IGUAIS MAS DESIGUAIS - Apesar da forte comparação, Madre Teresa é contestada com mais facilidade que Chico Xavier.
O caso de Madre Teresa de Calcutá, que chegou a ser definida como "anjo do inferno" pelo contundente documentário de Christopher Hitchens, também foi contestada no mesmo sentido por uma pesquisa acadêmica de duas universidades do Canadá, o que mostra que, lá fora, a comunidade universitária realmente tem coragem de questionar mitos, do contrário do Brasil.
Serge Larivée e Genevieve Chenard, do Departamento de Psicoeducação da Universidade de Montreal, e Carole Sénéchal, da Faculdade de Educação da Universidade de Ottawa, publicaram num periódico sobre estudos religiosos um estudo que desconstrói o mito de Madre Teresa de Calcutá.
Com base em 287 documentos pesquisados sobre a vida da freira albanesa que criou vários abrigos para pobres e doentes na Índia, os três pesquisadores, além de seguir a mesma abordagem estudada por Hitchens, apresentaram problemas referentes ao processo de beatificação da madre, que ignoraram os aspectos sombrios da vida da missionária.
Os três principais problemas são estudados pelos pesquisadores. O primeiro deles se refere à pouca dedicação de Madre Teresa para minimizar os pobres e doentes, alojados sem conforto nem higiene e desprovidos de uma dieta alimentar saudável, assistência médica adequada e concessão de remédios necessários. Eles são praticamente deixados à própria sorte.
Quando do lançamento do livro A Intocável Madre Teresa de Calcutá (The Missionary Position: Mother Teresa in Theory and Practice), em 1995, a própria Madre Teresa chegou a responder a Christopher Hitchens com as seguintes palavras: "Existe algo de muito belo em observar os pobres aceitarem o sofrimento, tal como Jesus fez. O mundo ganha muito com o seu sofrimento".
O segundo aspecto, que desfaz o mito de que Madre Teresa enfrentava poderosos para obter doações "em favor do próximo", é sua aliança com ditadores, tiranos (como Ronald Reagan, presidente dos EUA, que patrocinou todo o "banho de sangue" na América Central para esvaziar os movimentos sociais) e magnatas corruptos.
Consta-se que as instituições mantidas por Madre Teresa de Calcutá não sofriam de problemas financeiros, e, além disso, ela era acusada tanto de desviar dinheiro para os chefes do Vaticano como de servir de "lavagem de dinheiro" de ricaços envolvidos em corrupção, como o antigo dono do jornal inglês Daily Mirror, Robert Maxwell.
Consta-se, também, que Madre Teresa de Calcutá, nos seus últimos anos de vida, se internava em um moderno hospital nos EUA, enquanto seus assistidos sofriam a humilhação de viverem e morrerem em condições degradantes. Ela era capaz de doar medalhas, mas não parecia interessada em doar grandes investimentos em dinheiro para os necessitados.
Outro aspecto é que o mito de Madre Teresa foi criado em 1969 pelo jornalista Malcolm Muggeridge no documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God) e que impulsionou a concessão de medalhas e prêmios para a missionária, inclusive o Nobel da Paz.
A beatificação da missionária pelo Vaticano teve como requisito um milagre atribuído a uma indiana, Monica Besra, que teria sido curada de fortes dores addominais. Dizem que uma medalha da Madre Teresa foi colocada sobre a barriga da moça e a cura foi associada a isso, quando foi revelado que a cura se deu porque deram os medicamentos necessários num tratamento de mais de um ano.
As acusações graves contra a missionária se baseiam em documentos autênticos e vários dela própria. portanto, são de rigoroso fundamento científico. O que chama a atenção é que a apologia do sofrimento, que no Brasil é visto como uma qualidade positiva de Chico Xavier, é considerado um gravíssimo defeito da Madre Teresa.
Curiosamente, a missionária e o anti-médium mineiro são frequentemente comparados pela sua suposta filantropia, semelhantes em muitos aspectos, mas tratados desigualmente, apesar da trajetória de Chico Xavier ser bem mais confusa e cheia de irregularidades, bem mais do que as três que existem contra Madre Teresa de Calcutá.
Aqui, os estudos universitários, como os acadêmicos "espíritas" que atuam na Universidade de São Paulo (USP) e o Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde da Universidade Federal de Juiz de Fora (NUPES-UFJF), são apologistas em relação ao mito de Francisco Cândido Xavier.
Usando metodologias falhas tanto nos critérios um tanto complicados de avaliação da suposta mediunidade de Chico Xavier, os trabalhos acadêmicos pouco contribuem para questionar o seu mito, do contrário dos trabalhos canadenses relacionados à Madre Teresa de Calcutá.
Um exemplo do que as falhas que os acadêmicos brasileiros são capazes de fazer, as cartas atribuídas ao espírito de Jair Presente poderiam ser muito bem desqualificadas, A simples identificação de aspectos contraditórios na forma como foi escrita cada mensagem é suficiente para determinar a invalidade das mesmas.
A primeira mensagem do suposto Jair correspondeu ao estilo religiosista de Chico Xavier e as demais um amontoado forçado e exagerado de gírias e uma narrativa demasiado tensa e agressiva, como se parodiassem cartas de aflitos usuários de cocaína escrevendo para os pais.
Os acadêmicos perdem tempo supondo falsos pioneirismos e pretensas lógicas científicas para a suposta mediunidade de Xavier, quando irregularidades de simples identificação as desqualificam de pronto, ante as contradições apresentadas em análises não muito complexas.
Esse é o problema das pesquisas universitárias brasileiras, num país em que os cientistas sociais aceitaram numa boa todo um processo de degradação sócio-cultural que atingiu as periferias do país, escravas de uma "cultura popular" patrocinada até por latifundiários e especuladores financeiros.
E ainda muitos acreditam que o Brasil, complacente com os defeitos que aqui acontecem, está pronto para em breve se tornar a nação mais poderosa e influente do planeta. A julgar pela fragilidade brasileira mediante graves crises e as desvantagens que o título de "coração do mundo" pode dar - vide o imperialismo dos EUA - , melhor nem pensarmos nessa fantasia infeliz.
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