A NOVELA "ESPÍRITA" ALÉM DO TEMPO, DA REDE GLOBO DE TELEVISÃO.
A Rede Globo e a Rede Record estabelecem uma sutil "guerra santa" em torno da audiência. A Record, de propriedade do "bispo" Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, é mais explícita, através de sua produção de novelas bíblicas. Mas a Globo investe no "catolicismo sem batina" através da sutil temática "espiritualista".
Várias novelas "espíritas" ou "espiritualistas" são produzidas pela Globo, não bastasse o fato de que ela, reinventando o mito de Francisco Cândido Xavier nos últimos 35 anos - nos mesmos moldes que Malcolm Muggeridge fez com Madre Teresa de Calcutá - , também investe na cinematografia "espírita" através da Globo Filmes.
Os próprios filmes "espíritas" têm linguagem e até elenco de novelas da Globo. Católica, a Globo até tentou explorar a religiosidade através da figura de Padre Marcelo Rossi, mas viu no "espiritismo" uma forma bem mais sutil e flexível de manipulação do inconsciente coletivo. Afinal, o "espiritismo" brasileiro é uma espécie de "catolicismo sem batina".
Desde que a Globo encampou a adaptação da novela A Viagem, em 1994, sucesso de Ivani Ribeiro que havia sido produzido pela TV Tupi em 1975, as novelas "espíritas" ou "espiritualistas" passaram a ser feitas, e a Federação "Espírita" Brasileira viu na emissora dos Marinho uma grande vitrine para seu igrejismo sobrenatural.
Recentemente, a novela em andamento é Além do Tempo, transmitida no horário das 18 horas. Ironicamente, sua protagonista, a bela atriz Alinne Moraes, declarou-se ateia. Embora a narrativa tivesse ecos leves de Em Algum Lugar do Passado (Somewhere in Time), produção estadunidense de 1980, ela é feita no entanto sob uma perspectiva mais próxima a Nosso Lar.
A NOVELA OS DEZ MANDAMENTOS, DA REDE RECORD.
Há que se convir que os estrangeiros costumam ser mais realistas no trato de temas da vida espiritual. Sem apresentarem conhecimentos definitivos sobre o assunto, já que ele ainda depende de muitas pesquisas, Embora de forma especulativa, pelo menos os roteiristas e escritores gringos não apelam para o pedantismo do que, no Brasil, acreditam que a colônia Nosso Lar "existe de verdade".
No âmbito "cristão", a Rede Record é mais explícita. Mas aí Hollywood é tão fantasiosa e surreal quanto as produções brasileiras. Os filmes estadunidenses que tratam de temas bíblicos - os maiores sucessos foram Os Dez Mandamentos (The Ten Commandments) e Ben Hur. ambos com Charlton Heston, que depois foi militante armamentista - , são tão ficcionais quanto os desenhos da Disney.
O que chama a atenção nem é pela suposta novidade das novelas bíblicas nem pelo fato de que a Record também usa a técnica de película, seguindo a tendência da Globo, que agora produz novelas com imagem de cinema e não mais de videoteipe, como era antes.
O que, na verdade, chama a atenção, depois que o sucesso de Os Dez Mandamentos chegou a prejudicar a audiência do Jornal Nacional, o famoso noticiário da Rede Globo, nos lares cariocas, é que a aceitação pública reflete o apego ao conservadorismo religioso.
Daí ser de constrangedor que o crítico cultural paulista, Pedro Alexandre Sanches, cria do direitista Projeto Folha, da Folha de São Paulo, mas "convertido" em um duvidoso e inverossímil "esquerdista", tenha festejado demais a audiência de uma novela bíblica só porque derrotou o noticiário da Globo. Sanches passou a posar de "inimigo da Globo" tentando agradar a esquerda que financia organizações em que ele, que comanda o portal Farofafá, está envolvido.
Afinal, o sucesso da novela da Record pouco tem a ver com a queda do "império romano" da Globo. Muito pelo contrário. A novela "espírita" Além do Tempo tem boa audiência, o que mostra que o quixotismo de Sanches, que, como um "Eduardo Cunha da cultura popular", defende a degradação e a subordinação da cultura brasileira às regras do mercado, não faz sentido algum.
