terça-feira, 1 de março de 2016

"Spotlight' e o rabo preso da imprensa brasileira quanto à religião (inclusive a "espírita")

CENA DE SPOTLIGHT: SEGREDOS REVELADOS, FILME PREMIADO PELO OSCAR 2016.

O filme premiado pelo Oscar deste ano, nas categorias Melhor Filme e Melhor Roteiro Original, Spotlight: Segredos Revelados, mostra a diferença que tem entre o jornalismo estrangeiro e o brasileiro, numa sociedade experiente que se mostra no "velho mundo" que a suposta profecia da "data-limite" queria ver reduzido a cinzas.

O filme se baseia em fatos reais e conta a trajetória de uma equipe de jornalistas do Boston Globe que reuniu documentos para denunciar casos de pedofilia cometidos por padres católicos numa arquidiocese na cidade de Boston, no Estado de Massachusetts, EUA.

O trabalho, realizado a partir de 2001, recebeu o prêmio Pulitzer de Serviço Público em 2003. No Brasil, seu reflexo correspondeu às coberturas que o Observatório da Imprensa fez a respeito do caso, comparando com o comportamento subserviente da imprensa brasileira a vários temas, inclusive religião.

Recentemente, tivemos que pesquisar uma notícia de um jornal digital do Mato Grosso do Sul sobre o lançamento de um romance dito "mediúnico" de José Medrado, e ficamos estarrecidos com o deslumbramento que se deu tal cobertura. Aqui, em nome do status quo, se aceita qualquer mentira, se a desonestidade garante "o pão dos pobres" todo mundo aceita e ainda agradece feliz da vida.

Analisamos, de maneira objetiva, os quadros que José Medrado atribui a espíritos de pintores mortos. Sem ódio, sem rancor, sem intolerância, sem paixões contra ou a favor. Pegamos cada obra do suposto autor espiritual e comparamos com uma obra original deixada por cada um, e tivemos que constatar a fraude e a falsidade ideológica de tais obras.

Está tudo explicado em 123 e 4. Portanto, não é um trabalho de caluniar ou difamar pessoas que, aparentemente, atuam em projetos filantrópicos, mas a constatação de que, lamentavelmente, se mente e se falsifica para forjar sensacionalismo religioso e místico e assim arrancar mais dinheiro para as "obras sociais".

Fazemos o trabalho que, lá fora, os jornalistas estrangeiros fazem. Aqui a mídia é muito castradora. Imprensa reacionária, que prefere pregar aberrações como "rasgar a Constituição" e contrata um Kim Kataguiri como colunista tendo um talento medíocre digno de quem é forçado a escrever uma redação de Português na escola primária.

Aqui não se verifica nem investiga as coisas. Em nome do status quo, verdadeiros charlatães, canastrões ou canalhas são promovidos a "gênios" aqui e ali, e a eles se reserva uma imunidade que nem mesmo os agraciados do Prêmio Nobel da Paz chegam a ter no exterior.

Verdadeiros "pulhas", dependendo do prestígio que arrancaram através das relações de conveniências e jogos de interesses, os "blindados" pela grande mídia valem mais por estereótipos, situação financeira, prestígio moralista aqui e ali e outros êxitos nem tão brilhantes assim, e que revelam a face real da meritocracia, a ideologia do status quo e das conveniências sociais.

Aqui quem tem direito a voz e à visibilidade não é aquele que realmente sabe e entende das coisas. E sobretudo quando ele tenta questionar totens estabelecidos pelo poder da mídia, do mercado, da religião, da política e até do entretenimento. Questionar um ídolo religioso, nestas condições, é quase o mesmo que apedrejar uma velhinha na rua.

Temos um dos piores índices educacionais do mundo. O Brasil é o terceiro país mais ignorante do mundo e o segundo com pior sistema de ensino. Temos uma mídia ao mesmo tempo facciosa e burra - que empobrece o vocabulário substituindo "festa", "agitos noturnos" e "noitada" pelo intragável jargão "balada" e substituindo a palavra "freguês" por "cliente" - e isso reflete muito na sociedade.

Chega-se a uma aberrante atitude de preferir a mentira religiosa que idolatra seus astros "em favor do bem" do que denunciar irregularidades que estejam ocorrendo. Até hoje não libertamos um notável escritor brasileiro, Humberto de Campos, da "prisão" armada por Francisco Cândido Xavier, o "querido Chico Xavier" de seus fanáticos seguidores.

