quarta-feira, 6 de maio de 2015

Intelectuais e a "maravilhosa cultura" do "coração do mundo"

CRIANÇAS-ÍNDIGO? - Em sentido horário, crianças funqueiras: MC Melody, MC Pedrinho, MC Pikachu e MC Brinquedo.

Um conhecido blogue de esquerda se encanou de colocar como linque um artigo sobre Chico Xavier e, de repente, na Carta Capital, um dos veículos da mídia associada, vem com dois artigos sobre "funk carioca" com aquela mesma campanha de defesa que muita gente conhece.

Quem não ouviu falar das alegações que o "funk" é "vítima de preconceito", por ser a "legítima expressão das periferias", e que as baixarias que ele expressa são apenas "um outro tipo de moralidade"? E tudo isso vindo de intelectuais com doutorado, que fazem palestras com plateias lotadas e são dotados de muito prestígio e visibilidade.

O que o "funk" tem a ver com Chico Xavier? Os "espíritas" não previam que a cultura que iria imperar no mundo era a da música erudita ou da tal "arte moral" dotada de músicas relaxantes, com orquestras ou sintetizador, feitas para fins terapêuticos e quase como analgésicos emocionais?

E por que, às vésperas da tal "profecia da Data-Limite" (atribuída a 2019), o que se vê é um grande e desesperado lobby para empurrar o "funk carioca" (e seu genérico paulista, "funk ostentação") para a supremacia cultural do Brasil? Não seria o "funk" a tão prometida "alta cultura" prevista por Chico Xavier? Afinal, as argumentações se encaixam na retórica chiquista sobre os "novos tempos".

Fala-se de uma "nova moralidade", "nova cidadania", associada à um estereótipo de humildade, tida como "vítima de perseguição" e cujos valores "elevados" são apenas mal compreendidos e, às vezes, "acidentalmente" mal transmitidos.

Se observarmos o que os intelectuais e a imprensa fala em favor do "funk carioca", a impressão que se tem é que o anti-médium Francisco Cândido Xavier foi o mais antigo funqueiro do Brasil, porque as alegações e apologias são exatamente as mesmas. Vide uma Valesca Popozuda, por exemplo.

Recentemente, a tão adormecida blindagem de intelectuais em prol desse ritmo marcado pelas baixarias e pela mediocridade artística - embora a intelectualidade apologista jure de joelhos que o ritmo é "musicalmente genial" - voltou à tona, principalmente quando um possível acusado de envolvimento com milícias mandou a noiva para a "pátria espiritual".

A noiva em questão era a dançarina da Gaiola das Popozudas, Amanda Bueno, assassinada pelo noivo que, depois, foi preso e está sendo investigado sob suspeitas de integrar um grupo de milicianos (arremedos de policiais que se envolvem em atividades criminosas) no Rio de Janeiro.

A intelectualidade tenta explorar a situação pelo lado do sensacionalismo "ativista", como foi o fato do funqueiro paulista MC Daleste, morto durante uma apresentação em Santos. Tomada de hipocrisia, a intelectualidade nunca pediu uma investigação sobre o caso Daleste e se limitou a dizer que ele foi morto "pelo preconceito". O mesmo fazem para o caso da dançarina assassinada.

De repente, voltaram a se multiplicar artigos tentando confirmar e afirmar a "genialidade" do "funk", criando alegações etnográficas e musicológicas inexistentes, frutos apenas das fantasias gentilmente etnocêntricas dos intelectuais associados.

Vivemos um quadro deficitário de intelectuais, já que o cenário acadêmico da atualidade, no Brasil, se encontra dominado por uma classe que trabalha o âmbito do conhecimento e da pesquisa de forma tendenciosa e por vezes sensacionalista, nem sempre tendo o compromisso verdadeiro com a lógica e a coerência e adotando metodologias duvidosas mascaradas por uma retórica bastante formal e de textos "objetivos", porém vazios de sentido.

