segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

John Lennon e o mito "espírita" dos "reajustes espirituais"


O moralismo "espírita" parece muito simplório. Sua visão consiste puramente em condenar vítimas de tragédias e minimizar a culpa dos algozes, vistos como "agentes" de "resgates" ou "reajustes espirituais", mito definido como um "acerto de contas" que o "movimento espírita" herdou dos ideais de Jean-Baptiste Roustaing e do Catolicismo medieval português.

Há 34 anos, John Winston Lennon, músico inglês que havia sido um dos fundadores dos Beatles, havia sido morto com dois tiros diante de sua mansão em Nova York, nos EUA, onde vivia há vários anos. Chegou a ser socorrido com vida, mas não resistiu aos ferimentos. Ele mal tinha completado 40 anos dois meses antes, em 09 de outubro.

Lennon era um dos músicos mais polêmicos e prestigiados do rock mundial, evidentemente por conta da famosa banda de Liverpool na qual tocou ao lado de Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr. Paul e George haviam sido colegas de Lennon no embrião dos Beatles, The Quarrymen, surgido em 1957, e nos Silver Beatles, quando o baterista era Pete Best (houve ainda uma fase, antes, em que o baixista era Tommy Moore e Paul fazia a terceira guitarra).

John, como membro dos Beatles, popularizou o Mersey Beat, sonoridade do rock britânico que se aproximava do skiffle, espécie de tradução juvenil do folk irlandês em que se juntavam violões e guitarras elétricas, optando entre o contrabaixo acústico e o elétrico e acrescentando a eles instrumentos inusitados como um tanque de lavar roupa transformado em percussão.

Os Beatles impulsionaram toda uma grande geração de músicos de rock, e, de 1964 a 1970, impulsionou desde o rock básico de garagem até as bandas progressivas, fazendo com que milhares de bandas de rock fossem formadas no mundo inteiro, diversificando sua linguagem e expressão musical.

MARK CHAPMAN DEVIA AGRADECER AOS CARCEREIROS

O estranho jovem Mark Chapman matou John Lennon se dizendo influenciado por uma obra literária, O Apanhador no Campo de Centeio (The Catcher in the Rye), de J. D. Salinger, assim como Charles Manson havia cometido sua chacina em 1969 com sua "Família Manson" inspirado por uma música dos Beatles, "Helter Skelter".

Mas Mark alegava também que "não confiava" em Lennon e disse que atirou nele por achá-lo hipócrita. Condenado à prisão perpétua, ele busca, nos últimos anos, obter liberdade condicional, fracassando em diversas tentativas. Sem saber, Chapman tem na prisão perpétua um benefício.

Afinal, a exemplo do próprio Manson, a prisão perpétua prolongou a vida deles. Pelos seus contextos de vida, os dois, se tivessem saído da cadeia, como se prevê, por exemplo, nas leis brasileiras para homicidas, os dois há muito tempo teriam falecido, sendo apenas figuras lendárias eternizadas por obituários registrados até no Wikipedia.

Charles Manson tinha uma vida "rock'n'roll", no sentido do moralismo mais conservador. Se nós vemos roqueiros morrendo por volta de 67, 71 anos, isso quando não morrem mais cedo, Manson só chegou aos 80 anos porque permaneceu preso e longe de sua vida em excessos.

Se Manson tivesse sido condenado por leis brasileiras, 30 anos de detenção, portanto, com prescrição da pena para 1999 e liberdade condicional obtida em 1974, Manson já teria falecido entre 1987 e 1997, devido ao seu estilo de drogas, bebedeira, cigarro etc.

Já Chapman não percebe - como o moralismo "espírita" não percebe que homicidas também são vulneráveis às suas respectivas tragédias, já que matam e morrem por conta de seus pontos fracos, suas fraquezas pessoais e vícios que lhes castigam o organismo - o quanto ele deve agradecer aos carcereiros por manterem ele vivo dentro da cela.

