho) em compras de redes de televisão e rádio.

Mas ver que o "espiritismo" se autoproclama "honesto" com "mediunidade" de faz-de-conta e um igrejismo que contraria o pensamento de Allan Kardec é chocante. E ver que essa desonestidade doutrinária e prática é sustentada pelo aparato da filantropia preocupa, e muito.

Há até mesmo uma versão "espírita" do "rouba mas faz": "Deturpa mas é bondoso", "entende mal Kardec mas ajuda muita gente", "Contraria os postulados espíritas mas trazem mensagens de amor e fraternidade" são as desculpas mais tipicamente utilizadas.

Combinar desonestidade com amor não faz a desonestidade ficar mais honesta. Não se engana as pessoas por amor. Enganar pressupõe uma traição, uma armadilha, uma forma de lesar alguém através de um modo traiçoeiro de dominação. Supor que todo esse processo possa ser feito "por amor" ou pelo "pão dos necessitados" não torna a coisa mais honesta. E isso fica até pior.

Na suposta mediunidade, se observam quadros falsificados, curas feitas com métodos duvidosos, psicografias que não refletem os estilos pessoais dos autores mortos alegados, psicofonias que mais parecem espetáculos de imitação humorística, e tudo isso acrescido de ideias que os brasileiros estão acostumadas a serem associadas a Allan Kardec, mas que o pedagogo francês em nenhum momento se atreveria a defender ou aprovar.

Isso é grave. Aliás, não é apenas grave. É gravíssimo. Tudo isso descrito no parágrafo anterior é desonestidade doutrinária, algo que não pode usar o "amor" para atenuar seu caráter deplorável e apelar para a aprovação e o consentimento da sociedade. Amor e caridade não podem ser cúmplices da desonestidade. Se o amor é pretexto para enganar alguém, com certeza isso não é amor.

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Conto da Gata Borralheira e o moralismo "espírita"


A religião é um arremedo de conto de fadas para adultos. Um arremedo piorado, no qual se perde o despretensiosismo da alegoria literária, na medida em que a religião tenta exercer supremacia na realidade objetiva das pessoas.

Por isso é que as pessoas, talvez diante de neuroses ou dramas muito mal resolvidos da infância, procuram a beleza conselheira perdida nas antigas estórias infantis, mas corrompidas por uma ilusão de racionalidade que faz a fé religiosa, por mais fictícia que possa parecer, deseje ser mais realista que a realidade.

E é isso que faz os contos de fadas terem uma grande vantagem. Elas trazem lições de vida ou mesmo avisos de alerta que se distanciam dos receituários moralistas que as estórias religiosas, sem excluir o "espiritismo", trazem para as pessoas "crescidas".

Um exemplo é o conto da Gata Borralheira, também conhecida como Cinderela, cuja origem remete a uma estória contada na China por volta de 860 antes da nossa era. Órfã de um comerciante rico, Cinderela vivia com a madrasta e as meias-irmãs da jovem, e, apesar de sua bela aparência, diferente da aparência grotesca das outras três, a Gata Borralheira vivia uma vida miserável.

Bondosa e paciente, a Gata Borralheira tinha que fazer as tarefas domésticas, diante de tantas humilhações das três algozes, e quando podia se refugiava no quarto para conversar com os bichinhos da floresta.

Certa vez, a jovem foi costurar um vestido para ir ao baile do Príncipe, com os retalhos de roupas que recolheu no lixo, e criou um vestido modesto, mas bonito. Chorou e, de repente, depois de tantas orações, apareceu uma senhora que se identificou como "fada-madrinha" e fez uns arranjos na vida da moça. Transformou seu traje de serviço em vestido de gala, os bichos se tornaram homens, um chofer e seus assistentes, e uma abóbora foi transformada em carruagem.

A fada-madrinha só advertiu que a moça, rebatizada Cinderela, voltasse para casa quando desse a meia-noite, para que o encanto não fosse desfeito aos olhos das pessoas. Ao chegar ao baile, Cinderela viu várias mulheres dançando, cada uma em sua vez, com um príncipe, Ele, impressionado com a beleza da jovem moça, a convida para dançar. Os dois se sentem atraídos pela afinidade pessoal e física.

De repente, no auge do baile, o relógio bate meia-noite. A Cinderela não tem tempo para ir embora sem que o encanto fosse desfeito na ocasião, e ainda deixou um dos sapatos de cristal no caminho, enquanto ia embora andando com seus bichinhos e uma abóbora.