Daí que temos tanto a intelectualidade que tenta definir o "funk" - um mero ritmo dançante comercial, sem compromisso algum com a arte e a cultura - como "cultura de raiz" (?!) e a intelectualidade que tenta promover Chico Xavier como "cientista" adotando metodologias constrangedoras de tão malfeitas.

O discurso "objetivo" de palavras bem arrumadas, que forjem uma abordagem "científica" pretensamente imparcial, muito bem construído em linguagem (significante, como diria a Semiótica), supostamente objetivo mas, como expressão de transmissão de conhecimento e estímulo ao debate, se trata de um texto inócuo, inofensivo e bastante oco em argumentos e questionamento lógico.

Chico Xavier e o "funk" se unem, dessa forma, como expressões de estereótipos de humildade que buscam uma reputação maior, de preferência exercendo uma supremacia na opinião pública, às custas de uma campanha acadêmica tecnicamente duvidosa, apesar do verniz "objetivo" do discurso "científico".

O próprio "funk" tenta se encaixar numa perspectiva semelhante ao do "coração do mundo", anunciando uma "nova etnografia", forjando um pretenso futurismo de atitudes, expressões, símbolos e valores que supostamente envolvem elementos de rebeldia e ativismo tidos como "vanguardistas".

Assim como o chiquismo evoca valores medievais travestidos de futuristas, o "funk" estabelece como "novos" valores que, na verdade, são retrógrados, e que apenas são "positivados" pelo discurso intelectual por estarem associados à ideia positivista de "periferia", o que indica a tradição de uma corrente intelectual vinculada à sociologia de Fernando Henrique Cardoso (embora este intelectual, que foi presidente do Brasil, seja "renegado" por muitos intelectuais pró-funqueiros).

O "feminismo" de Emmanuel é tão machista quanto o do "funk". E que, em ambos os casos, cria uma reação contraditória entre mulheres e homens, onde, em vez da integração harmoniosa dos dois sexos, ocorre o conflito sexual por vezes aberto, por outras fechado, entre os dois entes do casal heterossexual.

Mesmo os aspectos opostos do moralismo do lar e da prece do machismo emmanueliano e do imoralismo glúteo das funqueiras que, trabalhando uma imagem de objetos sexuais, expressa um aparente ódio aos homens, não deixam de se comungarem na confusa retórica onde as fronteiras entre o "sim" e o "não" se tornam indefinidas.

E os funqueiros mirins? Eles personificariam as prometidas "crianças-índigo"? O que é uma criança-índigo? É alguém "muito inteligente" ou "muito rebelde"? É o campeão do Prêmio Jovem Cientista ou o líder da torcida organizada que foi preso por ter matado um torcedor rival?

O próprio mito da "criança-índigo", confuso, contraditório e vago - que define defeitos como a dislexia como "privilégio" - , pode também sugerir que os jovens funqueiros, como MC Melody, MC Pedrinho, MC Pikachu e MC Brinquedo, sejam também considerados "crianças-índigo", usando como desculpa o fato deles verem muito páginas da Internet e usarem bastante a tecnologia digital.

A retórica apologista do "funk" estaria, dessa forma, anunciando a sua perspectiva de "futuro", quando o "funk" passaria a liderar a "alta cultura brasileira" e se tornaria o único paradigma possível de "cultura elevada" através de suas tendenciosas lapidações musicais (como as que envolve Valesca Popozuda e MC Guimê, mas já observadas em DJ Marlboro, por exemplo).

É o espírito do lugar. A suposta "profecia" do Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, levando em conta o caráter confuso e contraditório do "espiritismo" brasileiro, não encontra contradição com o "funk", antes os dois dialogassem de forma insólita e inimaginada pelos "espíritas", mas condizente às suas naturezas discursivas afins.

Além disso, seus ideólogos não ignoram que um dia o "funk" possa também criar um discurso "mais evoluído", para estabelecer ainda mais um diálogo próximo com o proselitismo religioso "sem compromissos" próprio do "espiritismo" brasileiro, em que a fé se esconde numa retórica pseudo-científica. O "coração do mundo" palpita no ritmo do "batidão".

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