segunda-feira, 28 de abril de 2014

Mediunidade não é como no hip-hop


Diante do escândalo provocado pelas denúncias de plágio de um texto de Chico Xavier pelo amigo Divaldo Franco, este tentou justificar a "coincidência" de trechos da mensagem "Um Dia", em que até o título foi plagiado.

Divaldo alegou que "foi coincidência" e atribuiu às palavras comuns entre as mensagens, ambas atribuídas a outros espíritos, como "universalidade de pensamento", espécie de equivalente "racional" e "científico" das "palavras de amor" que autorizam qualquer erro dos "espíritas" brasileiros.

Esperto, Divaldo ainda tentou argumentar, no caso de haver alguma manifestação de identidade de palavras e sentidos, que haveria uma "traição do inconsciente" ou "um fenômeno de corroboração", desculpas que não fazem sentido a qualquer observador com um mínimo de cautela.

Segundo o espírita Luciano dos Anjos, que contestou a declaração de Divaldo, alegando que a "universalidade do ensinamento" exposta pelo anti-médium indica uma concordância de mensagens múltiplas, o que não é necessariamente um critério válido para legitimar uma mensagem espiritual.

O próprio Allan Kardec não usava a concordância como critério, embora eventualmente se considerasse validade em mensagens concordantes, mas isso depende muito do contexto relacionado a cada uma das mensagens ou a elas como um todo.

Kardec usava como critério o da razão, bastante complexa, porém mais segura, para legitimar ou não uma mensagem espiritual. Ele rejeitou várias mensagens espirituais, mesmo aquelas aparentemente amorosas, porque elas apresentavam equívocos e contradições em diversos aspectos que contrariam as leis da razão e da coerência.

Quanto à "traição do inconsciente", a desculpa soa muito confusa, uma vez que um médium que se diz "gabaritado" e em contato com "espíritos benfeitores" não iria cometer esse deslize, se levarmos em conta essa tese. Além disso, a semelhança de textos não seria uma coincidência ou um acidente, se ela se mostra de maneira bastante evidente.

MEDIUNIDADE NÃO OCORRE COMO NO HIP-HOP, ONDE SE COPIA QUALQUER COISA

A julgar pela gravidade dos plágios relatados na postagem de Obras Psicografadas, constata-se que a atividade mediúnica não pode ser feita como se faz nas performances de hip-hop, conhecido ritmo da música negra norte-americana. É uma outra atividade, de natureza e contexto completamente diferentes.

Na dita mediunidade do "espiritismo" brasileiro, a cópia de trechos de livros, praticada não só por Divaldo como pelo próprio Chico Xavier, assim como a imitação pouco sutil e não raro atrapalhada de estilos dos supostos espíritos representados é algo que não pode ser visto com a mesma validade que a cópia de canções feita pelos DJs de hip-hop.

O hip-hop, como arte, apenas recria canções através da reprodução de sons de disco de músicas já existentes. Em muitos casos, é até homenagem ou divulgação. O desconhecido grupo chileno Los Angeles Negros, contemporâneo dos brasileiros Mutantes, foi redescoberto a partir de uma sampleagem de um DJ parceiro do grupo Beastie Boys.

Não é assim na mediunidade. Não se copia fulano nem sicrano, nem se usa trocadilhos gratuitos fora do contexto. Raul Seixas não iria, assim, sem mais nem menos, dizer em mensagem espiritual que "nossa sociedade alternativa é outra". Ele só faria alusões ao que escreveu conforme o contexto, não iria assim aleatoriamente fazer trocadilhos fáceis só para dizer que "é Raul Seixas quem fala".

Do mesmo modo, também não faz sentido a desculpa da FEB, quanto a acusações de plágio literal do "espírito Humberto de Campos" de trechos de livros que o falecido escritor produziu em vida, de que seria uma "natural preocupação do autor em reforçar sua mensagem reescrevendo um trecho".

Nada disso. Tudo é uma questão de contexto, como recomendava Kardec. Se qualquer alusão ao que o falecido autor representou ou divulgou em vida não é feita mediante um certo contexto, significa que a mensagem espiritual a ele atribuída pode ser uma fraude, porque a alusão é uma forma de forçar a barra, de forçar a "autenticidade" de um espírito, de forma grotesca e pouco convincente.

É como no exemplo de Raul Seixas que, usado pelo anti-médium Nelson Moraes sob o pseudônimo Zílio, foi reduzido a um debiloide adepto de ocultismo e Astrologia, por mais que diga que "a sociedade alternativa é outra", "nossas metamorfoses ambulantes são muitas vidas" e outras alusões bastante forçadas e brutas.

Não. Nada de "palavras de amor" nem de "universalidade de ensinamento" que, nos momentos de erros, se convertem em "traições do inconsciente". Chega disso. O que se observa é essa elite atrapalhada de anti-médiuns, porque, como médiuns, se recusam a ser reconhecidos como meros intermediários da comunicação espiritual e querem ser os astros principais.

Os espíritos é que se sirvam a eles. Isso se os espíritos autênticos aceitarem cair nessas enrascadas. Mas os verdadeiros espíritos não gostariam de ser coadjuvantes de um espetáculo em que supostos médiuns são as maiores estrelas.

Comunicação espiritual feita dessa forma seria humilhante para nossos entes do além, que querem fazer um contato sério, serem reduzidos a serviçais da vaidade dos "médiuns", deixarem uma mensagem que se perderá, dias depois, na presunção falsamente caridosa dos médiuns-estrelas.

Daí as cópias, as fraudes, e as colaborações de espíritos farsantes, na falta de espíritos autênticos. É muito fácil um espírito vir e se passar por Gandhi, Jesus ou John Kennedy e mandar mensagens que soam ditas por algum padreco de quinta categoria.

É como em rádio de baixa audiência, em que a falta de ouvintes para telefonarem de algum lugar é compensada por produtores ou funcionários das rádios, que, com seus falsetes, se passam por ouvintes e telefonam de outro canto do prédio da rádio, ou talvez vão para a rua fingirem ser ouvintes.

Não valeu. A provável fraude de Divaldo Franco sobre um texto de Chico Xavier - que já fez horrores através dos livros Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho e Parnaso de Além-Túmulo, obras de conteúdo bastante duvidoso e até constrangedor - mostra que, do contrário do hip-hop, copiar e imitar não é uma arte, mas uma artimanha entre tantas outras que mancham o Espiritolicismo.

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