quarta-feira, 7 de outubro de 2015

A surreal e preocupante intolerância contra o PT


Numa agência bancária bastante lotada em Niterói, uma senhora idosa conversava com as amigas. De repente, ela comentou que a presidenta Dilma Rousseff era o "nazismo encarnado", e as senhoras que conversavam com ela ouviram com naturalidade e concordavam tranquilamente.

É a época em que a página oficial do Partido dos Trabalhadores foi invadida por um hacker que inseriu maldosamente abaixo do logotipo a frase "PT CORRUPTO", em caixas altas, "perdendo" a oportunidade de brincar com a sigla do partido cujas letras, por uma mera coincidência, aparecem na maldosa palavra.

Também é a mesma época em que, na cerimônia de enterro, em Belo Horizonte, do ex-presidente do PT, José Eduardo Dutra, abatido pelo câncer, um panfleto foi encontrado com a frase "Petista bom é petista morto", só faltando apelar para a grosseria e perguntar se Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff "não foram junto".

Mas nas mídias sociais há páginas intituladas "Morte a Lula" e, numa manifestação contra o governo, senhoras com cabelos pintados exibiam faixas como "Por que não mataram todos em 64?", manifestando a intolerância que uma parcela de brasileiros "de bem com a vida" expressa contra o governo petista.

Chegou-se até perto disso. Além de um panfleto com esta frase, foi lançado outro, também com várias cópias, em que uma montagem com Dilma Rousseff sentada num vaso sanitário com a frasa "Só Faz Cagada", enquanto um cartaz com a bandeira do Brasil avisava a Lula, reproduzido em uma imagem, como se recebesse o recado: "Fora Lula de Minas. Sua hora está chegando".

Um aposentado de 60 anos, Cipriano de Oliveira, ainda declarou ao apoiar os panfletos: "Qualquer momento é momento de mandar bandido embora. Até no enterro de minha mãe eu faria isso", disse, expressando a falta de escrúpulos dos violentos opositores do que definem como "lulopetismo".

É verdade que o PT, o ex-presidente Lula e a atual presidenta Dilma erraram em muitos aspectos. Seu projeto reformista foi muito aquém das expectativas. Medidas paliativas, válidas mas emergenciais, como as cotas raciais nas universidades e o Bolsa-Família, foram superestimadas e até a pouco confiável CMPF, que pretende "voltar pra valer", é quase santificada pelo partido.

As cotas raciais não podem ser definitivas porque elas apenas refletem um problema educacional que atinge populações pobres e, em boa parte, negras e de ascendência indígena. Essas cotas são apenas uma facilitação do acesso, mas ela torna-se pouco eficaz se mantiver um quadro deplorável nos ensinos básico e médio e perpetuar as condições que empurram menores para a evasão escolar, como o emprego prematuro para ajudar na já precária renda familiar.

Da mesma forma, a Bolsa-Família, válida para auxiliar a renda de famílias numerosas mas pobres, é apenas um tipo de indenização diante dos problemas sérios que enfrentam as populações pobres. relacionados sobretudo ao desemprego, à falta de planejamento familiar e o vazio de valores sociais que empurra jovens para a sexualidade desenfreada e, daí, para a reprodutividade sem controle.

É evidente que o Brasil nunca teve tradição de país socialista, e nos últimos 50 anos tornou-se um país conservador, em que as poucas novidades que aparecem são sempre deturpadas e suavizadas, transformando-as em algo mais rotineiro, inofensivo e sobretudo longe da essência original.

Observa-se que a intolerância ao PT e sobretudo a Dilma e Lula atinge um grau surreal em que ofensas agressivas a eles são livremente expressas e aceitas. Contraditoriamente o Brasil ainda guarda lembranças fortes de uma ditadura militar em que se era proibido até de dizer de forma construtiva que os generais erraram.

JÁ CHICO XAVIER...

Enquanto isso, é o mesmo país que aceita Francisco Cândido Xavier em todos os erros. Ele errou muito mais do que Lula e foi um figurão ultraconservador. Era católico de práticas heterodoxas, mas de valores bastante ortodoxos.

