terça-feira, 27 de outubro de 2015

O chiquismo e seus estragos através da fé cega


O Brasil está em perigo. A fé cega das pessoas, presas em suas convicções pessoais, impede que o país perceba a sua própria realidade. Camuflando valores conservadores com suposta modernidade, muitos brasileiros confundem sua visão míope das coisas com originalidade.

É evidente que a desilusão bate na porta das pessoas que sonharam demais com suas fantasias. Chocadas com as revelações que põem em xeque convicções obtidas desde a tenra infância, as pessoas reagem alarmistas e se refugiam, feito baratas diante da primeira sombra humana que encontram, para suas zonas-de-conforto.

E isso vai desde o desmascaramento de um machismo mal-disfarçado por um erotismo "popular" que se autoproclama "feminista" até a religiosidade extrema de futuros fundamentalistas que, por enquanto, reagem de forma "calma" ou "menos agressiva".

Mas isso envolve vários aspectos. A consciência da realidade, em seu primeiro contato, irrita as pessoas, mesmo as mais cultas que, mesmo assim, não aguentam mais tanto raciocínio questionador, e fogem até de contestações que, em primeiro momento, manifestaram relativa concordância.

Tentando procurar algum vestígio de "anos dourados" ou de "prosperidade plena" até em valores e iniciativas que revelam ecos da ditadura militar - como o sistema de ônibus do Rio de Janeiro, a hidrelétrica de Belo Monte e a transposição do Rio São Francisco - , as pessoas preferem romper com os amigos do que abrir mão de suas convicções pessoais.

Daí que pessoas que questionam de forma aprofundada são discriminadas. E não são os "revoltados" do anti-petismo que não passam de conservadores brincando de fazer protesto com seu ativismo de sofá vestido de Seleção Brasileira de Futebol. São as pessoas que procuram expor a realidade, derrubando ilusões e crenças, "estragando" as festas dos que se julgam contentes.

Recentemente, um dos intelectuais da esquerda autêntica brasileira, Vladimir Safatle, cuja linha de pensamento se equipara a pensadores renomados como Noam Chomsky e o falecido Eric Hobsbawm, escreveu um artigo sofre o "fim da música", dizendo que "sertanejos" e funqueiros simbolizam uma sociedade conformista que não se encoraja a reagir aos privilégios das elites.

Safatle foi atacado por um colaborador do blogue Farofafá, comandado pelo jornalista adestrado (e amestrado) pela Folha de São Paulo, Pedro Alexandre Sanches. Chamado Acauam Oliveira, o colaborador chamou Vladimir Safatle pelo adjetivo pejorativo de "Vlad, o Moderno", título que mais parece parodiar apostos dados a czares russos, como Ivan O Terrível.

No espaço arranjado por Sanches - jornalista "livre" que se autoproclama "detrator da Rede Globo" mas compartilha da visão mercantil que a rede aborda sobre a "cultura popular" - , Acauam não consegue convencer ao questionar Safatle e parece prolixo e confuso ao definir os debates da cultura popular dentro de uma perspectiva que misture alhos com bugalhos, vanguardistas com bregas.

Esse é o tom da realidade que vivemos. A incoerência busca se argumentar, as pessoas querem raciocinar um argumento racional que justificasse o não-raciocínio. Querem ser racionais na sua irracionalidade e filosofam demais sobre suas mentiras e mistificações.

O próprio Brasil se recusa a pensar como se fazia no Primeiro Mundo desde a Antiguidade Clássica. O complexo de vira-lata voltou à moda, junto com outras doenças brasileiras como a memória curta, o jeitinho brasileiro e o golpe do baú, com a diferença que tais denominações estão em desuso, para não assustar a "criançada".

Daí uma série de hábitos e atitudes surreais, que se multiplicam nesse cotidiano confuso, desigual, cruel, atrapalhado, imprudente, hipócrita, oportunista e tendencioso em que vivemos. E faz sentido que as pessoas abandonam seus próprios amigos para ficar com as suas zonas-de-conforto exaltadas ritualmene no Facebook, YouTube, Instagram e outras mídias sociais.