Aí o príncipe, vendo que um sapatinho brilhante foi abandonado na escadaria de acesso ao salão, a pegou e resolveu testar o calçado em diversas mulheres, cujos pés eram muito grandes para caber na pequena sandália.

Chegando à casa da madrasta e suas duas filhas, sem perceber que lá vivia a enteada Cinderela, o Príncipe foi testar o pequeno sapato nos pés das três. Era pequeno demais para pés graúdos e feios. O Príncipe, de repente, viu uma moça parecida com Cinderela fazendo a faxina e as outras disseram a ele que é só uma serviçal sem valor. Mas o Príncipe ordenou para que se chamassem a moça para experimentar o sapato e as três, a contragosto, cederam.

Diante do êxito do teste, Cinderela e o Príncipe se reconheceram, se apaixonaram e ele a convidou para arrumar as coisas e se mudar para o casal viver junto. A madrasta e suas filhas ficaram arrasadas. Consta-se que a relação de Cinderela com o Príncipe resultou num casamento harmonioso e estável.

TEOLOGIA DO SOFRIMENTO?

Os "espíritas" festejam. Para eles, é um delírio ver alguém encarar sofrimentos e humilhações, suportando a arrogância e o arbítrio dos algozes, e depois sair dessa com um benefício. À primeira vista, o conto da Cinderela é um prato cheio para os "espíritas" dizerem que se trata de um caso de superação, como tantos outros trazidos pela literatura de Francisco Cândido Xavier e seus séquitos.

É verdade que o conto da Gata Borralheira traz várias interpretações. Mas, tomando a narrativa tradicional e dispensando o aspecto da oração, pois a forma mais conhecida e popular do conto mostrava que a moça apenas chorava depois de ter o vestido rasgado, se vê que as situações mudam quando se observa o conto sob a ótica da metáfora.

Em primeiro lugar, o conto é uma metáfora das injustiças sociais representadas pelos privilegiados, a madrasta e suas duas filhas biológicas, e pela desafortunada, a Gata Borralheira. O Príncipe, dispensando o detalhe de ser um poderoso aristocrata, até pela personalidade humanista descrita no conto, representa o progresso social e a qualidade de vida.

Note-se que, do contrário da moral "espírita", a madrasta e suas filhas não saíram beneficiadas, assim como a Gata Borralheira não mudou os seus valores para ser beneficiada. Além disso, um outro aspecto pode deixar os "espíritas" bastante decepcionados.

Trata-se dos benefícios provisórios do feitiço da fada-madrinha. Ela transformou bichinhos em homens e abóbora em carruagem, além de transformar o vestido sujo e miserável em roupa de gala. Mas tudo isso com validade para meia-noite. Isso é metáfora para a caridade paliativa, de duração efêmera, algo que se agrava se considerarmos que Cinderela orou.

Por outro lado, levamos em conta que Cinderela não ficou satisfeita com sua situação. A moral "espírita" pede para as pessoas se resignarem com as desgraças, e em certas mensagens até se alegrarem com tais infortúnios.

Além disso, os benefícios permanentes não vieram da ação da fada-madrinha, mas do esforço do Príncipe, que achou um sapato de cristal e o pegou, uma metáfora para a solidariedade de alguém progressista com a pessoa que não aguenta mais sofrer. E o fato do sapatinho ter servido em Cinderela e não em outras mulheres revela que o benefício não é aproveitado da mesma forma por todos, havendo quem pudesse aproveitá-lo melhor, com dignidade e apreço.

Isso sugere que o conto da Cinderela revela uma realidade muito mais complexa do que o moralismo "espírita". Se dependesse do "movimento espírita", Cinderela permaneceria desgraçada, se limitando apenas a ser amiga do Príncipe, que se casaria com uma das meias-irmãs da jovem e todos viveriam felizes para sempre em situações mais desgraçadas. A Teologia do Sofrimento só quer ver alegria na desgraça.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

"Espíritas" ainda esperam pela retratação de seus questionadores


O "espiritismo" vive um ciclo vicioso. A cada contestação, uma campanha de defesa e uma forte blindagem. A deturpação da Doutrina Espírita, alertada pelo espírito Erasto nos tempos de Allan Kardec, teve um terreno fértil na sociedade brasileira, emocionalmente mais fraca e dotada de uma capacidade limitada de compreensão do mundo em volta.

Isso favorece o vai-e-vem das crises do "movimento espírita". Se um ídolo "espírita" é denunciado e isso vira escândalo, é só ele exibir fotos de crianças pobres tomando sopa e velhinhos doentes para ele ser blindado e as críticas serem abafadas.

