terça-feira, 3 de novembro de 2015

Por que o Brasil se rebela tanto contra a capacidade de pensar?


Por que no Brasil existem pessoas influentes que se rebelam contra a capacidade de pensar? Por que o raciocínio é sempre usado para a conformação e a resignação, ou mesmo para aceitar ideias e decisões duvidosas?

Por que será que a ignorância é vista como uma convicção e uma proteção contra a instabilidade social, quando o fato de não sabermos das coisas é apenas uma questão de simplesmente não saber e não de não querer saber. Se somos ignorantes, não é porque ser assim é o máximo, mas simplesmente porque, na realidade complexa em que vivemos, não podemos saber tudo.

Mas, infelizmente, a ignorância é vista como se fosse o máximo, não necessariamente no discurso. A retórica tenta mascarar as coisas, as pessoas perversas são as que mais se servem de discursos benevolentes e não é raro o egoísmo humano se apoiar em justificativas pretensamente altruístas.

A discriminação contra o senso crítico, a valorização da memória curta, o uso do jeitinho brasileiro para conseguir vantagens atropelando a ética e o bom senso, tudo isso são fenômenos que acontecem no Brasil e são apoiados por pessoas dotadas de influência decisória e capacidade de formação de opinião.

Várias pessoas reclamam na Internet pelo fato de serem abandonadas pelos próprios amigos por causa da expressão de senso crítico. A desculpa é que "ninguém aceita mais" quem "reclama muito das coisas". O mais irônico disso é que os contestadores são acusados de "mal-humorados" e de terem "falta de jogo-de-cintura", mas quem está de mau humor e sem jogo-de-cintura são os conformados que acusam os contestadores de "arredios", "chatos" e "insuportáveis".

No Brasil está havendo uma discriminação muito forte contra quem "reclama demais" das coisas. Depois dos "Revoltados On Line", até parece que surgiram os "Acomodados On Line" que se afastam de quem questiona o "estabelecido" e que lutam para que as mídias sociais sejam "paraísos" de "muita diversão e alegria".

No Rio de Janeiro e em outras áreas do Sul e Sudeste - podendo ser até em Curitiba, no Sul de Minas Gerais ou na Baixada Santista - , a discriminação tem como objetivo não atrapalhar a imagem de prosperidade social dessas regiões, que passaram a aceitar retrocessos devido ao status quo de quem os decide e visando a "paz social" necessária para o sucesso do turismo em eventos de ponta. No Rio, haverá Olimpíadas em 2016.

Até mesmo o mercado literário segue o mesmo caminho. Os livros mais vendidos são de temáticas inócuas: primeiro foram as biografias de cachorros com nomes de músicos estrangeiros, depois os livros para colorir (um enorme desperdício de papel) e, agora, são os diários de bobagens dos chamados youtubers.

Através dos youtubers - conhecidos também como "vlogueiros", blogueiros de vídeos - , mais uma vez a ideia de "inteligência" que é difundida equivocadamente nos meios sociais em geral tenta se prevalecer: uma combinação de um consumo voraz de informações trazidas pela mídia e pelo mercado com um certo humor irreverente que não incomoda o "sistema".

Se ser inteligente não é raciocinar mas combinar esperteza e senso de humor, consumismo de objetos e ideias em moda e um certo cinismo, mesmo que seja para fazer um vídeo de meia-hora "filosofando" sobre coisas tão inócuas quanto espinha na cara, então o Brasil não tem condições de liderar o mundo.

RAZÕES DO ANTI-INTELECTUALISMO

O que é mais irônico é que a intelectualidade que predomina no Brasil é a mais anti-intelectual que existe no mundo. Anti-intelectual no sentido de ser contrária ao processo de pensar e refletir as coisas. A banalização do pensamento científico como expressão de temáticas abstratas ou fórmulas complicadas torna-se o motivo dessa "criminalização" do ato de pensar.

Nos cursos de pós-graduação, o que prevalece é a norma do discurso arrumado, da ideia de "abordagem científica" pela forma e não pelo conteúdo: a forma requer um discurso "objetivo", um desfile de palavras bem organizadas que suportam um discurso neutro, em que a "problemática" nunca é vista como um problema a ser resolvido, mas um fenômeno a ser meramente observado e aceito como uma "produção de sentido" dos dias de hoje.

O discurso "científico" torna-se um arremedo de análises e questionamentos, que se perde num desfile de citações de referências e abordagens meramente descritivas. Os pós-graduandos perdem o tempo todo tentando explicar seus projetos, as monografias são quase sempre prolongamentos de "justificativas" que precisam abordar em seus anteprojetos.

E por que ambientes em que se deveria estimular o questionamento são os que mais os desestimulam e rejeitam? Essa tendência, que mancha a reputação dos meios acadêmicos brasileiros, em que pese termos tido grandes pensadores no passado, segue uma tradição burocrática e elitista que persegue os sistemas de Ensino como um todo.

