terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Texto "Não Censures", de Emmanuel, apela para mesma retórica da ditadura militar

SOB O COMANDO DO GENERAL CASTELO BRANCO, A DITADURA MILITAR NO COMEÇO SE AUTOPROCLAMAVA UMA "DEMOCRACIA".

A Federação "Espírita" Brasileira apoiou a golpe militar de 1964, conforme registrou com certa sutileza o historiador fluminense Jorge Ferreira. Por sua vez, o próprio Francisco Cândido Xavier, em entrevista ao programa Pinga-Fogo (TV Tupi de São Paulo), em 1971, defendeu a ditadura militar alegando que ela estaria preparando o "reino de amor" que seria o Brasil no futuro.

A vocação conservadora do "movimento espírita" brasileiro diz muito quanto ao apoio que havia dado á ditadura militar, até mesmo quando tenta fazer a inversão discursiva, tão famosa pelos generais que diziam fazer uma coisa e faziam justamente o contrário.

A ditadura militar foi conhecida pelo fato de que, antes de adotar o AI-5 (o quinto ato institucional que tornou rígida a repressão), tentava dar a falsa impressão de se tratar de um governo democrático. Apesar de já haver tortura e rígida repressão em 1964, os generais procuravam dar um aparato que justificasse o caráter "democrata" do que definiam ser "revolução".

O artigo "Não Censures", de Emmanuel, é, na verdade, mais um desses discursos invertidos. Diz-se o "sim" quando se menciona "não", desde que mude o foco, seja de contexto, seja de sujeito. Sabemos que o artigo, apesar de lançado no livro Rumo Certo, de 1971, um dos piores "anos do chumbo" de sua trajetória de 21 anos, nem de longe é um manifesto contra a ditadura.

Evidentemente, não é contra os generais. Afinal, Emmanuel é tão autoritário quanto os militares da repressão, porque seu texto não se dirige aos oficiais das Forças Armadas nem aos agentes da repressão em geral. "Não Censures" se dirige ao cidadão comum, o que traz uma mensagem subliminar: "Não Protestes".

Desconstruindo o discurso de Emmanuel, nota-se que ele justamente pretende calar os protestos contra os abusos da vida humana, principalmente em relação aos próprios erros do "movimento espírita". Nessa época, 1971, Chico Xavier quase foi incriminado junto com Otília Diogo, nas denúncias, no ano anterior, das fraudes de materialização.

Houve um jeitinho para livrar Chico Xavier da escandalosa denúncia, apesar das fotos hoje conhecidas mostrarem que o anti-médium mineiro apoiou claramente as fraudes, conversando e rindo com seus responsáveis nos bastidores, como se já estivesse por dentro de toda a armação.

O contexto ao mesmo tempo conservador e impune - Chico foi tido como "vítima" no caso de Otília Diogo, a falsa "irmã Josefa" - fez com que Emmanuel investisse nesse texto, nem de longe libertário e falsamente humanista, com uma mensagem carregada de pieguice e apelos moralistas.

Emmanuel, em outras oportunidades, dizia para as pessoas não criticarem, apenas "orarem e amarem". Pedindo para "não censurarmos", na verdade ele queria que nós não questionássemos nem investigássemos, nem protestássemos sequer, contra os abusos do "movimento espírita".

Em contrapartida, quando ele pedia que "retifiquemos amando", um apelo completamente estúpido e sem pé nem cabeça, ele na verdade apelava para o conformismo e para a zona de conforto de preces prontas e orações passivas diante das adversidades e absurdos da vida.

Se Emmanuel pedia "paciência" para as dificuldades da vida, o que ele pedia mesmo é que nós aguentemos tudo que "aí está", sem reclamar, sem protestar nem questionar. E, se juntarmos este apelo com a intolerância de Joana de Angelis - que não suporta ver gente chorando - , temos que ser ao mesmo tempo masoquistas e conformistas, de preferência ao extremo.

E o que isso traz de lição? Lições negativas, evidentemente. Pois se tudo ocorre de errado em nossas vidas e temos que aguentar tudo "com amor", segundo Emmanuel, e "com alegria", segundo Joana de Angelis, então dá para perceber o quanto os dois se afinavam com os interesses dos milicos que comandaram o regime militar.

Pois os generais agiam assim. Queriam que a gente aguentasse seu arbítrio, suas decisões absurdas, seus malefícios, calados, sem protestar, sem reclamar nem questionar. O "Não Censures" de Emmanuel, portanto, é apenas um complemento dócil para o AI-5, além do texto "espírita" ir completamente contra as ideias progressistas do mestre Allan Kardec.

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