terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

A "Cidade da Luxúria": o sonho "carnavalesco" de Chico Xavier


Trinta e cinco antes do surgimento da axé-music, conta-se que Francisco Cândido Xavier teve um sonho que havia comunicado com Newton Boechat. É aquele mesmo papo do sonho de 1969, que ele contou a Geraldo Lemos Neto, e que deu no livro deste e de Marlene Nobre, Não Será em 2012 e que inspirou o documentário Data-Limite Segundo Chico Xavier, de Fábio Medeiros.

É um sonho comum de alguém que dorme, dos quais parece supostamente prever alguma coisa, algo que nada tem de especial, assim. Até porque todo mundo sonha com supostas previsões e se tivéssemos que atribuir profecia a cada um desses sonhos, o mundo seria um caos.

Mas Chico Xavier, dotado de status altíssimo, como um mega-astro pop do "movimento espírita", graças à idolatria de seus fanáticos seguidores, é tido como "profeta" a cada sonho seu e, quando dorme, dizem que ele "não sonha", mas sofre "desdobramentos espirituais", fenômeno que não é devidamente estudado no Brasil.

Vamos narrar o sonho. Era uma vez Chico Xavier em casa em 1950, dormindo na sua noite de sono tranquilo, quando é convidado a "viajar" com seu mentor, o jesuíta Emmanuel, para regiões sombrias que entendem como o "umbral", que o "movimento espírita" descreve como um controverso equivalente católico, seja do inferno, seja do purgatório (condição esta que outras fontes atribuem a Nosso Lar).

As palavras de Newton Boechat narrando o que Chico Xavier teria lhe dito dão uma ideia de como tudo que Chico sonha vira "profecia", até se ele sonhar com um coelho gigante com tromba de elefante, dentes caninos e cauda de jacaré, provavelmente uma "previsão" de uma harmoniosa e fraternal reprodução de quatro tipos de animais. Diz Newton:

"Em um dos constantes desdobramentos astrais ocorridos com nosso querido médium, durante o sono, Emmanuel conduziu o duplo-astral de Chico Xavier a uma imensa cidade espiritual, situada na região do Umbral. Esta lhe pareceu extremamente inferior e bastante próxima da crosta planetária. Era uma cidade estranha não só pelo aspecto desarmônico e antiestético, como pelas manifestações de luxúria, degradação de costumes e sensualidade de seus habitantes, exibidas em todos os logradouros públicos, ruas, praças, etc. Emmanuel informou ao Chico que aquela vasta comunidade espiritual era governada por entidades mentalmente vigorosas porém negativas em termos de ética e sentimentos humanos. Eram estes maiores que davam as ordens e faziam-se obedecer, exercendo sobre aquelas entidades um poder do tipo das sugestões hipnóticas, ao qual tais Espíritos estariam submetidos, ainda mesmo depois de reencarnados. Pelas ruas da referida cidade estranha, desfilavam, de maneira semelhante a cordões carnavalescos, multidões compostas de entidades que se esmeravam em exibições de natureza pornográfica, erótica e debochada. Os maiorais eram conduzidos em andores ou tronos colocados sobre carros alegóricos, cujos formatos imitavam os órgãos sexuais masculinos e femininos. Uma euforia generalizada parecia dominar aquelas criaturas, ou mais aproximadamente, assistia-se a uma “festa de despedida” de uma multidão revelando a certeza da aproximação de um fim inexorável, que extinguiria a situação cômoda até então usufruída por todos. De fato, aqueles Espíritos, sem exceção, haviam recebido um aviso de que estava determinado, de maneira irrevogável pelos “Planos da Espiritualidade Superior”, o seu próximo reingresso à vida carnal na Terra. A esse decreto inapelável não iriam escapar nem os próprios maiorais".

Vamos por partes. Cidade maltrapilha e suja, situada na crosta terrestre, talvez próximo ao centro da Terra, com gente tão atrasada que se supõe ser capaz de viver em ambientes correspondentes a um forno superaquecido. Governada por entidades de mente "vigorosa" mas sem ética e um povo submisso e fútil.

