A OBRA O BEM AMADO, DE ALFREDO DIAS GOMES, É UM EXEMPLO DA DEMAGOGIA E DO DISCURSO REBUSCADO PERSONIFICADO POR ODORICO PARAGUASSU.
Quem não sabe o que quer e não entende das coisas tende a endeusar aqueles que, dotados de algum significativo status quo, fazem mil promessas em torno de palavras que as pessoas não compreendem e através de decisões arbitrárias que as pessoas ignoram serem para estas prejudiciais.
"Vai ver que eu não sei o que quero, acho que tenho necessidades demais. Confio naquele que decide por mim, ele entende mais de minhas necessidades do que eu", tende a ser um discurso típico e muitíssimo perigoso daquele que se submete ao império do status quo, dos diplomas, do dinheiro, da visibilidade e do poder.
Essa frase é perigosa, mas toma conta do imaginário de muita gente. E seu perigo está no fato de que geralmente essas pessoas delegam a estranhos a decisão por suas vidas, e, o que é extremamente grave, as pessoas se alienam de suas próprias necessidades e desejos, se submetendo a decisões alheias e nocivas de outrem, que os subordinados acreditam "querer de melhor para eles".
Sim, isso mesmo. Pessoas deixam de querer o que precisam, deixam para estranhos decidirem o "melhor" para elas, e ainda agradecem quando são prejudicadas, porque seus prejuízos são "males necessários". Isso é religiosizar a arbitrariedade alheia, transformando o opressor num semi-deus.
Claro que em diversos aspectos, temos pessoas que se tornam "heróis" pela percepção terrena do status quo, como Luciano Huck, Neymar, Ivete Sangalo ou mesmo Jair Bolsonaro. No entanto, o foco aqui está nos manipuladores das palavras, de gente que tenta ludibriar pelo discurso, não apenas pela imagem ideológica ligada a alguma promessa de prosperidade.
O status quo torna-se ainda mais pernicioso quando o endeusado não é apenas um poderoso que investe em decisões nocivas, nem no rico que explora e oprime os desafortunados, mas naquele que se reveste em roupagens mais "simples" mas investe em discursos de persuasão bastante rebuscados.
E aí vem aquela postura subserviente: "considero fulano genial, porque ele fala o que eu não entendo e, por isso, acho ele maravilhoso, porque ele demonstra uma sabedoria que eu mesmo não posso alcançar". Outro discurso deplorável, mas que contagia muitos deslumbrados.
Sim, porque, se alguém não sabe o que quer e não entende das coisas e atribui superioridade a um estranho que decide de forma nociva e fala ou escreve de maneira complicada, é sinal de que esse alguém está com um sério problema de autoestima, além de ser altamente vulnerável a quem faz o que quer contra os outros e, sobretudo, aos manipuladores de palavras num Brasil em que se costuma dar desculpas para qualquer besteira.
O maior vício dos brasileiros, sobretudo no desenvolvido Sul e Sudeste, é o endeusamento a quem se impõe através do poder político, da visibilidade, do poder financeiro e acadêmico. E cria supostos heróis por meio dessa escravidão ideológica e idólatra ao status quo, mesmo travestido de simplicidade aqui e ali.
O Brasil tem manipuladores de palavras aqui e ali. O caso fictício de Odorico Paraguassu, o demagogo político que personificava o "bem amado" da obra do escritor Alfredo Dias Gomes (1922-1999), é ilustrativo do demagogo que lança mão do discurso rebuscado ou do verniz intelectualoide para convencer e seduzir as pessoas.
Mas, na vida real, existem muitos e muitos casos. Na terra de Dias Gomes, o político e dublê de radiojornalista, Mário Kertèsz, trocou o palanque pelo estúdio de rádio, e, embora não investisse em discurso rebuscado, adota uma postura de pseudo-intelectual, impondo sua imagem para o deslumbre complacente da alta sociedade baiana que se torna o alvo perfeito para o culto da personalidade em que o empresário da Rádio Metrópole FM investe para si.
Muitos dos intelectuais que defendem a degradação da cultura popular brasileira, usando o rótulo "popular" para esconder suas intenções histericamente mercantilistas sob um verniz "progressista" que deslumbra os seus seguidores, cegos pela visibilidade alta que esses intelectuais expressam no mercado midiático.
Caso ilustrativo foi o do jornalista paulistano (apesar de nascido no Paraná), Pedro Alexandre Sanches, que usou um simples fato de ter sido experiente entrevistador de artistas da MPB para ser considerado "pensador de referência" para a cultura popular.
Pois Pedro, mesmo através do aparente trabalho em veículos jornalísticos de esquerda, investia numa ideologia mercantilista que, usando um discurso falsamente libertário, defendia a subordinação da cultura popular às mais rígidas regras de mercado.
Com ecos de Francis Fukuyama, Fernando Henrique Cardoso e Adam Smith, Pedro investia no mesmo recurso dos manipuladores: escrevia longos textos prolixos, cheios de referências, em que a profissão de fé na "mão invisível" do "deus mercado" era temperada com discursos modernistas (a maneira de Caetano Veloso) e alusões tendenciosas e forçadas a bandeiras esquerdistas como a causa LGBT e os falsos ataques aos ícones da mídia reacionária da moda.
Quem observar os textos de Pedro Alexandre Sanches no portal Farofafá, sustentado pela revista Carta Capital, verá que, apesar da roupagem esquerdista e dos ataques tendenciosos à mídia reacionária (sobretudo a Rede Globo), ele exalta o "deus mercado" da mesma forma que um ideólogo abertamente reacionário, como Rodrigo Constantino.