O Brasil fechou os ouvidos a Erasto, que alertava para as vigilâncias serem ainda mais rigorosas quando os deturpadores da Doutrina Espírita mostrarem coisas boas. Não foi por falta de aviso que os brasileiros sucumbiram a um balé de palavras bonitas que tomou conta do "movimento espírita" brasileiro e toda sorte de dissimulações.

Em vez disso, giramos em círculos. Nos esforçamos para denunciar as irregularidades do "movimento espírita", e no entanto elas são facilmente rebatidas porque os "espíritas" são...bonzinhos. Uma complacência a tantos erros e tantos equívocos que nem mesmo a lógica e o bom senso alertados por Allan Kardec são levados a sério.

Somos induzidos a aceitar que "todo mundo erra e os 'espíritas' são bonzinhos", engolindo qualquer falácia que transforma os deturpadores do legado de Kardec em proprietários da verdade, em muitos casos estando até acima dos próprios conceitos trabalhosamente trazidos pelo pedagogo francês.

É muito preocupante. Os deturpadores tiveram suas vitórias no Brasil, vivem na impunidade, a ponto de duas condições únicas para alguém nunca ser punido no Brasil é ser filiado ao PSDB e ser "espírita".

Se é do PSDB, pode criar seu esquema de corrupção gigantesco que, se um delegado chamar um tucano, é só para tomar um cafezinho e jogar conversa fora. Se um sujeito cria um pastiche literário grosseiro, usurpa o nome de algum ilustre falecido e diz que é "mensagem espírita", não há indício de plágio, pastiche ou falsidade ideológica que faça um juiz dar uma sentença judicial contra o farsante, se ele é declarado "espírita".

A ideia de "espiritismo" como pretensa bondade mais cria prejuízos do que lucros. Afinal, é aquele padrão conservador de "bondade", preso ao institucionalismo religioso e dotado de efeitos sociais limitados, tanto quantitativos como qualitativos. É a "caridade paliativa" que mais serve para propaganda do aparente benfeitor do que para realizar uma ajuda mais efetiva aos necessitados.

Isso cria uma "carteirada" que permite qualquer deturpação. E não se limita apenas a uma abordagem "catolicizada" na qual as queixas mais pedestres sobre a deturpação na Doutrina Espírita se limitam à inserção de fantasias milagreiras, ritualísticas ou fantasiosas que inexistem na obra deixada por Kardec.

A deturpação vai mais longe e vai sobretudo na suposta mediunidade produzida por gente na verdade sem concentração para um contato mais aprofundado com os espíritos do além. Mesmo os "conceituados" e "confiáveis" Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco apresentaram gravíssimas irregularidades nas suas "obras mediúnicas" que desmereceriam, sem a menor hesitação, toda a reputação em dimensões divinas que os dois recebem de seus seguidores.

O vitimismo e o triunfalismo são sempre as "cartas do Coringa" nas mangas dos deturpadores do Espiritismo. Qualquer denúncia de irregularidade, gerando escândalos e impacto negativo, é rebatida com o suposto médium ficando cabisbaixo e fingindo tristeza, fazendo todo tipo de drama e geralmente não reagindo. Seus seguidores é que acabam espumando raiva e disparando comentários furiosos, enquanto seus "líderes" ficam calados, cabisbaixos, encenando vitimismo.

Em 2010, uma peça sobre as polêmicas do meio intelectual relacionadas a Parnaso de Além-Túmulo, o fraudulento livro de poemas de Chico Xavier que foi remendado cinco vezes, contradizendo a aura de "obra de benfeitores espirituais" (que, esperaríamos, tivesse sido acabada na primeira edição), mostrava atores encenando debates acalorados quando, de repente, de maneira piegas e chorosa, surgem imagens de Chico Xavier com sorriso tristonho, "psicografando" ou em cenas de "caridade".

As pessoas se deixam levar a tais sensações, o que mostra que mesmo muitos ditos "ateus" ainda têm uma "pedagogia" emocional herdada do Catolicismo mais devoto. Ainda se apegam a perspectivas emocionais e dogmáticas que aprenderam através de paradigmas católicos e pelas fantasias dos contos de fadas, que atrofiam a compreensão da realidade.

