segunda-feira, 23 de novembro de 2015

As contradições intelectuais da exploração da mulher pela mídia

GEISY ARRUDA E MULHER MELÃO (NA FOTO, NUMA FESTA NOTURNA), SÃO SUBCELEBRIDADES ASSOCIADAS A MUITAS PLÁSTICAS.

Recentemente, uma parcela da intelectualidade brasileira, comprometida a defender a degradação da cultura popular sob o pretexto do "triunfo do mau gosto", sobretudo mulheres ligadas ao jornalismo, ao ativismo comunitário, à direção cinematográfica e ao ambiente acadêmico, escreveram textos criticando a chamada "ditadura da beleza" imposta pela grande mídia.

Os alvos dessas críticas eram tanto os comerciais de televisão quanto aos das grandes revistas de circulação nacional, que criavam um padrão ideológico da mulher, que se baseava em modelos rígidos de embelezamento e boa forma.

Além desse aspecto, as ativistas, alinhadas em tendências esquerdistas consideradas brandas, se queixavam de que a imagem da mulher brasileira era ridicularizada pelos estereótipos que os comerciais televisivos trabalhavam. Os comerciais mostravam uma mulher burra, alienada, abobalhada e satisfeita com suas tarefas domésticas.

Preconceitos sociais eram trazidos como o fato de mulher não saber dirigir um carro - quando sabemos que, na realidade, são os machistas os piores condutores de carro, até porque eles costumam beber ao dirigir - e pelas frescuras associadas à maneira de se vestir ou o modo de como uma mulher cuida das crianças e do marido.

Revistas como Cláudia, Manequim, Boa Forma e Marie Claire eram criticadas pela sua associação à mídia reacionária que as analistas se opunham. As três primeiras são publicações da Editora Abril e a terceira, uma franquia de uma revista estrangeira publicada pelas Organizações Globo.

As intelectuais, no entanto, se contradiziam quando aceitavam que as mulheres simbolicamente associadas à "cultura das periferias" - o que especialistas definem como bregalização cultural - , como as "boazudas", adotem procedimentos de plásticas e outras apelações estéticas ou comportamentais sob o pretexto de "desenvolver a autoestima".

Em diferentes textos, as intelectuais criavam um contraste em que a preocupação com os problemas vividos pelas mulheres diante do machismo, defendendo uma coisa para as mulheres da chamada classe média e outra completamente diferente em relação às que simbolizam a "cultura popular" midiática.

Se elas reclamam que as mulheres de classe média estão sendo ridicularizadas pelos comerciais de televisão e sofrem a pressão da "ditadura estética", elas elogiam quando a imagem da mulher é ridicularizada no "funk carioca" e quando as "boazudas" carregam no silicone e nas plásticas.

São dois pesos e duas medidas. O que, para a mulher de classe média, corresponde a uma exploração depreciativa pelo mercado da grande mídia, para a mulher "pobre" corresponde a um ato positivo de autoestima e de "discurso direto" contra (?!) o machismo, além da liberdade (sic) de se beneficiar com as técnicas de embelezamento, a pretexto do "direito ao corpo".

O que é mais aberrante é que, quem prega essa contradição ideológica são mulheres dotadas, em tese, de algum esclarecimento intelectual e uma conscientização sócio-política e cultural. Ver que elas compactuam com os valores machistas, quando eles são associados às "periferias", é um problema gritante.

A mulher é trabalhada de forma imbecilizada tanto pelos comerciais de TV quanto pelos ritmos "populares" como o "funk" e o "forró eletrônico". Não devemos esquecer que, se por um lado os executivos da grande mídia permitem tais campanhas publicitárias, são eles mesmos que promovem as manifestações "populares demais" que tocam muito nas rádios e nas TVs.

Se os comerciais de televisão, como os de produtos de limpeza, mostram uma mulher alienada tolamente feliz porque vai fazer a faxina da casa, o "funk" e o "forró eletrônico" trabalham a hipersexualização da mulher, de uma forma não menos imbecilizante.

GISELE BUNDCHEN E VALESCA POPOZUDA - Unidas num evento de moda, separadas nas abordagens das intelectuais badaladas.

Qual é a diferença entre uma Gisele Bundchen fazendo o papel de objeto sexual num comercial de roupas íntimas, tão reprovada pelas intelectuais mais badaladas, e a Valesca Popozuda fazendo o papel de objeto sexual em suas apresentações de "funk", elogiada pelas mesmas intelectuais?

Essas contradições, que as intelectuais que deveriam evitar, mostram o quanto de elitismo tem toda a intelectualidade que fica complacente com a chamada "cultura de massa" e que marcou a tendência que predominou no Brasil entre 2002 e 2014, comprometendo o progresso das classes populares que tiveram que aceitar a degradação cultural imposta pela mídia.