Afinal, pelo carisma que os Beatles possuem no mundo inteiro, pelas emoções intensas que causam em seus fãs e por sua projeção mundial que atravessa décadas, se Mark Chapman tivesse ganho liberdade condicional, ele não demoraria para ser morto por algum fã dos Beatles, em circunstâncias ironicamente semelhantes às da morte de Lennon.

Se, por exemplo, Chapman tivesse sido condenado pelo padrão das leis brasileiras, com pena que prescreve em dezembro de 2010 e liberdade condicional obtida no final de 1985, Chapman também teria sido morto entre 1986 e algum ano da década de 1990, talvez na primeira metade.

NÃO EXISTEM "JUSTICEIROS DO ALÉM"

O moralismo "espírita" tenta minimizar a culpabilidade dos homicidas tratando eles como "justiceiros do além", meros "agentes" de "reajustes espirituais", fazendo "acertos de contas" de espíritos "em provação".

Os "espíritas" da linha da FEB, numa clara herança a Jean-Baptiste Roustaing e do jesuitismo brasileiro - ambos apostando na figura do homicida como um "higienizador social" - , além de evocar antigas sentenças do Império Romano (como se nota no caso de Jesus Cristo, por exemplo), até admitem que o homicida contrai alguma "culpa" pelo seu ato.

No entanto, o "espiritismo" brasileiro aposta numa espécie de "fiado moral" às pessoas de baixo nível evolutivo e o homicídio, ato de trogloditismo social ainda remanescente em nossos dias, é visto como uma atitude cujos efeitos mais danosos só seriam vividos pelo seu praticante uma ou duas encarnações depois.

Segundo essa tese, na encarnação presente do ato homicida, seu praticante apenas sofre, quando muito, danos sociais que, mesmo dramáticos, como o fato de não poder mais participar de um reencontro de seus antigos colegas de escola, não oferecem ameaça à sua tranquilidade cotidiana.

Pelo contrário, o homicida sob esta ótica e, se depender das leis brasileiras, pode até viajar ao exterior e gozar até mesmo de privilégios sociais - como ser empresário e conquistar belas namoradas - , vivendo praticamente como se não tivesse cometido crime algum, apesar dos danos irreparáveis que ele havia causado aos familiares e entes de suas vítimas.

Para o "espiritismo", as vítimas é que são as culpadas e elas é que, com suas tragédias, que interrompem projetos de vida não facilmente planejados, "pagam antigas dívidas" supostamente contraídas em outras encarnações.

Fora, no entanto, desse devaneio moralista, herdado do Império Romano, do Catolicismo medieval e do roustanguismo, o homicida não só é muito mais culpado que o suicida (que, com todo o equívoco e gravidade de seu ato, tem como atenuante o seu livre-arbítrio, enquanto o homicida atua em função de seu egoísmo contra o outro) como também ele tem seu alto grau de vulnerabilidade.

O homicida, muitas vezes, mata em função de algum excesso pessoal, como drogas e álcool, ou em função de algum interesse que julga estar ameaçado. Desafiando normas de convívio social e afrontando projetos de vida e o sossego cotidiano, o homicida desperta revoltas, que não raro abalam sua saúde psicológica que pode afetar até mesmo um organismo razoavelmente saudável.

Isso por causa das pressões emocionais profundas e intensas, em diversos aspectos. Mesmo um homicida saudável não pode ver qualquer canal de TV, porque só um documentário sobre seu crime, ou o fato de encontrar um parente de sua vítima numa viagem coincidente a um lugar distante, podem lhe causar um infarto fulminante. O fator surpresa pode lhe causar um choque forte demais, diante do contexto dos prejuízos causados pelo ato criminoso.

Daí que a pessoa que tira a vida de outrem cria sua própria tragédia, pelos efeitos e pressões emocionais que causa. E, no caso de Mark Chapman (e Charles Manson, à sua maneira) foram beneficiados pelo sossego, ainda que tedioso e improdutivo, da vida carcerária, protegidos das pressões emocionais que, fora das grades, os teriam matado há muito tempo.

Talvez, no lugar da liberdade condicional, Chapman deveria ter pedido algum trabalho útil e um hobby para se distrair na prisão. Seria muito melhor.

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