terça-feira, 24 de novembro de 2015

A diferença entre um aprendiz e um medíocre


Ninguém sabe tudo. A realidade é muito ampla e complexa para que todos possam saber tudo. Daí a diversidade e a diferença de aptidões. Só que, num país marcado pelo pretensiosismo como o Brasil, as pessoas querem ser mais do que são e buscam conquistar não os seus espaços, mas os dos outros.

Desde os anos 90, criou-se um cenário em que as pessoas disputam não mais os espaços que são próprios de sua vocação, mas aqueles que lhes trazem maiores vantagens. Sem entender do ramo que tenta abordar - como, por exemplo, algum oportunista que se candidata a cargo político, ou então uma emissora de rádio, como a Rádio Cidade, se aventurando no rock - , o pretensioso tenta entrar no campo alheio em busca de autopromoção e vantagens pessoais ou institucionais.

O que se permite, nesse caso, nesses processos em que, diz a metáfora, o penetra de uma festa se transforma em seu anfitrião, é a confusão que muitas pessoas têm entre um medíocre e um aprendiz, que faz o primeiro se passar pelo segundo, oferecendo riscos a determinado tipo de causa.

E qual é a diferença entre um medíocre e um aprendiz? Ambos aparecem sem entender muito de determinada coisa. Em tese, ambos tendem a aprender essa coisa e passar a ser especialistas da mesma no decorrer do tempo. Mas isso é na teoria. Na prática, a situação se altera completamente.

O aprendiz é aquele que deseja saber. Sente sincera identificação com a causa que pretende assumir e, não a entendendo, busca conhecê-la com simplicidade, sem sucumbir à autopromoção e procurando a compreensão mais exata possível, mesmo que possa interferir nela com novas ideias e procedimentos que não comprometam a essência da causa assumida.

Já o medíocre é diferente. Ele nunca se identificou realmente com a causa que tardiamente ele quer assumir. De início, ele resiste, até com raiva e intensa teimosia, assumir essa causa, por não gostar da mesma e nem querer aderir a ela em circunstâncias naturais.

No entanto, o medíocre passa a assumir essa causa que ele rejeitava intransigentemente quando ela se mostra vantajosa. Ele muda bruscamente de postura: se ele antes resistia a todo custo assumir dada causa, não admitindo apelos para adesão, de repente ele passa a ser o extremo oposto, querendo defender a causa antes rejeitada como se ele quisesse ser o dono da mesma.

Não se deve confundir essa postura com a de aprendizes que, de início, não gostavam de uma causa e passaram a gostar delas em função do aprendizado e da compreensão. O medíocre não quer saber, quer se apropriar de uma causa vantajosa. quer apenas "conhecer os macetes", para que ele soe "especializado" na aparência, sem que possa conhecer as entranhas dessa causa.

Geralmente, o medíocre faz estardalhaço quando assume a causa que ele inicialmente rejeitou e à qual não aderiu por sincera identificação, mas por oportunismo. Ele "salta de pára-quedas" e surge como um estranho que embarcou numa causa prometendo modernizá-la, consagrá-la e consolidá-la.

O medíocre pode ser uma pessoa mais influente no seu meio original, na sua causa mais conservadora. Ele pode ser carismático e ter tido sucesso em uma outra causa mais condizente aos seus horizontes vocacionais.

Daí que existe o risco dele emprestar seu carisma e influência à nova causa, na qual ele não tem a menor competência, e se aproveitar disso para se apropriar da mesma. A canatrice surge como um processo do medíocre em fingir que sabe tudo e que está interessado em tudo aprender, mas que não é mais do que mero envaidecimento do medíocre bem-sucedido, do incompetente que triunfa.

EXEMPLOS DE MEDÍOCRES

Daí vemos muitos e muitos exemplos de mediocridade bem sucedida que embarca em causas alheias e divergentes em busca de maiores vantagens, uma adesão que nada tem a ver com mudanças sinceras nem com aprendizado, até porque os medíocres continuam tão medíocres quanto antes, e até piores.

