PADRES JESUÍTAS JOSÉ DE ANCHIETA E MANUEL DA NÓBREGA (EMMANUEL) TENTAM CATEQUIZAR OS ÍNDIOS NA ATUAL UBATUBA, EM SÃO PAULO.
Sabemos que o "espiritismo" brasileiro tem bases católicas. E, mais grave ainda, ele se fundamenta no Catolicismo feito em Portugal, implantado no Brasil colonial e ainda dotado de conceitos e procedimentos medievais, havendo relatos de prática de Inquisição feitos ainda no século XVIII, quando EUA e França avançavam em novos movimentos políticos e filosóficos.
A tradição católica apenas criava dissidências, porque ninguém aguentaria uma ideologia reacionária demais por tanto tempo, e as ideias de Allan Kardec foram, a princípio, parcialmente adotadas por alguns de seus simpatizantes que, todavia, tão cedo abandonaram o pedagogo para abraçar apaixonadamente os ideais místico-moralistas do religiosismo de Roustaing.
O "espiritismo" brasileiro apenas abria mão dos excessos cometidos pelo Catolicismo medieval e pelo seu mais fechado misticismo ritualístico e dogmático. A ideia do "movimento espírita" não era trancar seus adeptos em mosteiros ou promover o trabalho sacerdotal, mas a aproveitar os ideais católicos "à paisana", sem o fardo da batina e sem os ritos rígidos do religiosismo radical.
Neste sentido, a ojeriza à ciência seria amenizada pelos "espíritas" em relação ao Catolicismo medieval. Em vez da condenação furiosa às atividades científicas, adotava-se uma atitude mais "respeitosa": a ciência era "apreciada", desde que não afetassem as crenças, ritos e dogmas do "espiritismo" de moldes católicos.
Havia até mesmo arremedos de ciência e evocações de personalidades, fatos e ideias relacionadas ao mundo científico pelo "movimento espírita" brasileiro. De repente, até biografias de cientistas eram evocadas "à luz do Espiritismo", evidentemente com todos os preconceitos de ordem espiritólica embutidos em seus textos.
A prática que se observa de mais típica no "movimento espírita" brasileiro é a chamada "inculturação", uma prática trazida pelos padres e missionários da Companha de Jesus no Brasil colonial e destinada a "converter" os povos indígenas ao Catolicismo português.
A "inculturação" tornou-se uma prática brasileira, vista até em emissoras de rádio FM supostamente dedicadas ao rock, em que a cultura dos roqueiros é introduzida mas diluída em uma linguagem convencionalmente pop e das mais tolas, não apreciada pelo público roqueiro, enfraquecendo a cultura roqueira através do domínio dessa mentalidade pop tradicional.
COMPANHIA DE JESUS TEVE QUE "VOLTAR PARA CASA", APÓS TERREMOTO PORTUGUÊS DE 1755
A "inculturação" é uma forma do "estabelecido" absorver "novidades" para reciclar e ampliar seus domínios. Os jesuítas aprendiam e apreendiam elementos culturais indígenas e passaram a conhecer até mesmo os idiomas indígenas, dos quais o tupi-guarani chegou a ser o idioma falado em todo o Brasil, tendo sido o nosso primeiro idioma oficial.
No entanto, essa adaptação não é gratuita. É, na verdade, um fator tendencioso. Serve como uma espécie de isca para fazer com que o dominador, supondo-se adaptado às crenças e costumes dos dominados, reafirme seu domínio por trás dessa manobra, inserindo nos dominados suas crenças, através da confiança trazida pela suposta adaptabilidade.
Melhor dizendo: é como se o chefe brincasse de se comportar como seus subordinados, atraindo a eles confiança e fazendo com que estes se tornem cada vez mais submissos, através da falsa identificação de comportamentos. Não é uma cumplicidade, mas uma troca de interesses, quem detém o poder finge que se rendeu à cultura de seu dominado para atrai-lo e fortalecer os vínculos de poder.
Não por acaso, o "movimento espírita" brasileiro atraiu espíritos de muitos padres, freiras, párocos, sacerdotes, missionários e toda a multidão católica que, frustrada, lá no além, com as notícias do fim dos trabalhos da Companhia de Jesus, no Brasil colonial, viam no "espiritismo" brasileiro uma forma de renovar os trabalhos jesuítas dentro de novos contextos.
