quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Cariocas se revelam intolerantes e conservadores

BRIGA E LINCHAMENTO CAUSARAM A MORTE DE UM VENDEDOR NO BAIRRO CARIOCA DE IPANEMA.

O que tem em comum os arbítrios das autoridades cariocas, a trolagem na Internet, o fanatismo pelo futebol local e a violência nas ruas da ex-Cidade Maravilhosa? Eles mostram diversos aspectos que revelam o atraso e o conservadorismo que envolvem uma parcela influente do povo do Estado do Rio de Janeiro.

Não se pode dizer se é maioria, mas o que se observa é uma parcela bastante influente. Afinal, numa trolagem, geralmente são duas ou três pessoas que fazem, mas como eles recebem a simpatia de colegas em comunidades específicas nas mídias sociais e carregam uma reputação de "divertidos" e "descontraídos", eles recebem a adesão de muita gente nos seus atos de truculência digital.

Recentemente um grupo de cerca de 300 pessoas participaram de um luau na Praia do Arpoador, que fica entre Copacabana e Ipanema. Um vendedor de gelo entrou em discussão e depois morreu linchado por uma multidão na altura da Rua Gomes Carneiro, que liga a Praça General Osório, em Ipanema, ao entorno da Av. Nossa Senhora de Copacabana e Rua Barata Ribeiro.

A informação oficial é que o vendedor assediou duas mulheres, uma delas casada. O marido chegou-se a ele e as três pessoas discutiram com um vendedor. Ele teria sido visto pegando uma barra de ferro. O casal e a amiga foram chamar um grupo de pessoas. Houve briga, discussão, o vendedor foi linchado e morreu. Os linchadores fugiram. Suspeitos foram detidos, horas depois.

É um cenário de truculência dentro de um cenário explosivo na outrora Cidade Maravilhosa, que vive retrocessos sem controle temperados pelo arbítrio político do PMDB carioca. Só no caso do transporte coletivo, o Ministério Público já investiga as mudanças impostas para as linhas de ônibus nos últimos meses. já que se aponta falta de estudos e de consideração das necessidades dos passageiros.

Tudo acaba sendo imposto no Rio de Janeiro. E a qualidade de vida também não é respeitada, mesmo com medidas paliativas como a pequena Praia de Rocha Miranda no Parque de Madureira, feita para compensar a não ida de suburbanos para o litoral carioca, ou a "programação rock" da Rádio Cidade, que o mercado impôs como canal de suposta expressão da rebeldia juvenil no Grande Rio.

A Praia de Rocha Miranda, na verdade, é uma pequena piscina cercada de areia e, ao lado dela, três chuveirões denominados "cachoeiras artificiais". É um pequeno espaço, pouco para a demanda potencial do lugar, que envolve não só a grande região de Madureira - que vai de Cascadura a Deodoro, de Vila Valqueire a Rocha Miranda - , mas também as do Méier, Jacarepaguá e Bangu.

A Rádio Cidade, na prática, é uma "rádio pop que toca rock". Sem histórico nem competência para tal - produtores e locutores não são especializados em rock, até o estilo de locução remete mais às FMs pop convencionais e a seleção musical, só de hits, é previamente decidida pelas gravadoras - , a emissora, na verdade, se compromete em abordar uma imagem domesticada do jovem roqueiro.

Esses são apenas dois de muitos retrocessos que envolvem o Estado do Rio de Janeiro e, principalmente, sua capital. É um quadro tão chocante que o conservadorismo dos cariocas já começa a reagir de maneira teimosa e intransigente, rejeitando, nas mídias sociais, amigos e seguidores que expressam algum questionamento e fazem alertas.

Reclamações existem até dentro do público de rock, mesmo o autêntico, para o qual as críticas à Rádio Cidade soam "incômodas" mesmo entre os que não compartilham de sua mentalidade comercial, iludidos com a chance de, como coadjuvantes de um mercado dominado por uma FM incompetente, possam ter os "seus espaços" e seu "mercado próprio".

O conservadorismo carioca - e, por conseguinte, fluminense - , expresso na humilhação dos troleiros na Internet ou na intransigência dos que querem "felicidade acima de tudo", é um dado crônico que faz com que muitos questionadores percam amigos, espaços de divulgação, oportunidades de emprego etc só porque se recusam a serem "felizes, apesar de tudo".

