domingo, 8 de fevereiro de 2015
O "espiritismo" e a hierarquia familiar
O "movimento espírita", de princípios moralistas severos, sempre enfatizou a família não como uma etapa provisória da formação de um indivíduo, mas numa instituição rigidamente formada, como se um contexto meramente material valesse também como um fundamento espiritual austero.
A religião que glamouriza o sofrimento e que explora com um certo exotismo, ao mesmo tempo mórbido e voluptuoso, a morte prematura de muitos filhos, glamourizando a imagem de "pais órfãos de filhos", revela seu conservadorismo ideológico em seus "ensinamentos".
O "espiritismo" brasileiro, que se fundamenta no conformismo e condena todo questionamento e protesto, vê na rigidez da hierarquia familiar, um princípio pétreo, ou seja, inabalável e inquestionável. Uma rigidez que parece ser uma via de mão única, sempre em prejuízo dos filhos.
Há até mesmo um mito, eventualmente difundido em doutrinárias e cursos de "evangelização espírita", de que o filho terá que ser muito obediente com seus pais, porque senão, na próxima encarnação, ele será o pai de um delinquente.
O moralismo familiar cria estigmas e dogmas espirituais, como se os casos não variassem e como os papéis de pais e filhos não pudessem se inverter. A própria ideologia "espírita" já tem o centralismo hierárquico como sua causa maior, tamanha é a ênfase de promover a obediência às imposições da vida e a pedir que limitássemos a reagir às dificuldades com oração e silêncio.
Os pais, severos e conservadores, é que precisam estar na vanguarda. Os filhos, mesmo dotados de audacioso idealismo, precisam se moldar para o conservadorismo dos pais, numa concordância servil e até subserviente, como se o "novo" tivesse que se construir sempre em bases antigas.
O próprio "espiritismo" brasileiro nasceu assim, desviando-se - antes de forma explícita e hoje de maneira enrustida - do vanguardismo científico de Allan Kardec. O Kardec influenciado pelo Século das Luzes, de intensas descobertas científicas e filosóficas, deu lugar a um "catolicismo híbrido", por razões que aqui sabemos.
Afinal, o "espiritismo" brasileiro já veio dentro de uma perspectiva diferente da França da belle èpoque, de grandes progressos para o âmbito do conhecimento, para o contexto de que as ideias de Kardec, já precariamente apreciadas, tivessem que ser adaptadas para não desagradar a Igreja Católica, em tese rival da "doutrina espírita" feita no Brasil.
Se a "nova" crença difundida pela Federação "Espírita" Brasileira se fundamentou nas bases velhas, herdadas do Catolicismo dominante em 1884 (ano da fundação da federação), ainda fundamentado no Catolicismo português de moldes ainda medievais, faz sentido pensar a família dentro de um conteúdo moralista e conservador.
Dai a ênfase da ideia de "honrar pai e mãe" dentro de uma visão extremamente conservadora e materialista. Por trás dessa ideia, há a interpretação de que os filhos devem ser submissos aos pais, se emancipando dentro dos limites da obediência servil que dá aos pais a impressão de que eles não poderão sofrer os transtornos próprios dos filhos.
O "espiritismo" ignora que os pais, muitas vezes, são pessoas que viveram em contextos sociais mais atrasados, tiveram uma educação social e moral de períodos mais antigos e vivem em função de tais ideias. Nem sempre os pais se acham prontos para encarar os novos tempos e nem sempre o que eles acreditam sobrevivem imunes ao avançar das décadas.
Os pais não são representam um repertório de procedimentos morais ou de outra ordem que se tornaram fechados e inalteráveis. Além disso, a função de pai e mãe é puramente material. Não há pais nem mães no mundo espiritual, mas pessoas que apenas socialmente são conhecidas como o pai ou a mãe de fulano através de experiências de convívio.
Isso é tão certo que os pais deveriam pensar duas vezes antes de repreender energicamente os filhos. Muitas dessas repreensões se devem aos erros que os próprios pais cometeram na juventude, e a severidade dessas repreensões não é um atenuante, mas um agravante, desse quadro passado.
Afinal, a energia de muitas repreensões - que em casos menos evoluídos, resulta na violência de pais contra filhos - revela, na verdade, antigos traumas vividos pelos pais, e eles mesmos eram filhos tratados com muita energia pelos seus pais, que tal austeridade se tornou "hereditária" por hábito.
Existem traumas, neuroses, revoltas inconscientes que apenas adormecem nas mentes que tentam negá-las, fingindo-se resignadas com as imposições da vida. Pais que possuem opiniões e pontos-de-vista pessoais, mas que se julgam "impessoais". Pais que, a pretexto da "felicidade dos filhos", pressionam e cobram demais causando-lhes angústias. E por aí vai.
E se invertessem os papéis. Os pais que cobram demais dos filhos poderiam fazer as mesmas cobranças se estivessem em papéis trocados? Imagine fazer cobranças pesadas para os pais? Eles chorariam copiosamente, ou então reagiriam agressivos. Mas fazendo cobranças aos filhos é "sinal de dignidade", e se o filho sente um mal estar por isso, este é visto como "fraco" e "problemático".
Os pais parecem autossuficientes, julgam-se terem chegado ao ponto máximo da formação moral e social. Mas o mundo transforma e, em muitos casos, são os filhos que percebem melhor as mudanças dos tempos, mais do que os pais.
É necessário, hoje, que o mundo adulto entre em completa revisão e é a meia-idade que cabe rever completamente seus valores, embora seja incômodo, sobretudo para pessoas entre 45 e 65 anos, ter que se reformularem completamente suas personalidades, se reinventarem e verem a juventude não como algo distante, mas como algo próprio e presente neles.
Hoje os cabelos brancos são só cabelos brancos (ou cinzas, se for o caso) e não expressam sabedoria alguma. O mundo está numa reformulação de valores constante e pede uma meia-idade mais próxima dos jovens. Os velhos paradigmas de hierarquia familiar, defendidos sobretudo pelo "espiritismo" brasileiro, já se encontram falidos em seu sentido que não transforma nem melhora as coisas.
E isso é que o "espiritismo", tão afeito a se achar a vanguarda espiritualista do mundo, não consegue perceber, já que seu "progressismo de fachada" esbarra numa série de valores moralistas e conservadores que os faz recusar-se a admitir as transformações dos tempos a não ser nos seus limites do dogmatismo religioso e pseudo-científico.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.