domingo, 31 de janeiro de 2016

"Espiritismo" e a manobra ideológica da "união fraterna"


O "movimento espírita", nos momentos em que a discordância e o conflito batem à sua porta e nas ocasiões em que as contestações a ele se tornam mais rigorosas, faz jogo de cena e, sob o pretexto de ser vítima de "lamentáveis campanhas de ódio", pede "união" e "solidariedade" ante "tamanhas tempestades".

Com isso, investe em declarações chorosas, reforçando seu igrejismo, pedindo "mais fé em Deus" e "mais amor em Cristo", e pregam a "união fraterna" e a "solidariedade" como forma de superar tais turbulências.

Só que a gente sabe que esse discurso de "união", tão vago quanto carregado de muita pieguice, é completamente inócuo. Afinal, de que forma nos "uniremos"? Para que causa iremos "nos solidarizar" que não sejam as causas abstratas da "fé em Deus" e do "amor em Cristo"?

Isso os "espíritas" não sabem explicar. É bem provável que não queiram. E, como o "espiritismo" brasileiro é movido por conceitos herdados do Catolicismo português, de herança medieval, a ideia que temos é a "união" no sentido de "juntar o rebanho", de "não deixar o gado se perder".

A ideia de "união", trazida por ideologias manipuladoras e com tendência dominante, esconde, na verdade, um mecanismo de juntar pessoas para obedecerem a alguma causa em jogo, atraindo o maior respaldo possível a alguma causa em jogo, no caso a deturpação "espírita".

Na história do "movimento espírita", campanhas de "união" e "solidariedade" sempre tiveram como propósito a supremacia da tendência religiosista da doutrina, e isso é coisa que vem desde os primeiros anos da Federação "Espírita" Brasileira.

O então presidente da FEB, o médico Adolfo Bezerra de Menezes - que ainda necessita de uma biografia imparcial e realista, despida de deslumbramentos religiosos e idolatrias sem nexo - é oficialmente tido como "unificador", resolvendo as discordâncias de forma que prevalecesse a causa roustanguista que transformou a Doutrina Espírita num engodo igrejista.

Com os incidentes e impasses ao longo dos anos, é risível o decorrer das manobras "unificadoras" do "movimento espírita". Em 1884, um falso Allan Kardec, em mensagem "espiritual" trazida estranhamente em língua portuguesa, pedia para as pessoas se unirem em torno da "Revelação da Revelação", alusão ao subtítulo do livro Os Quatro Evangelhos, de Jean-Baptiste Roustaing.

Na crise do roustanguismo, que se acentuou sobretudo com a aposentadoria de Antônio Wantuil de Freitas, que no começo dos anos 1970 saiu da presidência da FEB e, doente, faleceu em 1974, um falso Bezerra de Menezes, em mensagem também tida como "espiritual", afirmava seu "arrependimento" pela postura roustanguista e pedia para as pessoas se unirem em torno de Allan Kardec e apelava para que todos se "kardequizarem".

Era, na verdade, uma postura tendenciosa. Dr. Bezerra "reaparecia" em mensagens diversas divulgadas por Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco. Roustanguistas, Chico Xavier e Divaldo Franco viram o navio da cúpula da FEB se naufragar e, portanto, tinham que "mudar de barco" e se aliarem aos "espíritas" tidos como "kardecistas autênticos".

Desconfiado, Carlos Imbassahy, o pai, um dos críticos mais enérgicos da deturpação "espírita", havia denunciado esta corrente do "movimento espírita", pelo oportunismo que representavam alguns roustanguistas "dissidentes". Também chama-se a atenção quanto ao verbo "kardequizar" (e não "kardecizar", que sugere um igrejismo sutil, por ser uma corruptela do termo "catequizar".

O verbo "catequizar", que corresponde à educação feita para converter laicos, pagãos e hereges à Igreja Católica, foi uma prática que a História do Brasil registra como o método de ensino dos jesuítas. Um dos jesuítas conhecidos, o padre Manuel da Nóbrega, reapareceu no "movimento espírita" através de Chico Xavier e usando o codinome Emmanuel, referente a "Ermano Manuel" ("Irmão Manuel", em português arcaico) dos tempos coloniais.

Foi a corrente dos "kardecistas autênticos" que passou a prevalecer no "movimento espírita" a partir dos meados da década de 1970. Uma corrente contraditória, da qual seus seguidores e ideólogos juravam a "fidelidade absoluta" a Allan Kardec, mas expressavam um igrejismo evidentemente de influência católica, que seus malabarismos discursivos tentaram, em vão, esconder.

Essa corrente se tornou traiçoeira porque seus ideólogos faziam de tudo para manter a aparência "kardeciana". permitindo que se façam textos com ligeiras abordagens "científicas" e que se até se use, desde que de maneira tendenciosa, os alertas de Erasto contra os "inimigos internos" do Espiritismo.

Essa apropriação era uma amostra da astúcia dos "kardecistas autênticos" que escondiam sua própria condição de deturpadores do Espiritismo. Eles, os verdadeiros inimigos internos, como lobos em pele de cordeiro, se passariam por "fiéis seguidores de Allan Kardec" ao "denunciar" os "outros inimigos", enquanto eles mancham o Espiritismo com seu igrejismo mal disfarçado de "espiritismo de verdade".

E aí é o que vemos na fase atual do "movimento espírita". Prevalece uma abordagem igrejista, de inspiração roustanguista, mas muito mal disfarçada na pretensa combinação entre Ciência, Filosofia e Moral. E, o que é pior, com os espertalhões "espíritas" fingindo "respeito rigoroso ao pensamento de Kardec" e até fazendo que "denunciam" os "igrejismos" e "vaticanizações" da Doutrina Espírita.

E é isso que o "movimento espírita" quer. Que nos "unamos" na deturpação dissimulada que eles fazem. Que aceitemos suas contradições e seus erros, seu moralismo, seu igrejismo, e fiquemos felizes porque eles são "bonzinhos" e ilustram seus textos e palestras com coraçõezinhos, crianças alegres ou ilustrações pseudo-científicas de seres humanos.

Daí que existem armadilhas até no discurso "unificador", em que a demagogia esconde processos de dominação e manipulação. A ideia é "unir as pessoas" como se fosse juntar um gado, um rebanho, para que sofrêssemos "felizes", como "ensinou" Chico Xavier, unidos num mesmo deslumbramento religioso e num modo de vida "qualquer nota".

Fora das felizes alegorias, isso quer dizer que, como na canção de Zé Ramalho, tenhamos que viver uma "vida de gado" da . Povo marcado, povo "feliz".

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