E se a novela da Record a fez líder de audiência no horário não apenas nos lares paulistas mas também nos lares cariocas, isso é um sinal de alerta. Sinal de que o Rio de Janeiro, cada vez mergulhado em retrocessos sucessivos está também apegado a uma religiosidade cada vez mais conservadora. É o estado que deu de presente ao Legislativo federal a figura canhestra do deputado Eduardo Cunha.
Isso porque os cariocas ainda estão apegados ao poder da Globo. O Estado do Rio de Janeiro sofreu um surto de neoconservadorismo sob diversos aspectos. As pessoas costumam endeusar tecnocratas, autoridades e executivos. O sistema de ônibus segue diretrizes originárias da ditadura militar. O "funk" segue paradigmas do grotesco dos tempos do governo Ernesto Geisel.
E ainda prevalece o machismo erótico simbolizado por Solange Gomes e Mulher Melão, não bastasse o próprio "funk" simbolizar a degradação sócio-cultural do Estado que outrora lançou a Bossa Nova. O "funk" reduz o folclore popular a estereótipos consumistas e degradantes dignos da Disneylândia acrescidos de uma lógica de mercado da rede McDonald's.
É também o Rio de Janeiro onde internautas que possuem senso crítico são discriminados. Depois da onda de humilhação através da trolagem - que só terminou quando seus diversos membros foram desmascarados com campanhas racistas e com a adesão a movimentos como o fascista Revoltados On Line - , os internautas mais questionadores agora são boicotados pelos próprios seguidores nas mídias sociais.
É mais um surto neoconversador, que determina que a regra nas mídias sociais é "ser feliz demais", criar um "mar de rosas" digital e apelar para vídeos engraçados, fotos amistosas mostrando turmas reunidas em boates, selfies inofensivas, criando uma "paz social" para não incomodar os preparativos para as Olimpíadas de 2016.
Como se não bastasse, ainda há o fanatismo pelo futebol carioca, tomado como "moeda corrente" para as relações sociais, em que a regra é torcer para qualquer um dos quatro times - Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo - como uma obrigação para ser aceito por outras pessoas. Quem não torce por qualquer um destes times nem curte futebol tende a ser discriminado no Rio de Janeiro.
Essa "paz social" dá ênfase aos "livros para colorir", nas vídeocassetadas com animais, nos vídeos com crianças dublando cantores veteranos, entre tantas bobagens inócuas que prevalecem nas mídias sociais, diante de uma estranha necessidade de uma parcela de brasileiros de não querer mais "ser inteligente", acreditando que a inteligência já é um produto acabado e "já muito gasto".
A busca pelo entretenimento "água com açúcar" e a blindagem da fé faz dos cariocas um dos povos mais conservadores no Brasil. O Sul e Sudeste sinaliza esse neoconservadorismo sob diversos aspectos, tanto no fanatismo religioso, no reacionarismo político, na complacência com a decadência da cultura popular e na submissão aos tecnocratas.
O Rio de Janeiro torna-se a vitrine desse processo que faz com que regiões tidas como mais desenvolvidas e avançadas no país sofram surtos de retrocesso num momento em que Norte, Nordeste e Centro-Oeste começam a reagir contra décadas de dominação e retrocesso.
Só que os retrocessos no Sul e Sudeste representam um perigo para o país - vide a atuação ao mesmo tempo prepotente e irresponsável de Eduardo Cunha - , porque estas duas regiões ainda servem de referência para o país e o Rio, com todos os seus desastres, continua sendo uma vitrine para o resto do país.
Com o conservadorismo religioso manifesto pela boa audiência de duas novelas de redes de televisão rivais, não bastasse a mania de cariocas e fluminenses atribuírem valor divino até a decisões de tecnocratas, burocratas e executivos de mídia, o Rio de Janeiro expressa seu obscurantismo cada vez mais evidente e que pode botar o Brasil mais uma vez a perder.
Mas é compreensível que a "boa sociedade" queira essa "paz social". Irritada com tantos questionamentos que vê na Internet, ela se arma e se alarma com um arremedo de "felicidade" que expressa nas mídias sociais, até para disfarçar o peso na consciência de ter eleito um político inexpressivo, retrógrado e corrupto como Eduardo Cunha, ele mesmo um líder religioso.
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