São as pessoas que desprezam tudo que não lhes é ilusão e festa: se não são indivíduos capazes de ir de lugares distantes para aparecer nas boates onde elas estão e tomar cerveja, não servem para amigos. E, no âmbito religioso, deixam seus velhos da vida pessoal à deriva (como pais, mães, avôs e avós) porque o único velhinho que lhes presta, mesmo falecido, é Chico Xavier.

O chiquismo continua muito forte e mesmo o mito confuso de Francisco Cândido Xavier não é suficiente para que sua idolatria deixasse de ser intensa. Afinal, a própria sociedade brasileira é confusa, capaz de tomar como "feminismo" uma "boazuda" mostrar seus glúteos siliconados o tempo inteiro e "sensualizar" até em velório, e por isso qualquer absurdo se espera neste caso.

No YouTube, como alertamos, há muitos vídeos que tentam definir Chico Xavier como filantropo, profeta ou tudo o mais. De mensageiro dos mortos a descobridor de Marte, todo absurdo é atribuído a ele, com uma histeria que o faz acumular seguidores através do botão "curtir" para vídeos a ele favoráveis, e "descurtir", para aqueles que questionam o mito do anti-médium mineiro.

O chiquismo causa estragos, expandindo a já problemática fé-cega católica - que defende absurdos como o "mar que parte ao meio" das bíblias mal traduzidas ao longo dos séculos - para um pedantismo pseudo-científico, que só prejudica ainda mais as coisas, porque a roupagem "científica" e "intelectual" é feita para proteger a cegueira da fé dos esclarecimentos mais avançados.

O apego a Chico Xavier, uma teimosia que atinge até uma parcela dos que se julgam "kardecianos fiéis", torna-se muito prejudicial, porque, ao apoiar como "unanimidade" uma figura religiosa de valor bastante duvidoso e cuja trajetória foi marcada de muita confusão, erros graves e irresponsáveis e escândalos de grande repercussão, o Brasil está assinando um atestado de incoerência a si mesmo.

Daí o complexo de vira-lata. As pessoas não querem melhorias, querem se acomodar na sua imperfeição, confundindo autoconsciência com narcisismo. As pessoas rejeitam o questionamento, o raciocínio aprofundado, e se julgam felizes na sua ignorância, pressupondo nelas uma sabedoria que não existe e se revela improcedente.

É assustador ver que uma parcela influente da sociedade brasileira não quer melhorias, bastando se contentarem com os arbítrios das autoridades e tecnocratas sob o pretexto de que a "chuva de dinheiro" vai trazer a prosperidade para o Brasil, desde que o povo fique calado, vá beber cerveja e assistir a vídeos engraçados ou ler livros para colorir.

Se nem há 50 anos, quando a ditadura militar se proclamou definitiva, afastando as chances de devolver o poder aos civis através da sonhada campanha presidencial, os brasileiros se comportaram de maneira tão submissa. Ver que basta questionar profundamente a realidade para pessoas fugirem de alguém, numa época como a de hoje, com democracia vulnerável, mas consolidada e protegida por leis, é muito preocupante.

A ilusão de consumismo pleno, de alta tecnologia e de aparente liberdade faz a "boa sociedade" agir assim, entre um conformismo convicto e um reacionarismo festivo. Daí a escolha de uma personalidade confusa, contraditória e irregular como Chico Xavier como um sinônimo de uma ideia de "perfeição" que esses brasileiros "bovinos" acreditam: uma "perfeição" marcada por grandes imperfeições e pela complacência com os erros que acontecem no Brasil.

Essa fé cega, que se autoproclama "fé raciocinada" mas que de raciocinada nada tem, trava o progresso do país, um progresso que vai muito além da livre circulação de grandes somas de dinheiro e das promessas mirabolantes de autoridades que acham que podem fazer tudo.

Um país marcado pela demagogia, pela trilogia de mentiras, desmentiras e meias-verdades, só pode sucumbir a um atraso que nenhuma "chuva de dinheiro" consegue dissolver. Até porque os interesses das elites não convergem ao verdadeiro interesse público e o que teremos é mais uma vez um circo aberto de consumismo sem qualidade de vida, e sob a fé cega a Chico Xavier.

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