O mais grave é que tudo isso é dissimulado, as pessoas justificam sua pieguice com desculpas "objetivas" e "racionais" aqui e ali, o que faz do Brasil o paraíso da "pós-verdade", quando convicções das mais delirantes são impostas como se fossem "verdades indiscutíveis". E isso garante a prevalência do "espiritismo" deturpador, suas fraudes "mediúnicas", seu misticismo igrejeiro e seu moralismo conservador. E tudo isso às custas de um bom-mocismo.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Brasil e o moralismo seletivo de parte da sociedade


Pouco tempo atrás, faleceu, vítima de Acidente Vascular Cerebral, a ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva. Ela era mulher do ex-presidente Lula, uma das pessoas mais hostilizadas e desmoralizadas do país, ele mesmo atingido por boatos violentos e calúnias das mais assustadoras.

O que mais espanta é que, nas redes sociais, muita gente "comemorou" a morte de Marisa Letícia e há quem diga que o marido "está na fila". O ódio seletivo dos anti-petistas revela um país de moralismo tendencioso movido pelas conveniências.

Só para se ter uma ideia, essas mesmas pessoas não se indignam com os escândalos que acontecem no governo Michel Temer e que são de arrepiar os cabelos. A escolha do fluminense Wellington Moreira Franco para um cargo estratégico do atual governo, aparentemente "semelhante" à escolha de Lula como chefe da Casa Civil do governo Dilma Rousseff, não causou a menor revolta popular.

Quando Lula fazia cerimônia de posse para a Casa Civil - ato anulado depois por pressão do juiz Sérgio Moro e decisão de Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal - , criou-se um grande movimento de protesto organizado pelo Movimento Brasil Livre e outros grupos, pedindo a saída de Dilma Rousseff. Naquela época, a nomeação de Lula era vista como uma "afronta ao povo brasileiro", segundo a visão conservadora difundida na época.

Quanto à nomeação de Moreira Franco, falou-se que ele "já estava no governo" e que "era uma formalidade que vai fortalecer a República", ninguém reagiu, e a imprensa apenas deu lacônicas notícias dizendo que o ex-governador do Rio de Janeiro é citado várias vezes em delações da Operação Lava Jato. Os membros do governo Temer usaram como desculpa o fato de que "todos são delatados" e isso "não abala" o cenário político no poder.

Vivemos um período de seletividade ética. As pessoas que "comemoram" morte de petistas nas redes sociais são as mesmas que se arrepiam quando um assassino rico está gravemente doente. Isso segue um padrão moralista que chega a dar tratamentos diferentes a pessoas que, por exemplo, anunciam estar em estágios avançados de câncer.

Se o portador de câncer é um ator de teatro de vanguarda, a sociedade moralista se resigna e até reza para ele sair vivo desta, mas se ele morre, ela se conforma. Se o portador de câncer é um músico de heavy metal, a sociedade moralista já torce para ele "bater as botas" o mais rápido possível. Agora, se ele é um homem rico que cometeu um feminicídio conjugal e está impune, a sociedade moralista se sente ofendida, achando que o câncer é "mimimi" e o rapaz está "firme e forte".

É estranho isso. Afinal, não são pessoas rancorosas e vingativas que pressentem tragédias com feminicidas, que, pelo ato que cometeram - mataram namoradas ou esposas - , sabendo do risco de suas atitudes, são os mais vulneráveis a pressões emocionais e instintivas que é bem menos provável que pessoas assim pudessem viver mais do que 60 anos de idade. Muitos que alertam isso são amigos e pessoas que mais amam os referidos homens, e sabem que homicidas não são invulneráveis.

Pelo contrário, são pessoas que aceitam linchamento de pobres que furtam gado de fazenda, de vendedores ambulantes que, acidentalmente, derrubam o retrovisor de um carrão por um manuseio, sem querer, de sua caixa de produtos, é que acham "preconceituoso" dizer que um feminicida rico, por ter fumado demais ou por aparecer extremamente magro e abatido, pode falecer de repente (e, se falece, não ganha uma nota na imprensa, apesar de ser figura de grande repercussão).

Marisa Letícia, por ser esposa de um carismático líder político que contraria os interesses da mídia dominante, podia, segundo a sociedade moralista seletiva, morrer pelas pressões emocionais que ela não causou e que, a contragosto, contraiu pela campanha caluniosa da grande imprensa e da Internet. Mas um empresário, médico, jornalista ou promotor que assassinou a esposa por ciúmes não pode morrer pelas pressões emocionais causadas pelas consequências de seus próprios atos?

A seletividade moral também faz com que páginas virtuais de jornalismo investigativo e questionamento de valores estabelecidos, porém obsoletos e injustos, tenham mais risco de serem banidas do que páginas de calúnias e ofensas, cujos autores demonstram um claro rancor e se apropriam de maneira leviana e difamatória do material produzido pelas suas vítimas.

