quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Adoração a Chico Xavier prejudica atividades científicas


No país do anti-intelectualismo, ídolo religioso vira intelectual. A obsessão de uma boa parcela de brasileiros, entre "espíritas" e simpatizantes de outras crenças, por Francisco Cândido Xavier e sua confusa trajetória de contradições e erros graves, impede que a busca do verdadeiro conhecimento se efetive de forma adequada no Brasil.

O episódio recente da atribuição a Chico Xavier de supostas previsões sobre a existência de vida em Marte revela um aspecto constrangedor. Diferente do caso da aviação, em que o pioneirismo realmente valeu para Alberto Santos Dumont e não para os estadunidenses Wilbur e Orville Wright, só defendidos por seus compatriotas, o Brasil teve, no caso marciano, episódio mais risível.

Afinal comparar o pioneirismo de 80 anos atribuído a Chico Xavier e dois de seus supostos colaboradores - a mãe, Maria João de Deus, e um caricato Humberto de Campos que não confere com o original - e o de Percival Lowell em pelo menos 107 anos, é uma grande covardia e, também, uma grande piada.

Chico Xavier "previu" vida em Marte apenas em relatos romanescos, sem qualquer indício de veracidade científica, métodos ou fontes fidedignas de pesquisa. São relatos meramente especulativos, mas descritos como se fossem verdadeiros, sem apresentar provas nem qualquer tipo de embasamento científico.

Isso se torna ainda mais absurdo quando se constata que o tema da vida em Marte, com todos os aspectos atribuídos a Chico Xavier - como presença de água, canais artificiais, vida humana e civilizações avançadas - , já eram fartamente discutidos no século XIX, até por Camille Flamarion, amigo de Allan Kardec, astrônomo pelo menos citado por Divaldo Franco em palestras.

A adoração a Chico Xavier torna-se uma pedra no caminho não só da Doutrina Espírita, como para outras áreas do conhecimento científico. A figura do anti-médium prejudica diretamente a correta apreciação do pensamento de Allan Kardec, levianamente deturpado em suas ideias básicas e desprezado em outras ideias bem menos conhecidas.

Mas o prejuízo se estende pela via científica porque a adoração a Chico Xavier reflete o apego exagerado à religiosidade de matiz medieval que ainda mantém remanescentes no Brasil, em decorrência do Catolicismo português, que foi inserido na então colônia sul-americana com todos os moldes da Idade Média mantidos pela religião lusitana.

O Catolicismo português moldou a religiosidade "espírita" brasileira, o que significa que o pensamento religioso medieval ultrapassou duas barreiras, sendo uma relativa às transformações sócio-econômicas e políticas do século XVI e outra, às transformações do pensamento humanista nos séculos XVIII e XIX, destas quais floresceu o pensamento de Allan Kardec.

A religião lusitana, dessa forma, aproveitou a mania do Brasil em desenvolver coisas novas com bases velhas. Coisas que surgem para romper com estruturas arcaicas são introduzidas no país com o respaldo justamente do que é arcaico, que "adapta" a "novidade" à sua maneira, minimizando seu impacto transformador.

Aí, o "espiritismo" brasileiro, em vez de seguir o pensamento de Allan Kardec, segue o igrejismo católico português, sua base ideológica, já em aspectos podres do medievalismo. A única concessão foi combinar um moralismo católico-medieval com práticas hereges clandestinas, que se sobrepuseram sobre qualquer tentativa de estudar a sério a mediunidade.

A mania de os "espíritas" insistirem em entender daquilo que não conhecem, isto é, a mediunidade e a vida espiritual, também prejudica a ciência. Quando se supõe saber aquilo que, em verdade, desconhece, isso impede a pesquisa, porque ninguém vai procurar saber aquilo que supõe ter sabido, e a ignorância se traveste numa sabedoria e especialização que não existem nem jamais existiram.

O que se entende como "mediunidade" é um monte de mensagens tiradas da imaginação pessoal do respectivo "médium" cujo caráter fraudulento é mascarado por algum apelo religioso aqui e ali. O que se entende como "vida espiritual" é uma paisagem imaginária de enormes parques e grandes edifícios com pessoas vestindo pijamas brancos e limpinhos.

Entre fingimentos e especulações, os "espíritas" ainda fazem de conta que possuem profundo conhecimento doutrinário, fazendo com que a Ciência Espírita desfilasse em sua teoria, nunca praticada de fato, nos periódicos do "movimento espírita".

