quinta-feira, 14 de maio de 2015

Feminicidas conjugais desprezam sua própria tragédia

O DIPLOMATA ESPANHOL JÉSUS FIGÓN MATOU A ESPOSA (E) E SIMPLESMENTE FICARÁ IMPUNE.

Recentemente, o diplomata espanhol Jésus Figón, de 64 anos, que trabalhava num serviço de segurança em Vitória (ES), se apresentou à polícia e confessou ter assassinado a esposa, a capixaba Rosemary Justino Lopes, com três facadas, no apartamento onde moravam na cidade.

Numa época em que o feminicídio é tardiamente reconhecido como crime hediondo, o dado assustador é que Jésus simplesmente não parecia destinado sequer a ser condenado à liberdade condicional. Beneficiado pela imunidade do cargo, ele em princípio viveria como se não tivesse cometido crime algum, podendo viajar sem precisar avisar à polícia.

E isso era certo até que o Governo Federal brasileiro solicitou ao governo da Espanha o cancelamento da imunidade do diplomata, pedido aceito pelas autoridades do país europeu. Com isso, Jésus pode, se comprovada sua participação no crime, ser condenado como um criminoso comum.

O feminicídio é um dos tipos mais graves de homicídio, porque corresponde ao ato de tirar a vida de mulheres por motivos quase sempre fúteis (como o fato da vítima recusar-se a ser estuprada). E o feminicídio conjugal (antes denominado "crime passional") é considerado ainda o pior dos feminicídios, porque não raro se sustenta com desculpas moralistas.

O aspecto mais surreal é que o feminicida conjugal ainda se beneficia com a blindagem da sociedade e dos valores moralistas ainda fundamentados no machismo. A "legítima defesa da honra" é a desculpa mais conhecida e custou a vida de milhares de mulheres durante muitas décadas.

A raiz disso é que a sociedade brasileira defende a união de pessoas sem afinidade. Sobretudo quando padrões machistas, como o homem valorizado pelo poder do dinheiro ou pela força física, estão em jogo. Ideologicamente as mulheres são induzidas, pela midia e pelo mercado, a desejar esse padrão masculino, mas não raro pagam com a vida quando percebem que esse tipo não vale a pena.

TABAGISMO EXCESSIVO FAZIA AMIGOS DE DOCA STREET (E) SE PREOCUPAREM COM SUA SAÚDE JÁ NA ÉPOCA DO SEU CRIME.

No machismo, o homem é considerado o sujeito e a mulher tem um valor praticamente decorativo, sendo um misto de troféu, animal doméstico e reprodutora de filho. Por outro lado, o homem, tomado de vaidade, esquece de amar realmente sua mulher, e quando ela reclama da falta de amor e decide se separar, neste caso ela corre o risco de ser morta por "traição", apenas porque quer o divórcio.

O caso mais famoso de feminicídio conjugal envolve o empresário e antigo playboy da alta sociedade paulista, Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street, que matou a namorada, a socialite mineira Ãngela Diniz, em 28 de dezembro de 1976, em Armação de Búzios (RJ).

Por curiosa ironia, a cidade de Búzios é vizinha do atual município de Casimiro de Abreu, nome do famoso poeta ultrarromântico fluminense, que viveu entre 1837 e 1860 e que simboliza o universo masculino oposto ao de Doca Street. São os homens solitários leitores de Werther que entram em profundo contraste com o machista sanguinário do personagem literário Woyzeck.

O caso de Doca Street - que, em outra ironia, veio da mesma São Paulo de outro poeta ultrarromântico, Álvares de Azevedo (1831-1852) - , pela impunidade que representou sob a assistência do advogado Evandro Lins e Silva (num dado negativo à sua trajetória progressista), que garantiu a liberdade condicional em 1981, impulsionou uma grande onda de feminicídios semelhantes.

Esses feminicídios vieram como epidemias e dominaram, pelo menos da forma como eram intensamente noticiados na imprensa, por pelo menos 15 anos. A cada caso de liberdade condicional de homens que mataram suas mulheres, inspirava novas ocorrências, pela certeza de impunidade que seus praticantes acreditavam ter.