No Brasil se vê cada vez mais se multiplicarem casos de pessoas expressando pontos de vista elitistas dos mais ofensivos, algo inimaginável até três anos atrás. Pessoas que já defendem abertamente a redução de salários, a venda das riquezas brasileiras para empresas estrangeiras, o fim da educação pública - a educação gratuita seria um "privilégio" de escolas religiosas comprometidas com o projeto medieval Escola Sem Partido, das neopentecostais às "espíritas" e a privatização de tudo.

Claro que esse reacionarismo sempre esteve latente desde a década de 1990, por conta de retrocessos vividos pela grande mídia - da multiplicação de programas policialescos de TV até o reacionarismo gradual da emissora paulista 89 FM, que virou a "Jovem Pan do rock", sem falar da Rede Globo da revista Veja e outros - , e se intensificou nos tempos do Orkut, com sociopatas entrincheirados até em comunidades como o inócuo "Eu Odeio Acordar Cedo". Mas hoje o pessoal foi longe demais.

Até na busologia existe caso de blogue de calúnias, feito por um ex-funcionário de prefeitura da Baixada Fluminense frustrado de não ter seguido carreira política nem ter integrado o governo do então prefeito carioca Eduardo Paes. O infeliz havia resolvido criar sua página para, de etapa em etapa, desfazer seus desafetos um a um até sobrar ele para comandar a busologia carioca.

Caluniar virou moda, para uma sociedade que mal consegue digerir conceitos de moralismo repressivo com os de liberdade de expressão. Essa má digestão que gera uma disenteria moral violenta, reflete o medo que uma parcela da sociedade tem com as mudanças nos tempos e com a perda total de paradigmas e privilégios que faziam mais sentido em meados dos anos 1970.

O medo de ver um outro tipo de presidente da República no poder. Ou o medo de ver gente menos arrivista passando a perna nos ambiciosos doentios. Ou ver aquele feminicida rico e relativamente jovem, que acabou de sair da cadeia, ser encontrado morto em casa porque sofreu um infarto fulminante por ter visto, na televisão, uma antiga canção que embalava o namoro dele com sua vítima. Ou o medo de ver outros valores mais dignos derrubando privilégios antes imbatíveis.

E o pior é que, na religião, como as vingativas seitas neopentecostais e o complacente "espiritismo", nota-se mais um consentimento a esse cenário de horror do que mesmo lamento e pesar. Os neopentecostais preocupados em voltar aos tempos bíblicos de um Deus "genocida" e os "espíritas" pedindo para os sofredores aceitarem e até agradecerem algozes pelas desgraças vividas. Para piorar, o juízo de valor "espírita" de supor uma "vida passada" ao sofredor é de um cinismo chocante.

Afinal, os "espíritas" simplesmente emporcalharam o legado de Allan Kardec, com um roustanguismo muito mal disfarçado com pretenso Espiritismo de conceitos igrejeiros e uma concepção medieval e ultraconservadora de "bondade", que é restrita ao assistencialismo. Uma "caridade" que só serve para justificar a produção de mensagens fake "espirituais" e a divulgação de conceitos deturpados que envergonhariam Kardec.

Até pelas responsabilidades que deveria assumir na prática, e não numa teoria marcada pelo balé de belas palavras, os "espíritas" estão em situação ainda mais grave, pelas contradições que esconde por baixo do tapete, enquanto aguardam que os críticos da deturpação espírita se retratem e aceitem os "médiuns" dotados de culto à personalidade como "espíritas autênticos, mas mal informados", apenas pelo pretexto da filantropia e das palavras bonitas.

Se a bondade se reduz a essa exploração feita pelo prestígio religioso, com simulacros de filantropia que ajudam muito pouco e só servem para dar cartaz ao "benfeitor" da ocasião, às custas da comoção coletiva e pelo mel das palavras, então não conseguiremos sair desse cenário calamitoso em que se vive o país, marcado pela raiva e pelo moralismo seletivo.

domingo, 5 de fevereiro de 2017

O que o palestrante "espírita" diria sobre a pimenta nos olhos dos outros?


O "espiritismo" virou a religião da Teologia do Sofrimento, mais do que o Catolicismo medieval que o criou. Isso porque seus postulados dão muita ênfase à "vida futura" apenas como pretexto para que pessoas fiquem desperdiçando encarnações inteiras acumulando desgraças.