Isso é muito mal, porque prejudica os estudos verdadeiros sobre contatos com espíritos do além. Até a psicofonia é desmoralizada, reduzida a um espetáculo de falsetes comparável ao de humoristas imitando Sílvio Santos. E que envolve até mesmo gente dia como "tarimbada" como o anti-médium baiano Divaldo Franco, que como "psicófono" nunca passou de um concorrente frustrado do comediante e dublador Orlando Drummond.

Ninguém pesquisa coisa alguma. O teórico do Magnetismo, Franz Anton Mesmer, especialista da área que impulsionou Kardec a estudar os fenômenos espíritas, nunca teve livros traduzidos no Brasil. O próprio Kardec não é devidamente estudado, e os "espíritas" se tornam até repetitivos ao insistir nos mesmos trechos kardecianos que lhes agradam, reproduzidos em textos e palestras.

PIEGUICE - Foi dessa forma que "espíritas" comemoraram um suposto e duvidoso reconhecimento de Chico Xavier e o fictício André Luiz pelo meio científico.

Tudo vira devoção e deslumbramento, até quando envolve relações tendenciosas com a ciência. Publicamos um texto no qual cita uma comunicação por e-mail de vários "espíritas", entre os quais a já falecida Marlene Nobre, publicada em um blogue, Planeta Azul.

A pretexto de comemorarem um suposto reconhecimento científico de alegadas "previsões" de Chico Xavier e o fictício André Luiz sobre descobertas científicas, dado a instituições científicas de baixa expressividade no meio, os envolvidos nos e-mails trocados pareciam comemorar um milagre, e reagiram com a histeria de verdadeiros devotos igrejistas.

Um livro chegou a ser feito, e fotografado ao lado de coroas de flores. Não parecia a comemoração de um reconhecimento científico, mas o festejo de um milagre religioso. Os comentários foram deslumbrados, extremamente sentimentais e desprovidos de qualquer objetividade própria de apreciadores da ciência.

O lobby que cerca Chico Xavier dentro dos meios acadêmicos não contribui para o correto estudo científico de suas atividades. Pelo contrário, as pesquisas que pessoas como Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Jr. e Alexander Moreira-Almeida fazem é tão somente uma roupagem, um verniz para autenticar as práticas irregulares e confusas do anti-médium.

Mesmo sob a intenção aparente de trazer Chico Xavier para a luz do conhecimento científico, eles adotam métodos bastante duvidosos e inadequados, alguns simplórios demais, outros bastante complicados e desnecessários. Um leigo faria bem melhor, comparando estilos de linguagem, caligrafia e outros fatores e tiraria a conclusão das fraudes que a suposta psicografia produziu.

A adoração, que vai aos níveis de apego desesperado e obsessão irredutível, a Chico Xavier, é um reflexo de um sistema educacional que transforma a ciência em algo repugnante e a religião, na medida em que é trabalhada como um conto-de-fadas para adultos, e isso faz com que os brasileiros deem maior preferência para a fé do que para o raciocínio questionador.

Daí o anti-intelectualismo que se torna uma "tradição" no país. Pessoas que condenam o "excesso de raciocínio", a "overdose de lógica", mas, dentro de uma mania do Brasil em mascarar as ideias pelo seu oposto, tentam dar "razões filosóficas" para seu anti-intelectualismo, tentando dar lógica à "falta de lógica" com seu repertório de desculpas esfarrapadas.

Por isso é que a adoração a Chico Xavier, reflexo desse contexto sócio-educacional, as atividades científicas são prejudicadas, já que, se o igrejismo chiquista se autoproclama "ciência", ninguém precisa desenvolver a verdadeira ciência.

Pesquisas questionadoras? Que nada, vale apenas acreditar nos mistérios da fé. Provas? A fé e a bondade são as provas mesmo na ausência de provas autênticas. Pesquisas na medicina? Nada disso, basta a cirurgia espiritual com tesoura e facão que resolve qualquer coisa. Equipes de cientistas ficam sem dinheiro, enquanto "centros espíritas" ficam nadando em fortunas.

A Ciência deixa de ser devidamente valorizada, porque o misticismo "espírita" se apropria de suas qualidades, mas dentro de práticas duvidosas e abordagens especulativas. Com isso, a atividade científica, já bastante desvalorizada no Brasil, é ainda mais desprezada, em que pese a bajulação habitual dos "espíritas" a seus personagens.

O ser humano desperdiça seu dom maior, que é o de raciocinar. A criminalização do senso crítico nos últimos anos prejudica as atividades intelectuais, científicas e artísticas, atrofia a cultura e a ciência, e prejudica seriamente o progresso de um país.

E todo esse desastre é estimulado quando uma personalidade religiosa de trajetória confusa e irregular é endeusada como se fosse o "maior dos brasileiros", diante de estereótipos de amor e bondade defendidos por gente incapaz de ser boa por conta própria.

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