sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Chico Xavier não só não previu vida em Marte, como chegou tarde na discussão

IMAGEM FICCIONAL DE COMO SERIA UMA CIDADE EM MARTE. 

Quiseram transformar Francisco Cândido Xavier em "cientista" através de "previsões" sobre descobertas científicas que não procedem diante de uma análise lógica. São abordagens que supostamente antecipam descobertas científicas em décadas, mas que, em análise mais aprofundada, não só estão desprovidas desse suposto pioneirismo como se encontram defasadas e tardias.

Chico Xavier foi atribuído como "pioneiro", juntamente aos supostos André Luiz (fictício) e Humberto de Campos (apropriação tendenciosa de um espírito falecido), em até cerca de seis décadas, tanto em relação às descobertas da glândula pineal, quanto aos vestígios de presença de água e de vida humana em Marte.

No caso da glândula pineal, Chico Xavier inseriu, em dois capítulos de Missionários da Luz (1945), obra atribuída ao "espírito André Luiz", supostos conhecimentos científicos relativos à glândula pineal - área do cérebro que regula os instintos sexuais - e sua principal substância, a melatonina, em abordagens supostamente complexas, mas que constatamos bastante simplórias, a nível da Ciência.

Segundo os defensores de Chico Xavier e um grupo de acadêmicos "espíritas" em artigo publicado no pouco conceituado periódico Neuroendocrinology Letters, "André Luiz" teria apresentado conceitos que só seriam levados à luz em 1958, como o isolamento da melatonina por Aaron Lerner, e em 2008, como o conhecimento dos efeitos psicológicos da substância observados em experiências com ratos.

No entanto, o artigo dos acadêmicos (que incluem Giancarlo Luccheti e Jorge Cecílio Daher Jr.), apresentou uma grave falha metodológica, ao supor que a literatura científica dos anos 1940 sobre a glândula pineal seria "escassa e altamente conflituosa". Segundo eles, as publicações não chegariam a uma centena.

A grande falha é que os pesquisadores tomaram essa constatação quando fizeram levantamentos de obras bibliográficas (artigos e livros) produzidos a partir de 1977. Se contentaram em criar a tese a partir de trabalhos de terceiros, o que é anti-científico, já que eles não entraram em contato com as próprias fontes originais.

Dessa forma, eles não podem supor qualquer coisa a respeito da literatura científica dos anos 1940 sem ter contato com as próprias fontes originais. Além disso, uma pesquisa que fizemos, mesmo quando tendo qualquer especialização em Biologia e Anatomia Humana, pudemos fazer constatações a respeito do tema da glândula pineal.

No século XX, suas discussões se tornaram intensas desde 1917, com pesquisas usando glândulas pineais de bois trituradas e jogadas num tanque cheio de girinos (filhotes de anfíbios). Só os artigos brasileiros na Internet julgam o assunto "esquecido", mas ele seguiu em estudos discretos nos anos 1920 e se ampliaram nos anos 1940.

Há dúvidas se a bibliografia sobre glândula pineal realmente teria sido escassa nos anos 1940. Mesmo que tivesse sido, ela poderia ter compensado com a qualidade das abordagens. O que se sabe é que uma das autoridades do assunto havia sido o cientista alemão Wolfgang Bargmann, que havia lançado trabalhos sobre o tema já na primeira metade da década.

Há uma suspeita que Chico Xavier teria consultado um exemplar do livro Manual de Anatomia Humana, conhecido livro de Alfredo Monteiro e Benjamin Batista, lançado em 1920 e tendo sido um dos livros de Biologia mais conhecidos no Brasil na época da elaboração de Missionários da Luz.

SUPOSTA PRESENÇA DE UMA MULHER EM MARTE, DE ACORDO COM IMAGEM RECENTEMENTE DIVULGADA PELA NASA.

Antes do artigo de Neuroendocrinology Letters, o dirigente "espírita" Gerson Simões Monteiro, presidente da Rádio Rio de Janeiro AM e articulista do jornal carioca Extra, havia suposto que Chico Xavier teria previsto "vida em Marte" décadas antes de descobertas científicas lançadas a partir de 2004.

A hipótese se sustenta primeiro no livro Cartas de uma Morta, de 1935, atribuído à falecida mãe do então jovem anti-médium, Maria João de Deus, que supostamente teria viajado para Marte e encontrado vestígios de vida humana naquele planeta:

"Vi-me à frente de um lago maravilhoso, junto de uma cidade, formada de edificações profundamente análogas às da Terra. (...) Vi homens mais ou menos semelhantes aos nossos irmãos terrícolas, mas os seus organismos possuíam diferenças apreciáveis. Além dos braços, tinham ao longo das espáduas ligeiras protuberâncias à guisa de asas, que lhes prodigalizavam interessantes faculdades volitivas. (...) O ar é muitíssimo mais leve: conhecem os enigmas profundos da eletricidade, que usam com maestria; as edificações são análogas às da Terra; a vida em Marte é mais aérea – poderosas máquinas; embora existam oceanos, há pouca água; sistemas de canalização; poucas montanhas.

