MALCOLM MUGGERIDGE, O JORNALISTA BRITÂNICO QUE "INVENTOU" MADRE TERESA DE CALCUTÁ.
O Brasil não pode comandar o mundo porque se sujeita às piores armadilhas. Overdose de informação, sensacionalismo midiático, deturpação da cultura popular, estes e outros problemas que analistas sérios combatem no exterior ainda são vistos como "coisas positivas" até mesmo por aqueles que, adotando postura aparentemente progressista, deveriam combatê-los, mas o apoiam.
Madre Teresa de Calcutá e Francisco Cândido Xavier são muito comparados positivamente, adorados na mesma medida por seus seguidores entusiasmados. Mas, do outro lado, o dos contestadores, foi mais fácil derrubar um mito muito bem organizado e verossímil de Madre Teresa do que um mito confuso e sem transparência que continua sendo o de Chico Xavier.
Lá fora, o mito de Madre Teresa foi construído pela ação de um único jornalista, o inglês Malcolm Muggeridge (1903-1990), através do documentário exibido pela BBC, Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God), feito em 1969 nas ruas de Calcutá, na Índia.
Os ingredientes eram aparentemente verossímeis: uma organizada construção ideológica de pobreza, humildade, carinho maternal, solidariedade, dificuldades financeiras, simplicidade, devoção religiosa. Tudo bem elaborado como discurso ideológico feito para sensibilizar as pessoas.
Aparentemente, não haviam escândalos nem irregularidades e mesmo as estruturas precárias das casas mantidas pela missionária, como os Lares dos Moribundos - o primeiro deles instalado no bairro de Kalighat, também em Calcutá, por volta de 1952 - , eram justificadas pelas dificuldades financeiras da aparente filantropa.
As denúncias vieram apenas em 1995, quando o jornalista ateu Christopher Hitchens, depois de exaustiva pesquisa documental, lançou A Intocável Madre Teresa de Calcutá (The Missionary Position - Mother Teresa in Theory and Practice), que denunciou as irregularidades na trajetória da freira albanesa. O livro causou violenta polêmica na época.
Complementando o livro, Hitchens também lançou, em 1997, um documentário, Anjo do Inferno: Madre Teresa de Calcutá (Hell's Angel), resumindo o que ele havia escrito no livro e mostrando imagens e declarações de religiosos e até de gente que trabalhou com Muggeridge na construção do mito da missionária.
Um dos produtores do documentário informou que a equipe estava usando um equipamento e rolos de filme fornecidos pela Kodak, que eram bastante avançados para a época. Com o lançamento do filme, o produtor queria fazer um comentário irônico, atribuindo o "milagre" à Kodak, quando Muggeridge se adiantou e gritou "Este é um milagre da Luz Divina"!
A ironia do produtor dava conta que os jornalistas tinham consciência de que estavam produzindo um discurso tendencioso, já que, lá fora, nem todo mundo é tolo para acreditar que o sensacionalismo midiático não transmite "mais que a pura verdade".
E isso em 1969, pois anos e anos depois ainda tem valor a ilusão brasileira de que o jornalismo da grande mídia "só divulga a verdade", que não se trata de um discurso de interpretação da realidade, sujeito a abordagens irreais. Foi esse discurso que empurrou o rádio FM a aceitar as rádios noticiosas e chutar para escanteio a já precária segmentação musical.
No Brasil, os erros da grande mídia só começaram a ser largamente questionados nos últimos dez anos. Mas isso veio mais pela falta de sutileza de comentaristas políticos e âncoras de noticiários que mostraram um reacionarismo além da conta, e menos pela observação refinada que é dom de apenas uns poucos analistas midiáticos.
A situação aqui é tão grave que mesmo os contestadores da grande mídia ficam ainda hesitantes quando o assunto é Chico Xavier, um mito criado em 1944, certamente não por David Nasser (que queria contestá-lo), mas por alguém que cabe estudar e avaliar para saber quem realmente teria sido.
Inferimos que Antônio Wantuil de Freitas, presidente da FEB, foi o mentor do mito de Chico Xavier, mas certamente o trabalho ideológico teria que ser feito e espalhado por outro alguém. O que se sabe é que, independente disso, o mito foi reciclado, pelo menos nos últimos 35 anos, pelas Organizações Globo, antes hostis ao anti-médium.
A lição de Muggeridge chegou tardiamente às empresas de Roberto Marinho (hoje administradas pelos seus três filhos) e reportagens na imprensa reconstruíram o mito de Chico Xavier como uma figura "caridosa", como um "filantropo de elevado valor" para os brasileiros.
O mesmo roteiro de Algo Bonito para Deus era servido a varejo pelos noticiários e revistas televisivas. Isso para não dizer os próprios documentários do Globo Repórter, que poucos percebem a analogia com o documentário de Muggeridge.
O que se sabe é que Chico Xavier era, antes do "caso Humberto de Campos" em 1944, apenas um católico fervoroso que se declarava paranormal e prometia trazer "mensagens dos mortos" para o país e o mundo. Depois de 1944, a FEB encomendou uma mitificação mais sofisticada, voltada às "manifestações de materialização" e "psicofonia", além de livros supostamente "científicos".
O mito de pretenso filantropo pode ter sido latente em toda essa época, mas foi com a Rede Globo de Televisão que se construiu essa imagem divinizada que Chico Xavier ganhou de presente de uma corporação cujo principal jornal, O Globo, em outros tempos disse que o anti-médium mineiro "tinha sido desmascarado".
Cabe uma investigação maior em torno do mito de Chico Xavier e toda essa construção ideológica que faz dele um "deus" para aqueles que usam as mídias sociais. Cabe até mesmo investigar quem foi o "Malcolm Muggeridge" chiquista. Só não vale cair mais uma vez na sedução da complacência.
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