São programas de Ensino que já surgem desprovidos de função social. São meramente de formação técnica e profissional, e por isso os problemas sociais são apenas parcialmente questionados. A visão elitista e burocrática, que protege o sistema de classes vigente e cria critérios de pesquisa e estudo mais rígidos, impede que o raciocínio se expresse de forma livre e questionadora.

Logo no começo da pós-graduação, através do julgamento de valor dado para bancadas de pós-graduação analisando projetos de candidatos ao Mestrado ou aos cursos de Especialização, ter senso crítico é visto erroneamente como se fosse "impulso da juventude", "reflexos de rebeldia adolescente".

É uma visão elitista que segue a visão aristocrática que a Educação quase sempre teve no Brasil, sendo apenas um processo de formalidades letivas, ensino meramente "instrumental" - ligado ao mercado de trabalho e a cátedras acadêmicas - , e adorno discursivo só para dizer que existem "bons trabalhos acadêmicos" em produção.

Até o "movimento espírita" sempre se deu a imitar os trejeitos intelectualoides dos "pavões" educacionais. Vide o mito que Divaldo Franco trabalhou, adotando um tom professoral e um discurso bastante rebuscado, inspirado nos acadêmicos aristocráticos. Vide muitos antigos líderes "espíritas", que repetiam as poses dos membros das Academias de Letras.

A situação, trazida para o contexto atual, reflete o tom descritivista usado pelo Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (NUPES) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), através da equipe de Alexander Moreira-Almeida, que não segue orientação diferente dos cursos de pós-graduação em geral.

Afinal, é de praxe que na pós-graduação prevaleçam teses que finjam questionar determinado problema, mas que não são mais do que propagandas disfarçadas, em que o "problema" passa pela "roda de fogo" de sua polêmica inicial para depois chegar ao final da monografia são e salvo, sob a desculpa de que ele realiza "produção válida de sentido" na realidade atual.

É neste contexto que vemos intelectuais aparentemente dedicados à cultura popular, como Hermano Vianna, Paulo César de Araújo e Pedro Alexandre Sanches, adotarem uma postura complacente ao comercialismo musical vigente pelo poder midiático, adotando a postura anti-intelectual de evitar qualquer questionamento sério, preferindo adotar posições complacentes com o "estabelecido".

A partir dessa realidade acadêmica, a Ciência sempre é deturpada como um processo que combina fórmulas de difícil assimilação pelos estudantes pouco especializados e reflexões prolongadas e difíceis de temas abstratos. Cria-se um mito negativo para o processo científico, que mascara uma realidade que é diferente do que existe lá fora.

O próprio Allan Kardec vivenciou esse contexto e sabe-se que, lá fora, os trabalhos científicos são, em discurso, bem menos empolados e rebuscados, porém em conteúdo de ideias arriscam-se mais a questionar as coisas.

Observando os textos de Percival Lowell, o astrônomo que estudou a possibilidade de haver vida em Marte antes mesmo dos trabalhos tidos como "pioneiros" de Chico Xavier através de relatos meramente romanescos, nota-se que o astrônomo procurava ser claro e conciso nas suas ideias.

Livros como os de Noam Chomsky e Eric Hobsbawm podem até serem grandes, mas com um pouco mais de dedicação à leitura, observa-se que eles são bem claros nas suas exposições, em que pesem os textos de longos parágrafos e uma quantidade muito grande de informação. O problema é a falta de paciência do leitor médio brasileiro em encarar tais textos.

O leitor médio prefere ler apressadamente, apenas "pescando" palavras-chaves sem entender o real sentido da coisa. É assim que ele acaba aceitando não só Chico Xavier, como, por exemplo, acreditando que um Pedro Alexandre Sanches é "esquerdista", esquecendo que ele adota uma visão fanaticamente mercantilista da cultura popular.

As pessoas se iludem com a aparência, porque sua compreensão costuma ser majoritariamente visual, e não conseguem entender direito o que está por trás delas. Se o visual caipira de Chico Xavier ludibria as pessoas em seu estereótipo de "amor e bondade", o exemplo de Sanches reflete o engano em atribuir-lhe "modernidade e esquerdismo" à sua aparência de pós-hippie e retórica modernosa.

O medo do questionamento, a preguiça de pensar e o desprezo para o questionamento dos outros faz o Brasil adoecer na rejeição ao ato de pensar. É como se o dom do raciocínio, que faz o ser humano ser diferente de outras espécies animais, fosse visto como um mal pelos brasileiros.

Só que o desprezo ao senso crítico e ao questionamento, mesmo apoiado por desculpas atraentes como "estar de bem com a vida" e "evitar perturbações e desordem social", comprometerá o progresso do Brasil e criará, através do conformismo, um quadro ainda mais grave de desigualdades e retrocessos sociais que nenhum sorriso na cara irá compensar.

Chegará um dia que a felicidade artificial das mídias sociais comprovadamente se revelará incapaz de resolver os problemas, até porque sempre foi vista como uma pretensa solução para problemas que deveriam ser aceitos e não combatidos.

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