segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Religião não garante prevenção de suicídio

RAUL POMPEIA - ESCRITOR BRASILEIRO QUE OS MORALISTAS RELIGIOSOS "DEMONIZAM" POR TER SIDO ATEU E TER SE SUICIDADO.

Religião é remédio para prevenir o suicídio? Não. A religião não intimida nem induz ao suicídio, sendo apenas um sistema de crenças, ritos e dogmas que não necessariamente influi no progresso do caráter da pessoa. Às vezes, pode ser, mas não é todo religioso que se torna uma pessoa evoluída e, se ela evolui, é mais pelos próprios esforços do que pelo êxito de seu sistema litúrgico.

Nos últimos tempos, o "movimento espírita", que está mais próximo a uma forma flexível do Catolicismo medieval do que de uma adaptação brasileira da doutrina de Allan Kardec - com toda a bajulação que os "espíritas" brasileiros dão ao pedagogo francês, até se dizendo "rigorosamente fiéis" - anda pregando que sua doutrina "salva vidas" e "tira muitas pessoas do suicídio".

O argumento que o "espiritismo" brasileiro, a exemplo de outras religiões, dá, para dizer que "evita o suicídio", é a ideia que trabalham do que podemos entender como idealização imaginária dos flagelos de além-túmulo. Algo similar ao Inferno católico.

Não vamos aqui analisar o sentido das analogias católica e "espírita" do que são o Céu, o Purgatório e o Inferno, pois algumas fontes do "movimento espírita" divergem sobre o que equivale a um e outro, já que algumas abordagens definem Nosso Lar como o Céu (ou Paraíso), outras como Purgatório, enquanto para outras fontes o Umbral é que é o Purgatório, embora outros o definam como Inferno.

Citando como exemplos o Catolicismo e o "movimento espírita", focos de nossa análise, a certeza de que, no além-túmulo, existe um cenário de "pesadelo" para pessoas que cometeram algum mal, A narrativa é análoga às obras do terror, que corresponderam a literaturas "marginais" da Idade Média, através de obras góticas de temáticas bastante sombrias.

Claro, isso vem desde que Dante Alighieri escreveu A Divina Comédia e, com sua ficção dotada de muito surrealismo, descrevia os horrores do Inferno. No decorrer do tempo, o Inferno católico foi adaptado pelos "espíritas" e teria, na sua abordagem geral, concebido as "zonas inferiores" que são conhecidas como Umbral.

Só que sabemos que o Umbral não existe, não passa de uma ficção trazida pelo moralismo religioso, e que o que existe no além-túmulo são apenas sensações individuais que variam, conforme a situação, nas impressões positivas e negativas consequentes de seus atos e decisões.

O grande problema é que o moralismo do "espiritismo" não é muito generoso para prevenir alguém de cometer suicídio. Em primeiro lugar, pela "demonização" da prática, em que o juízo de valor "espírita" trata o suicídio como um "crime hediondo", pior do que o homicídio.

Várias abordagens "espíritas" definem, pasmem, o homicídio como um ato menos grave, por mais que ele represente o egoísmo levado às mais extremas e últimas consequências. Para quem se impressionou com o moralismo da Terra usando justificativas "urgentes" para defender o homicídio, a moral "espírita" também tem sua "motivação" neste sentido.

Pois se na Terra os homicídios são praticados alegando "defesa da honra", "direito à propriedade", "combate à subversão" ou porque "fulano sabe demais", o "espiritismo" define um homicida como se fosse um "justiceiro" dos chamados "resgates espirituais" e, embora admita que o homicida também "pagará pelo que fez", atribui a sentença para uma ou duas encarnações posteriores, com base na tese do "fiado espírita".

É surreal definir o suicídio como pior do que o homicídio porque este vai contra a vontade alheia, de maneira irrecuperável. O suicida não pode ser pior do que o homicida porque o primeiro o faz por sua livre escolha, o outro faz sem a permissão de alguém.

Mas se o "espiritismo" se autodefine como um "remédio contra desejos suicidas", sua ideologia faz o contrário. Através de Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier tão adorado por seus seguidores, o "espiritismo" defende a Teologia do Sofrimento, que se baseia na tese de que é preciso sofrer coisas piores na vida visando um "prêmio" que será conhecido no além-túmulo.