E no entanto ele havia virado uma unanimidade, praticamente o extremo oposto de Lula, que a gente imagina que, mesmo depois de morto, se Chico Xavier fosse candidato a presidente da República, seria eleito, pelo menos, no segundo turno (isso por causa dos evangélicos, que não vão com a cara dele).

Se Lula é hostilizado até quando aparece sorrindo para as câmeras, Chico Xavier é poupado até quando se sabe que ele fez das suas. Usurpou nomes de mortos, criou pastiches literários, apoiou fraudes de materialização, defendeu a ditadura quando ela estava no auge. E ainda escrevia coisas como "sofrer é tão bonito" e "aguente os infortúnios sem queixumes".

O que Chico Xavier fez com Humberto de Campos é a coisa mais deplorável que se pôde fazer com um escritor falecido. Criar um falso espírito de Humberto que, em vez de escrever como um intelectual laico de seu tempo, se expressava como um padre católico, é o mais descarado caso de falsidade ideológica que não tinha sutileza e parecia feito por pura sacanagem.

Sim, porque Chico Xavier sacaneou - essa é a palavra, para dar o tom da denúncia - Humberto de Campos depois que este fez um comentário irônico na resenha em duas partes do livro Parnaso de Além-Túmulo, uma coleção de pastiches literários trazidos pelo suposto médium. Chico não gostou do que leu e, depois que Humberto havia falecido, Chico o "transformou" num sacerdote católico.

A corrupção do "espiritismo" em torno de Chico Xavier foi maior, mais aberrante e mais nociva do que a do Partido dos Trabalhadores. E as mesmas pessoas que ficam dizendo "Ah, deixa Chico Xavier, ele errou, mas, tadinho, merece uma chance no nosso coração" são as mesmas que chamam Lula de "mafioso" e Dilma de "fascista".

É uma grande contradição, mas ela acontece, mesmo. E mostram o apego dos brasileiros - não todos, mas muitos deles - aos estereótipos. Hostilizam Lula pelo seu visual originalmente rude de operário e Dilma pelo seu jeito de mulher enérgica, enquanto adoram Chico Xavier pela sua aparência, em primeiro momento de caipira ingênuo, em segundo de velhinho doente e frágil.

E isso é mais grave quando sabemos que o finado Christopher Hitchens havia chamado a Madre Teresa de Calcutá de "anjo do inferno" e não havia despertado tanta ira quanto qualquer um que chama Chico Xavier e Divaldo Franco de "charlatães".

O charlatanismo de Chico Xavier e de seu seguidor baiano tornaram-se notórios, sobretudo pelos escândalos de plágios e fraudes que ocorreram. A apropriação oportunista de Chico Xavier com os nomes dos mortos, desviando a atenção dos que queriam valorizar as obras originais de Humberto de Campos e Auta de Souza, esta uma pouco conhecida poetisa romântica, foi uma crueldade travestida de "caridade", o que é pior ainda.

Daí o Brasil surreal em que vivemos. Um país que parece ser o inferno astral da coerência, que adota posturas complacentes a situações e fenômenos que o Primeiro Mundo contestaria de imediato, e por isso permite as injustiças aberrantes que enfrentamos. E ainda pensam que o Brasil será líder do planeta dessa maneira.

A verdade é que o Brasil está muito longe de se tornar uma potência mundial ou um país de maior referencial para a comunidade das nações. E isso, objetivamente falando, está tanto nos acertos que o Partido dos Trabalhadores não teve coragem de promover quanto nos erros gravíssimos cometidos por um Chico Xavier protegido por sua popularidade midiática.

Resta aos brasileiros assistir, como espectadores passivos, as transformações que acontecem no "velho mundo" experiente em tantos sofrimentos e hoje sendo repensado em suas graves crises. Para muitos brasileiros, isso não é problema, já que muitos preferem se refugiar nas zonas de conforto das mídias sociais nos seus smartphones.

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