Enquanto textos eram publicados reprovando o fato de que revistas como Cláudia e Boa Forma incentivavam as mulheres a usar botox, colocar silicones, fazer lipoaspiração e forçar a boa forma aos níveis acima de suas condições individuais, outros eram publicados elogiando a "liberdade do corpo" de musas "populares" que apelam para plásticas e silicones e lipos.

Para piorar, a "ditadura da beleza" pega mais pesado no lado "popular", porque o uso de botox, na "boa sociedade", praticamente se limita a mulheres com mais de 45 anos, e a lipoaspiração é feita em clínicas conceituadas.

No "lado de baixo", o "direito ao corpo" faz mulheres perderem a aparência original com sucessivas plásticas, enquanto a lipoaspiração é feita em clínicas pouco confiáveis, o que trouxe inúmeras tragédias consequentes dos erros diversos.

Personalidades como Geisy Arruda, Yami Filé, Solange Gomes, Renata Frisson (Mulher Melão), Andressa Soares (Mulher Melancia) e outras (como ex-integrantes do Big Brother Brasil e competidoras do Miss Bumbum), abusam do uso do silicone e se autoafirmam pelas muitas plásticas que fizeram, são no entanto elogiadas pelas intelectuais festivas que lhes atribuem "coragem" e "ousadia".

Quer dizer, o que para a mulher que simboliza o ideal da classe média é sinônimo de humilhação, imbecilização e imposições estéticas, para a mulher que simboliza o ideal das classes populares é visto como ato de coragem, ousadia desafiadora dos "bons costumes" e expressão de sua valorização pessoal.

São posturas desiguais. Na classe média, a mulher não quer ser assediada pelos homens, não quer exibir a todo custo suas formas físicas e não quer seguir cartilhas relacionadas a padrões de beleza "ideais".

Nas classes populares, a mulher é vista como uma "carne de rua", "livre" na sua exposição corporal, "inocente" em suas gafes e comprometida com a promoção do sexo e da sensualidade como mercadorias a estimular ainda mais o apetite já afoito dos machos.

Chegou-se ao ponto da mídia coronelista (sobretudo da parte de rádios FM ditas "populares") da Bahia, por exemplo, incentivar que mulheres pobres adotem uma postura hipersexualizada e assediem os homens de maneira persistente e obsessiva, dentro de um estereótipo de objetos sexuais que fazia essas moças serem altamente vulneráveis ao tráfico de mulheres e à prostituição.

Se a mulher "de elite" comete gafes e equívocos, ela é duramente criticada pelas intelectuais festivas. Se é a mulher "da periferia" que faz isso, a postura é diferente, sendo vista como "coisa divertida" e manifestação de "senso de humor" e "irreverência".

Que Brasil poderá ser feito, em favor das mulheres, se por um lado a classe média organiza campanhas como o "chega de fiu-fiu" e, nas periferias, se estimula que uma grande série de mulheres "sensualizem" e "mostrem demais", como expressão da "liberdade do sexo" e do "direito à sensualidade".

Isso mostra um grave elitismo. Nas periferias, mulheres morrem em cirurgias de lipoaspiração ou implantação de silicones, e elas se tornam vulneráveis ao estupro, por causa de machões marcados pela overdose de glúteos e bustos redondos que acendem suas fogueiras sexuais de maneira sem controle.

As mulheres de classe média são protegidas. Se a mídia as explora de forma imbecilizada, as intelectuais badaladas e festivas reclamam, chiam, acusam de abordagem machista e tudo o mais. Só elas, no entanto, é que podem ter uma imagem mais respeitosa pela sociedade, pelo mercado e pelos meios de comunicação.

Já as mulheres das classes populares, vale tudo. A hipersexualização, representada pela descontrolada exibição de poses "sensuais" a qualquer preço, aliada a todo um processo de plastificação corporal que envolve silicone, lipoaspiração, botox, e tantos exageros que as mulheres investem até na juventude (vide Yami Filé, Geisy Arruda e Anitta), as mesmas intelectuais aprovam e apoiam.

Isso é vergonhoso. Afinal, essas intelectuais, que se julgam comprometer com a pesquisa, com o ativismo e com a cultura, na medida em que cometem tais contradições, traem sua tarefa progressista de pensar pelas melhorias sociais das mulheres das periferias, que merecem mais respeito e não se identificam com essa imagem deturpada que a mídia "popular" trabalha sobre elas.

As mulheres das classes populares também são vítimas da imbecilização midiática, da opressão mercadológica e dos assédios machistas, e isso não pode ser visto como "liberdade", mas o mesmo processo em que vive a mulher de classe média quando é sujeita à ditadura estética, à idiotização publicitária e à hipersexualização machista. Os problemas são os mesmos, apesar das diferenças de classe social. As intelectuais festivas é que deveriam rever seus (pre)conceitos.

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