Para todo efeito, Humberto de Campos é propriedade de Chico Xavier, pouco importando as irregularidades das obras em vida e o suposto legado "espiritual" numa comparação mais atenta. Pouco importa a lógica, importa é o que a religião define como "certo".

O "espiritismo" chega a impor princípios ideológicos como "não questionar" e "não investigar", sob o pretexto de "não causar incômodos", e investe na falácia de que as "boas coisas" não precisam de provas, e que os fenômenos "espíritas" sempre atuam à revelia da lógica e do bom senso, sob a desculpa de que estão acima destas percepções.

Outra desculpa usam para isso. Que o "espiritismo" não precisa de lógica nem de bom senso porque ele em si é "a lógica e o bom senso". Pouco importa se Chico Xavier voou sobre as águas, que Bezerra de Menezes se "materializou" para furtar um caminhão de alimentos e socorrer pessoas, que Olavo Bilac, no além, se esqueceu que tinha estilo, que Auta de Souza passou a escrever igualzinho Chico Xavier, que Allan Kardec se arrependeu de sua "overdose de ciência" etc etc etc.

Tudo isso tem que ser aceito, todas as aberrações têm que ser respeitadas, e pouco importa se o alemão Wolfgang Bargmann estudou, nos anos 1940, sobre glândula pineal e antecipou descobertas científicas depois confirmadas. Pouco importa, da mesma forma, que o astrônomo Percival Lowell descrevia civilizações humanas e canais de água em Marte, ainda no século XIX. Só a Chico Xavier cabe atribuir pioneirismo, mesmo que ele tenha sido um dos últimos a saber.

Se observarmos o que é o "espiritismo" brasileiro, nota-se uma porção de ideias e fatos surreais, que atropelam a lógica e o bom senso e expressam desde a desonestidade doutrinária - se dizem fiéis a Kardec, mas o traem o tempo todo - até o ultraconservadorismo ideológico (Chico Xavier defendeu a ditadura militar num momento em que ela era mais cruel). Mas ninguém investiga.

A nossa imprensa acredita que, investigar as irregularidades do "espiritismo" brasileiro, por mais que haja objetividade, isenção e busca de lógica, coerência e honestidade, é um "trabalho cruel" movido por "maledicência, ódio, perseguição voraz e intolerância religiosa".

Christopher Hitchens soube do risco que era investigar as irregularidades de Madre Teresa de Calcutá, um mito religioso bem mais verossímil do que Chico Xavier e Divaldo Franco. Ele até sofreu ataques severos ao denunciar o lado sombrio da freira albanesa, mas depois a intelectualidade comprovou as denúncias, desmascarando o mito da "mulher que foi santa entre os vivos".

Aqui, a resistência é muito pior, mesmo quando os mitos de Chico Xavier e Divaldo Franco se revelam mais confusos do que Madre Teresa e as irregularidades dos dois, mais evidentes. Em vez disso, nota-se uma complacência submissa da imprensa brasileira a esses dois mitos religiosos, considerados "intocáveis", sobretudo Divaldo, que continua vivo e é sempre tido como o "brilhante sábio da boa palavra e das ações em prol do próximo".

A imprensa brasileira está com o rabo preso na religião "espírita". Se ela mal consegue investigar as irregularidades das religiões mais conhecidas - como a Igreja Católica e as seitas neopentecostais - , só se valendo de eventuais rivalidades (como a Globo investigando a Igreja Universal e a Record acatando denúncias sobre o Catolicismo), quanto mais o "espiritismo"!

É estarrecedor. Se houvesse aqui um "caso Spotlight", como o que inspirou o premiado filme, a sociedade "de bem" no Brasil reagiria com barulhento pavor, dizendo que é a "intriga" que move um grupo de jornalistas a "perseguir os tarefeiros do bem", como "feras soltas nas arenas de Roma" atuando "contra os cristãos".

No momento em que se torna mais urgente que se lance no mercado um livro como O Enigma Chico Xavier Posto à Clara Luz do Dia, escrito por Attila Paes Barreto em 1944, com abordagens instigantes e verídicas, o mercado literário - "satélite" do mercado midiático e jornalístico dominantes no país - prefere lançar bobagens como um Data-Limite Segundo Chico Xavier (de Juliano Pozati e Rebeca Casagrande) que supõe "graves profecias" a partir de um sonho bobo durante o sono.

Infelizmente, a religião, e sobretudo a "espírita", tornou-se um escudo forte para proteger pessoas que fazem o que querem, enganam sem escrúpulos, mas se protegem através do propagandismo religioso e dos pretextos de aparente filantropia.

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