Aí há desfiles cujas pessoas expressavam baixarias pornográficas. As autoridades desfilam sobre tronos, em carros alegóricos, que imitavam formatos de órgãos sexuais masculinos e femininos. Loucura. E aí há toda uma euforia e uma suposição de que era uma "festa de despedida" e que a "espiritualidade superior" preparava o fim de tudo e o regresso de todos para a Terra.

Preferimos acreditar que não são os moradores da crosta terrestre que cumpririam tal reencarnação, talvez no Brasil, o país preferido do "bom velhinho" dos espiritólicos, mas aqueles que haviam falecido depois do apogeu do macartismo nos EUA e que reencarnaram no Brasil com a missão de implantar um neo-macartismo pós-tropicalista às custas de "funk", axé-music e tudo de brega.

Mas questionar os pontos de vista de Francisco Cândido Xavier fariam irritar seus cães de guarda, quer dizer, seus seguidores extremados. O grande problema é se o desfecho prenuncia um fim ou um recomeço, já que existe o tal "reingresso" à vida carnal.

O "espiritismo" é dúbio. Como religião herdada de conceitos medievais do Catolicismo português, ele tem também seu carnevale, um lado "avesso" aos valores moralistas que defende, já que essa doutrina não é "pura", já que mesmo no lado moralista existem vários aspectos sombrios, como o mito dos "reajustes morais" que transformam vítimas de crimes ou infortúnios em "culpadas".

Portanto, não é de se admirar que o Brasil que está prestes a ser o tal "Coração do Mundo", se levarmos a sério a patriotada astral de Chico Xavier, parece abrigar um cenário sustentável de eventos de imbecilização sócio-cultural, de baixarias e breguices, que no âmbito festivo envolvem os carnavais da axé-music, os "bailes funk", as vaquejadas, choppadas, "forrós eletrônicos" etc.

E tudo isso não parece ser uma "festa de despedida", apesar das crises sucessivas que se vê, sobretudo, na axé-music. Pelo contrário, o que se observa é a campanha de "bom mocismo" que envolve axézeiros, funqueiros e similares, Ou seja, todos parecendo capazes de passar no teste depois que o mundo se espatifasse e só restasse o Brasil como nação poderosa e iluminada do planeta.

E aí, quem serão os "grandes artistas", os "brilhantes cientistas" e as "mais elevadas personalidades" que comandarão a ascensão da Terra como um mundo melhor, a partir da ascensão do Brasil tão sonhada por Chico Xavier? Funqueiros e axézeiros? Escritores de auto-ajuda? Sub-celebridades?

E que recado eles trarão para a humanidade? "Vamos nos unir na fraternidade em Cristo", "vamos nos dar as mãos". Difícil é explicar como popozudas, escritores de auto-ajuda, integrantes do Big Brother Brasil irão trazer um grande cenário de progresso cultural para o país.

E a música erudita, como será? Chitãozinho & Xororó com orquestra sinfônica a massacrar o legado dos grandes mestres da música? Isso quando o Latino não fizer sua "festa do apê" no Teatro Municipal ou Mr. Catra não se aventurar num tributo a Heitor Villa-Lobos. Valesca Popozuda faria tributo à Bossa Nova? Kleber Bambam seria reitor de universidade?

Difícil explicar. O confuso sonho de Chico Xavier diz que a festa do umbral vai acabar e todo mundo vai voltar à vida carnal. A crosta terrestre sofrerá uma limpeza por determinação da "espiritualidade superior". E a patota que lá vivia voltará, conforme o que conhecemos de CX, ao Brasil, que o anti-médium mineiro entende como o "centro do universo".

Se a patota do umbral vai reencarnar para ser liquidada em seguida, ou vai se converter num aparente bom-mocismo que fará o "povo do umbral" reencarnado no Brasil conduzir a evolução da Terra, isso não está devidamente esclarecido. Mas Chico Xavier não quer esclarecimento, já que reprovava o questionamento, preferindo o "silêncio da prece". Assim virou bagunça.

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