Sabe-se que a Companhia de Jesus, no final do século XVIII, muito tempo após os falecimentos de José de Anchieta e Manuel da Nóbrega, teve que encerrar atividades no Brasil por ordem do primeiro ministro português Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, por ser uma atividade muito cara para a coroa portuguesa.
O Marquês de Pombal havia adotado uma política austera de corte de gastos, uma vez que Portugal sofreu um violento terremoto que atingiu o país em 1755, entre 7,5 e 9,5 pontos na escala Richter, condierados de alta intensidade, que causou também maremotos de 20 metros de altura, diversos incêndios e pelo menos 10 mil mortos, destruindo, entre outros lugares, quase toda a capital do país, Lisboa.
Daí a preocupação de Pombal com a recuperação portuguesa, dante de sucessivas crises sociais desde então e cujo povo ainda ficou irritado, a exemplo dos parlamentares portugueses, quando a aristocracia real deixou Portugal sem governo para se estabelecer no Brasil, num ato "heroico" para a historiografia oficial brasileira, mas uma covardia sem tamanho para a crônica social e política lusitana.
Com isso, os jesuítas "voltaram para casa", enquanto, nas orbes espirituais, os antigos jesuítas desencarnados estavam preocupados com a herança do Catolicismo medieval, com seus ritos, dogmas e crenças, deixada "órfã" na colônia brasileira.
SE APROPRIANDO DE ALLAN KARDEC
O gancho para o jesuitismo redivivo do "movimento espírita" brasileiro se justifica pelo fato de que dissidentes católicos quererem recuperar a essência do Catolicismo medieval, que havia se "adaptado" ao legado indígena, desta vez aproveitando uma novidade trazida da França.
Allan Kardec, sabemos, codificou a Doutrina Espírita e promoveu um grande debate sobre ideias relacionadas à vida espiritual, não sem enfrentar pesadas polêmicas e até mesmo ataques violentos. Seu cientificismo, tão arrojado e avançado, não foi bem compreendido e a França foi tomada por um cenário político radicalmente católico que fez o kardecismo ser condenado ao esquecimento.
Paralelamente a isso, as ideias de Kardec foram deturpadas por seguidores que, sentindo a pressão católica, adaptaram aos poucos das ideias kardecianas ao religiosismo católico. De forma mais radical se deu a releitura do kardecismo por Jean-Baptiste Roustaing, que rompeu com muitos aspectos originais ensinados pelo pedagogo.
No Brasil, porém, essa regressão tornou-se muito fácil. O Catolicismo medieval era muito forte nas elites brasileiras, cujo conservadorismo era tão grande que o sistema escravista só foi superado, e ainda assim quase à força, em 1888, depois de mais de 60 anos de pressões externas contra tal prática.
Daí não ter sido muito difícil "amenizar" as ideias de Allan Kardec em prol de um religiosismo de moldes católico-medievais. Diluir uma novidade considerada indigesta é uma prática tipicamente brasileira, infelizmente. E o jeitinho brasileiro também fez muito para transformar a doutrina de Allan Kardec num engodo em que o Codificador é "respeitado" na teoria, mas desprezado na prática.
Os jesuítas "baixaram" no "movimento espírita" feito pombos voando sobre grãos de milho no chão. Eles viram a oportunidade de, a exemplo das antigas culturas indígenas, absorver uma novidade e trabalhá-la a seu gosto, reafirmando as relações de poder, antes exercidas apenas sobre os indígenas, hoje exercidas sobre aqueles que se declaram "espíritas" ou "espiritualistas" no Brasil.
Houve as escandalosas preferências a Roustaing, mas hoje o "movimento espírita" brasileiro seguiu um patamar "ideal" de um roustanguismo mais enxuto, sem polêmicas e com toda a bajulação necessária a Allan Kardec, acariciado pelas palavras "amorosas" dos "espíritas", como um professor que recebe uma maçã de um péssimo aluno a desprezar as mais preciosas lições do mestre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.