quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A preocupante guinada "bovina" dos cariocas

SÓ PORQUE JESUS CRISTO ESTÁ REPRESENTADO POR UMA ESTÁTUA NO ALTO DO RIO DE JANEIRO, NÃO SIGNIFICA QUE TUDO QUE É DECIDIDO "DE CIMA" DEVA SER VISTO COMO "SAGRADO".

Um fenômeno preocupante atinge o Rio de Janeiro e, com uma intensidade um pouco menor, São Paulo. O comportamento "bovino", que muito se atribuiu ao povo do Norte, Nordeste e Centro-Oeste - que começam a se despertar, aos poucos, de décadas de coronelismo rural, urbano, midiático e cultural - tornou-se "moda" entre cariocas e, por conseguinte, fluminenses nos últimos 20 anos.

Antes referência de poderosa trincheira cultural e grande polo de intelectualidade e ideias de vanguarda, o Rio de Janeiro agora tornou-se um reduto de conformismo e até de reacionarismo, com pessoas aceitando todo tipo de "arbitrariedade" que lhes pareça "nova" e "superior". As pessoas agora passaram a aceitar qualquer coisa que fosse decidida por empresários, políticos e tecnocratas.

Fanatismo esportivo como medida de todas as coisas. Endeusamento aos jogadores de futebol que, na prática, é a consagração "divina" dos dirigentes esportivos que manipulam o inconsciente coletivo dos fanáticos por futebol. É quase uma norma de etiqueta você torcer por qualquer um dos quatro times cariocas principais.

É regra um conhecido perguntar a alguém que time que futebol torce, em vez de perguntar de fulano gosta ou não do esporte. E se você não torcer por futebol, o risco de ser discriminado pelos cariocas e fluminenses é altíssimo. Ou você escolhe entre ser um boi de um gado flamenguista, tricolor, botafoguense ou vascaíno, ou você vira um bode perdido no bosque.

Até o samba começa a ser prejudicado pela vontade "bovina". Enquanto o "funk", ritmo marcado por baixarias e por aspectos artístico-culturais no mínimo duvidosos - para não dizer repulsivos - torna-se o "paradigma" do que se entende como "novo folclore carioca", o samba passa a ser alvo de gradual discriminação dentro do próprio Estado do Rio de Janeiro que foi seu reduto maior.

Com todo o histórico do samba brasileiro, ocorre hoje uma situação surreal. Enquanto o samba dos morros vira privilégio da "moçada Zona Sul" (algo impensável há 55 anos atrás), e o samba-enredo é apenas trilha-sonora para musas siliconadas, o que mais faz sucesso sob o rótulo de "samba" são caricaturas pálidas do som de Zeca Pagodinho, para não dizer a soul music malfeita que é lançada sob o rótulo de "pagode romântico" ou "samba-pop".

O RIO DE JANEIRO SE DESFEZ DE UM GRANDE BAIRRO POPULAR LOCALIZADO NA ÁREA DA ATUAL AVENIDA PRESIDENTE VARGAS...

...MAS NÃO RESOLVE O PROBLEMA DA CAÓTICA ÁREA SUBURBANA DOS COMPLEXOS DO ALEMÃO (FOTO) E DA MARÉ.

Muitos ainda passaram a aceitar "bovinamente" como "feminismo" um engodo pseudo-sensual de pretensas musas que incluem sub-celebridades ou funqueiras que acham que emancipação feminina se dá com um simples empinar de glúteos siliconados, numa clara ofensa a uma trajetória de ativismo feminino cujo destaque foi a saudosa atriz Leila Diniz (1945-1972).

Sistema de ônibus com pintura padronizada, redução de itinerários de linhas para forçar o Bilhete Único e medidas constrangedoras de "mobilidade urbana" - incluindo fechamento de ruas para veículos e criação de faixas exclusivas para ônibus onde não há necessidade - , medidas impopulares para o transporte coletivo, prevalecem por causa da supremacia do interesse de políticos e tecnocratas em detrimento da sociedade.

O prefeito Eduardo Paes, tão preocupado em transformar um bom trecho da Av. Rio Branco numa praça para riquinhos passearem e serem assaltados por mendigos, não consegue resolver a estrutura suburbana dos complexos do Alemão e da Maré, e isso 75 anos após uma grande área de bairro popular ter sido demolida para a construção da Av. Pres. Vargas.

Entre o Galeão e o Centro do Rio, uma área que é palco de tiroteios, assaltos e consumo de crack preenche boa parte do percurso de ligação entre as duas áreas, sem que as autoridades se preocupem com a desfavelização e reorganização do espaço urbano desses lugares.