O popular ditado "pimenta nos olhos dos outros é refresco" cai muito bem nos palestrantes "espíritas", que na maioria das vezes não conhecem o sofrimento do outro, eles que vivem fazendo turnês e recebendo prêmios por conta de seu espetáculo de palavras bonitinhas.

Alguns palestrantes se atrevem, arrogantes com a ilusão da posse do saber a que se julgam ter, a dizer que é muito bom "atravessar o rubicão", jogar uma encarnação inteira no lixo sob o pretexto de que virão outras encarnações e que a vida espiritual é eterna.

E isso é muito irônico, porque, aos algozes, quando estes são de elite, são sempre defendidos, na "moral espírita", através da teoria do fiado. Os algozes cometem "das suas" e têm a oportunidade de "limpar o nome" mesmo causando danos irreversíveis, como se causar danos a outras pessoas fosse o mesmo que quebrar uns copinhos de vidro sem muito valor, desses em que se serve pinga nos bares.

Enquanto algozes cometem abusos mas têm a chance de seguir em frente, recuperar ou manter privilégios e encerrar a vida como se nada tivesse acontecido, os sofredores têm que acumular desgraças e ainda são desaconselhados a reclamar da vida. Depois a gente diz que o "espiritismo" brasileiro censura e os "espíritas" ficam choramingando de tristeza.

Como o palestrante "espírita" irá comentar a "pimenta nos olhos dos outros"? Será que fará declarações do tipo: "Enquanto você reclama da pimenta que arde no teu olho, sua falta de fé lhe nega a oportunidade da ardência lhe dar uma nova visão na vida. Ah, quanto reclamais do admirável tempero que lhe traz sabor nos teus olhos"?

É muito fácil defender o sofrimento usando palavras bonitas. Depois que Madre Teresa de Calcutá ter virado "santa" fazendo o que fez com os doentes, expondo-os ao contágio, na fome e sem higiene, e tratados com seringas contaminadas, perguntamos se muitos considerariam que os tiranos merecessem o Nobel da Paz apenas sustentando suas atrocidades com o aparato da filantropia e das palavras de amor.

Depois que, com a retomada ultraconservadora no mundo e sobretudo no Brasil, pessoas se sentiram na liberdade de mostrar seus aspectos mais cruéis, pode-se esperar tudo. E ver que os "espíritas" fazem apologia ao sofrimento humano, confundindo acumulo de desgraças com "rico aprendizado", é bastante chocante. Mas é algo que não podemos esconder só para manter as aparências do deslumbramento religioso e dos bonzinhos de fachada.

Afinal, é muitíssimo cruel defender o sofrimento do outro, dizer para o outro sofrer sem mostrar sofrimento, sem reclamar da vida. E isso é tão cruel porque o pregador religioso que diz isso é muito mais desgraçado do que qualquer tirano, porque comete a mesma atrocidade, mas se esconde pelo aparato das belas palavras, da pose paternal, e da fachada de atos filantrópicos que na verdade são fracos e só servem para ostentar o benfeitor pelo simulacro de algumas ações.

Assim, o palestrante "espírita" é justamente aquele que está muito mais distante do "caminho dos céus" que tanto sonha, mediante o balé de lindas palavras e o simulacro de bons sentimentos, um fingimento que esconde neuroses cruéis, irritações adormecidas pela etiqueta religiosa, essa "conduta" que demonstra mais ocultar maus sentimentos do que realmente acabar com eles.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Quando a vida de um 'ciberbully' se transforma numa tragédia


Era uma vez um rapaz, com boas relações sociais, razoável posição social e alguma influência entre os amigos de seu meio. Com um significativo nível de prestígio, porém, o rapaz também é um valentão da Internet. Não gosta de ver gente lhe passando a perna na ascensão social e também odeia discordâncias.

Sua grande mania é, paralelamente aos blogues "corretos" que realiza usando seu nome, desses que cortejam autoridades e estão em boa conta no status social dominante, ele cria páginas anônimas contra suas vítimas.

Ele estava discutindo com um internauta apenas por uma discordância pequena, mas de grande desagrado ao valentão. O valentão "perseguia" a vítima no Orkut, no Facebook, nos fóruns abertos de Internet, até no MSN Messenger. Até que resolveu ser mais agressivo.

Ele invadiu até petições de Internet, chamando uma meia-dúzia de amigos para participar da humilhação coletiva usando todo tipo de fake. Como a petição, organizada pela vítima, foi cancelada, o valentão resolveu fazer um blogue de calúnias e ofensas, sabendo que a vítima produz também suas próprias páginas na Internet.