Só que essa "felicidade" esconde um mau humor de seus detentores, porque quando se é "feliz" à força, é porque há neuroses a serem acobertadas, escondidas. São problemas que se acumulam no cotidiano do Rio de Janeiro e são muito mais graves para os níveis aceitáveis de uma cidade tida como "moderna".

O Rio de Janeiro, com seu quadro extremamente chocante, chega a ser comparado aos EUA, como um cruzamento entre o Estado da Califórnia, glamouroso e litorâneo, com o ultraconservadorismo dos sulistas Texas, Tennessee e Alabama.

Semanalmente ocorrem várias tragédias. Acidentes com ônibus "padronizados", sejam convencionais, executivos ou BRTs, tiroteios em várias áreas e sobretudo na Linha Vermelha, assaltos e assassinatos à luz do dia, linchamento em Ipanema, incêndios em apartamentos com coleções de quadros, congestionamentos descomunais do tráfego, a violência digital dos internautas cariocas.

São muitos casos que se amontoam nos noticiários e vão além dos limites aceitáveis mesmo para uma zona urbana complexa e cheia de problemas. E ainda existe o assédio verbal que obriga os cidadãos que vivem no Grande Rio a torcerem por algum dos quatro times cariocas (Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo), ou, na pior das hipóteses, sempre gostar de futebol, sob pena de sofrer discriminações sociais de toda forma, até mesmo demissão no emprego.

De divulgação de cartazes de grupos fascistas em Niterói até a eleição de truculentos deputados como Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro, passando por ciclistas mortos a facadas, crianças pobres mortas por balas perdidas e mendigos incendiados, o Estado do Rio de Janeiro parece decair de forma ainda mais humilhante que a já desastrosa decadência da Grande São Paulo do malufismo-tucanato que permitiu que até o PCC mostrasse seu poder paralelo mesmo dentro das celas de prisão.

E se a decadência do Estado do Rio de Janeiro é extremamente chocante para o país, mais chocante é o ultraconservadorismo da parcela influente, ainda que não majoritária, de cariocas e fluminenses, incomodados com a perda de reputação do Estado e de sua capital, e que reagem a essa decadência boicotando qualquer apreço ou ajuda aos próprios amigos e simpatizantes.

Ou seja, com tudo isso que acontece, internautas cariocas e fluminenses só aceitam os amigos que publicam coisas "positivas" e "engraçadas", torcem por um dos quatro times cariocas, e se preocupam em ler livros de vlogueiros "lokos" ou de obras de ficção em torno do Minecraft, que agora tornou-se a moda no mercado literário, que parece aos poucos descartar os "livros para colorir".

Os problemas se acumulam e a tragédia aumenta, e se pergunta se é preciso que um atentado como o que ocorreu em Paris, no último dia 13, aconteça em algum recanto nobre do Rio de Janeiro, para que se chame atenção para sua decadência.

Enquanto isso não acontecer, a ordem é "ser feliz" mesmo quando, numa baldeação dos trajetos Zona Norte-Centro e Centro-Zona Sul, se perca mais tempo em engarrafamentos, ou encare uma chuva de balas de fuzil voando pela Linha Vermelha.

Mesmo que seja sob o preço do preconceito social, rindo de sogras escorregando da borda da piscina em vídeos "hilários", tem que ser "feliz" no Rio de Janeiro, e ainda por cima vibrar com a vitória de um dos quatro times de futebol.

Ou então aceitar a canastrice da Rádio Cidade, pela esperança de ver o mercado roqueiro "aquecido" e um medalhão do rock se apresentando no Rio todo ano, ou criar um oceano imaginário dentro do laguinho da Praia da Rocha Miranda. Só falta achar que a Mulher Melão é discípula carioca da Audrey Hepburn, mas ainda não se chegou a esse ponto.

Não sendo assim, as pessoas mais influentes, irritadas com suas neuroses ocultas, reagem intolerantes, agressivas e conservadoras, não dando atenção, não ajudando nem prestando afeto, boicotando a gente incômoda que tira a "boa sociedade" do Rio de Janeiro das viagens profundas da ilusão.

Há quem se irrite porque o outro lhe mostra apenas a realidade. E é isso que faz o Rio descer cachoeira abaixo.

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