NITERÓI PARECE MAIS INTERIORANA QUE MUITA CIDADE DO INTERIOR

A onda "bovina" ocorre de tal forma que a cidade de Niterói, antiga capital do Estado do Rio de Janeiro enquanto a famosa cidade vizinha era capital do país e, depois, do Estado da Guanabara, se auto-rebaixou a uma cidade do interior em pleno litoral, parecendo feliz com sua condição subalterna, a poucas semanas de se celebrar os 40 anos da confusa fusão dos dois Estados imposta pela ditadura.

Sem uma cultura forte como outrora, com um mercado em que faltam produtos a toda hora, com prédios comerciais inaugurados vazios como que em uma cidade-fantasma, com ruas sujas e bairros que mais parecem cidades de faroeste, como Caramujo e Viradouro, Niterói acaba causando vergonha a muita cidade interiorana que busca melhorar seu padrão de qualidade de vida.

Como Niterói pode ocupar uma nobre posição nos Índices de Desenvolvimento Humano da ONU, se ocorrências potencialmente trágicas como a tirania do tráfico no entorno da Rua Mário Viana, com tiroteios ocorrendo à luz do dia, acontecem constantemente naquela área do Viradouro?

E se falamos em Niterói, até a cultura específica dos roqueiros sucumbiu à "vida de gado", pois o legado da antiga Fluminense FM, que valorizava a inteligência do público jovem, foi reduzida a pó na medida em que uma Rádio Cidade hoje se autoproclama "rádio de rock" sem um pessoal especializado, sem conhecimento de causa e com um perfil, estilo de linguagem e uma abordagem que nada têm a ver com a realidade do rock e trata o jovem como se fosse débil-mental.

Claro que nem todo carioca ou fluminense passou a pensar e agir como um "bovino". Mas o que preocupa é que os que pensam dessa forma não só aceitam arbitrariedades vindas de "ordens superiores", como alguns chegam a defendê-las com fanatismo, a ponto de fazer cyberbullying contra quem levantar o menor questionamento.

NO RIO DE JANEIRO, GOSTAR DE FUTEBOL NÃO É UM DIREITO, MAS UMA OBRIGAÇÃO. MUITOS SÃO FORÇADOS A TORCER POR ALGUM DOS QUATRO TIMES CARIOCAS (NA FOTO, O VASCO DA GAMA) SOB PENA DE SOFRER HUMILHAÇÕES E REPRESÁLIAS.

NEO-CORONELISMO

É verdade que o cenário sócio-político do Rio de Janeiro foi marcado, nas últimas décadas, pela supremacia do narcotráfico, das máfias dos jogos-de-azar, das milícias e do fisiologismo político, muitos desses males surgidos ou estimulados durante o obscurantismo da ditadura militar.

Mas isso criou uma crise de valores que fizeram com que o Grande Rio vivesse experiências dignas de uma cidade do Acre, como se observa com o neo-coronelismo que é promovido pelo grupo político do prefeito carioca Eduardo Paes e de seus pares como Sérgio Cabral Filho, Luiz Fernando Pezão, Carlos Roberto Osório, José Mariano Beltrame, Rodrigo Neves etc.

Esse grupo político fez o Rio de Janeiro regredir aos piores momentos da República Velha ou da política carioca anterior ao prefeito Pereira Passos - que, em que pese sua visão elitista, realmente quis modernizar o RJ - , e isso há 100 anos atrás.

Isso porque Paes, Pezão e companhia parecem governar surdos ao clamor popular, agindo por seus interesses particulares mais mesquinhos, impondo medidas absurdas e anti-populares e tentando nos fazer acreditar que tudo é feito "em prol do interesse público".

E mesmo com balas perdidas e bueiros explosivos ameaçando matar transeuntes, esse grupo político se mantém firme e houve até quem costuma reclamar das autoridades pelas costas mas decidiu eleger com gosto o candidato Luiz Fernando Pezão para o governo estadual, sem saber das armadilhas que são preparadas contra os próprios cariocas.

Só porque o município do Rio de Janeiro tem a famosa estátua de Cristo Redentor, que representa a figura humanista de Jesus, isso não quer dizer que tudo que seja decidido do "alto" seja apoiado, tolerado ou visto como "sagrado". Já estão dizendo, Brasil afora, que carioca passou a endeusar até cocô de passarinho, só porque vem "de cima", ou que, se um cofre cair na cabeça de um carioca, ele pensará que ganhou a sorte grande.

