segunda-feira, 30 de março de 2015

Críticos do "movimento espírita" se limitam à questão de "ler mal" os livros de Kardec

LER MAL OS LIVROS DE ALLAN KARDEC E ESCOLHER A TRADUÇÃO ERRADA - Esse é um dos piores problemas do "movimento espírita", mas não o único.

Os contestadores do "movimento espírita" no Brasil, que reclamam dos desvios cometidos pela doutrina brasileira em relação às concepções originais de Allan Kardec, são pessoas muito bem intencionadas e esforçadas em compreender o pensamento do professor lionês.

No entanto, muitos desses contestadores não conseguem ir adiante e, quando criam blogues na Internet, eles geralmente têm vida curta, encerrando suas atividades porque, aparentemente, acham que não têm mais o que dizer.

O grande problema é que muitos desses questionamentos apenas apontam um lado gravíssimo, porém simplório, da questão acerca do "movimento espírita", que é tão somente de se queixar que os líderes e ídolos do "espiritismo", e, por conseguinte, seus palestrantes diversos, "entenderam mal" os livros de Allan Kardec.

Com toda a certeza, esse é um dos problemas graves, porque é uma das chaves da Doutrina Espírita a leitura das obras originais de Allan Kardec. O problema é que apenas uma tradução, das que hoje estão disponíveis, corresponde à reprodução honesta das palavras e textos do professor lionês, que é a de José Herculano Pires, sobrinho do artista caipira Cornélio Pires.

PARÁBOLA DO SEMEADOR

No entanto, a situação é muito, muito mais complexa, e antes de levar adiante a nossa análise, vamos citar a Parábola do Semeador, descrita em várias passagens do Novo Testamento e que teriam sido criadas por Jesus. Allan Kardec inclui a parábola no livro Evangelho Segundo o Espiritismo, mais precisamente no capítulo 17, tendo como fonte a passagem do Evangelho de Mateus.

A parábola descreve os vários lugares onde caíram as sementes jogadas pelo semeador ao longo de seu caminho. Algumas sementes caíram no meio da estrada, e tão rapidamente atraíram aves famintas que as comeram. Outras caíram em terrenos pedregosos, sem fixar raízes, e plantas nasceram, mas logo morriam queimadas pelo sol.

Há também as sementes que nasceram entre espinhos, e por isso não puderam crescer, porque morriam sufocadas pelos mesmos. E há as sementes que caíram em terras férteis, que geraram grandes e longevas árvores, com seus formosos frutos.

Se a gente aplicar a Parábola do Semeador às lutas que os espíritas autênticos tiveram contra os deturpadores da Doutrina Espírita, que infelizmente cresceram vertiginosamente e hoje praticamente são os "donos" da mesma, até agora os primeiros três casos é que ocorreram, matando as sementes originalmente vinculadas ao cientificismo kardeciano.

AS AVES, O CALOR E OS ESPINHOS

O primeiro caso, das sementes jogadas no caminho, corresponderam às mobilizações de Afonso Angeli Torteroli, um dos primeiros a se voltar contra as deturpações feitas contra a Doutrina Espírita. Mesmo com ideias consistentes, ele caiu no esquecimento, porque na época não foi possível criar uma base de argumentos que fizesse frente à tendência mistificadora dominante na Federação "Espírita" Brasileira.

Naqueles tempos, o começo do século XX, o sentimento religioso era ainda visto como uma virtude superior e o fato do Espiritismo se adaptar aos dogmas e ritos católicos era visto também como uma forma de sobrevivência, já que a doutrina era considerada uma atividade ilegal sujeita à repressão policial.

Não havia como justificar o cientificismo de Allan Kardec e, além disso, o roustanguismo, ou seja, as ideias baseadas no livro Os Quatro Evangelhos de Jean-Baptiste Roustaing, estava em ascensão e era visto como "mais moderno" do que o "complicado" cientificismo kardeciano.

Depois, veio o caso dos terrenos pedregosos, através dos processos dos herdeiros de Humberto de Campos contra Chico Xavier e a FEB, junto à reação de críticos literários contra a farsa de Parnaso de Além-Túmulo. Começava a surgir uma base de sustentação para quem lutava contra as deturpações feitas no âmbito do Espiritismo, com críticas enérgicas contra os livros de Chico Xavier.

