segunda-feira, 19 de outubro de 2015

O maior vício dos brasileiros


A consciência crítica assusta os brasileiros. Numa época de intensa complacência, multiplicam-se questionamentos e contestações que assustam as pessoas no Brasil, principalmente no Sul e Sudeste e, em particular, no Rio de Janeiro.

É isso que mantém o país no sub-desenvolvimento. As pessoas, presas em suas zonas-de-conforto, mais uma vez reagem com seu conservadorismo contra os questionamentos e contestações contra o "estabelecido", e mesmo pessoas dotadas de boa formação cultural começam a boicotar, nas mídias sociais e em outras esferas de relação, quem questiona profundamente o "sistema".

Qualquer um que vá longe nos questionamentos ao "estabelecido" paga o preço de ser visto como "pessoa difícil", "chata" e "insuportável". Espaços lhes são bloqueados, se o contestador é músico, escritor ou produtor de TV, oportunidades de divulgação de suas ideias lhes são bloqueadas. Eles perdem amigos nas mídias sociais e, em certos casos, ganham inimigos. Além disso, passam a ser boicotados também no mercado de trabalho e nos cursos de pós-graduação universitários.

A discriminação contra os contestadores, sobretudo no Rio de Janeiro, em que os cariocas estão assustados com a acusação de que o Estado e a outrora Cidade Maravilhosa são palco de retrocessos profundos e preocupantes, passaram a se isolar na bolha de plástico da zona-de-conforto, presos em seus novos dogmas contraídos pela aceitação de cada retrocesso.

Perdida entre classificar certos retrocessos como "problemas pontuais da pós-modernidade urbana" ou como "transtornos necessários" para supostos progressos futuros, cariocas e fluminenses, assim como em outras partes do país (embora com menor intensidade fora do Sul e Sudeste), passam a ter um sentimento alarmista e preconceituoso, como meio de proteção de suas acomodação social.

Daí que nas mídias sociais nota-se a ênfase numa "felicidade" aparente, já que os "acomodados" e "conformados" on line preferem agora a literatura analgésica dos "livros para colorir", vídeos "divertidos" com animais e pessoas e fotos ao lado de amigos seja torcendo futebol, seja tomando alguma bebida alcoólica em um bar, boate ou adega mais conceituado.

Toda essa "água com açúcar" digital revela o maior vício dos brasileiros, em que a ignoância e a submissão, que deveriam ser vistos como problemas crônicos, se tornam convicções defendidas de forma tão arraigada que as pessoas preferem romper com os amigos do que com os valores em que elas acreditam.

A IGNORÂNCIA E A BAIXA AUTO-ESTIMA COMO BLINDAGEM

É uma retórica estranha. Sempre que uma medida de valor e importância duvidosos é imposta por alguma elite influente, seus seguidores adotam um discurso semelhante. "Não é 100%, mas é melhor do que nada", "Com tanta coisa ruim que está aí, até que isso é bom demais" e "De repente, é para não ser tão bom assim por este ou aquele motivo, mas é só a coisa pegar que melhora", são algumas das frases típicas.

Depois da onda da trolagem, ato de encrenqueiros virtuais (conhecidos como "troleiros" ou trolls, potencialmente reacionários) que agem nas mídias sociais, começar a ser denunciada em larga escala pela mídia, a vez é de pessoas "cultas" e "de bem" se policiarem contra quem questiona profundamente as coisas, que acaba recebendo rótulos de "chatos", "insuportáveis" e "arredios".

A onda neoconservadora que toma conta das mídias sociais faz com que a plutocracia e tecnocracia que comandam os chamados grandes centros se ascendam sob a complacência ou mesmo o apoio geral da sociedade.

Até mesmo a cultura musical do rock, antes associada á ideia de rebeldia e contestação, passa por um processo avassalador de domesticação, consentido até por quem deveria combater tais processos de deturpação cultural e exploração excessivamente comercial.