Vide, por exemplo, alguns figurões civis que surgiram na ditadura militar, como o ex-presidente da República, Fernando Collor, e o ex-prefeito de Salvador e hoje dono e locutor da Rádio Metrópole FM, Mário Kertèsz, figuras direitistas das mais reacionárias que, em troca de vantagens pessoais, andam parasitando as esquerdas e até se julgando integrantes delas.

Há também as chamadas "mulheres-frutas" ou outras mulheres siliconadas, seja Mulher Melão, Yami Filé e Solange Gomes, entre outras, que personificam abordagens machistas da "mulher-objeto", mas, protegidas pelo verniz da "cultura popular", julgam que fazem um "novo tipo de feminismo".

Elas se apropriam dessa causa, usando como desculpa o fato de não terem namorados, por puro oportunismo, usando a hipersexualização de seus corpos, oferecidos como mercadorias em liquidação de loja, como autopromoção sob o pretexto do "direito à sensualidade", alegação tão hipócrita quanto o de "liberdade de expressão" dos jornalistas reacionários do nível de Reinaldo Azevedo.

Afinal, elas avacalham o sentido de liberdade sexual, de autoestima feminista e ridicularizam até mesmo a imagem da mulher solteira, vinculando seu ideal de vida à curtição e ao sensualismo obsessivo. No entanto, as musas siliconadas querem parecer "libertárias" e "ousadas" diante de procedimentos que parecem arrojados mas são meramente retrógrados.

Há músicos de tendências bregas que fazem pastiches de samba ("pagode romântico") e música caipira ("sertanejo"), que, depois que conquistam o sucesso em anos seguidos, tentam se passar por "grandes nomes da MPB" se servindo de artifícios diversos, como gravar covers, tributos oportunistas, duetos caça-níqueis com emepebistas, cantam com orquestras e tudo, só para esconder a péssima qualidade artística de suas obras autorais.

Na cultura rock, exemplo típico é o oportunismo da Rádio Cidade, uma emissora carioca que fez muito sucesso através do formato de pop eclético - a rádio popularizou, no Brasil, nomes como Donna Summer, Earth Wind & Fire e Michael Jackson - , mas que desde 1995 se apropriou da causa do rock sem que tivesse competência, tradução nem identificação natural com o ramo.

Pelo contrário, o que se vê é a mesma programação hit-parade adaptada ao vitrolão roqueiro. A Rádio Cidade nunca se identificou com a causa roqueira (durante seus primórdios, rádios como Eldo Pop e Fluminense FM representavam o gênero, com competência e personalidade próprias), mas hoje ela tenta enganar o público em geral através do duvidoso lema "Rock de Verdade".

Por trás desse rótulo, porém, o que se observa são apenas programas de "sucessos das paradas": há o programa dos "sucessos do momento" (Cidade do Rock), no qual se enfatizam também os sucessos e as músicas de trabalho nacionais. Há também os programas clones de humorismo pop ("Transa Louca", "Pânico da Pan"), como "Hora dos Perdidos" e "Rock Bola". Programas noturnos de flashback, como Clássicos do Rock.

Os locutores têm a mesma voz afetada das rádios pop, com o timbre quase afeminado, como se dirigissem a fãs de Justin Bieber. A mentalidade é de rádio pop comum. Nada de "rock de verdade", até pelo caráter duvidoso de boa parte das bandas tocadas, que refletem a indigência musical de tendências comerciais roqueiras dos anos 80 e 90 até hoje.

Nesses diversos casos, ninguém muda para aprender ou se tornar realmente diferente. Fernando Collor, Mário Kertèsz, Chitãozinho & Xororó, Rádio Cidade e Solange Gomes continuam tão retrógrados quanto antes, representando valores conservadores enrustidos, e embarcam em pretextos vanguardistas como velhos medievais querendo sobreviver na carona de causas renascentistas.

A mediocridade é um grande perigo, porque o medíocre, do contrário do aprendiz, não quer realmente saber. Só "aprende" quando é pressionado, seja por críticas negativas, seja pelo andar das circunstâncias. Nunca muda por vontade própria, e até estabelece limites para suas mudanças, condicionando-as à busca de alguma vantagem e autopromoção.

MERITOCRACIA

A própria deturpação do sentido de meritocracia também tenta proteger os medíocres. A ideia distorcida de meritocracia ser a "ditadura do saber" e o "monopólio do saber fazer", tão pregada pelos seus fanáticos ideólogos, permite a delegação de competências para os incompetentes.