No entanto, não houve uma raiz fundamentadora e a "luz solar" da pieguice sentimental respaldada no estereótipo de "caipira bondoso" do jovem Francisco Cândido Xavier neutralizou a polêmica, deixou os juízes do caso Humberto de Campos confusos e permitiu que a FEB consolidasse as bases roustanguistas através do Pacto Áureo de 1949.

Vieram então as sementes entre espinhos. A polêmica de Parnaso de Além-Túmulo se seguia, mas em vez da neutralidade de hesitantes escritores como Monteiro Lobato e Agripino Grieco, surgiam reações enérgicas como as do escritor Osório Borba.

Havia também o escândalo das fraudes de materialização apoiadas por Chico Xavier, com pessoas ou objetos forrados de branco exibindo fotos recortadas de personalidades falecidas. E houve também a denúncia de um sobrinho de Chico Xavier de revelar as irregularidades do "movimento espírita".

Tudo parecia crescer e desmascarar, por definitivo, a FEB e Chico Xavier. O jornal O Globo chegou mesmo a afirmar que o anti-médium mineiro havia sido desmascarado (ironicamente, as mesmas Organizações Globo, adotando um catolicismo mais heterodoxo, fez as pases com Xavier e a FEB).

Mas aí vieram os espinhos. O sobrinho, Amauri Xavier Pena, passou a ser vítima de acusações caluniosas, e seus vícios (ele era alcoolista) eram levados ao exagero e defeitos eram até inventados (como dizer que Amauri falsificava notas de dinheiro). O ódio dos partidários de Chico Xavier mostrava a fúria daqueles que se julgavam "incapazes" de tamanhos sentimentos negativos.

Os espinhos feriram Amauri e o entregaram a uma misteriosa e apressada tragédia que a FEB, "oficialmente", creditou a uma "hepatite". Uma década antes do DOI-CODI, Amauri era tido como o responsável pela própria morte, prematura demais para alguém que só bebia muito e não mostrava indício de uso de drogas pesadas. Um alcoolista, geralmente, tende a morrer na faixa dos 35 anos, no mínimo.

CONTINUAM OS "TERRENOS PEDREGOSOS"

Com isso, Chico Xavier construiu seu estrelato derrubando obstáculos e garantindo a deturpação do Espiritismo a níveis preocupantes. Ele apoiou o Golpe de 1964, apoiou o AI-5, condenou o governo progressista de João Goulart e ainda continuou suas fraudes "espíritas" durante o auge da crise do roustanguismo, que fez Chico Xavier e Divaldo Franco, espertalhões, fingirem solidariedade àqueles que lutavam pela recuperação das bases kardecianas.

Até agora, não existem sementes novas que pusessem terra abaixo as deturpações e mistificações feitas sob o rótulo de "espiritismo". O que se nota é a predominância de "terrenos pedregosos" e do "calor solar" das pieguices "espíritas", criando uma "zona de conforto" que mistura sentimentalismo religioso e pedantismo científico.

Daí que não adianta apenas ler os livros de Allan Kardec nas traduções de José Herculano Pires. Se tudo fica apenas na tese, na teoria, apenas se faz uma parte do processo, mas outros problemas de maior gravidade continuam existindo sem que qualquer discussão aconteça.

O maior exemplo disso são as fraudes "mediúnicas" feitas por Chico Xavier e Divaldo Franco. O estrelato que os dois acumularam ao longo dos anos criou uma imunidade que garante sua impunidade, já que eles passam a ser dispensados da responsabilidade de seus próprios erros, já que muitos têm medo de admitir a culpa do que eles fizeram de negativo.

Eles se tornaram mitos e, por isso, temidos até pelos seus contestadores, que se limitam a dizer que os dois "apenas entenderam mal" o Espiritismo de Kardec. Todavia, inocentá-los de seus erros, muitas vezes deploráveis, cria uma passividade que só prejudica a Doutrina Espírita, mantendo sempre o poderio que os anti-médiuns exercem até hoje (mesmo com Xavier morto) na socidade.

Daí ser bastante curioso que os estereótipos de "amor e bondade" chegam a intimidar mais as pessoas do que a atrocidade propriamente dita. Doces crueldades, feitas pela sedução de estereótipos de humildade e caridade. E é isso que sufoca a semente kardeciana, que ainda por cima sofre a concorrência de sementes "genéricas" fabricadas pela FEB e mesmo por seus dissidentes.

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