Dessa forma, o valentão copiava textos, fotos e tudo o mais da vítima, no seu blogue apócrifo. Se divertia com esse lazer doentio e não se intimidava com críticas e advertências. Uma vez um amigo soube da página, e advertiu para o valentão:

- O fato de você e fulano (a vítima) discordarem seriamente de certas coisas não lhe dá direito a fazer um blogue de ofensas, ainda mais usando o material pessoal dele. Pode dar cadeia, rapaz, para com isso.

- Você não precisa me aconselhar, falou? - disse o valentão, arrogante. - Eu sou grandinho e sei me virar sozinho. Pago um advogado e consigo sair bem de qualquer enrascada. Mas eu acho que o cara (a vítima) é tão bunda-mole que não vai me denunciar, tá ligado?

O valentão começou a ser denunciado na Internet. Irritado, ele copiou o conteúdo particular que a vítima publicou depois. Uma foto de família foi usada, e o valentão, usando seu fake, comentava: "infeliz família que tem um cara desses como parente. Devem ter paciência para aturar um mala nojento desses".

Como ele recebeu crítica num fórum de Internet, o valentão, que sabia a procedência da vítima, foi para a cidade desta para intimidá-lo e ameaçá-lo, sob desculpa de tirar fotos para as redes sociais. É como se o valentão dissesse à sua vítima: "Estou na sua cidade, b*****. Cuidado comigo!".

No entanto, ele esperava a vítima e ela nunca aparecia. A vítima tomava conhecimento depois com as fotos atribuídas ao agressor publicadas na cidade de residência da vítima. O valentão, depois, continuou a reproduzir o conteúdo pessoal do ofendido. Até mandou recado para a vítima, sobre o conteúdo do calunioso blogue: "Atualizado! Vá lá: (endereço do blogue)".

Diante de protestos que continuam, quando a vítima escrevia nos fóruns sobre a maléfica iniciativa, o agressor voltava à cidade de residência da vítima. Fotografava os arredores da cidade, e, apesar da discrição, sua aparência agressiva chamava a atenção de alguns topiqueiros ligados a milícias locais que estranharam o jeito discreto mas com ar atrevido do valentão.

- Esse cara é da imprensa ou está tirando tempo para entrar na nossa área?

- Fica de olho nele. Não precisa avançar. Na primeira oportunidade, a gente dá um jeito no cara, convida para dar uma voltinha e dá um fim nele. Mas fica quieto.

A situação se repetiu umas três vezes. O valentão, de repente, viu um rapagão chegando perto dele, com ar aparentemente amigável. Este rapaz, na verdade um miliciano, logo se dirigiu a ele, fazendo uma pergunta aparentemente simples e com jeito descontraído:

- Cara, você deve ser um bom fotógrafo. Deve ser de fora, visita muito este lugar, não é.

- É, visito muito. - diz o valentão, desconfiado. Assim que ele disse, outros três homens se aproximaram do valentão, como se fossem cercá-lo, mas aparentemente tranquilos.

- Essa máquina é de profissional. Conheço ela. Eu quero que você passe ela para a gente analisar.

- Como assim? A máquina é minha, estou tirando fotos para a Internet.

- Calma. A gente quer apenas a maquininha emprestado, só para ver como funciona. A gente lhe dá uma graninha para você.

- Não, eu tenho material para publicar, vocês sabem.

- É bom seguir o conselho do cara. A gente está legal com você. - disse um comparsa do miliciano.

- Tem multidão andando na rua, faça o que a gente diz. - disse o segundo comparsa.

- E o que é que eu ganho com isso? - perguntou o valentão.

- Tu me dá teu e-mail e a gente entra em contato, falou? - disse o primeiro interlocutor. - Toma R$ 20 de adiantamento, falou?

- Na próxima visita, você faz um passeio com a gente, que a gente vai lhe mostrar o lugar, certo? - disse, com uma certa ironia,

Os caras saíram com a máquina. O valentão teve a máquina roubada. Os rapazes ainda olharam para trás para marcar a aparência do cara. Não o mataram naquela vez, mas pensaram em sequestrá-lo e matá-lo assim que o valentão visitasse novamente aquela cidade. O que o valentão fotografou foi perdido, assim como o acervo já gravado antes na máquina, parcialmente divulgado na Internet.

Enquanto isso, o valentão, de volta para casa, percebeu que recebeu uma notificação da Polícia Federal, no Facebook. Ele pensou que era brincadeira, mas a linguagem era formal demais para achar que alguém brincava com ele. O blogue ofensivo foi denunciado no portal SaferNet e investigadores chegaram ao protocolo de Internet relacionado a sua atividade.

