domingo, 21 de dezembro de 2014
"Médiuns" brasileiros viram dublês de pensadores
O Brasil tem o cacoete de, pelo menos em uma determinada parcela da sociedade, recorrer aos ditos "médiuns espíritas" para colher frases e respostas, como se eles tivessem respostas prontas para tudo. Mas não têm.
O "médium" brasileiro virou uma espécie de aberração. Ele não é médium porque deixou de ser intermediário entre as almas do além e nós aqui na vida corpórea. Virou o astro principal dos espetáculos "espíritas", a ponto das pessoas pouco verificarem se as mensagens espirituais são dos supostos falecidos ou não.
Para piorar, os "médiuns" tornaram-se dublês de pensadores. Na falta de grandes pensadores que pudessem unir inteligência, relevância de ideias, popularidade, alta reputação e visibilidade, vai como o ditado: "quem não tem cão, caça com gato". Quem não tem filósofo, caça com anti-médium.
As pessoas veem em Chico Xavier e Divaldo Franco arremedos de filosofia que, na verdade, é uma filosofia barata, um pedantismo e uma pretensa erudição em que às vezes aparecem até ideias interessantes ou de relativa coerência, mas mesmo assim nada que pudesse garantir confiabilidade plena a esses anti-médiuns.
Nas mídias sociais, sobretudo Facebook, é comum pessoas produzirem "memes" - arquivos de imagem dotados de alguma mensagem - usando frases de Chico Xavier, enquanto que, no caso de Divaldo Franco, as pessoas consultam ele como se ele fosse a personificação do subconsciente de qualquer um.
Que as pessoas estão buscando respostas para a vida, em que pese a ojeriza de muita gente com a leitura regular de livros, isso é verdade. Mas ela ocorre de maneira equivocada, recorrendo a pessoas que não são confiáveis para trazer respostas seguras para o cotidiano.
No "espiritismo" que glamouriza o sofrimento humano, as pessoas caem facilmente naquilo que Allan Kardec chama de "fascinação", uma armadilha que atinge os anti-médiuns, que preferem o religiosismo puro, igrejista, ritualístico e dogmático, além da habilidosa articulação harmoniosa das palavras, em detrimento de uma visão de mundo duvidosa e de um desenvolvimento moral irregular.
Descreve Allan Kardec em O Livro dos Médiuns, na tradução de José Herculano Pires publicada pela LAKE e que, das traduções em língua portuguesa, é a única que respeita o texto original do professor lionês, a respeito da fascinação, na questão 239:
"A fascinação tem conseqüências muito mais graves. Trata-se de uma ilusão criada diretamente pelo Espírito no pensamento do médium e que paralisa de certa maneira a sua capacidade de julgar as comunicações. O médium fascinado não se considera enganado. O Espírito consegue inspirar-lhe uma confiança cega, impedindo-o de ver a mistificação e de compreender o absurdo do que escreve, mesmo quando este salta aos olhos de todos. A ilusão pode chegar a ponto de levá-lo a considerar sublime a linguagem mais ridícula. Enganam-se os que pensam que esse tipo de obsessão só pode atingir as pessoas simples, ignorantes e desprovidas de senso. Os homens mais atilados, mais instruídos e inteligentes noutro sentido, não estão mais livres dessa ilusão, o que prova tratar-se de uma aberração produzida por uma causa estranha, cuja influência os subjuga".
A fascinação primeiro faz os supostos médiuns - na verdade dotados de uma limitadíssima mediunidade - se renderem a espíritos traiçoeiros que se utilizam de um discurso "amoroso" e evocam o religiosismo que remete à origem católica desses ditos médiuns.
Depois, porém, são os ditos "espíritas", ou os simpatizantes "independentes" - que não se dizem "espíritas" mas veem filmes como Nosso Lar e Chico Xavier quando aparecem na Rede Globo, por exemplo - , que se rendem à fascinação desses anti-médiuns de vozes melífluas e oratória dócil, de palavras bem arrumadas que apresentam ideias nem sempre de total confiabilidade.
Esses anti-médiuns acabam, contagiados com os espíritos traiçoeiros - que se autoproclamam "mestres" e, por intermédio de seus "médiuns" pupilos, divulgam severo moralismo religioso em livros de "teoria espírita" - , tornando-se à altura deles, virando espíritos de oitava classe, como alerta Kardec na questão 104 do mesmo O Livro dos Médiuns:
"Oitava classe. Espíritos Pseudo-Sábios - Seus conhecimentos são bastante amplos, mas julgam saber mais do que realmente sabem Tendo realizado alguns progressos em diversos sentidos, sua linguagem tem um caráter sério, que pode iludir quanto à sua capacidade e às suas luzes. Mas isso freqüentemente, não é mais do que um reflexo dos preconceitos e das idéias sistemáticas que tiveram na vida terrena. Sua linguagem é uma mistura de algumas verdades com os erros mais absurdos, entre os quais repontam a presunção, o orgulho, a inveja e a teimosia, de que não puderam despir-se".
O grande problema da sociedade brasileira, sobretudo na sua parcela de "espiritualistas", é essa carência de mensagens filosóficas que os faz buscarem respostas em livros "espíritas" de valor duvidoso ou em lições "professorais" de anti-médiuns de fala articulada e ideias igualmente duvidosas, sem saber de riscos de caírem no ridículo.
É o caso de muitas mulheres solteiras, de vida independente, que nas mídias sociais adoram publicar frases de Chico Xavier ou mesmo as que ele divulga através do espírito Emmanuel. Desconhecem elas dos perfis conservadores do anti-médium e seu "orientador", sobretudo deste, espírito de um jesuíta que expressa ideias machistas e reacionárias, mesmo num discurso doce feito mel.
Há uma falta de leitura de autores realmente relevantes, de ideias realmente confiáveis. O baixo hábito de leitura dos brasileiros encontra no "movimento espírita" um gancho para que ele crie verdadeiras armadilhas conceituais, travestindo seu moralismo religioso retrógrado a uma pretensa auto-ajuda falsamente filosófica de palavras que parecem encantadoras.
Em vez de leituras relevantes - ainda que laicas e sem o habitual tom sentimentalista que tranquiliza os leitores - , as pessoas se rendem a esse religiosismo fácil, falsamente filosófico, que só serve para atender à preguiça de autocríticas e esforços pessoais, já que as pessoas preferem o fascínio das palavras dóceis e bem arrumadas, do que lutar para melhorias reais em suas vidas.
E assim o Espiritismo é desviado por um religiosismo pseudo-filosófico, por uma pretensa erudição verborrágica, que impede os verdadeiros debates espíritas e as verdadeiras análises da vida espiritual. Em vez disso, o que se tem é apenas um desfile de palavras bonitas, que acobertam desde fraudes mediúnicas até dogmas de carregado moralismo religioso.
Com isso, os espíritos do além continuam sendo impedidos de se manifestarem e os estudiosos verdadeiros da vida espiritual não encontram contexto favorável para investir fundo em suas pesquisas.
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