Embora ideias louváveis dentro do rock autêntico sejam testadas, como a rádio Kiss FM, a webradio Cult FM e o memorial Maldita 3.0, projetos de alto conceito e competência, nota-se que os roqueiros autênticos se resignaram em ficar em segundo plano, diante da supremacia mercadológica da Rádio Cidade (RJ) e sua equipe nada especializada, com sua abordagem caricatural e mercantilista da cultura rock.

Se roqueiros aceitam estarem em posição secundária, não querendo mais ser protagonistas do processo e deixando que os microfones de uma rádio que diz representar o "rock de verdade" sejam entregues a locutores não-roqueiros com dicção típica de FMs pop, então significa que, fora dos âmbitos da rebeldia juvenil, a coisa tornou-se ainda mais conformista.

Essa onda de resignação e conservadorismo, incluindo um certo boicote a quem questiona as coisas, revela o grande vício dos brasileiros, que agora usam a ignorância, a submissão ou mesmo a baixa auto-estima como blindagem para essa acomodação confortável e à crença de que é ficando de bico calado que se atrairá maiores progressos para o Brasil.

Afinal, o Rio de Janeiro tornou-se o reduto de eventos de ponta (virão as Olimpíadas), assim como São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Curitiba. O trauma das passeatas populares de junho de 2013, empasteladas pelos desordeiros do Black Bloc, dá o tom do neoconservadorismo que faz as pessoas que seguem o "estabelecido" se "jogarem direto" e quem não concorda com isso que fique com espaços secundários de expressão, cultuando um saudosismo muito mal disfarçado.

As pessoas deixaram de ter os próprios desejos, não querem buscar o conhecimento, não questionam mais as coisas, e deixam seus destinos serem entregues a autoridades, tecnocratas, empresários, religiosos e executivos de mídia, acreditando que eles têm a "sabedoria" que ninguém conhece para comandar o progresso para o Brasil.

TUDO PELO CONSUMISMO

Ninguém quer mais reivindicar coisa alguma. Ninguém pergunta se isso vale ou não a pena, pois acha que vale, só por causa do status quo de quem decide. As pessoas aceitam tudo, e aí vem a complacência com o transporte coletivo carioca, por exemplo, em que medidas arbitrárias impostas nos últimos cinco anos passaram a ser aceitas "bovinamente" pela população.

As pessoas não sabem mais o que é benéfico para elas. Elas aceitam de bom grado promessas sensacionalistas ou supérfluas: um BRT vindo a reboque de ônibus padronizados, com motorista cobrando passagem e percursos "rachados" em linhas "alimentadoras" e "troncais".

No "funk", as pessoas aceitam que as periferias se reduzam à caricatura do povo pobre para criar uma imagem do Rio de Janeiro palatável aos grandes investidores. Ou aceitam a atuação da incompetente Rádio Cidade, com seu estereótipo debiloide do jovem roqueiro (as primeiras propagandas da emissora trabalharam sua imagem como de uma criança pequena) em troca da vinda dos grandes nomes do rock todo ano para tocar na capital fluminense.

As pessoas aceitam também que caricaturas de fenômenos sócio-culturais sejam prevalecidas em troca de benefícios financeiros, sobretudo de cunho turístico. De repente, as pessoas passaram a acreditar que dinheiro traz felicidade e que "chuvas de dinheiro" necessariamente tragam o desenvolvimento social e econômico desejado.

Ninguém mais tem sensibilidade, as pessoas já não sabem o que querem. E que música que elas ouvem, se um dia defendem o "rock da Rádio Cidade", no outro querem ver o "sertanejo" fazendo sucesso na Zona Sul e em outro querem funqueiros se apresentando no Teatro Municipal? Se essa sensibilidade falha ao boicotar amigos mais questionadores, não dá para esperar alguma consciência sobre o que essas pessoas querem.

É tudo pelo consumismo. Essas pessoas acabam sendo amigas da cerveja, dos livros religiosos, dos cachorrinhos iguaizinhos aos que aparecem nas "vídeocassetadas", forçadas a criar uma "felicidade" mais narcótica do que relaxante, no sentido de que é uma alegria que camufla e disfarça raivas, desprezos, preconceitos, decisões erradas etc. Quanto a este último item, os cariocas sentem a consciência pesada em ter boa parte deles contribuído para a eleição do deputado Eduardo Cunha.

