segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Todos são médiuns, mas ninguém é obrigado a produzir mediunidade


Há, no "movimento espírita" brasileiro, a ideia de que, por todos sermos dotados de faculdade mediúnica, temos que necessariamente investir na produção de mediunidade, assim que qualquer manifestação do gênero ocorrer.

Se caso vemos algum espírito do além em algum lugar, como uma pessoa que aparece e desaparece de forma estranha, é mister que tenhamos que correr para o primeiro "centro espírita" que vier na mente e obter orientações para treinamento para a equipe de médiuns da casa.

Isso está correto? Não. A mediunidade, da forma como é feita no Brasil, se tornou um processo caótico, irregular e muitas vezes corrompido, uma vez que muitas pessoas dotadas de algum dom paranormal, são empurradas a fazer mediunidade, mesmo quando seu talento é limitado, precário e bastante falho.

Com essa obrigação de todos termos que, de uma forma ou de outra, exercer mediunidade, nem que seja para brincar de sacudir as mãos sobre as cabeças de nossos familiares, é que vemos no processo mediúnico brasileiro uma prática completamente desmoralizada e sem credibilidade.

Se lermos O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, na tradução brasileira de José Herculano Pires e publicado pela editora LAKE, saberemos que o trabalho mediúnico requer muita cautela, muito preparo e muita disciplina, exigindo responsabilidade extrema e vigilância pessoal contra os baixos instintos.

Portanto, conhecendo as ideias do pedagogo francês, a mediunidade, que em tese poderia ser um ato acessível a qualquer um, na verdade não é próprio de qualquer pessoa. Não basta ver um fantasma com semelhanças de alguém vivo e decidir ser médium. Todo cuidado, neste caso, é pouquíssimo.

O que se observa no Brasil é a prática irregular desse dom, que em boa parte dos casos, podendo até dizer a maioria esmagadora deles, simplesmente não há qualquer manifestação do espírito falecido evocado, por diversos aspectos que comprometem, com muita gravidade, a comunicação com a gente do além.

Sabendo da debilidade muito comum nos ditos médiuns, os dirigentes dos "centros" até estabeleceram uma malandragem para fazer uma mensagem apócrifa se passar, com um certo grau de êxito, pela mensagem de um ente falecido.

Essa manobra consiste no suposto médium, sem precisar se carregar na concentração mediúnica, produzir uma mensagem de sua própria mente e atribuir ao falecido de sua preferência, geralmente alguém famoso ou algum familiar saudoso de um cliente seu.

Cria-se, com base em informações vagas do ente falecido, mensagens supostamente atribuídas a ele, mas que são criadas pela imaginação do dito médium, que nelas acrescenta, além de clichês superficiais da personalidade do falecido, apelos religiosos ligados ao amor, fraternidade e luz.

Geralmente a mensagem sai da seguinte forma: "Amados irmãos, eu passei a sofrer depois da morte, até que fui socorrido pelos irmãos da colônia espiritual. Hoje estou bem e convido a meus familiares a buscar o caminho da luz, do amor e da fraternidade". Com as devidas variações, é essa mesma mensagem que prevalece, pouco importando a pessoa.

E OS ANTI-MÉDIUNS?

A situação piora quando os médiuns se transformam em astros do espetáculo "espírita", e, transformados em dublês de filósofos e consultores sentimentais, para não dizer responsabilidades maiores que os ditos médiuns não conseguem exercer, eles deixam de lado a função intermediária ("médium" quer dizer intermediário) para serem o centro das atenções.

Com isso, surge a expressão anti-médium, porque o dito médium, podendo ser um do gabarito de Chico Xavier e Divaldo Franco como qualquer vidente que aparece em portais de celebridades ou na TV aberta, deixa sua função intermediadora de lado para comandar o ritual "espírita".

Isso é tão certo que, até para buscar informações sobre entes falecidos, recorre-se ao "médium de grife", porque ele é "mais confiável" e "tem mais prestígio" para difundir uma mensagem, mesmo quando ela é produzida de maneira nada confiável.

Afinal, sabemos que mesmo Chico e Divaldo, tidos como de "absoluta confiabilidade", cometeram irregularidades grosseiras e vergonhosas, mas são protegidos pelo seu estrelato religioso para o qual nem as provas científicas contra eles conseguem derrubá-los.