A coisa é tão grave que esses assassinos, por mais que tivessem cometido crimes com crueldade, saíam da prisão para viver na mais plena impunidade, conquistando novas namoradas e tudo, como se nada grave eles tivessem feito. Há feminicidas que passaram até a viver fora do Brasil, sem que houvesse algum pedido de extradição.

A blindagem social, ou mesmo da grande mídia, apesar de seu aparente repúdio à prática, indica a imagem adocicada com que tentavam trabalhar de dois homicidas, o promotor Igor Ferreira da Silva e o médico Farah Jorge Farah, sendo aquele mandante do assassinato da esposa Patrícia Aggio Longo, e este envolvido no assassinato e esquartejamento de uma amante.

Entregues à impunidade, os dois ainda apareceram em noticiários da imprensa, mesmo através de depoimentos de terceiros, como o pai de Igor, com os assassinos soltos prometendo ser "pessoas legais", como se os crimes que cometeram tivessem tanta importância como quebrar um copo de requeijão depois do uso.

O problema é que os feminicidas se acham "eternos", Acham que sua impunidade está acima de tudo, e que "sofreram demais" com a revolta da sociedade em relação aos crimes que cometeram. Só que nada se compara com o sofrimento das famílias das vítimas e o que se vê é que os feminicidas, sobretudo os conjugais, ignoram sua própria tragédia.

Todo segmento da sociedade têm suas tragédias prematuras ou quase. Na tecnologia da Informática, tivemos o caso de Steve Jobs, fundador da Apple, morto aos 56 anos. Até coveiros e agentes funerários têm sua vulnerabilidade. Os feminicidas conjugais é que ignoram suas tragédias e suas vulnerabilidades e reivindicam uma vida linearmente tranquila até, pelo menos, 95 anos de idade.

Não é bem assim. Os machistas que matam suas mulheres são até muito mais trágicos do que se pode imaginar, e têm até o dobro da sombra trágica que costuma-se associar aos poetas ultrarromânticos. O problema é que os valores moralistas protegem os machistas e dizer que eles também têm sua tragédia soa para muitos ofensivo e depreciativo.

DIZER QUE UM FEMINICIDA CONJUGAL ESTÁ "DOENTE" É TIDO COMO "OFENSIVO"

Exemplo disso são os rumores que existem na Internet de que Doca Street já esteja sofrendo de um tumor maligno no pulmão e estaria até mesmo em tratamento de quimioterapia. Isso condiz com noticias dadas na imprensa, uma semana após Doca ter matado Ângela, no qual seus melhores amigos estavam preocupados com a saúde dele, pelo fato dele fumar excessivamente. Uma edição de Manchete de janeiro de 1977 mostra um desses casos.

Ele teria tido um passado de badalações da gente rica, em que se fumava demais, se embriaga muito e se consumia muita maconha. Doca Street personificou o espírito do tempo de festas e bacanais que, pelo rápido e antecipado obituário de celebridades - uma grande maioria de astros da disco music, por exemplo, já faleceu - , indicava os descuidos da saúde e, sobretudo, a glamourização do cigarro.

Doca já aparecia envelhecido no julgamento que, em 1981, lhe garantiu a liberdade condicional e fez a festa de outros machistas com sede de sangue feminino a ser derramado pelas "defesas de honra", com 47 anos, mesmo nos padrões biológicos da época, ele parecia dez anos mais velho, provavelmente com um pulmão mais envelhecido ainda.

Só que as reações de muitos internautas a esses rumores revelam a estranha reputação de homens que tiram a vida de suas mulheres e querem depois viver "plenamente sossegados" (um privilégio que as famílias das vítimas não têm). Sim, porque dizer que um feminicida que fumou demais está no fim da vida aos 81 anos é "ofensivo" e "depreciativo". Se, em vez de feminicida, fosse um músico de rock essas mesmas pessoas estariam torcendo para que ele morresse.