O exemplo de uma intelectualidade festiva comprometida com a degradação da cultura brasileira ao ridicularizar personalidades como o cantor e compositor Chico Buarque é um claro exemplo de como o ato de saber fazer algo torna-se alvo de preconceitos, aquele que sabe é visto como um "incompetente às avessas", num país em que usar o raciocínio é visto como um mal.

Com isso, a tecnocracia prevalece e o verdadeiro sentido de meritocracia, que se refere aos privilégios formais de formação acadêmica ou de presumido status de formação de opinião e decisões, sem que se levem em conta vocações naturais para tal especialização ou causa, permite que a competência seja sempre um atributo privilegiado dos incompetentes.

Cria-se todo um teatro da "especialização". Pessoas que não sabem fazer direito, mas sabem muito bem criar desculpas. Se ocorre algum retrocesso, dizem que é pela necessidade de atingir maiores demandas, menor custo e buscar maior rendimento financeiro. Se ocorre algum erro, alegam que ele foi repentino ou corresponde a um risco já previsto mas sanável.

Não há melhoras e, a reboque de tudo isso, ocorrem até mesmo medidas antipopulares, como, no sistema de ônibus carioca, ocorre com a redução de trajetos de ônibus e a pintura padronizada nas empresas. Tudo por conta da mediocridade dos secretários de Transporte, que nunca andaram de ônibus mas se julgam os "maiores entendedores" do transporte.

A meritocracia real, da ditadura dos diplomas - que deixam de ser atestado de conhecimento acadêmico para ser instrumento de poder e dominação - , da imposição da visibilidade (como no caso de Mário Kertèsz, que nem formação de Rádio nem de Jornalismo possui) ou do prestígio (a Rádio Cidade, só porque fez sucesso num segmento musical, acha que será bem sucedida em outro), revela o quanto os princípios de know how são deturpados e ridicularizados constantemente.

E aí entramos no "espiritismo" brasileiro, uma seita que poderia muito bem ter sido um tipo avançado de Catolicismo. Em vez de se apropriar do prestígio da doutrina de Allan Kardec, a doutrina brasileira poderia muito bem ter se limitado a ser uma variante da Igreja Católica dotada de paranormalidade e esoterismo, que teria ganho em despretensão, embora perdido em oportunismo e sensacionalismo.

No entanto, a mania da mediocridade em pegar carona numa causa que não lhe diz respeito - é a aplicação do ditado "meter o nariz onde não é chamado" - fez com que se fizesse um "espiritismo" incompetente, que não raro entrava em choque violento com as ideias de Allan Kardec, e que, para piorar, virou um festival de demagogia, fingimentos e mentiras deploráveis.

Assim, os "espíritas" brasileiros desperdiçam suas retóricas para jurar, em falsas e chorosas súplicas, aquilo que nunca fazem nem se interessam em fazer: a rigorosa fidelidade ao pensamento de Allan Kardec, ao respeito integral aos seus ensinamentos, o inabalável controle da conduta espírita, entre outras alegações.

No entanto, eles traem o tempo todo. Evocam obras de deturpação grotesca trazidas por Chico Xavier. e camuflam suas traições doutrinárias com bom mocismo, como se jogasse o aspecto Moral da Doutrina Espírita contra os da Ciência e Filosofia.

A mediocridade doutrinária, não bastasse o desconhecimento da prática mediúnica - que quase sempre não passa de puro fingimento - , torna-se um sério delito, que tantos prejuízos causaram na compreensão da doutrina de Allan Kardec que, às custas dos medíocres usurpadores de seu prestígio, foi mal interpretado e associado a ideias e práticas que o pedagogo francês, no fundo, teria reprovado de maneira severa e imediata.

Com isso, o "espiritismo" demonstrou para onde vai a mediocridade quando ela é consagrada, apoiada e consolidada. Com o triunfo dos medíocres, o não saber fazer prevalece como um falso saber, causando estragos severos e eliminando as essências originais de causas que acabam tendo muita dificuldade para recuperar seus sentidos verdadeiros.

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