Isso acaba influindo no afastamento dos falecidos que deveriam se comunicar com seus queridos. Eles querem muito entrar em contato e, quem sabe, continuar convivendo com eles na forma de espírito desencarnado, como um amigo que não abandona quem ele ama, mas o baixo crédito do suposto médium lhes repulsa qualquer contato.

Aqui na Terra, muitos relativizam as coisas, e há quem veja nas mensagens mais fraudulentas algum tipo de veracidade. Sobretudo porque o suposto médium é pessoa muito querida, é gentil, tem fala e retórica agradáveis, sempre recebe as pessoas no final das doutrinárias e tem uma forma amiga de consolar aqueles que recorrem a ele.

Mas, lá fora, isso é completamente inútil e os espíritos do além sabem o quanto esses "médiuns" criam mensagens de sua própria imaginação e ficam atribuindo as mesmas à autoria de espíritos que dificilmente escreveriam tais recados da forma que se apresentam.

Livros, cartas, pinturas e falas falsificadas, sob o pretexto de psicografias, psicopictografias e psicofonias são feitos sem qualquer interferência dos espíritos falecidos, a não ser, quando muito, de anônimos zombeteiros que, do além, são capazes de, feito humoristas de televisão, imitar e parodiar qualquer tipo de pessoa, de Robin Williams ao vizinho que "acabou de bater as botas".

Semelhanças vagas não garantem veracidade, porque o sentido do falso é imitar o verdadeiro até confundir-se com este. E aí vemos uma péssima literatura "espírita", produzida sobretudo no Brasil, que não passa de livros de auto-ajuda e novelas de péssima qualidade, ou coletâneas de cartas de gosto duvidoso, atribuídas a espíritos do além sem qualquer relação real com tais obras.

Um Olavo Bilac de versos cansativos e que erra na métrica, um Raul Seixas debiloide que retomou o misticismo de forma ainda mais mórbida, uma vitima do incêndio da boate Kiss que erra sua própria assinatura, um Humberto de Campos escrevendo feito pároco de igreja, são irregularidades que nos fazem duvidar de imediato qualquer hipótese de veracidade.

E tudo isso porque muitos são forçados a ser médiuns. Ser médium virou uma profissão, com tanta carga de vaidade, pedantismo e estrelato que deixa de ser médium, intermediário, para ser o anti-médium. Porque médium não é líder. Médium é médium. Se ele vira dublê de filósofo e pensador e passa a ter mais destaque, então não é médium. Com toda segurança.

Se a mediunidade fosse mais rara, ela poderia até ser de difícil acesso, mas seria melhor se caso os poucos médiuns realmente capazes expressassem verdadeiramente o seu dom. Aliás, um dom precário não é necessariamente uma vocação, e quem não está preparado para ser médium simplesmente não precisa sê-lo.

Nos tempos de Allan Kardec, os médiuns que ele utilizou eram quase anônimos, discretos e tão somente se reservavam a transmitir mensagens dos falecidos para nós aqui na Terra. Tinham vocação e simplicidade suficientes para não sucumbir a erros e irregularidades nem a tapear um talento precário com pretensões falsamente filosóficas, como ocorre no Brasil.

Já no Brasil de hoje, a função é desmoralizada e praticamente sem qualquer confiabilidade. Famílias são enganadas porque, como todo mundo "tem que ser médium", surgem médiuns despreparados e incompetentes que são jogados ao estrelato, por produzirem mensagens apócrifas de panfletarismo religioso, sem poderem estabelecer contatos reais com os mortos.

Tudo virou bagunça, e a bagunça é tanta que fica difícil poder "amar e acreditar", como recomendam os líderes do "movimento espírita" quando algum problema existe em suas atividades e ideias transmitidas. A bagunça ofuscou completamente a "luz".

Por isso, se uma pessoa tem um dom mediúnico e não tem condições de desenvolvê-lo de maneira responsável, é melhor que não leve a mediunidade adiante. Há outras maneiras de ajudar as pessoas sem ser pelo trabalho mediúnico, e ser médium "na marra" só porque viu uma alma do outro mundo é se expor a riscos e equívocos de consequências que podem ser muito graves.

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