sexta-feira, 22 de maio de 2015

"Espiritismo", sociedade e o desprezo à diversidade e a individualidade

PADRONIZAÇÕES, CLONES, SEGREGAÇÕES - O sistema de transporte coletivo no Brasil é apenas um exemplo do desprezo à individualidade e à diversidade.

Que país pode ser democrático sem respeitar a diversidade e a individualidade? O Brasil que o "espiritismo" local supõe estar destinado a ser o "Coração do Mundo", a ponto de haver até suposta profecia anunciando a destruição do Hemisfério Norte, está muito longe de representar alguma prosperidade nesse sentido.

Nos últimos anos, o Brasil está cada vez mais exterminando a diversidade em vários aspectos. Da diversidade biológica, afetada pela destruição ambiental, à diversidade econômica, afetada pela desnacionalização do setor, pelas vendas de empresas nacionais para corporações estrangeiras, o país torna-se cada vez menos igual, porque torna-se menos diverso.

Culturalmente, o que se observa é a descontinuidade de um riquíssimo patrimônio sócio-cultural em prol de expressões que só servem ao espetáculo do comercialismo e do consumismo, sem a transmissão de conhecimento e valores edificantes para a sociedade e padronizados conforme fórmulas consideradas bem-sucedidas pelo show business.

O Brasil ainda não largou o "espírito do tempo e do lugar", que os estudiosos denominam pelo termo alemão zeitgeist, originário da Era Geisel (1974-1979), correspondente ao período em que se permitia uma democracia "pragmática", voltada apenas ao atendimento do "básico do básico", e isso após 30 anos de redemocratização.

O país enfrenta inúmeros retrocessos de ordem social, cultural, econômica, política etc. Isso reflete até mesmo na qualidade da maioria dos internautas que domina as mídias sociais, tomadas de um provincianismo atroz, que, em certos casos, cria indivíduos reacionários capazes de "zoar" com quem não concorda com sua miopia sobre algum fato, fenômeno ou decisão adotada.

De repente, veio uma onda de padronização, uniformização, mesmice. As pessoas deixaram de se mobilizar e hoje "patinam" com os dedos nas mãos no smartphone, só para ver o que seus amiguinhos postaram nas mídias sociais. De preferência, algo inofensivo, alegre, porque questionar o mundo de repente virou atitude antissocial. E isso com a democracia em que vivemos, pasmem.

O sistema neoliberal que cria um modelo de inclusão "excludente", apostando numa pseudo-cultura popularesca que deixe o povo pobre infantilizado e abobalhado, de forma que seja incapaz de participar do processo sócio-político e reivindicar qualidade de vida, distraído que está no consumismo patético daquele "artista da periferia" lançado pelas rádios FM "populares".

Aliás, no rádio vemos esse fim da diversidade. As emissoras AM estão se extinguindo aos poucos, enquanto o antes diferenciado dial FM foi invadido, nos últimos 25 anos, por clones de AM que fingem que têm grande audiência e disfarçam o baixo Ibope comprando sintonias em estabelecimentos comerciais ou em categorias profissionais como taxistas e porteiros de prédios.

Entre as FMs que são FMs mesmo, não "AMs transmitidas em FM", a diversidade acaba quando sabemos que rádios de música brega-popularesca, de pop dançante e, pasmem, até de rock - com toda a euforia de jornalistas que fingem que estas rádios são "bastante diferenciadas" - adotam rigorosamente o mesmo estilo de locução, vinhetas e grade de programação.

Nos ônibus, nota-se a prevalência de um modelo decadente em que se adotam uniformemente, e com o mesmo autoritarismo, medidas anti-populares como pintura padronizada em diferentes empresas de ônibus, dupla função do motorista-cobrador, redução de ônibus em circulação etc, que deixam passageiros confusos, motoristas estressados, ônibus superlotados e gente esperando mais tempo por um ônibus nos pontos de embarque.

Tudo isso, pasmem, é imposto de "forma responsável" e "em total respeito à democracia e ao interesse público". E Jaime Lerner, o mentor de todo esse padrão, herdeiro de uma mentalidade padronizadora vinda da ditadura militar, sendo o símbolo de uma "personalidade progressista" que ele nunca foi, mas tornou-se um mito trabalhado até em seminários sobre Tecnologia e Cidadania.

A pintura padronizada nos ônibus já mostra o quanto a diversidade é desrespeitada no país. Empresas de ônibus são proibidas de apresentar sua própria identidade visual, adotando a pintura padrão da prefeitura ou do órgão intermunicipal, confundindo os passageiros, que já não foram consultados com essa arbitrariedade que serve de véu para a corrupção político-empresarial no setor.

Da mesma forma, a pintura padronizada sugere a imagem do concedente, o poder estatal, que em vez de fiscalizar e disciplinar o transporte, exerce poder autoritário, impondo a sua imagem nas frotas de ônibus diversas, sob a desculpa de adotar pintura por "consórcio", "trajeto", "área de bairros", "tipo de ônibus" etc.

