quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O materialismo igrejista de Richard Simonetti


O grande problema dos "espíritas" brasileiros é a presunção de que existe Deus, existe mundo espiritual e comunicação com os espíritos sem que possam ter estudos ou teses que possam buscar provas ou argumentos mais prováveis a respeito dos assuntos.

A pretensão de sabedoria, num contexto em que fé religiosa e pedantismo pretensamente científico, se confundem, faz com que certos debates se desvirtuem diante das pretensas certezas ou pretensas probabilidades que certos líderes religiosos supõem possuir ou expressar.

Um artigo do "espírita" Richard Simonetti, "Os que matam a esperança", é um manifesto contra a controversa tendência do ateísmo, que consiste na não-crença em divindades e no questionamento da existência de Deus. O artigo se dirige a uma frase do biólogo e ativista ateu, o inglês Richard Dawkins, conhecido pelo livro Deus, um Delírio.

Dawkins teria dito uma frase pertinente: "A hipótese da existência de Deus é tão improvável quanto uma rocha se transformar numa pessoa". Não existem provas quanto à existência de Deus, da forma como os religiosos conhecem, e todas as teses relacionadas ao dito Criador ainda carecem de fundamentos científicos que trouxessem ao menos algum indício de prova.

Até agora, a única "ciência" que tenta "provar a existência de Deus" é a Teologia, mas o máximo que se viu foram teses filosóficas às quais remeteu uma suposta origem de todas as coisas e seres. Um assunto controverso é supor a existência de Deus e a tese só ganhou respaldo porque ela encaixou em crenças moralistas que estavam preocupadas em criar uma hierarquia metafísica para controlar a humanidade.

Richard Simonetti define seu xará como "materialista". Como todo "cavaleiro da esperança" do "movimento espírita", a se apoiar na tese dúbia de bajular Allan Kardec de um lado e exaltar Francisco Cândido Xavier de outro, Simonetti usa o pedagogo francês para se apoiar na sua "comprovada existência de Deus". Eis o que ele citou de Kardec, provavelmente de uma tradução da FEB:

"Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus? Resposta: Num axioma que aplicais às vossas ciências: não há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem e a vossa razão vos responderá.

Para crer em Deus basta lançar os olhos sobre as obras da Criação. O Universo existe, logo tem uma causa. Duvidar da existência de Deus seria negar que todo efeito tem uma causa e avançar que o nada pode fazer alguma coisa".

Segundo a argumentação "científica" de Richard Simonetti, "forçoso, portanto, admitir um Criador, um artífice, assim como o relógio impõe a existência do relojoeiro". Simonetti pensa de maneira materialista, mais do que o autor que ele contesta, ignorando que a humanidade ainda está num estágio primitivo para verificar, com segurança, se Deus existe ou não.

Que "forçoso" é esse? Que pretensão é essa de dizer que Deus existe mesmo? Simonetti não chega ao ponto de um internauta anônimo que, nas mídias sociais, exigiu aos ateus para provarem que Deus não existe, mas sua suposição da existência certa de Deus carrega um certo grau de pretensão.

Além disso, Simonetti, em seus argumentos de ver o Criador como um "inventor" em sua figura antropomorfizada, mostra que sua crença é muito materialista. Como em toda religião, ele e seu "espiritismo" acreditam que Deus se manifesta à imagem e semelhança do homem.

Segue o autor "espírita":

"Admitindo que haja leis que regem a Natureza, pergunta-se: quem as instituiu? Quem as sustenta? É só usar o bom senso para perceber que a presença de um Criador se impõe, por mais sofisticados sejam os raciocínios dos que pretendem justificar a existência do ovo sem a galinha, do Universo sem Deus.

O grande problema é que, como diz a sabedoria popular, para aquele que crê nenhuma prova é necessária; para o que não crê, nenhuma prova é suficiente.
E na medida em que a Humanidade segue pelo perigoso caminho da Ciência sem Deus, amplia-se o número dos que afundam no materialismo, com perturbadora concepção de que a vida termina no túmulo".

É uma evidente declaração igrejista, evidentemente católica, extremamente hierarquizada. Simonetti adota pontos de vista que, certamente, Allan Kardec não teria sequer concordado, já que o pedagogo francês era uma pessoa cética, e, por incrível que pareça, o ceticismo de Kardec não é um defeito, como supõem os "espíritas" brasileiros, mas a melhor e mais instigante de suas qualidades.

Simonetti diz que "para aquele que crê nenhuma prova é necessária". Esquece o escritor e palestrante "espírita" que o cético Kardec havia perguntado, sobre Deus, da seguinte forma: "O que é Deus?", como se dissesse "O que significa a ideia de Deus?", o que parece ofensivo para os crentes, que não iriam mais do que corroborar a imagem antropomorfizada de Deus e perguntar: "Quem é Deus, nosso Pai maior?".