NO "ESPIRITISMO", A IGNORÂNCIA DITA A REGRA

Se no Brasil essa onda de neoconservadorismo alarmista em que as pessoas correm para se refugiarem em suas zonas de conforto, boicotando quem contesta o "estabelecido" - o contestador, antes um "inimigo" a ser combatido, hoje é uma "ameaça" a ser evitada - , revela sentimentos que contribuem para o atraso mental que impede o país de se desenvolver.

Primeiro, é a falta de consciência de seus desejos e vontades, criando uma baixa auto-estima que sempre nivela tais necessidades por baixo. Se quer menos, achando que se terá mais no futuro. Aceita-se vontades "de cima", seja de empresários, tecnocratas, políticos e executivos de mídia, visando alguma mudança espetacular, um progresso mais pela aparência do que pela qualidade de vida.

Se, por exemplo, é a Rádio Cidade que "tem que ser rádio de rock" e não outra com melhor histórico e pessoal mais especializado, é por causa das boas relações da emissora com empresários da linha do entretenimento, ligados ao executivos do turismo e de agências de publicidade, e por isso tem que aceitá-la mediante um processo mercadológico que gere grandes lucros.

Segundo, é a ignorância agora convertida em convicção, a "sabedoria do não-saber", que faz com que tudo possa ser deturpado, e que culturalmente se possa nivelar tudo por baixo porque é dessa forma que se esperará uma maior estabilidade de mercado, em que uma sociedade de bico fechado permitirá a "paz" dos grandes investimentos e de um virtual progresso econômico, embora este não costuma refletir de forma autêntica em progressos sociais verdadeiros e definitivos.

As pessoas se sentem orgulhosas em não saber o que querem. Depositam suas confianças àqueles nos quais não sabem suas intenções. "Eu não sei o que quero, não sei o que o poderoso quer de mim, mas acredito que ele só irá agir da melhor forma comigo, por isso me submeto a ele", é uma ideia resumida desse pensamento.

E aí chegamos ao caso do "espiritismo" e todo o desconhecimento das pessoas em torno do que realmente é mediunidade faz com que uma elite de religiosos com igual ignorância se dê ao luxo de supor uma especialidade que ninguém sabe, ninguém questiona, ninguém verifica.

Espécie de tradução "espírita" do "mistério da fé" católico, as pessoas sentem medo de questionar as mensagens atribuídas ao além. Temem ser amaldiçoadas ou a mexer em algo que não sabem. Esquecem que um pouco de pesquisa poderia identificar fraudes grotescas nas supostas obras mediúnicas, sem medo e sem o risco de consequências adversas a quem examina.

Exemplo disso é que uma única pesquisa, por mais simples que seja, que comparasse os livros "espirituais" atribuídos a Humberto de Campos com os livros que ele publicou em vida, verá que as obras ditas mediúnicas se mostram fraudulentas, devido às contradições constatadas na comparação.

Ninguém observa que a quase totalidade do que se atribui como "mediúnico" no Brasil é fraudulenta, vem das mentes dos próprios "médiuns". Em compensação, vemos familiares se dividindo entre quem acha as mensagens atribuídas a seus entes falecidos como "verdadeiras" e outros que a definem como "falsas".

Pior disso tudo é que, enquanto no Primeiro Mundo se estimula o conhecimento questionador, aqui o imperativo é "acreditar", verbo que substituiu o "saber" na busca da "verdade". As pessoas não sabem o que querem, simplesmente porque não sabem, e a ignorância de saberem até sua própria ignorância faz o Brasil acumular um festival de incompetências e mistificações junto a uma degradação na qualidade de vida e na cultura, tudo em troca de "mais dinheiro" para o país.

Isso acaba reforçando e agravando ainda mais os retrocessos brasileiros, principalmente e de forma mais intensa em áreas antes consideradas mais desenvolvidas no Brasil. E isso prejudica o desenvolvimento do país como um todo, com esse festival de complacência generalizada aos poderosos e o preconceito contra aqueles que, "reclamando demais", no fundo querem um país bem melhor do que a vã publicidade tenta defender.

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