Na semana passada, a atriz inglesa Emma Watson, embaixadora da Boa Vontade da Organização das Nações Unidas, fez um discurso criticando o estigma feminista de "ódio aos homens", além de outros estereótipos feministas que não contribuem para a relação equilibrada entre homens e mulheres.
Reafirmando a luta das mulheres pelos seus direitos, Emma também defendeu a participação de homens, como cônjuges, pais, filhos, irmãos e amigos, nessa luta, como um modo de promover a integração entre homens e mulheres, em vez do estigma feminista de "ódio aos homens".
O discurso repercutiu favoravelmente e representa o que há de moderno na visão feminista, longe do sensacionalismo raivoso do Fémen e do machismo enrustido das funqueiras brasileiras. Aliás, Emma Watson falou também do direito da mulher sobre o uso próprio corpo, que, evidentemente, não pode ser confundido com o exibicionismo "sensual" que as "boazudas" brasileiras costumam fazer.
A visão feminista de Emma Watson encontra afinidade na visão que Allan Kardec tinha do feminismo, bastante avançada e coerente. Não devemos esquecer que Kardec era casado com uma importante pedagoga, artista plástica e intelectual, Amélie Gabrielle Boudet, nove anos mais velha que o marido e que influenciou muito a vida dele.
Gabrielle sempre trocou ideias com Kardec e ambos planejaram um modelo de educação pública bastante avançado para o século XIX. Ela também apoiou o marido diante das pressões que a sociedade francesa, que não conseguia compreender as novidades trazidas pela Doutrina Espírita, fizeram sobre ele, não raro dirigindo contra ele ataques e críticas severas.
Essa relação era a prática da relação equilibrada entre homens e mulheres, uma relação de companheirismo que poucos conseguem entender, mesmo na sociedade moderna de hoje, em que relações por conveniência, forçadamente estabilizada pelas circunstâncias, transforma casais em verdadeiros rivais na busca competitiva de prestígio social.
Sobre o feminismo, Allan Kardec havia escrito, na Revista Espírita de janeiro de 1866, seu parecer bastante avançado sobre esse movimento, através do seguinte trecho:
"(...) com a Doutrina Espírita, a igualdade da mulher não é mais uma simples teoria especulativa; não é mais uma concessão da força à fraqueza, é um direito fundado nas mesmas Leis da Natureza. Dando a conhecer estas leis, o Espiritismo abre a era de emancipação legal da mulher, como abre a da igualdade e da fraternidade."
JÁ NO "MOVIMENTO ESPÍRITA"...
Enquanto isso, no Brasil que acha "moderno" haver um "feminismo" de bases machistas, em que a mulher (pelo menos em tese) não vive sob a sombra de um homem, mas adota estereótipos sensuais do tipo "mulher-objeto", próprio do machismo, não é de se admirar o que defende um dos ícones do "moderno" Espiritolicismo, o "avançado" Emmanuel.
Sim, o "orientador" do festejado Chico Xavier - que muitos se esforçam em manter no seu pedestal de suposto líder espírita - , que acusava Allan Kardec de "antiquado", deu sua visão nada generosa do feminismo, no seu livro O Consolador, de 1941, psicografado por Xavier.
As mulheres que, no Facebook, tão alegremente colocam "memes" - arquivos de mensagem e imagem - frases de Francisco Cândido Xavier, ou mesmo as de Emmanuel divulgadas por aquele, mal sabem da visão cruelmente machista dada pelo jesuíta que veio a ser o maior ideólogo do "espiritismo" brasileiro. Qualquer dúvida, é só ver o seguinte trecho de O Consolador:
"A ideologia feminista dos tempos modernos, porém, com as diversas bandeiras políticas e sociais, pode ser um veneno para a mulher desavisada dos seus grandes deveres espirituais na face da Terra. Se existe um feminismo legítimo, esse deve ser o da reeducação da mulher para o lar, nunca para uma ação contraproducente fora dele. É que os problemas femininos não poderão ser solucionados pelos códigos do homem, mas somente à luz generosa e divina do Evangelho".
"Reeducação da mulher para o lar, nunca para uma ação contraproducente fora dele". Sim, o "moderno" Emmanuel, que comove muitas pessoas, sobretudo mulheres, que tão felizes colocam frases de seu pupilo Chico Xavier nas mídias sociais, não queria que as mulheres lutassem pelos seus direitos nas ruas e no cotidiano, mas que elas se resumissem a ser meras "escravas do lar".
Pior: o "sábio" Emmanuel também não queria que os problemas femininos fossem resolvidos pelos códigos do homem, ou seja, pelo reconhecimento dos homens das necessidades e dos direitos das mulheres, mas tão somente a subordinação das mulheres ao machismo camuflado pelo verniz religioso de Evangelhos mal traduzidos ao sabor do conservadorismo de crenças religiosas.
Daí percebemos que o "espiritismo" brasileiro, que tanto se alardeia ser "moderno" e "mais avançado", que tenta ser, até hoje, a "última definição" em doutrina de espiritualidade feita no Brasil, é carregado de valores muito retrógrados que a aparência de "modernidade" não consegue disfarçar.
Esse "espiritismo" que nós temos condiz a um contexto viciado existente no Brasil há muito tempo, que busca deturpar novidades com ideias retrógradas e procedimentos conservadores, o que faz com que volta e meia os textos "espíritas" venham carregados de visões machistas, homofóbicas e racistas, além do moralismo muitas vezes punitivo e até vingativo.
Allan Kardec, no entanto, tido como "antiquado" por priorizar o conhecimento científico e o caminho da razão questionadora como meio seguro de resolver os problemas da realidade, deu uma visão sobre feminismo muito mais moderna e progressista, lançada décadas antes do "moderno" Emmanuel e que, recentemente, viu ideias similares sendo trazidas novamente através do discurso de uma atriz.
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