segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Cariocas usam método religioso para botar fé na "roqueira" Rádio Cidade

PARECE JOVEM PAN E OUTRAS RÁDIOS POP TOLAS, MAS ESSE É UM PROGRAMA DE UMA "RÁDIO ROCK" CANASTRONA QUE QUER SER LEVADA A SÉRIO.

O Rio de Janeiro vive uma crise e seu "espírito do tempo" envolve uma série de tragédias, gafes, mancadas, arbitrariedades e conflitos que tornam o Estado e sua respectiva capital um polo de decadência vertiginosa. Se o Brasil está vivendo uma crise, o Estado do Rio de Janeiro a vive em níveis cada vez mais extremos.

Daí que é o Rio de Janeiro das milícias e dos neopentecostais, do "funk" e de uma rádio pop convencional metida a "roqueira", a Rádio Cidade, que não passa de um vitrolão roqueiro numa roupagem de FM pop das mais tolas. Se é para ter rádio de rock assim, melhor ter jukebox em bares e boates só com discos de rock, pois seria bem melhor.

Mas a ascensão surreal da Rádio Cidade cria um pacto estranho em que quase toda a mídia vinculada tenta fingir que é uma rádio de rock séria com um compromisso real, trabalho "imperfeito" mas "esforçado" etc.

A Rádio Cidade é vista por vários contestadores como uma espécie de equivalente, das rádios de rock, ao deputado Eduardo Cunha. Prepotente, desastrosa, ineficaz, pretensiosa. E, como um fenômeno surreal, é uma rádio com origem pop que comemorará 40 anos renegando a sua própria origem e defendendo uma proposta na qual não possui tradição nem competência.

Mas a surrealidade não para por aí. Sem receber uma reação de indignação dos roqueiros autênticos, a emissora tem neles uma relação que varia entre a complacência e o desprezo, ineficazes para chamar a atenção sobre os graves erros cometidos pela emissora.

Expressão da fórmula esquizofrênica de rádio de rock imposta pela mídia reacionária - em São Paulo há a 89 FM que não consegue esconder suas semelhanças com a Jovem Pan FM (atualmente convertida numa espécie de versão radiofônica da revista Veja e apelidada jocosamente de Klu Klux Pan) - , a Rádio Cidade oscila entre um pretensiosismo "radicalmente roqueiro" e uma mentalidade escancaradamente pop.

Na página da Rádio Cidade no Facebook, observa-se principalmente que toda a pretensão roqueira não passa de demagogia. Os locutores, claramente, não possuem qualquer vivência com o rock - a exceção é José Roberto Mahr, apresentador do Zero DB, mas seus trabalhos são sempre uma "ilha" de criatividade que não necessariamente correspondem às linhas gerais das rádios em que transmite seus programas.

Fora ele, o que se observa são um bando de "gente bonita" mais preocupada em dizer piadas, gracinhas e caretas para fotos, pessoas infantilizadas, com trajes hilários, não muito diferentes dos locutores de rádios pop como as paulistas Energia 97, Jovem Pan e Rádio Disney, e de rádios transmitidas no eixo RJ-SP como Mix e Transamérica.

Embora o jeito tresloucado tente ser amenizado pela locução "mais calma", como se isso fosse alguma coisa para uma locução de rádio de rock, a mentalidade é simplesmente debiloide, sem qualquer relação com o humor e a atitude que rádios de rock que fizeram história, como Fluminense FM, Eldo Pop e a paulista 97 Rock (antecessora, em faixa de sintonia, da hoje Energia 97), fizeram em suas trajetórias.

Em outras palavras, a Rádio Cidade é uma espécie de "Jovem Pan com guitarras", como muitos de seus questionadores já definiram a emissora, e ela se beneficia hoje não pelo respaldo do público roqueiro autêntico, que é nulo, mas pelo lobby que a emissora tem junto aos empresários do entretenimento, dos grandes eventos musicais, dirigentes esportivos (que patrocinam o programa Rock Bola), políticos e entidades de turismo.

A emissora é propriedade do Sistema Rio de Janeiro de Rádio, que junta emissoras originalmente vinculadas ao Jornal do Brasil (JB FM e Cidade) e ao jornal O Dia (FM O Dia e MPB FM), que expressa apoio ao grupo político de Eduardo Paes.

A própria escolha da Rádio Cidade como "rádio de rock" não foi feita visando critérios de especialização (a rádio NÃO é especializada em rock), mas pela combinação turística do nome - Rádio Cidade do Rio de Janeiro - com sonoridades que agradariam o jovem turista vindo de países como os EUA e Reino Unido, consumidor de grandes festivais de rock.

FRACASSO DE AUDIÊNCIA ROQUEIRA

A emissora, na verdade, amarga um grande fracasso de audiência. Ela não é ouvida pelo público que mais interessa, o público de rock autêntico, até por uma razão bem simples: eles não teriam paciência de ouvir uma rádio que só toca uns poucos sucessos dos grandes nomes do rock (a Rádio Cidade mantém a sua "filosofia" hit-parade).

Do Pink Floyd, por exemplo, a Rádio Cidade só toca duas músicas, "Time" e "Another Brick in the Wall Part 2", músicas que já tocavam nos primórdios da emissora, quando a pretensão roqueira não era sequer uma tese a ser cogitada por seus executivos.

