terça-feira, 29 de março de 2016

A espetacularização do feminismo e a coisificação da mulher

SARA WINTER, EX-INTEGRANTE DO FEMEN BRASIL.

O que há em comum na "indignada" Sara Winter, ex-militante "feminista", com o "feminismo popular" da Mulher Melão e Solange Gomes e, em forma politicamente correta, da Valesca Popozuda? Muito, por mais que setores da sociedade tentem dizer que não.

Um Brasil que mal resolveu os problemas com o machismo - daí o grande medo da sociedade (e da mídia) em ver Pimenta Neves e Doca Street, que cometeram feminicídios conjugais, morrerem de repente - também não consegue compreender a complexidade das questões feministas.

É o reflexo de um país que apela para velhas soluções, como o velho golpe institucional que apenas trocou as Forças Armadas pelo Poder Judiciário, na figura do tendencioso Sérgio Moro, e cujo provincianismo cultural é capaz de soltar fogos quando um ídolo da música brega se apresenta em biroscas de quinta categoria em cidades da Europa e EUA e depois diz que essa precária turnê foi "sucesso mundial".

O Brasil é provinciano, atrasado, retardatário. É o último a saber sobre qualquer coisa, e não é a presença da Internet que vai resolver essa noção "matuta" das coisas. O Brasil adere com apetite dobrado às mídias sociais, transformando, há dez anos, o Orkut num portal quase brasileiro e ingressando em massa no WhatsApp, a última palavra em "rede social", e mesmo assim só consegue perceber as coisas com um atraso de compreensão de, no mínimo, uma década.

O feminismo, dentro desse cenário, reflete tanto a incompreensão quanto o atraso. Ele chega ao Brasil de forma deturpada, entre uma abordagem espetacularizada de um lado e uma liberdade condicionada pelo machismo, como sempre ocorre no Brasil, em que uma ideia ou ideologia nova sempre é filtrada pela velha ideologia que poderia ser combatida.

Como que num "acordo", o feminismo tenta minimizar a emancipação feminina das duas formas: a mulher que não se limita a ser um corpo sensual, eventualmente veste roupas discretas, tem bons referenciais culturais e têm o que dizer, precisa ter um vínculo conjugal com um marido com algum posto de poder, geralmente um empresário. Já a mulher que se sujeita a ser uma mercadoria erótica, seguindo estereótipos machistas, está dispensada até de ter um namorado.

A coisificação da mulher é travestida de "feminismo popular" por conta de desculpas de "liberdade do corpo" e "direito à sensualidade", que servem como pretexto de afirmação pessoal de mulheres que nada têm a dizer, e mostram referenciais culturais considerados tenebrosos.

Elas servem como um exemplo da espetacularização do feminismo e, também, das causas LGBT. Uma "liberdade do corpo" que escraviza a alma, como um McDonald's da sensualidade feminina, em que a exploração humana e o culto à mercadoria se tornam dissimulados por "causas nobres" de uma visão caricatural de emancipação feminina pelo "corpo" e não pela personalidade.

Comparamos, por exemplo, o que fazem, nas fotos publicadas na Internet, uma subcelebridade como Solange Gomes, a "balzaca" que fez parte da Banheira do Gugu Liberato e hoje tenta ser "musa sexy" e todo custo, e uma atriz considerada desejadíssima como a estadunidense Jessica Alba.

Jessica Alba, a cada única exibição sensual, seja com trajes que realçam as formas físicas ou aparições de biquíni, aparece em cerca de dez outras imagens usando roupas discretas, calça folgada e com um olhar sóbrio como se não estivesse ligando para fotógrafos.

Já Solange Gomes só aparece em imagens apelativas, seja o que seja o contexto. Pode ser olhando a natureza, indo ao aniversário de alguém e comparecendo a um lançamento de livro, é a mesma apelação de roupas justas, decote "generoso" e glúteos avantajados. E olha que se trata de uma senhora de 42 anos.

Mesmo numa forma politicamente correta, Valesca Popozuda também apela nos palcos. Com o tempo, passou a adotar uma postura "sóbria" e um discurso "ativista", com trajes discretos e aparente modéstia, mas nas apresentações ao vivo a funqueira continua "sensualizando" como antes, até porque ela sempre se orgulhou de sua carreira.