Essa tese, emprestada do Catolicismo, norteia o "espiritismo" e explica por que tanta maré de azar acontece em pessoas que seguem o "movimento espírita". Mães devotas que, de repente, veem seus filhos morrerem. Infortúnios que chegam aos que professam a "fé espírita". Pessoas prejudicadas depois de passarem por tratamentos espirituais.

Ler um livro de Emmanuel é pior do que passar debaixo de escada ou quebrar um espelho em casa. O próprio "espiritismo" não valoriza a vida material, e isso é uma visão materialista porque essa desvalorização, na verdade, é o desprezo à importância do espírito para intervir na vida material e torná-la melhor, mais proveitosa e agradável.

Por isso é que, segundo o "espiritismo", pouco importa se o indivíduo quer amar alguém por afinidades espirituais, quer um trabalho específico para nele investir seus potenciais. A vida não tem diferenciação, tudo tem que ser conforme "os desígnios de Deus", e o que os "espíritas" querem é que o indivíduo, que veio na Terra "para sofrer", só "viva como se pode".

A própria moral "espírita", como toda moral religiosa, na medida em que estabelece uma relação de submissão e arbítrio, que é o motor da Teologia do Sofrimento, cria também condições para o suicídio, porque o maior princípio da doutrina é estabelecer as relações entre o ser humano e os infortúnios, alguns impostos gratuitamente pela "má energia" trazida pela doutrina.

O próprio moralismo não previne suicídio. Ele impede as pessoas de se matarem mais por intimidação do que por algum interesse em auxílio. Que "esperança" querem dizer os "espíritas"? A "esperança" de que, com uma encarnação desperdiçada por infortúnios desnecessários, algo "de melhor" aconteça no além-túmulo? A certeza no incerto, a esperança no duvidoso?

O que nos virá depois? Não se sabe? Se deixamos de fazer algo nesta encarnação, poderemos fazer o mesmo na próxima? Não. Os tempos mudam, e o que não se fez hoje dificilmente será feito amanhã, porque os contextos mudarão completamente.

Essas coisas não são admitidas pelos "espíritas". Eles desvalorizam a vida material e, por isso, ignoram a necessidade do espírito de intervir na vida material da melhor forma. O próprio "espiritismo" trava e complica o progresso espiritual da pessoa. Suas energias influem em infortúnios e armadilhas sem necessidade, apenas pelo fato de criar a provação pela provação.

Daí que essa má sorte é que acaba mais inspirando do que prevenindo o suicídio. O "espiritismo" cria condições para as pessoas se matarem, até pelo fato de afirmar a vida espiritual, dando ao suicida a noção de que ele "não morrerá" e tanto faz se ele sofrer na Terra quanto sofrer no "umbral", se para esta pessoa ambos são a mesma coisa.

Além disso, culpar o ateísmo e o agnosticismo como "impulsos" para o suicídio é ato de intolerância não-religiosa, tão grave quanto a intolerância religiosa, e que, juntamente à "demonização" dos suicidas pelo "espiritismo", nada resolve para prevenir a pessoa de tirar a própria vida.

Afinal, são posturas severas e condenatórias, que só servem para estimular ainda mais o suicídio, porque, diante dessa moral punitiva e cruel, o suicida acaba reagindo consumando a sua vontade, já que a religião já o trata como um desgraçado, tanto faz sofrer desgraças na Terra ou na vida espiritual.

O que previne o suicídio, longe de qualquer preceito de caráter religioso, é ver quais são os problemas de cada indivíduo, enxergar suas neuroses, seus traumas, seus dramas, suas frustrações. A vida é complexa e nem todos os indivíduos veem a vida da mesma forma. É uma tarefa dificilima, que a religião, com seus preconceitos moralistas, sempre demonstrou ser incapaz de realizar.

É por isso que a ideia de prevenir o suicídio está muito mais num processo psicológico engenhoso que busque entender a alma de quem ainda não se matou mas tem fortes desejos nesse sentido, do que trazer preceitos e preconceitos religiosos que não conseguem entender essa natureza complexa e bastante delicada.

E isso se torna mais difícil quando se trata de uma religião como o "espiritismo" brasileiro, que ainda se apega a ideais e ideias trazidos pela Teologia do Sofrimento católica, difundida com gosto a partir de Chico Xavier. Aí é que fica praticamente impossível entender as mentes de potenciais suicidas.

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