domingo, 6 de setembro de 2015

O "efeito Forer" da pretensa mediunidade "espírita"


Uma família recebe um telefonema em que um farsante faz uma pergunta do tipo: "Alô, quem é que fala? Aqui é alguém que lhe ama muito! Advinha!". Um membro da família, digamos um jovem, se envolve com a simpática fala e anuncia seu nome. Na boa-fé, tenta adivinhar quem telefona e supõe ser algum tio seu.

Dizendo o nome do tio, o farsante responde: "Pois sou eu mesmo, sobrinho! Tudo bem com você?". Diante da réplica do jovem, o farsante inventa uma história que o tio e sua esposa tiveram um carro enguiçado no meio de uma rodovia e que o veículo precisa de conserto, daí a necessidade da família que recebe o telefonema depositar uma grande soma de dinheiro para "seus tios".

O estelionato funciona, porque conforme as informações que o jovem dá sobre a vida familiar, o farsante costura sua narrativa com os dados pessoais e cria um discurso convincente, no qual parece supor imitar a voz de um tio, o que faz o jovem ficar convencido com tal imitação.

Preocupado com a situação, o jovem avisa para os familiares do problema e decide ir ao banco depositar uma grande soma de dinheiro de sua conta-poupança e dar para o número da conta descrito pelo farsante. Sem saber, ele caiu na cilada. O farsante era um assaltante que telefonou na prisão e criou esse golpe para arrancar muito dinheiro das vítimas.

O discurso intimista convenceu, o tom simpático, informal e pretensamente familiar dado pelo farsante parecia verossímil e a estória, ainda que tivesse contradições aqui e ali, parecia merecer algum crédito. No fim, porém, as pessoas saem lesadas, com sério prejuízo financeiro.

Infelizmente, a mediunidade no Brasil segue esse lamentável processo. A falta de estudo da Ciência Espírita faz com que supostos médiuns, mesmo os mais renomados, invistam nessa técnica fraudulenta, e, por mais que possa parecer absurdo para muitos, até Chico Xavier e Divaldo Franco fizeram muito desse estelionato da fé e da pretensa caridade.

A ideia é semelhante a de um estelionatário que realiza trotes telefônicos. É forjada uma mensagem atribuída a um espírito de um falecido, que é montada de forma similar a desses trotes. E, como estes, as mensagens são quase sempre produzidas às escuras.

Se um trote telefônico procura recolher informações das vítimas através de um diálogo envolvente e falsamente intimista, o "médium" recolhe informações geralmente a partir de entrevistas feitas durante o "auxílio fraterno". Nela também existe um discurso envolvente e pretensamente intimista.

"Meu irmão, o que sente? Por que veio aqui?", é o começo da conversa. O parente de alguém falecido então descreve detalhes íntimos, tomados da retórica "amorosa" do entrevistador. O diálogo estimula as pessoas a fazer gestos, demonstrar emoções, coisas que são observadas pela astúcia do "bondoso" entrevistador.

Em seguida, com as informações nas mãos - desde detalhes íntimos até a forma com que o entrevistado reage a cada declaração - , o "médium" recorre a dados extras como diários escritos pelo falecido, notícias publicadas na imprensa se for o caso, entre outros recursos extras. Até conversas informais de outros familiares, após o fim de uma doutrinária, são aproveitadas na "pesquisa".

Se é alguém famoso, fica mais fácil. Informações da imprensa, reportagens de TV, Wikipedia e até comentários de internautas nos fóruns de Internet, tudo é aproveitado para colher dados para forjar uma mensagem mediúnica.

Claro que existem contradições aqui e ali. Assim como as estórias dos estelionatários que praticam trotes telefônicos sempre apresentam alguma contradição ou dado confuso, a suposta mediunidade mostra também suas contradições aqui e ali.

Quando o suposto médium Nelson Moraes usou o nome de Raul Seixas e o pseudônimo Zílio para forjar mensagens espirituais atribuídas ao roqueiro baiano, ele se serviu apenas de fontes pouco especializadas, que mostravam Raul Seixas apenas através de sua fase mística de seus sucessos dos anos 1970, como "Gitã", "Tente Outra Vez", "Sociedade Alternativa" e "Metamorfose Ambulante".

Só que, no final da vida, Raul Seixas havia deixado para trás essa fase, seu parceiro há muito não era o hoje escritor Paulo Coelho, mas o vocalista do Camisa de Vênus, Marcelo Nova, e adotava uma postura cínica e cética em relação aos rumos da sociedade. Nada daquele "Zílio" infantilizado que era tão místico que fazia pregações religiosas das mais patéticas.

Recentemente, uma suposta "Cássia Eller" apareceu falando de "dragões cuspindo fogo" na vida espiritual. Mas teve também um "tolo Ayrton Senna" compondo musiquinhas. Ou um "Renato Russo" abobalhado cheio de pieguices sentimentaloides e de falso lirismo. Ou um "Tancredo Neves descolado" falando em mídias sociais como se só vivesse brincando de WhatsApp no além-túmulo.

Tudo isso mostram falhas, como em toda mensagem desse tipo. E, como os trotes telefônicos mais perigosos, o recurso usado é o efeito Forer, do qual já descrevemos, que partiu de um teste do psicólogo Bertram Forer.

Ele deu um único texto para seus alunos, sem que revelasse isso a qualquer um deles. Eles imaginaram então que eram textos diferenciados e personalizados, como as pessoas que costumam ler horóscopos também acreditam serem eles personalizados.

Mas se, no Rio de Janeiro, por exemplo, rádios como Mix FM, FM O Dia e Rádio Cidade usam praticamente o mesmo estilo de locução, linguagem e mentalidade, e os ouvintes da Cidade acreditam ser "um estilo diferenciado" só por causa do rótulo de "roqueira" desta emissora, então esses ouvintes também adotam o efeito Forer, criando uma falta de discernimento às avessas, que é ver diferença onde não existe.

O efeito Forer já era também testado pelo empresário e artista circense P. T. Barnum, famoso pelos espetáculos de ilusionismo, e por frases como "temos de tudo para todos" e "nasce um otário por minuto". No "espiritismo", o ilusionismo circense está associado sobretudo ao caso da suposta médium Otília Diogo, cujas fraudes foram abertamente apoiadas por Chico Xavier.

Mas esse ilusionismo pode ser observado também nas mensagens "mediúnicas" que, de tão falsas, precisam ser carregadas de algum apelo religioso para seduzir as pessoas, mas deixando a impressão duvidosa de que todo mundo vira igrejista no mundo espiritual.

Daí que, se o "telefone toca do lado de lá", é quase sempre um trote e um estelionato astral. O farsante do além aconselha o farsante da Terra a produzir uma mensagem da própria imaginação, isso quando este, suposto médium, não tem a concentração necessária para produzir falsas mensagens "do além".

Em todo caso, as mensagens falsas, como a simpatia dos trotes, têm que se passar por "amorosas" para parecer convincentes, para assim seduzir as pessoas a acreditar que essas mensagens são de seus entes falecidos, quando eles estão bem longe desse espetáculo circense. Chico Xavier tinha muito mais a ver com P. T. Barnum do que com Allan Kardec.

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