sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Allan Kardec não quis que Doutrina Espírita virasse religião


Se algum dirigente da Federação "Espírita" Brasileira tenta afirmar, até com certa arrogância, que a Doutrina Espírita é "uma religião", ele está completamente equivocado, uma vez que o codificador Allan Kardec (lembrado hoje, nos 210 anos de nascimento) nunca quis que essa doutrina se transformasse numa seita religiosa.

Mesmo a frase "o espiritismo é uma religião e nos vangloriamos com isto" é uma má interpretação, já que Kardec, ao mencionar esta frase, a falou no sentido filosófico, e que podemos inferir também antropológico, do contato existencial do ser humano com a figura atribuída a origem de todas as coisas e fenômenos, que o Ocidente denomina de Deus.

Esse contato se deu desde a pré-história, quando o homem via os perigos da Natureza e, por instinto, evocasse alguém que acreditasse estar por trás disso. Era uma força superior, para a qual haviam mais dúvidas do que certezas, do contrário do religiosismo que hoje entendemos, em que o incerto é dado como "certo", como certeza absoluta, em prol do "mistério da fé e do amor".

Pode ser até um contato místico, mas com o tempo esse contato trouxe muito mais dúvidas e deu origem aos primeiros pensamentos filosóficos, já que a verdade, um dos símbolos da perfeição atribuída a Deus, seria, neste raciocínio, um enigma final, que o homem dotado de raciocínio perseguiria para todo o sempre.

Portanto, não é uma seita, não é um conjunto de rituais, igrejas e dogmas, que colocam o duvidoso como sendo o "certo", que criam um cantinho em que a ilusão está acima da realidade e o surreal prevalece sobre o pensamento lógico. Algo "teísta" mas contraditoriamente anti-Deus, porque vai contra a realidade lógica que as coisas e fenômenos, tidos como criações de Deus, possuem.

Para quem ainda duvida se Allan Kardec queria ou não criar uma religião, já que uma leitura apressada dá a falsa impressão de que o pedagogo se contradisse nesses propósitos, as frases a seguir provam que Kardec não queria transformar o Espiritismo numa religião, do contrário que os dirigentes e adeptos da FEB alardeiam com tanta arrogância.

O trecho a seguir foi publicado na Revista Espírita, no volume 2 publicado em 1859, e que era uma resposta questionadora de um artigo publicado na publicação, também francesa, L'Univers.

"...o Espiritismo se fundamenta em princípios gerais independentes de toda questão dogmática. É verdade que ele tem conseqüências morais, como todas as ciências filósóficas. Suas conseqüências são no sentido do cristianismo, porque é este, de todas as doutrinas, a mais esclarecida, a mais pura, razão por que, de todas as seitas religiosas do mundo, são as cristãs as mais aptas a compreendê-lo em sua verdadeira essência.

O Espiritismo não é pois uma religião. Do contrário teria seu culto, seus templos, seus ministros. Sem dúvida cada um pode transformar suas opiniões numa religião, interpretar à vontade as religiões conhecidas; mas daí à constituição de uma nova igreja há uma grande distância e penso que seria imprudente seguir tal idéia. Em resumo, o Espiritismo ocupa-se da observação dos fatos e não das particularidades desta ou daquela crença; da pesquisa das causas, da explicação que os fatos podem dar nos fenômenso conhecidos, tanto na ordem moral quanto na ordem física, e não impõe nenhum culto aos seus partidários..."

Kardec reafirma a missão filosófica do Espiritismo e considera imprudência transformá-lo numa religião. Pois é justamente esta imprudência, reprovada pelo professor, que a Federação "Espírita" Brasileira criou e fez multiplicar, expandindo seu "exemplo" até mesmo em várias de suas dissidências.

Pois o que é o "espiritismo" brasileiro senão os "cultos" ("doutrinárias"), seus "templos" ("centros espíritas") e seus "ministros" ("médiuns" e lideranças "espíritas"), além de ritos e dogmas que na prática nada diferem do Catolicismo mais conservador. Portanto, só neste sentido dá para ver o quanto a FEB, do contrário que os defensores dizem, se afastou totalmente das ideias de Kardec.

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