Através desses apelos, até a imagem da mulher solteira é depreciada. A mulher solteira só pode ser a funqueira, a "moça da banheira", a ex-BBB, que só mostra o corpo ou se apega à curtição. Não é a mulher que estuda, que se veste discretamente, que tem bons referenciais culturais, que tem muito o que dizer. Esta é a "mulher do empresário", ou a "esposa de um profissional liberal".

A EX-FEMINISTA

Indo para um enfoque diferente, há o caso de Sara Winter, que havia sido integrante do Femen Brasil, um grupo que trabalhava o discurso feminista de maneira espetacularizada, usando topless e exibindo frases de efeito para provocar a sociedade e enfrentar policiais.

Arrependida dessa mobilização, Sara chegou a dizer que o Femen Brasil era financiado por investidores internacionais, e, com toda a certeza, o Femen Brasil é tão "provocativo" quanto o pseudo-engajamento da grife de roupas Reserva, de Luciano Huck, feitos mais para incomodar do que trazer alguma conscientização às pessoas.

Evidentemente, nem as esquerdas brasileiras conseguem entender essa versão espetacularizada do feminismo. Seja a "revolta de peito aberto" do Femen, sejam os glúteos e bustos siliconados das "musas que mostram demais". A ideia de que a mulher é mais do que um corpo ainda intriga muitos, mesmo uma parcela de mulheres intelectualizadas de uma elite acadêmica que sonha com um país brega.

As "mulheres-frutas" são feministas? É legal ser prostituta? A favela é tão bonita? "Mostrar demais" é valorização da auto-estima? As intelectuais da elite pró-bregalização não imaginam que o "direito ao corpo" das chamadas "musas populares" é uma armadilha contra elas mesmas, porque é uma grande ilusão elas acreditarem que, no Instagram, elas apenas exibem para si mesmas.

Elas se tornam mercadorias eróticas, de consumo de uma parcela grosseira e arrogante de machos, que ficam elogiando as fotos publicadas por Solange Gomes, Mulher Melão, Mulher Melancia e similares. A ostentação do corpo não é uma forma de liberdade, porque elas acabam sendo sujeitas à espetacularização de seus corpos diante de uma plateia virtual de machistas afoitos.

A confusão entre feminismo e femismo vem à tona. O feminismo é um movimento que defende a igualdade entre homens e mulheres e o fim das injustiças machistas contra elas. O femismo é apenas um, digamos, "machismo de saias", em que a mulher hostiliza o homem e expressa seu narcisismo feminino e uma certa arrogância intolerante.

A espetacularização do feminismo e dos movimentos LGBT - com gays "carnavalizados" pela estética drag queen e mulheres raivosas ostentando seus corpos - envolve muitas questões que fazem compreender o quanto Sara Winter passou a se incomodar com esse ativismo.

Sim, ela se tornou conservadora, passou a ser admirada pela direita festiva brasileira - como Jair Bolsonaro e Olavo de Carvalho - , e passou a se declarar anti-feminista, mas o "feminismo" que ela critica é justamente aquele feminismo caricato que intelectuais badalados tanto adoram.

Esse feminismo caricato não consegue enxergar questões como o aprimoramento cultural das mulheres, além de suas ilusões ignorarem que o mercado da prostituição inclui patrões machistas - como os cafetões - , da mesma forma que a favela é um lugar inseguro, perigoso e desconfortável, longe das fantasias que tratam prostíbulos e barracos como castelos de contos-de-fadas.

Da mesma forma, a hipersexualização que as mulheres siliconadas expressam, na obsessão de serem "gostosas" o tempo todo, as impele ao fenômeno da coisificação do corpo feminino, algo bastante brutal e que transforma as mulheres envolvidas em escravas de um imaginário machista voraz.

Daí que o círculo vicioso das ostentações de corpos siliconados traz o efeito inverso. Em vez de ser uma natural valorização da beleza feminina, ela se torna uma sórdida escravidão da imagem feminina a um sensualismo obsessivo que depois se torna opressivo, pois a mulher se torna coisa e acaba impedida de admitir que a verdadeira emancipação feminina se dá pela personalidade e não por um corpo "turbinado".

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