segunda-feira, 28 de setembro de 2015

No Brasil, aceita-se o que se diz sem verificar


Um ladrão entra na casa, e, sem precisar sacar a arma, toca a campainha e diz para o morador que lhe atende que é um técnico de informática e que pretende levar seu computador. O morador, tomado pela simpatia do sujeito, aceita e até diz para ele estar à vontade.

No Brasil em que as pessoas aceitam mesmo qualquer golpe, em que familiares que estão com seus entes queridos em casa recebe o telefonema dizendo que um deles está sequestrado e aceita a informação dada pela ligação, costuma-se aceitar as coisas sem verificar.

Muitos aceitam o dito como se fosse o sido. Quantos se autoproclamaram aquilo que nunca foram e acabaram sendo aceitos confortavelmente como se vieram a ser realmente aquilo que em verdade não são? E quantas reputações sólidas são construídas a partir dessa farsa?

No "espiritismo", ficamos à mercê de um caipira católico, que acabou se autoproclamando "espírita" diante de uma armação montada pelos burocratas da Federação "Espírita" Brasileira. O mito de Francisco Cândido Xavier, o "querido" Chico Xavier que alegra a "garotada", cresceu de forma gigantesca a partir de tantas construções, muitas confusas e contraditórias, de sua imagem.

Outro mito "espírita", o médico, militar, político e dirigente "espírita", o também católico Adolfo Bezerra de Menezes, tornou-se um mito tão forte que hoje inexiste uma biografia imparcial a respeito de sua pessoa, já que os dados biográficos são dotados de muita fantasia e visão romântica. Faltam relatos sérios e sobram invencionices fantasiosas em torno dele. Muitos aceitam sem pensar.

Mas é um Brasil em que fulano pode ser neoliberal e direitista doentio, mas se autoproclamar esquerdista e manter todo um jogo de aparências, o pessoal aceita. É como faz, por exemplo, o empresário de mídia Mário Kertèsz, que na sua Rádio Metrópole, em Salvador, conta com o anti-médium baiano José Medrado como um de seus contratados.

Conservador, machista, direitista, reacionário, Kertèsz tentou se passar por intelectual de esquerda, com qualidades opostas às que tem na realidade. Queria se apropriar de todos os movimentos esquerdistas baianos e em prol da democratização da mídia e tentou ser a antítese do coronelismo midiático simbolizado pela TV Bahia dos herdeiros do antigo padrinho político de Kertèsz, o ex-governador e falecido senador Antônio Carlos Magalhães.

Kertèsz se autoproclamava "radiojornalista" e criava um jogo de aparências neste sentido, sendo um péssimo locutor que parecia alternar paródias de locução empostada com dicção vulgar de gerente de botequim, comentarista tendencioso e péssimo escritor (suas crônicas na Revista Metrópole são tão horríveis que a extinta função de copidesque deve ter sido ressuscitada para "embelezar" os textos do falso jornalista). Mas as pessoas aceitam isso numa boa.

Outro exemplo, já em São Paulo, é o jornalista paranaense radicado no Estado, Pedro Alexandre Sanches. Considerado por analistas um discípulo brasileiro de Francis Fukuyama, Pedro nunca assumiu essa postura. Cria do projeto neoliberal chamado Projeto Folha, da Folha de São Paulo, que baniu o esquerdismo de suas redações, Pedro se contradiz quando tenta, nos últimos anos, posar de "intelectual de esquerda".

Pedro é o mais entusiasmado defensor da degradação cultural brasileira, aquela que usa a desculpa da "ruptura do preconceito" para impor às classes populares a supremacia do mau gosto e empurrar ídolos musicais e subcelebridades que chegam a ser patrocinadas por corporações empresariais que exploram trabalho escravo e grandes fazendeiros envolvidos com a pistolagem.

No entanto, Pedro Alexandre Sanches, depois de passagens por veículos conservadores da mídia paulistana - Folha, Época, Bravo (extinta revista cultural da Editora Abril) e O Estado de São Paulo - , passou a fingir ser "jornalista de esquerda" impondo a "visão da Folha" na Carta Capital, Caros Amigos e Fórum, hoje sendo membro dos "Jornalistas Livres", armação ativista patrocinada pelo especulador financeiro George Soros.

Há tantos exemplos. Existe o Jaime Lerner que impõe um modelo de mobilidade urbana próprio dos tempos do general Emílio Médici e é visto como "progressista" por isso. Há a Valesca Popozuda que segue valores machistas e tenta vender uma imagem de falso feminismo.

E tem o arrogante Fernando Collor posando de vítima e tentando reinventar sua imagem, transformando-se do antigo neoliberal, amestrado pela ARENA e demonstrado no seu breve mandato presidencial, em um pretenso modernizador progressista de esquerda. Muito fácil mudar a História ao sabor das convicções pessoais, num país de memória curta.

No BRT das coisas que são porque alguém inventa que elas sejam, tem até a Rádio Cidade, no Rio de Janeiro, emissora de pop convencional que desde 1995 tenta convencer as pessoas de que sua paródia de "rádio de rock", sofrível e cheia de gafes, é "coisa séria".

Colunistas de rádio que conhecem a fundo seus bastidores e, às vezes, complicados pormenores técnicos, mas não sabem a diferença entre uma guitarra elétrica e um baixo elétrico, afirmam sem conhecimento de causa que a Rádio Cidade é "especializada em rock", mesmo sem ter gente realmente especializada no ramo (a locução, linguagem e programação comprovam a falta de especialização e competência para o gênero).

E aí a "cultura do rock de verdade" da emissora cria falsos roqueiros debiloides, tão desinformados que chegam a homenagear Freddie Mercury, o saudoso vocalista do Queen, usando um bigode postiço, quando o cantor só usou bigode em um terço de sua carreira de cerca de duas décadas. Ele não era bigodudo a vida toda e, no Reino Unido e nos EUA, sua imagem mais marcante era de cabelos cheios e cara limpa.

As pessoas aceitam. São as mesmas que vão ao McDonald's, acusado de explorar seus funcionários, comprar um lanche ruim de pão dormido, molho cheio de ácidos que caem como bomba nos estômagos, carne sintética e salada ressecada e cheia de agrotóxicos, acompanhados de batata frita que parece gravetos de madeira com sal e refrigerante que parece xarope aguado com gelo e gás.

São as mesmas pessoas que se preocupam mais em ver, no WhatsApp, postagens "engraçadas" do padrão das vídeocassetadas do Domingão do Faustão, em que processos sutis de humilhações humanas aparecem, como mulheres obesas que se escorregam quando vão para a piscina ou idosos que levam pancada de netinhos durante uma brincadeira.

A falta de verificação e de observação, a aceitação ao "que se diz" e à ilusão de acreditar que prestígio e confiabilidade andam sempre de mãos dadas fazem com que frequentes armadilhas sejam aceitas pelas pessoas, que elogiam o anzol pela isca oferecida e são pegos desprevenidos diante de tantas farsas.

O Brasil já é prejudicado seriamente com tudo isso e as pessoas não percebem. Elas estão "ocupadas" com um novo vídeo no WhatsApp em que a sogra obesa de alguém derruba uma cadeira de balanço depois de se sentar nele. E depois da humilhação vão felizes da vida agradecer ao farsante Chico Xavier pelo país em que vivem.

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