LUIZ FERNANDO PEZÃO E EDUARDO PAES GOVERNAM COMO SE FOSSEM "CORONÉIS" DA REPÚBLICA VELHA DE CEM ANOS ATRÁS.

DIFAMAÇÕES E OFENSAS

Essa falta de verificação das "decisões superiores", vindas do mercado, da política, da tecnocracia e até da "vontade divina" - neste caso, se não houver alguma motivação plausível - , a aceitação submissa e acomodada, faz com que o Rio de Janeiro, normalmente modelo de popularização de valores e conceitos no país, se tornasse uma referência muito perigosa para o Brasil.

Se nem todos os cariocas e fluminenses compartilham o que o establishment do comportamento "bovino" determina como algo a ser "respeitado" - e isso incluindo a axé-music que os baianos não querem mais e o "sertanejo" que agora cansa a paciência de goianos - , todos têm que engolir a supremacia de certos valores "culturais", "comportamentais", "midiáticos", "urbanísticos" etc.

Se alguém decidir fazer alguma crítica a tais valores, mesmo quando apresenta razões consistentes e argumentação precisa e lógica, eventualmente surge algum "patrulheiro" que atrai, para este, um número de internautas a fazer uma campanha de calúnias, difamações e ofensas contra o discordante. É o chamado cyberbullying, preocupante fenômeno da Internet.

BANANAS DE PIJAMAS JÁ FORAM USADOS POR INTERNAUTAS VALENTÕES COMO ALEGORIA PARA DIFAMAÇÕES EM BLOGUES CALUNIOSOS.

O encrenqueiro digital convida seus colegas de mídias digitais - não necessariamente aliados do valentão, mas solidários com seu "senso de humor" - para encher as páginas de recados da vítima com piadinhas e comentários ofensivos, em grande quantidade e num teor que se torna a cada mensagem mais agressivo.

Pouco importa se os pontos de vista do questionador se apresentam como socialmente mais justos e mais relevantes. Ou ele se cala e aceita os absurdos do "estabelecido", ou então é obrigado a aguentar tais humilhações, que geralmente culminam quando algum exaltado - geralmente o líder da truculência digital - cria um blogue ou fotologue de difamações e ofensas pessoais.

Para piorar, em muitos desses casos, denunciar a humilhação digital é difícil, uma vez que boa parte das entidades de denúncias não cobrem esse tipo de violência e há aqueles que podem entender o cyberbullying como uma brincadeira saudável, não havendo aparente necessidade de remover o blogue ou fotologue difamatório a não ser com um trabalhoso processo judicial.

E esse reacionarismo ocorre paralelamente ao de outro movido por fanáticos fascistas, conhecidos como "coxinhas", que exageram na oposição a partidos políticos como o Partido dos Trabalhadores (PT) e desenvolvem uma visão direitista paranoica, cheia de fantasias anti-esquerdistas que leva seus seguidores a adotar pontos de vista contrários à realidade dos fatos.

DANOS ESPIRITUAIS

O antigo Rio de Janeiro da Bossa Nova, do litoral belíssimo, das vanguardas culturais, do glamour social e outras referências nobres hoje parece tão decadente que até a poluição atmosférica do Grande Rio supera a de São Paulo e envergonharia até a população de Cubatão, que conseguiu superar sua gravíssima poluição industrial.

Mantendo o status de referência cultural e comportamental do Brasil, o Rio de Janeiro adota uma postura perigosa, porque se torna capaz de reciclar, em outras partes do país, aspectos que já estão em decadência em outros Estados e que neles podem voltar a valer porque "são novidade no Sul e Sudeste".

Isso é grave, porque prevalecerão os péssimos exemplos, as péssimas práticas, os piores procedimentos e ideias anacrônicas que se reciclam no Sul e Sudeste no momento em que decaem em outras regiões e nelas são forçadas a prevalecerem novamente porque "viraram novidade" nas regiões mais influentes do país.

Com isso, o retrocesso vivido no Rio de Janeiro, de ordem cultural, urbanística, social, moral, política, midiática etc, pode se tornar um "exemplo a ser seguido" em todo o país, reforçado pela atitude "bovina" de muitos de seus moradores e nativos, enquanto outros discordantes são obrigados a engolir seco tudo isso sob pena de sofrer vandalismo digital.

E, dessa forma, o Brasil se tornará prisioneiro de sua decadência, de sua crise de valores, da impunidade, da imoralidade, das irregularidades públicas. E ainda muitos acreditam que o país, nessas condições, está "pronto" para comandar a humanidade planetária no futuro. Nada mais "bovino" do que acreditar em tais tolices...

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