Para um público que lê livros, revistas e jornais às pressas, se limitando a colher palavras-chave em poucos parágrafos lidos de maneira corrida, não percebe que o Pedro Alexandre Sanches que cita ícones esquerdistas, como MST, Che Guevara, PT, reforma agrária, movimentos LGBT etc, é um histérico neoliberal que quer privatizar a cultura popular brasileira.
Enquanto insere nomes de reconhecido valor cultural (de Cartola a Itamar Assumpção, de Inezita Barroso a Elis Regina) misturado com ícones da bregalização cultural, Pedro usa o folclore brasileiro como desculpa para defender e legitimar a degradação da Música Popular Brasileira abertamente comandada pelo mercado e pela grande mídia.
Enquanto faz pretensos ataques ao coronelismo midiático, apelando, sem criatividade, para clichês do vocabulário esquerdista, geralmente copiando palavras prontas e expressões de efeito já conhecidas, Pedro no entanto exalta os ídolos musicais que são patrocinados por esse mesmo poder da grande mídia que finge repudiar.
Isso é tão claro que Pedro soa quase como um adido cultural da Globo, já que os ídolos que ele defendeu, como Tati Quebra-Barraco, Banda Calypso, Zezé di Camargo & Luciano, Gaby Amarantos, Calcinha Preta, Fábio Jr., Odair José e MC Guimê, depois alcançam ou retomam o sucesso com o mais claro apoio da mídia reacionária que o jornalista diz repudiar, mas que na prática se comporta como se fosse um assessor cultural da mesma.
As pessoas caem em armadilhas por causa do status quo e dos manipuladores das palavras, independente do discurso ser mais ou menos rebuscado a ser adotado. Voltando ao exemplo de Mário Kertèsz, seu malabarismo discursivo consiste em ele imitar, como que em paródia, a locução empostada e pretensamente elegante, em um momento, mas em outro falar como se fosse um dono de botequim, apostando numa fala mais grosseira.
O deslumbramento das pessoas com tais armadilhas é assustador, e faz com que o Brasil seja um dos países em que a tendência ao conservadorismo e à subordinação aos poderosos e influentes se torna não apenas típica, mas crônica.
Vide, no "espiritismo", os casos de Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco, ambos tranquilamente "repousando" sob a roupagem de falsos sábios, cada um à sua maneira. Chico Xavier com sua ideologia das contradições, do "fraco que ficou forte", do "caipira que conquistou o mundo" e do "ignorante que virou sábio". E Divaldo com suas poses professorais e seu discurso rebuscado e prolixo.
Enquanto eles se protegem a partir de uma imagem de "bondade e humildade", aliada à "simplicidade" de Chico e ao "bom gosto" de Divaldo, eles partem para a deturpação mais deplorável da Doutrina Espírita, com obras vazias de ideias e que em muitos casos contrariam severamente o pensamento de Allan Kardec, indo contra a coerência e a lógica.
Essas obras, de aberrante e chocante desonestidade doutrinária, são dissimuladas pelo verniz da "boa palavra", do aparato de "bondade e humildade" e das "boas lições de vida". Tudo apenas aparato, feito para acobertar ideias sem nexo, verdadeiros absurdos fantasiosos, delirantes, místicos da pior espécie, em textos embelezados pelo organizado e coeso exército de palavras.
O Livro dos Médiuns já advertiu, em várias passagens, sobre as obras supostamente mediúnicas que se servem de discurso empolado, em que o mais elaborado embelezamento das palavras esconde ideias não somente vazias de sentido, mas altamente delirantes e inconsistentes, contrárias à lógica e ao bom senso, problemas facilmente identificáveis nos trabalhos de Chico e Divaldo.
Para complicar ainda mais as coisas, as pessoas, cegas e iludidas ao status quo dos totens "espíritas", chegam mesmo a dizer asneiras como protestar contra o "excesso de lógica" de Allan Kardec ou achar válido o charlatanismo de Chico Xavier e Divaldo Franco só pelo "bem que eles fazem", que percebemos não ser tão benéfico assim.
Isso porque as pessoas se prendem a estereótipos de caridade que não ameaçam os privilégios dos poderosos. As desigualdades não são superadas e os desafortunados apenas têm seus sofrimentos relativamente minimizados, até atingindo relativa prosperidade, mas nada de muito transformador. Além disso, Divaldo festejou demais o fato de sua Mansão do Caminho beneficiar não mais do que 0,08% da população de Salvador.
A submissão das pessoas a ícones associados a algum status quo, como diploma, visibilidade, dinheiro e poder, ou mesmo a projeção de aparente filantropia, corrompe as suas percepções e impede o Brasil de se progredir, porque os "grandes exemplos" são atribuídos quase sempre a pessoas com valor muito duvidoso e cujos benefícios nem sempre correspondem à realidade, muito aquém do que se diz em apaixonadas declarações.
O verdadeiro intelectual escreve de forma simples e concisa. Milton Santos, o grande geógrafo, é um exemplo. Seus textos têm a simplicidade das palavras, sem o embelezamento verborrágico que muitos "pensadores" badalados e cultuados em ferrenha devoção se utilizam para convencer as pessoas.
Isso porque o verdadeiro pensador têm apenas a missão honesta da transmissão de conhecimento. Já os manipuladores da palavra, com seus discursos cheios do mel das belas palavras e do luxo das expressões rebuscadas e das ideias truncadas e prolixas, é que enganam protegidos pelo prestígio fácil de se obter e difícil de ser derrubado num país em que ainda existem multidões que se deslumbram fácil com o circo da aparência.
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