quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Triplex do Guarujá, psicografias 'fake' e a seletividade da Justiça


O julgamento do ex-presidente Lula, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), por causa de um recurso referente à sentença judicial do juiz paranaense Sérgio Moro, é uma amostra da seletividade da Justiça brasileira, no evento que tem maiores chances de condenar um suposto réu sem haver provas de um suposto crime.

O "crime" em questão é a concessão de um apartamento no edifício Solaris, em Guarujá, no litoral paulista, por parte da empreiteira baiana OAS, ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. O episódio é uma estória mal contada e envolve um apartamento de classe média. Não há provas de que Lula é ou foi proprietário do imóvel, mas a grande mídia insiste que ele é dono do apartamento, custe o que custar, pouco importando a realidade dos fatos.

Recentemente, um episódio confirmou que o triplex não é de Lula, mas da OAS. A juíza Luciana Torres de Oliveira, da 2a. Vara de Execução de Títulos Extrajudiciais do Distrito Federal, determinou a penhora de alguns imóveis de propriedade da empreiteira, entre eles o referido imóvel. Com isso, Lula passa a ser julgado acusado de... coisa nenhuma.

A seletividade da Justiça mostra o quanto há dois pesos e duas medidas. Se, entre suspeitos de um mesmo crime, um é rico e outro pobre, o primeiro tende a receber uma pena simbólica e quase fictícia de um período de prisão em regime semi-aberto ou aberto, enquanto o segundo tende a ficar preso em regime fechado.

Crimes dolosos cometidos por ricos não rendem duras punições. As sentenças são tão brandas que mais parecem absolvições. Já crimes de menor gravidade cometidos por pobres costumam gerar sentenças extremamente duras e até aqueles que roubaram apenas para ter um dinheiro para comprar comida passam a viver o resto da vida no pesadelo da prisão.

A Justiça é seletiva porque adota punições leves e até mesmo absolvições quando o réu é ligado ao status quo. E quem imagina que o status quo é ligado apenas aos atributos materiais, está enganado. Na religião, sobretudo a "espírita", mais blindada que políticos do PSDB, seus ídolos, em que pese toda a postura de "humildade" como arremedos pretensos e fajutos de Jesus de Nazaré, se equiparam aos aristocratas, até pela extravagante "ligação direta com Deus".

A IMPUNIDADE QUE FEZ CRESCER CHICO XAVIER

Diante da bagunça que hoje se reduziu o que muitos conhecem como Espiritismo no Brasil, com gente criando "psicografias" da própria mente e botando o crédito no morto de sua escolha, vemos que o caso de Francisco Cândido Xavier e sua impunidade - sim, impunidade e não justiça! - revela a que ponto pode vir a seletividade da Justiça, que diante das conveniências pode até mesmo exercer truculências similares aos do DOI-CODI, em casos que não envolvem privilegiados sociais.

Numa época em que o estelionato - sim, estelionato! - é usado nos processos trabalhistas, como punição para o trabalhador que perde uma ação judicial contra o patrão por descumprimento de obrigações profissionais (o fato do trabalhador ter que pagar uma multa para "custear advogados" numa quantia inacessível é, sim, estelionato), por outro lado a coisa se afrouxa quando um oportunista cria uma "psicografia" fake e se "protege" em um projeto "assistencial".

Basta alguém ter um mínimo de prestígio social considerável, alojar alguns pobres e doentes numa casa e ter alguma carreira com oratórias de auto-ajuda "espiritualista" para poder fazer textos fake, pondo o crédito no morto que ele quiser, que a Justiça não mexe. As obras podem ter irregularidades aberrantes, desde que, no entanto, a imitação pareça verossímil, mas o risco de processo judicial, lamentavelmente, é mínimo, e, se há, o "filantropo" quase sempre leva a melhor.

Chico Xavier levou a melhor por conta de uma aparente ignorância judicial. Em 1944, os herdeiros do escritor maranhense Humberto de Campos, Dona Catarina e os filhos Henrique e Humberto Filho, processaram o "médium" e a FEB. A petição foi bem intencionada, mas o enunciado era vago: pedir para a Justiça analisar as "psicografias" visando conferir duas hipóteses.

A primeira delas é que, caso as "psicografias" fossem consideradas autênticas, os herdeiros do autor receberiam uma parcela financeira dos direitos autorais. Se elas fossem consideradas fraudulentas, Chico e a FEB teriam que indenizar os herdeiros com multa.

Os juízes, meio com aquela atitude de Sérgio Moro com o PSDB, "não entenderam" a ação judicial e definiram o caso como "improcedente". Espertos, Chico Xavier e seu tutor e presidente da FEB na época, Antônio Wantuil de Freitas, redigiram uma carta atribuída a Humberto de Campos - na verdade a obra sob o home de Humberto ou Irmão X foi escrita pelos dois até os anos 1960, quando Chico se serviu de parceiros da equipe editorial - com mensagens um tanto estranhas.

O "Humberto de Campos" fake pedia, pasmem, para que os brasileiros deixassem para lá questões de identidade da obra, em uma atitude de omissão muito estranha para um autor conceituado. A carta tem vários trechos nos quais se identifica o estilo pessoal de Chico Xavier, lembrando bem os depoimentos que o próprio dava e que hoje são "memes" nas redes sociais.

A ação judicial resultou num empate, mas foi um desses empates que trouxe vantagem a um dos envolvidos. Chico Xavier acabou recebendo o sinal verde e o "médium" deturpador passou a crescer como ídolo religioso, lançando mão dos mais diversos apelos emotivos ou sensacionalistas para atrair para si o apoio da opinião pública, de forma tão habilidosa que, mesmo sendo o "médium" uma figura de direita, defendendo abertamente o golpe e a ditadura militar, passou a ser visto com complacente apoio de setores das esquerdas.

Grande engano. Chico Xavier nunca apoiou Lula e pode até não sentir ódio dele, mas, apenas, um desprezo. Em 1989, o "médium" apoiou Fernando Collor para presidente (por sinal, o hoje senador alagoano quer novamente concorrer ao cargo), e, em 2002, antes de morrer, sinalizava apoio ao PSDB. Se vivo fosse, Chico teria apoiado Aécio Neves, com o qual se identificava, e hoje estaria sinalizando apoio a outro espírito afim, Luciano Huck.

Infelizmente, porém, setores das esquerdas insistem nesse deslumbramento com o "espiritismo" brasileiro, ignorando que o movimento religioso apoiou o golpe político de 2016 e não sinaliza apoio a novos políticos progressistas, mas antes políticos neoliberais que apenas mantivessem em boa conta o Assistencialismo religioso. E Luciano Huck dá uma boa aula prática de "caridade espírita" através do seu programa Caldeirão do Huck. Loucura, loucura.

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