Esta medida vai contra o interesse público, um ponto a menos para a diversidade há muito abalada em nosso país. A pintura padronizada contraria princípios da livre iniciativa empresarial, vai contra a Lei de Licitações, o Código Brasileiro do Consumidor e, se analisarmos bem, representa uma violação até mesmo à Constituição Federal.

Mas, dependendo do demagógico malabarismo discursivo da autoridade correspondente - capaz de prejudicar multidões com crueldade e ainda assim jurar que está agindo "em benefício à população e respeito absoluto ao interesse público" - , pode-se rasgar a Constituição Federal e ainda assim afirmar "com toda convicção" que está "agindo em completo rigor da Lei".

Imagine se as autoridades fizessem com as pessoas o mesmo que fizeram com os ônibus. Todo mundo andará com um mesmo uniforme? As casas teriam que ser pintadas com um mesmo padrão de cores para cada área de bairros? Ou será que se agirá como no antigo apartheid da África do Sul, de triste lembrança, em que a padronização visual de pessoas obrigava a separar zonas de bairros e cidades para cada tipo de etnias?

E o que isso vai afetar no Brasil que teoricamente é marcado pela diversidade de seus povos, de sua cultura? Tudo isso afeta negativamente, na medida em que, no aspecto da Cultura, dos Transportes, da Política, da Economia, da Educação, o que há é um país em que uns poucos querem que muitos sejam "iguais" a eles ou ao que interessa a eles. O país fica desigual sendo "igual" na aparência.

"ESPIRITISMO" E INDIVIDUALIDADE

O "espiritismo" também não tem como forte a individualidade. Tanto que, com suas atividades tidas como "mediúnicas", mas completamente divorciadas da Ciência Espírita - Kardec nunca foi o forte do "movimento espírita" brasileiro - , o que se vê é a padronização de produção de mensagens que compensa a fraca ou inexistente mediunidade dos supostos médiuns.

O que se nota é quase sempre um repertório de puro panfletarismo religioso, em que o "médium", usando diferentes nomes de falecidos, escreve sempre um mesmo roteiro: o sofrimento pessoal após a morte, a internação numa colônia espiritual, a consciência da fé e o apelo para que os encarnados se unam "pela luz e amor em Cristo". Puro propagandismo religioso.

Os espíritos do além perdem o controle de suas próprias individualidades. Chegamos ao ponto de permitir que Chico Xavier seja o "dono" do legado do falecido escritor Humberto de Campos, mesmo quando sabemos que o estilo do "espírito Humberto" rigorosamente nada tem a ver com o que o escritor de O Brasil Anedótico escreveu em vida.

Aliás, para os "espíritas", isso pouco importa. Eles não querem individualidade, querem mensagens "fraternais". Querem a água-com-açúcar das "palavras de amor" e, por isso, aceitam como "verídicas" mensagens que nada têm de individuais, mas que trazem alguma coisa "positiva" e "agradável", até mesmo "comovente".

Se para os seguidores do "espiritismo" brasileiro, tanto faz uma mensagem ser verídica só porque mostra "palavras de amor", como se isso justificasse a falsidade ideológica, então as pessoas perderam a noção do que é individualidade, diversidade e democracia.

Daí que faz sentido um país que tem uma imprensa cada vez mais reacionária e internautas expressando intolerância social e até racial. Um país que prefere formar rebanhos do que formar um povo consciente, e que ainda endeusa autoridades e tecnocratas pelos arbítrios que cometem contra a população, pelos empresários que impõem o pior entretenimento ao povo e líderes religiosos que tiveram a coragem de dizer que é "bom" sofrer "amando", como foi Chico Xavier.

Que diversidade esperaremos com isso? Nenhuma. Para piorar, o país acaba se tornando cada vez mais desigual, pois as padronizações, uniformizações e outras castrações só fazem o povo ser "igual" na aparência, na embalagem e no comportamento socialmente castrado, mas desigual e injusto no atendimento aos direitos e necessidades.

Um país "igual" na aparência, "uniforme" no sentido de "forma única", é um país desigual, pelo desrespeito à diversidade que, esta sim, é igual na essência. Respeitando as diferenças é que se valoriza um direito igual de pessoas se tornarem diferenciadas e individualizadas, com pleno atendimento às necessidades sem o "pragmatismo" das Eras Geisel, Collor e FHC e sem o endeusamento de Chico Xavier, Jaime Lerner, Roberto Campos e outros usurpadores da boa-fé.

Do jeito que está, teremos não um país diferenciado e democrático, mas um país restrito à prepotência de uns poucos diante do conformismo forçado de muitos, sem que possamos ser valorizados como indivíduos na sociedade complexa em que vivemos.

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