terça-feira, 17 de maio de 2016
Modelo religioso de "bondade" esconde controle social
O modelo "religioso" de bondade, que tanto fascina muitos, revela um dado sutilmente cruel: o do controle social, que está por trás de projetos assistenciais e educacionais que, sob o manto da fé religiosa, ajudam apenas nos aspectos mais básicos, mas sob o preço da manipulação e do domínio.
Observa-se que o Brasil é uma sociedade conservadora, com um sistema democrático frágil e irregular, e com pessoas que não são inteiramente progressistas, sempre escondendo algum aspecto conservador que, em dado momento, se manifesta de alguma forma.
Daí que o impeachment de Dilma Rousseff se efetivou sob o respaldo de uma sociedade supostamente "moderna", de jovens "raivosos" que faziam até trolagem nas mídias sociais e, em boa parte, ouviram a "sonzeira" do "rock radiofônico" das FMs Cidade e 89, ou, em outra, apreciavam "sertanejos" e funqueiros de visual "arrojado", como MC Guimê e Lucas Lucco, e falavam palavrão e se comportavam com a histeria jocosa e agressiva dos skinheads.
Mas mesmo pessoas cordatas, como ativistas sociais de esquerda, como artistas pós-modernistas e outros, também escondem aspectos sombrios e nada progressistas. Uma blogueira de esquerda, assumidamente comunista, expressou seu entusiasmo pelo filme As Mães de Chico Xavier, sobre o conservador "médium espírita", e ainda reclamou do "boicote da grande mídia", se esquecendo que o filme é uma co-produção da Globo Filmes e tem até elenco de novela da Rede Globo.
É esse o Brasil que permitiu que o governo Michel Temer, de perfil bastante sombrio envolvendo acusados da Operação Lava-Jato - uma ironia para uma sociedade que se aparovou diante do ex-presidente Lula sendo empossado ministro da Casa Civil, semanas atrás - , se instaurasse com um projeto político tão conservador que o ministério é composto apenas de homens brancos, como se fosse um ministério dos tempos do general Ernesto Geisel.
Os retrocessos envolvem sobretudo um plano de combate à recessão econômica que "trará mais sacrifícios" para os trabalhadores. A idade da aposentadoria será prolongada, haverá muitas privatizações e as relações trabalhistas deixarão de ter a mediação da lei, fazendo prevalecer os interesses patronais sobre os dos empregados.
Há uma intenção de combater o desemprego, mas muitos especialistas dizem que ele se dará com a nivelação por baixo das ofertas de emprego, havendo diminuição de salários e extinção de alguns encargos.
"BONDADE" PALIATIVA
Mas o que são "sacrifícios" se a "maravilhosa" doutrina de "amor e luz" que é o "espiritismo" brasileiro encanta a todos com esse mesmo discurso: "sacrificar para uma vida melhor". A forma com que Francisco Cândido Xavier defendeu a Teologia do Sofrimento, apelando para um "sofrer sem queixumes", encanta as pessoas com essa cicuta moral (não seria "chicuta"?).
A ideia, ao mesmo tempo moralista e paternalista, de "bondade", cria um paradigma ideológico sobre o que muitos consideram "transformador": fazer prostrados se levantarem, fazer pessoas deprimidas darem um sorriso forçado e superficial, num contexto em que sofredores têm que ser mantidos sempre inofensivos, passivos e resignados.
Só que muitas vezes esse "amor" intimida mais do que anima. É o figurão religioso que, com sua "bondade", constrange o sofredor, que, com a alma esmagada pelos infortúnios, é assistida da maneira mais melancólica possível, sendo mais "consolada" do que reanimada.
O religioso expõe sua "superioridade" moral. No rito de "assistência", ele estabelece seu poder sobre o sofredor. Há um gesto paternal, "benevolente", na qual o religioso é o "bem" e o sofredor um "portador do mal" que precisa ser "curado".
Sofredores, miseráveis e outras vítimas da "má sorte" se tornam uma multidão que, no processo religioso, têm que ser mantidos resignados, infantilizados e, em certos casos, abobalhados. A "admirável bondade" da religião sempre traz o triunfalismo de seus chefes e palestrantes, seus ídolos e celebridades, eles que são os "portadores do bem" que "doam" para os outros.
Tudo isso não resolve com profundidade. Apenas minimiza o sofrimento extremo, os efeitos extremos das desgraças humanas. Só que as pessoas postas em situações confortáveis, como os internautas que endeusam Chico Xavier e Divaldo Franco, confundem o "menos ruim" com o "bem melhor", e acham que a caridade só transforma quando feita sob o selo da religião.
Daí que atribuições surreais são feitas. Divaldo Franco é o "maior filantropo do Brasil" por ajudar, anualmente, 0,00012% da população brasileira, apenas porque seu projeto assistencial e educativo da Mansão do Caminho está associado a paradigmas agradáveis de religiosidade, fé e compaixão, ligados a aspectos simbólicos do comportamento maternal e paternal.
Não imaginamos que a bondade tem mais a ver com resultados de benefícios, e não pela associação simbólica a aspectos de religiosidade que transformam o carinho paternal e maternal em um ritual místico e hipnótico, quase sensualizado para o êxtase dos devotos da fé religiosa.
As pessoas não conseguem ver os resultados, criando desculpas. Falam que seus ídolos religiosos são "corajosos" e prometem um projeto "transformador". Se o resultado é ínfimo, argumentam que "dificuldades impediram a ampliação do projeto". E arrumam qualquer desculpa para dizer que seus ídolos são "grandiosos exemplos de amor e caridade".
No aspecto qualitativo, então, as pessoas acham que o "melhor" projeto filantrópico é aquele que ensina religião em vez de despertar a consciência crítica do mundo em volta. Só que isso não tem sentimentos práticos para a melhoria da pessoa, por um motivo bem simples.
Diante dos dogmas religiosos, a pessoa que sofre não tem consciência de lutar por seus direitos, se limitando à oração para resolver seus problemas. Com a consciência crítica, ela tem maior capacidade de ver os motivos de sua dificuldade e agir contra eles.
Com isso, a educação religiosa faz as pessoas não interferirem no sistema de privilégios existente. A educação questionadora representa esse "risco" que incomoda os privilegiados e cria "conflitos". Daí que os religiosos, amigos dos privilegiados, atuam numa "bondade" controladora, em que os infortunados sempre são tratados de maneira domesticada e controladora.
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