sábado, 5 de abril de 2014

Espiritolicismo, canonização católica e a hipocrisia dos conservadores

CARLOS MARIGHELLA, CONSIDERADO CRIMINOSO POR TER SIDO GUERRILHEIRO, NÃO IRIA ENFORCAR UMA PESSOA SÓ PORQUE FOI HEREGE, COMO O FEZ O "SANTO" PADRE JOSÉ DE ANCHIETA.

A hipocrisia dos conservadores de plantão, a chamar de "criminosos" militantes da esquerda armada que lutavam contra a ditadura militar, ignora a complexidade dos fatos. Pois o "santo" José de Anchieta, não bastasse ter servido à genocida corrente medieval da Igreja Católica, conta com um terrível assassinato cometido por suas próprias mãos.

Fala-se muito mal de Carlos Marighella, Carlos Lamarca ou mesmo de alguns guerrilheiros que sobreviveram e hoje estão na política, porque atiraram, mataram e coisa e tal. Eles são vistos como criminosos e despertam o instinto policialesco de muitas pessoas, que acham que eles mereceram terem morrido.

Só que eles mataram policiais e soldados a serviço do regime, ou então gente que colaborou com a tortura, como o empresário Henning Boilesen, dono da Ultragás, morto em 1971 por militantes de esquerda. Mas nem a luta contra a ditadura militar representa um atenuante para que brasileiros reacionários de hoje os condenem de forma furiosa e passional.

Evidentemente os guerrilheiros não são santos e cometeram muitos erros. São imperfeitos e podem até serem de uma moral precária. Mas o peso das críticas dadas contra eles, em vez de darem o devido questionamento a seus atos equivocados ou precipitados, os colocam num nível de gravidade maior do que realmente cometeu erros graves.

Já o padre José de Anchieta passou incólume, como também seu amigo padre Manoel da Nóbrega, conhecido hoje pela figura do "pensador espírita" Emmanuel, e enquanto um virou "santo" nas mãos dos católicos, o outro virou "espírito de luz" nas mãos dos espiritólicos.

Só que quem não cai na tentação da memória curta sabe o que a Companhia de Jesus, naqueles tempos do Brasil colonial, fez de crueldades que faria qualquer tiroteio iniciado por algum militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) ou ALN (Aliança de Libertação Nacional), parecerem ingênuos gestos de amor.

Os jesuítas estavam a serviço do catolicismo português, que tentou se manter fiel aos já decadentes princípios dominadores e sanguinários do Catolicismo medieval, que cometeu sérias carnificinas, roubou terras, praticou atos escandalosos de corrupção, crimes vergonhosos comparáveis aos dos piores tiranos que passaram pela face da Terra.

Por influência desse Catolicismo, jesuítas montavam os primeiros latifúndios existentes no Brasil. Eram os primeiros grandes proprietários de terras, promovendo o "coronelismo" bem antes desse termo ter surgido (ele só apareceu depois da Guerra do Paraguai).

Como verdadeiros "pré-coronéis", os jesuítas promoveram os primeiros conflitos de terras que se tem registro na História do Brasil. Exterminaram tribos indígenas que só reagiram para proteger suas terras e suas comunidades, mas eram vistos como "perigosos" e contra suas flechas foram mortalmente abatidos a bala, arma bem mais perigosa.

Nóbrega e Anchieta não eram exceção num contexto em que os padres jesuítas tinham preconceitos raciais, sexuais e religiosos, que hoje poderiam levar qualquer um para a cadeia, em certos casos em regime fechado, sem direito à fiança. Eram autoritários, manipuladores, gritavam com as pessoas, eram intolerantes e hipócritas, porque quando convinha se passavam por bonzinhos.

E Nóbrega e Anchieta, ou melhor, o "iluminado Emmanuel" e o "santo Anchieta", como querem seus partidários, pediram ao governador-geral Mem de Sá para que condenassem Jean Jacques Le Balleur, só porque ele era protestante. Só porque ele professava uma religião parecida com a que o admirável ativista Martin Luther King havia feito no século passado.

Sim. Le Balleur foi condenado apenas por professar uma crença que não era a católica. Foi condenado pela liberdade religiosa. E, para piorar, com Nóbrega e Anchieta suplicando ao governador-geral para que prendesse o huguenote (calvinista francês) e o condenasse à morte.

E quando um carcereiro se recusou a executar a sentença, "santo Anchieta" foi lá e enforcou ele mesmo o francês e deixou que o jogassem depois para ser queimado em praça pública, diante de multidões, para sentir a crueldade punitiva da Igreja Católica medieval e seus crimes contra a humanidade.

Só isso poderia pesar muito mais do que os alguns milagres atribuídos ao padre Anchieta, que mesmo sem qualquer verificação garantiram a ele o título nobre de "santo". Assim, por pouca coisa. Imagine se Martin Luther King tivesse vivido naquela época, ele, negro, ativista, evangélico. Seria pior vítima da intolerância religiosa que o Catolicismo tanto promoveu durante séculos.

E o Espiritolicismo ainda feliz porque o Brasil "ganhou destaque" com a canonização de Anchieta, para fazer companhia ao "espírito de luz" Emmanuel e para cumprir as promessas do livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho.

Quanta hipocrisia é feita nessa fábrica de "espíritos superiores" feita seja por um clubinho de sacerdotes católicos, seja por uma "panelinha" de burocratas espiritualistas. Isso em nada enobrece as pessoas, só cria uma novidade de fachada, que em si não traz qualquer tipo de transformação nas almas das pessoas, só criando vaidades para aqueles que acreditam nessas crenças lastimáveis.

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