O que levou a esses rumores certamente não foi o ódio ou a raiva de fulano ou sicrano, embora hoje os feminicidas conjugais, se vissem as mensagens publicadas na Internet, se assustariam com as ameaças de morte constantemente recebidas. Há quem, sarcasticamente, desejasse a Jésus Figón "passar umas férias" no Iraque ou no Afeganistão, onde constantemente ocorrem atentados a bomba.

O que leva a isso é a própria limitação do corpo físico. Tenha-se paciência, o corpo de um feminicida não é mais resistente do que de uma pessoa sem atos violentos graves. Um feminicida não é um "deus", seu corpo físico se degrada como os de todos nós. E, se cometeu abusos contra a saúde, seu corpo decai mais ainda. Não nos parece que Pimenta Neves seja mais resistente a uma overdose de remédios do que Heath Ledger, apesar de sua aparente sobrevida de 15 anos.

O próprio machismo faz seus seguidores serem mais vulneráveis às doenças. Eles resistem muito ao exame da próstata, vários deles dirigem carros sob ingestão de álcool e sua dieta alimentícia é das piores possíveis. Se um machista considerado de caráter "bom" está sujeito a morrer cedo por doenças, não é o outro que assassinou a própria mulher que estará a salvo, mesmo sofrendo os mesmos riscos.

Para comparar sobre as mortes por tabagismo, três exemplos. Chico Anysio, ainda ativo em 2011, pelo seu passado tabagista faleceu em 2012 antes de completar 81 anos de idade. Em 2004, Leonel Brizola, boatos sobre envenenamento à parte, tinha um histórico tabagista apenas regular e morreu quando estava com 82 anos. José Wilker, que fumou muitíssimo menos que Doca Street, morreu de infarto aos 70 anos incompletos.

Por que será que é ofensivo alertar para as tragédias dos homens que mataram suas mulheres? Sob a perspectiva espiritual, o que morrerá é apenas a roupagem física e social que lhes garante privilégios e poder, benefícios meramente materiais. O prolongamento da vida para esses homens seria até arriscado, simbolizando um conflito emocional muito grande.

CONSCIÊNCIA DA TRAGÉDIA

A falta de consciência da tragédia não os torna invulneráveis. Por sorte, a imprensa não faz obituário de feminicidas. Mas se percebermos bem, se garimpar os paradeiros somente dos feminicidas conjugais que não se suicidaram, muitos se assustarão ao ver que até rapazes de boa aparência que mataram suas belas namoradas também já estão falecidos por algum infarto, acidente de trânsito ou outra tragédia da qual eles não se preveniram.

Muitos desses atos são cometidos pela ação do álcool ou das drogas, mas mesmo o estado sóbrio não é livre da degradação física. O simples rancor e, em muitos casos, o ineditismo do ato criminoso, cria as pressões emocionais que podem levar ao homem que matou sua mulher a sofrer um infarto fulminante.

Por outro lado, o prolongamento da vida para esses homens, além de representar um atenuante para seus atos - ele pode assassinar a esposa a sangue frio na juventude, que depois virará um "bom velhinho", diminuindo a gravidade dos atos e de seus efeitos - , pode significar um mau exemplo a ser perpetuamente seguido por futuros assassinos que ignoram o lado sombrio desses atos.

Além do mais, as pressões da sociedade fazem com que os valores machistas que justificam esses atos se tornem decadentes e a "proteção social" que os feminicidas conjugais tinham para seus atos está chegando ao fim.

Mas se caso Doca Street, Pimenta Neves e outros morrerem, o que ocorrerá é apenas o fim de seus nomes "sujos na praça" e do status confuso que eles representavam. Com a reencarnação, eles poderão renascer e criar uma encarnação mais limpa, conscientes de não cometerem mais crimes contra a vida.

A consciência da tragédia lhes será um aprendizado e tanto para evitar que atentem contra outrem e contra si próprios. Morrendo, eles terão a oportunidade de se melhorarem com uma nova vida, sem a mancha dos malefícios da vida anterior.

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