O cara ficou irritado e foi desabafar com os amigos. Aquele amigo que lhe advertiu lhe escreveu:

- Eu lhe falei, rapaz. Você pensava que o ciclo seria sempre o mesmo, você ofender, ser criticado e depois ameaçar?

- Eu tive a máquina roubada! Eu não recebi o conteúdo de volta, o que os caras me pagaram não é nem metade do valor da máquina. Coisa de profissional!

- Eu avisei para você não sair por aí se achando o rei da área. Você não ouve aviso. Até quando falei que Jesus lhe daria o mesmo aviso, você disse: "Jesus Cristo só serve para me abençoar e fazer o que eu peço em oração. Eu falei que sei me virar sozinho, já sou muito crescido para isso".

- Aquele dedo duro vai me ver só!

E assim o valentão repetiu a mesma prática. Reproduziu conteúdo da vítima, mais uma vez, desta vez fazendo comentários ainda mais agressivos. Vasculhou uma foto da vítima, encontrou uma da infância e reproduziu com o seguinte comentário: "O maior pecado de você foi ter nascido". Procurando o perfil da vítima no Facebook, mandou uma mensagem muito violenta e ameaçadora: "Tua casa caiu, cara! Vou te visitar e sua boca vai ficar cheia de formiga!".

Voltou à cidade onde mora a vítima e, com outra máquina fotográfica, mais modesta, foi tirar fotos para as redes sociais. Ficou mais tempo no local, porque queria compensar o conteúdo perdido com um monte de fotos, para muitas postagens.

De repente, quando ele se agachava para tirar um ângulo diferente da paisagem, dois dos quatro homens que o interpelaram se aproximaram, e mais dois da outra ocasião e mais um deram uma leve corrida para perto. O miliciano que puxou o papo na outra ocasião lhe falou:

- Calma, cara! Tá nervoso, ficou com medo? A gente adorou suas fotos, tua máquina está em minha casa. - ele não revela que apagou o conteúdo e ficou com o objeto - A gente quer dar um passeio, porque tem um bar muito legal para a gente conversar e tomar um chope.

- É mesmo? - perguntou o valentão, um tanto assustado, mas tentando aparentar calma e simpatia.

- É, pode entrar. A gente te leva de van. Esta tem ar condicionado, clima aconchegante. Vamos entrando.

Alguns homens agiam como se forçassem o rapaz a entrar no veículo. Além dos cinco homens, um sexto foi dirigir o veículo, sussurrando para o líder do grupo - o que puxou o papo - sobre para onde o veículo iria. Em voz baixa, ouviu-se algo como "cê vai pr'aquele terreno que lhe falei".

O valentão, sentado no banco de trás entre dois dos cinco homens, ficou nervoso, mas os membros do grupo lhe diziam para o cara ficar calmo. O líder do grupo insistia em dizer que o valentão deveria ficar tranquilo, ele "fazia parte da família" e o grupo iria papear tomando um chope num bar em cidade vizinha.

De fato o grupo foi para um bar tomar uma rodada de chope, comer alguma comida e jogar conversa fora. Falaram, sobretudo, sobre futebol, o que deixou o valentão até alegre. Todos pareciam rir animadamente. Quem os via, pensava que era um encontro de grandes amigos.

Quando iam embora, o líder do grupo disse que daria uma carona para o valentão, e teriam que passar por um terreno baldio porque o carro estaria estacionado numa rua do outro lado. Mas, assim que chegaram ao terreno baldio, todos pararam e pareciam pensativos, até que um deles e mais outros sacaram o revolver e apontaram para o valentão.

Acusaram o valentão de "invadir a área" controlada pelos milicianos, e o valentão tentou desmentir. Disse que só apareceu na cidade para "zoar" com um "colega", coisa "nada demais", argumento que não convenceu os milicianos, que achavam que ele estava "muito crescido" para tais "criancices". A discussão ficou séria e o valentão levou dois tiros na barriga, morrendo em seguida.

Enquanto isso, o blogue ofensivo saiu do ar, depois de várias denúncias. Até os amigos do valentão acabaram revelando a ocorrência, preocupados com a atitude abusiva do rapaz, que poderia também desmoralizar os demais. A conta do valentão foi bloqueada. Os amigos só souberam da morte do encrenqueiro pela imprensa, e comentavam sobre o que levou ele a se atrever a tanta agressividade.

O que certas valentias podem causar...
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