Se a Rádio Cidade parece ter "boa audiência", isso remete mais a artifícios diversos. Boa parte dos que ouvem a emissora não têm ideia do que é o rock que ouvem, e parecem satisfeitos em serem hipnotizados por um repertório musical que possa ter solos de guitarra ou canções semi-acústicas com vocais mais "viscerais". Pouco importando se, depois de um Iron Maiden, vem um Muse ou um Blink 182.

Há também o aspecto do jabá da "audiência comprada", artifício que faz rádios com baixa audiência "anabolizarem" o Ibope alugando sintonias em estabelecimentos comerciais, um recurso fraudulento que o rádio FM carioca herdou do rádio baiano (onde rádios como Metrópole, Salvador, Transamérica e Piatã "compravam audiência" em lojas, restaurantes, ônibus e até vans escolares, para disfarçar a baixa audiência).

Com este artifício, uma única pessoa, o gerente do estabelecimento, pode sintonizar uma rádio e atribuir a audiência ao número de fregueses que atende, pouco importando se eles se interessam pela rádio ou não. Com isso, as rádios disfarçam a baixa audiência apostando numa sintonia em ambientes frequentados por centenas ou milhares de fregueses que nem estão aí para a emissora. Uma fraude bastante habilidosa.

Neste caso, a Rádio Cidade tenta disfarçar o Ibope baixo comprando sintonias em redes de lojas de eletrodomésticos, lojas de instrumentos musicais, concessionárias de automóveis, quiosques de calçadão nas praias e academias de ginástica.

Além disso, a emissora também tem que se contentar com as audiências que "roubou" de rádios pop ou bregas como Transamérica, Mix, FM O Dia e a extinta Beat 98, cujo radialista Van Damme tornou-se coordenador da Rádio Cidade quando sua única experiência "próxima do rock" foi tocar e entrar em contato com ídolos do "sertanejo universitário" (que eventualmente fazem pastiche de rock).

"VAMOS BOTAR FÉ NA RÁDIO"

A rejeição da Rádio Cidade pode não ser aparente, mas se manifesta pelo desprezo dos roqueiros autênticos que preferem outras opções: canais do YouTube com preciosidades e raridades do rock, a sintonia da webradio Cult FM e os CDs tocados nos toca-discos dos carros e dos aparelhos de som. Os roqueiros verdadeiros se mantém distantes da sintonia dos 102,9 mhz do dial carioca.

No entanto, é apenas uma atitude de desprezo, mas não de uma contestação organizada, como havia tido há cerca de 30 anos contra a rádio alternativa Estácio FM (controlada pela Universidade Estácio de Sá), golpeada pelo marketing de guerrilha da Fluminense FM, que fez a emissora universitária "morrer aos poucos", primeiro dedicando-se ao pop adulto, depois se extinguindo de vez.

A complacência que existe em torno da Rádio Cidade, mesmo com a emissora abordando o público roqueiro de forma caricatural e estereotipada - o roqueiro é tratado literalmente como se fosse um debiloide - , é aparentemente inexplicável, embora se considerasse como motivos a apatia e os interesses de mercado.

A situação é estranha, porque é de tradição no rock a contestação e o combativismo, e não se observa uma campanha organizada para denunciar as irregularidades, o oportunismo e a canastrice da Rádio Cidade, fora ações isoladas e individuais.

Uma parcela de roqueiros autênticos adota uma postura complacente porque aposta num método religioso que combina fé e esperança católicas, sob o pretexto de que a Rádio Cidade "está começando" (como se as experiências de 1995-2006 não tivessem dado uma lição!) e que o rock precisa "fortalecer seu mercado".

A ideia é esperar, como se estivesse em orações, para que a Rádio Cidade se endireite de vez, que o Van Damme se transforme milagrosamente num motoqueirão da pesada, e que programas de metal e música alternativa e canções lado B possam aparecer no repertório da rádio.

É uma esperança vinda do "nada", como na perspectiva da fé religiosa. Algo que é "explicado" por desculpas como "vamos botar fé na Cidade", "é só aumentar o Ibope que ela melhora", ou "ela faz um tipo diferente de rádio de rock", uma desculpa sem sentido, feita como se acreditasse que deturpar fosse o mesmo que "fazer diferente".

É evidente que, no Rio de Janeiro, se costuma endeusar as coisas. O Rio de Janeiro sofre uma grave crise porque, de um lado, tem a fúria do crime organizado, de outro, tem o fanatismo religioso. As duas forças, em relações às vezes promíscuas, em outras conflituosas, que refletem no cenário político e até acadêmico, são responsáveis pela decadência que vive o Estado e sua capital.

E, para um Rio de Janeiro que trocou a Bossa Nova pelo "funk", faz sentido que o Estado que teve o brilhante exemplo da Fluminense FM tenha que se contentar com a tresloucada canastrice da Rádio Cidade e sua programação só de sucessos do rock.

A mentalidade hit-parade é irreversível, porque faz parte da "alma" nada roqueira que a emissora sempre teve ao longo de quase quatro décadas. E só mesmo a complacência religiosa para aceitar uma aberração dessas comandando o mercado de um segmento diferenciado como o rock.

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