Criando um maniqueísmo inútil entre crer e não crer, Richard Simonetti investe na sua crença no caminho, que se revela perigoso, da Ciência com Deus. Esquece ele que o próprio "espiritismo" que ele professa, com seus ídolos Chico Xavier e Divaldo Franco como exemplos maiores, é muito mais materialista que todas as correntes ateias e agnósticas (descrença parcial em Deus) juntas.

Esse materialismo no "espiritismo" brasileiro é tão certo que a suposição da fictícia cidade de Nosso Lar - que os "espíritas" juram existir na realidade - é definida com perfeita analogia com as visões materiais da vida urbana na Terra, em que mesmo hábitos que só são próprios dos limites do corpo físico, como comer e dormir, são tidos como "inerentes" ao mundo espiritual.

Lá se supõe existir BRT (aeróbus), grandes complexos que misturam internato e hospital (a colônia Nosso Lar), cinemas, conchas acústicas, condomínios, árvores, flores, e mesmo a existência de animais considerados dóceis (pássaros, cachorros, gatos, cavalos), contrariando a tese kardeciana de que não existem animais no mundo espiritual.

Simonetti parece adotar uma visão neo-medieval quando apela para a crença "mesmo sem provas", da "imposição" da existência de Deus "por mais sofisticados sejam os raciocínios dos que pretendem justificar a existência do ovo sem a galinha, do Universo sem Deus". Revela que o "espiritismo" só aceita a Ciência quando ela atua nos limites da fé, uma Ciência que, com toda sua relativa liberdade de ação, só tem razão de ser quando ela se ajoelha diante do altar.

Ele chega a supor que os ateus sempre acreditam que a vida acaba no túmulo. Não, não é verdade. Nem todos os ateus pensam assim, e há ateus bem mais espiritualistas do que o "movimento espírita" para o qual a vida material nada vale, pois os "espíritas" defendem que tenhamos que sofrer infortúnios e limitações a encarnação inteira, em nome das recompensas do além-túmulo.

Pois o próprio desprezo à vida material é materialista, porque cria uma etapa de sofrimentos que a "moral espírita" impõe às pessoas, que são traídas, nos tratamentos espirituais, com o azar contraído, das tragédias, infortúnios e limitações que têm que suportar e dos maus caminhos para o qual são guiados, em nome das tais "provas e expiações".

O "prêmio" da vida futura, na angustiante loteria das "provações", também mostra essa visão materialista dos "espíritas", sempre no desembarque em brancas nuvens, com parentes e amigos em pijamas brancos nos recebendo no além, e nos deslocando para belos condomínios em paisagens campestres, com cachorrinho pulando de alegria ao nos ver e passarinhos cantando dentro de árvores frondosas.

Melhor aguentar desgraças presentes, orando em silêncio, sem cogitar como serão as recompensas futuras, perdendo cerca de oitenta anos, talvez menos, sem poder aproveitar nossos potenciais de realização e aprendizado. Apenas "aprendemos" através da submissão a nossos algozes, a perdoarmos sorridentes até quando nossos opressores sufocam o pouco que temos de nossos talentos e planos de vida.

Também sob a sombra da religião, a vida se complica, problemas se avolumam, dores se instalam, e, se há o imperativo moral de sofrermos calados, como queria Chico Xavier ("sofrer sem demonstrar sofrimento", como o próprio anti-médium havia dito), sem queixumes, sem questionamentos, esperando a "tempestade passar", isso também pode ser um pano de fundo para o suicídio, mais do que qualquer ateísmo.

A religião não quer que resolvamos dissabores de maneira corajosa. Primeiro baixemos a cabeça ante nossos opressores, depois pensemos se será possível alguma solução. Vamos sofrer primeiro, encarar umas angústias alegremente, como masoquistas, e depois esperemos se Deus vai ou não eliminar esses infortúnios e nos dar alguma graça.

O mito "espírita" do autoconhecimento e da reforma íntima significa "autoconformismo", no qual até nossos talentos e potenciais têm que ser dilapidados pelos infortúnios sucessivos, até se reduzirem a nada, quando nós, que deveríamos ser mestres e ensinar a humanidade, temos que nos contentar em sermos eternos aprendizes a serviço da estupidez alheia.

O confuso "espiritismo" brasileiro, com seu moralismo retrógrado, com seu igrejismo materialista, é que "mata esperanças" o tempo todo. Um outro ateu inglês, o falecido Christopher Hitchens, já denunciou a apologia do sofrimento de Madre Teresa de Calcutá, de perfil similar ao de Chico Xavier, que deixava os doentes à própria sorte (ou azar).

Pois a Teologia do Sofrimento revela, de forma evidente, que os que "matam a esperança" são muito mais fáceis de encontrar nos filões dóceis da religião do que nos amargos redutos da descrença e da dúvida da existência divina.

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