segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015
A "reforma íntima" como desculpa para o conformismo
Um dos clichês do "espiritismo" brasileiro é toda a conversa sobre "reforma íntima" e "autoconhecmento", usadas como pretextos para o suposto melhoramento moral das pessoas, diante das dificuldades da vida.
Através dessas ideias, vale tanto o discurso pseudocientífico, no qual se apropriam alguns elementos da Psicologia mesclados com conceitos astrológicos e arremedos de terapias hospitalares, ou no simples moralismo religioso que se expressa principalmente nas doutrinárias.
A ideia é essa: está tudo dando errado na vida de alguém, ocorrem mil absurdos, as dificuldades são maiores do que a capacidade de alguém de suportá-las, mas aí vem o "caridoso espírita" dizer que basta apenas a "reforma íntima" e o "autoconhecimento" para tornarem a vida "bem melhor".
Em outras palavras: faça da pimenta que arde seus olhos um refresco para sua alma. Se tudo ocorre de errado em sua vida, conforme-se. A "reforma íntima" e o "autoconhecimento" são apenas eufemismos para o que, na verdade, se entende com uma palavra só: conformismo.
"Reforma íntima" é uma maneira de dizer, que complementa o "autoconhecimento", este a primeira etapa de uma "lavagem cerebral espírita" que faz com que as pessoas passem a ficar contentes com seu sofrimento e nada façam para superá-lo, ou, quando muito, sejam permitidas apenas a minimizar seus aspectos danosos.
O "autoconhecimento" consiste na identificação de desejos, crenças e princípios que tal pessoa tem, que para o "espiritismo" servem para serem eliminados. A "reforma íntima" aparece então como o processo de eliminação, que se baseia no princípio de "esquecer tudo que aprendeu na vida" para reaprender a sobreviver na selva das injustiças e dos absurdos da vida contemporânea.
Com isso, se você aprendeu a ter um projeto de vida profissional, esqueça tudo. Se você tem nível universitário, é culto e deseja trabalhar em jornalismo, só lhe resta aquela rádio corrupta na qual você um dia tem liberdade de trabalhar um jornalismo responsável e dinâmico, no outro você terá que se submeter a um patrão que entende menos de jornalismo que você e passar a fazer tudo que ele quer.
Na vida amorosa, se o seu modelo de mulher é o da atriz Emma Watson e você possui razões para querer uma mulher não só atraente, mas com afinidades com sua personalidade, esqueça. Vá namorar uma "mulher-fruta" a qual você sente repulsa e não vê proveito algum numa relação de namoro sequer.
Se sua vida é como um filme de Luís Buñuel, um livro de Franz Kafka ou uma nota do Febeapá de Stanislaw Ponte Preta, tudo o que lhe resta, à luz do "espiritismo" brasileiro, é você orar para aguentar todo tipo de aberração em sua vida - porque, neste caso, as dificuldades se transmutaram em absurdos - e ter paciência para não se sabe quando, talvez para daqui a 200 anos e duas encarnações.
A "reforma íntima" é uma desculpa para você aceitar as coisas como realmente são. A ideia é evitar que você tente mudar alguma coisa, o "espiritismo" diz que estamos no "mundo cão" e que o que nos resta é aceitarmos tudo e ficarmos lendo os livros horríveis de Chico Xavier, sobretudo os textos abomináveis de Emmanuel, e deixarmos à nossa sorte.
Afinal, os inocentes são os culpados, a Terra é uma grande penitenciária e o que nos espera na vida futura é o caminho para um mundo espiritual dotado de um complexo igrejístico com hospital, colônias e um grande campo de golfe para caminharmos à toa com companheiros de nome pseudo-latino.
O que nos resta, dentro da perspectiva "espírita", é ficarmos conformados com nossa situação desgraçada e abrirmos mão das duras lições que obtivemos na vida, que nos fizeram humanos, conscientes, críticos e autocríticos às custas das desilusões que moldaram nossos desejos e expectativas.
Temos que desaprender as coisas e, de preferência, nos submetermos às ilusões e caprichos de outrem, nos escravizando aos abusos alheios para nos "resgatar espiritualmente" e caminharmos para uma "felicidade" que não sabemos se haverá nem como será.
Dessa forma, o "espiritismo" nos deixa presos a um túnel escuro, cegos pela "luz religiosa" de seus "ensinamentos", escravos de um conformismo e uma culpabilidade que mais nos torna infelizes, forçando-nos a seguir um sentimento masoquista em relação aos próprios sofrimentos. "Reforma íntima" é apenas desculpa para ficarmos conformados com nossos próprios problemas.
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