Assegurou-me, ainda, o desvelado mentor espiritual, que a humanidade de Marte evoluiu mais rapidamente que a Terra e que desde os pródromos da formação dos seus núcleos sociais nunca precisou destruir para viver, longe das concepções dos homens terrenos cuja vida não prossegue sem a morte e cujos estômagos estão sempre cheios de vísceras e de virtualhas de outros seres da criação".

Quatro anos depois, usando o nome de Humberto de Campos, Chico Xavier escreveu Novas Mensagens em 1939, e repetiu a suposição de que havia vida em Marte de uma forma mais destacada, como se confere no seguinte trecho:

"Marte tem cidades fantásticas pela sua beleza inaudita: avenidas extensas e amplas, sendo as construções análogas às da Terra; a vegetação, de tonalidade vermelha, é muito mais exuberante do que a terrena. Marte é ‘um irmão mais velho e mais experimentado na vida; seus habitantes sempre oram ao Senhor do Universo, em benefício da humanidade terrena’; habitantes têm arcabouço físico algo diferente do terrestre; alimentação: através das forças atmosféricas".

Descontada a imaginação fértil do mineiro, capaz de dar "pitacos" em algo que não encontra confirmação, a tese de suposto pioneirismo científico, a exemplo de Missionários da Luz, não tem o menor grau de procedência e, do contrário do livro de "André Luiz", não apresenta sequer verossimilhança, sendo sua sustentação bastante frágil e facilmente desmontável.

O HISTORIADOR DA CIÊNCIA INGLÊS WILLIAM WHEWELL (E) MENCIONAVA A POSSIBILIDADE DE VIDA EM MARTE ANTES MESMO DO LANÇAMENTO DE O LIVRO DOS ESPÍRITOS, E O ESTADUNIDENSE PERCIVAL LOWELL TRABALHAVA O TEMA AINDA NO SÉCULO XIX.

Isso porque a tese de possibilidade de vida em Marte, na verdade, era um tema bastante antigo em discussão. pois o tema já havia sido apresentado pelo historiador da ciência (popularizou o termo scientist, "cientista"), filósofo e teólogo inglês William Whewell (1794-1866), em 1854, portanto, três anos antes de Allan Kardec lançar O Livro dos Espíritos.

Um dos autores que começou a estudar de forma mais sistemática a hipótese de haver vida em Marte foi o estadunidense Percival Lowell (1855-1916), que divulgou estudos na segunda metade do século XIX e cujas pesquisas resultaram em três livros, Mars (1895), Mars and its Canals (1906) e Mars as the Abode of Life (1908).

A vida em Marte inspirou até mesmo a ficção científica, como comprova o escritor britânico Herbert George Wells, ou H. G. Wells (1866-1946), que lançou o livro Guerra dos Mundos (The War of the Worlds) em 1897, através de folhetins na imprensa local, e depois no famosíssimo livro em 1898. No livro, os marcianos são vistos não como missionários pacíficos, mas como dominadores.

O livro havia inspirado uma adaptação radiofônica nos EUA em 1938. No elenco teve a participação do ator Orson Welles, como narrador. De notável talento, Welles narrou a história com tamanha dramaticidade que causou muito pânico nos ouvintes, que acreditavam que os EUA estariam realmente sendo invadidos por violentos marcianos.

O episódio da radionovela repercutiu no mundo inteiro, inclusive no Brasil, país que foi visitado pelo próprio Welles em 1941 (ano de seu sucesso Cidadão Kane (Citizen Kane)), para realização de um documentário que o ator e cineasta nunca conseguiu terminar.

Portanto, o "pioneirismo" de pelo menos 75 anos que se atribui ao livro Novas Mensagens, de 1939, não tem o menor fundamento. A possibilidade de haver vida em Marte, devido à presença de água e sob a suposição de haver civilizações avançadas, já era um tema bastante pesquisado e discutido no século XIX, como comprovam dados históricos e abordagens científicas sérios.

Isso significa que Chico Xavier não só NÃO previu a existência de vida humana em Marte, como ele simplesmente chegou tarde na discussão. Só a obra mais recente de Percival Lowell sobre o tema foi lançado 29 anos antes de Novas Mensagens e 27 antes de Cartas de uma Morta.

Concluímos, com total segurança, que Chico Xavier, na verdade, chegou muito atrasado na discussão sobre vida em Marte e suas obras "pioneiras", na verdade, contam com uma defasagem de, pelo menos, cerca de três décadas em relação ao que já se falava sobre o tema nos meios científicos e intelectuais do Primeiro Mundo.

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