terça-feira, 24 de março de 2015

Mídia transforma homicidas em subcelebridades


Tirar a vida do outro virou uma forma de obter a fama entrando pela porta dos fundos. Homicidas passaram a virar atrações do aberrante circo do sensacionalismo televisivo, que faz os telespectadores reféns da própria indústria da curiosidade macabra.

O crime acabou se tornando, em si, um espetáculo, e os condenados por assassinato acabaram se transformando em subcelebridades que alimentam o comercialismo sensacionalista de uma televisão vazia em ideias e viciada no rol de mentiras dos reality shows, os "espetáculos da realidade" que, de realidade mesmo, nada têm.

Nos EUA, o caso do empresário norte-americano Robert Durst, de 72 anos, movimenta esse mercado sensacionalista através de um documentário, The Jinx: The Life and Deaths of Robert Durst, série transmitida pelo canal HBO.

Já é preocupante haver um canal que passa programas sobre crimes, Investigation Discovery, ID, que as operadoras de TV paga têm a covardia de incluir nos pacotes básicos (mais baratos), ao lado de inutilidades como o Canal Rural (qual morador de zona urbana vai se interessar em ver leilões de gado pela Internet?). E isso com tanto canal para entrar nesses pacotes, como BBC ou a TV portuguesa SIC.

No Brasil, o que se observa é o oportunismo do apresentador de TV Gugu Liberato, que nunca teve interesse numa televisão de qualidade, em combater a supremacia da Rede Globo através de seu programa na Rede Record explorando, de maneira leviana, a violência humana ao entrevistar acusados de crimes.

Depois que Guilherme de Pádua, em um outro programa, e Suzane Von Richtofen, no de Gugu Liberato, deram entrevistas "bombásticas", e rede da Igreja Universal do Reino de Deus, a mesma que prepara os "Gladiadores do Altar", grupo potencialmente paramilitar de fanáticos religiosos, transforma a violência numa fórmula para atrair grande audiência

O crime acabou banalizado e virado um espetáculo, e apenas com muita trabalheira e mobilização das feministas, o feminicídio passou a ser considerado crime hediondo, depois que, em muitos anos, várias mulheres, sobretudo jovens, foram mortas por andarem em lugares ermos, fizerem más escolhas na vida amorosa ou forem alvo da cobiça maliciosa de colegas de trabalho.

Isso é mau. Porque o ato de tirar a vida de alguém passa a ser visto como um trampolim para o sucesso, e o ato, que na verdade gera prejuízos incalculáveis para a vida de muitos familiares e amigos, acaba sendo relativizado como se fosse uma coisa sem gravidade que apenas provoca muita polêmica.

Desde a ditadura militar, havia o avanço da criminalidade, com os grupos de extermínio suburbanos, os capangas do jogo-do-bicho e seus equivalentes rurais, os jagunços do latifúndio, fora outras organizações de traficantes e assaltantes, ou mesmo de iniciativas individuais, que transformam as cidades em cenários de guerra, colocando o Brasil entre os países mais violentos do mundo.

Valores conservadores e moralistas como o direito à propriedade de terra dos latifundiários e a defesa da honra machista serviram de desculpa para eliminar a queima-roupa trabalhadores rurais e mulheres inocentes que tinham seus ideais de vida e seus muitos planos de progresso espiritual.

Mesmo quando a justiça dos homens começa a estabelecer restrições para esses crimes, a mídia, dotada do mais insensível e desumano comercialismo, acaba explorando o espetáculo da violência, transformando criminosos em ídolos e "heróis às avessas".

Daí que, nos EUA, que agora assistem à exploração sensacionalista do milionário Robert Durst, acusado de assassinar uma ex-mulher, uma amiga e um vizinho, o psicopata Charles Manson havia recebido o tratamento de "ator de filmes-B" e, músico medíocre, teve suas fracassadas composições (rejeitadas por Terry Melcher, produtor e filho da atriz Doris Day) regravadas por vários grupos dos anos 1990.

Isso pode ser uma péssima campanha de marketing que, usada a pretexto de "investigar todos os lados do crime", acaba criando uma imagem glamourizada do criminoso, transformando-o não numa pessoa condenável, mas num outsider social, dando chance dele ser adorado justamente pelo crime que ele cometeu.

POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, LUÍS BUÑUEL PREVIU ISSO

O "espiritismo" brasileiro põe querosene nesse incêndio moral e transforma os homicidas em criminosos menos condenáveis que os suicidas, usando como desculpa as condenações moralistas atribuídas a reencarnações duvidosas que transformam vítimas em "culpadas" e fazem dos assassinos "justiceiros das leis de causa e efeito".

Com isso, cria-se uma inversão que permite que conhecidos homicidas brasileiros, o fazendeiro Darcy Alves (que mandou matar Chico Mendes), o promotor Igor Ferreira da Silva (que mandou matar a esposa grávida) e o médico Farah Jorge Farah (que esquartejou uma amante), posarem de "pessoas simpáticas" aos olhos da grande mídia.

Essa glamourização do homicídio foi prevista pelo cineasta espanhol Luís Buñuel, no seu filme surreal O Fantasma da Liberdade, de 1974. Sem um protagonista definido, o filme mostra situações diferentes como se fossem pequenas esquetes, e numa delas aparece um homem que, com um rifle, se situa num andar alto de um prédio para matar pessoas que andam pela rua afora.

Teoricamente condenado à morte, o franco-atirador é libertado como se, em vez da pena capital, tivesse sido condenado à liberdade condicional. Na saída do processo, ele aparece dando autógrafos para um grupo de fãs.

A grande mídia, vendo numa elite de homicidas zeladores de "tradições" moralistas, como o machismo e a propriedade de terra, acaba poupando seus próprios autores de sofrerem a repercussão negativa de seus atos, protegendo-os mais do que as vítimas, não bastassem estas terem perdido a vida e isso ter causado angústias e traumas em amigos e familiares.

Ver que agora os homicidas têm a segunda chance de se projetarem na sociedade como subcelebridades, virando praticamente astros da televisão em sua fase de comercialismo voraz, é assustador diante dos esforços que ativistas fazem pela condenação criminal.

A exploração midiática e sensacionalista da imagem dos homicidas acaba criando o efeito contrário da cobertura informativa e eles acabam se tornando até ídolos pelo crime que fizeram. Esse é o perigo, ver pessoas que tiraram a vida de inocentes serem admiradas por isso mesmo. Seria o atenuante "espírita" dos "reajustes espirituais"?

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