segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Panfletarismo religioso agora envolve vítimas da tragédia da boate Kiss


Quando imaginávamos que o oportunismo espiritólico parou a um certo ponto, eis que surgem novos casos, como o estranho livro Nossa Nova Caminhada, livro financiado por familiares das 242 vítimas do incêndio que destruiu a Boate Kiss, em Santa Maria (RS), em 27 de janeiro de 2013.

A publicação contém mensagens atribuídas a algumas dessas vítimas, aparentemente colhidas por quatro médiuns, três de Uberaba (cidade que Chico Xavier escolheu para viver, depois de excomungado pela paróquia de Pedro Leopoldo, também no interior mineiro), entre eles o ex-dirigente da FEB, Carlos Bacceli, e um do interior de São Paulo.

As mensagens chamam a atenção pelo panfletarismo religioso que sempre carrega nas supostas mensagens de mortos trazidas pelos supostos médiuns. Embora veja que vários dos mortos tenham tido a sua religiosidade, ela não se manifestaria assim de forma panfletária e nem necessariamente usando de jargões privativamente do "espiritismo" brasileiro, como "paz" e "resgate coletivo".

Tudo parece vir de colônias espirituais, com seu caráter igrejista e seu simulacro de estruturas hospitalares, baseado nos clichês pseudo-científicos que Waldo Vieira, usando o nome de André Luiz, havia descrito em Nosso Lar, co-escrito por Chico Xavier e que antecipava muitos dos conceitos da Conscienciologia e Projeciologia de hoje.

Reproduzimos uma carta, supostamente atribuída ao espírito do jovem Guilherme Pontes Gonçalves, que é dotada de todo esse panfletarismo religioso que, em outros casos, se apropriou até de nomes que variavam de Raul Seixas a Dom Pedro II.

A mensagem, excessivamente formal para um jovem como Guilherme e para o contexto de sua geração, teria sido "recebida" no "lar espírita" Pedro e Paulo, em Uberaba, em 26 de julho de 2014, por Carlos Bacceli, antigo dirigente da Federação "Espírita" Brasileira, hoje trabalhando como um espiritólico "dissidente". Vamos a ela:

"Querida mamãe Mariângela e papai Ricardo, o senhor seja louvado.

Estou aqui em companhia da Stefani e da querida vovó Quirina.

Não vamos mais pensar no incêndio que nos vitimou em Santa Maria, no que nos sucedeu, como mais uma demonstração de Misericórdia Divina que dilui a dor que era nossa em 242 partes exatamente iguais... Felizmente não era nossa em 242 partes examente iguais... Felizmente não pudemos e, ainda não podemos chorar como se aquele sofrimento fosse apenas nosso.

Acredito, mamãe e papai, que muitas tem sido as manifestações espirituais em torno da tragédia que precisamos tentar minimizar em nossas lembranças.

Contudo, de minha parte compreendo que, no último quartel do século passado, mais de duas centenas de espíritos, desejosos de adentrar o Terceiro Milênio da Era Cristã sem maiores comprometimentos cósmicos reuniram-se no Mundo Espiritual e decidiram pelo resgate coletivo das faltas cometidas em séculos anteriores.

Claro que referidos compromissos não dizem respeito tão somente a nós outros, visto que, em maioria, aqueles que nos acolhiam na condição de filhos igualmente se encontravam comprometidos perante as Leis Divinas, que nos compelem as quitações de nosso débitos para com a consciência ceitil.

Em vidas que se foram, mamãe e papai, não raro, nos transformamos em incendiários e não foram poucos os filhos que, em nossas atitudes de violência, apartamos dos braços carinhosos de seus genitores.

Aqui nesta manhã, em nossa companhia orando conosco estão os irmãos Marcelo e Pedro, além de outros, com o nosso irmão Pedro me solicitando dizar aos pais Marcia e Marcelo, que, a semelhança do irmão Marcelo, ele se encontra muito bem, esclarecendo que ainda não escreveu a eles por absoluta falta de oportunidade.

Não se preocupem. Em maioria estamos todos bem, porque a escolha efetuada por nós foi uma escolha consciente, porque conforme lhes disse, anelávamos adentrar o Terceiro Milênio que começa com novas e mais amplas perspectivas de avanço espiritual.

Realmente ninguém deve ser considerado culpado pelo que nos sucedeu. Que o episódio naquela casa de espetáculos, em Santa Maria, simplesmente nos sirva de advertência para que sejamos mais cuidadosos, sobretudo, no respeito que nos cabe aos nossos semelhantes.

Não posso continuar. O meu tempo já se esgotou e preciso ceder lugar e vez a outro comunicante.

Com meu amor a vocês dois, mamãe e papai, sou o filho que não os esquece e que, em nome de dezenas de outros filhos desencarnados na mesma tragédia, agradecem tudo que vocês dois vem fazendo para confortar aos seus pais.

Com meu carinho e da Stefani, que já escreveu aos seus familiares, sou o filho sempre agradecido."


GUILHERME PONTES GONÇALVES (sic)

A mensagem é carregada dos mesmos elementos que se nota nas demais mensagens "espirituais": a consciência do sofrimento, o julgamento moralista, a devoção religiosa e o sentimentalismo piegas, sem acrescentar algo que esclareça o que realmente é a vida espiritual. Pelo contrário, a mensagem reforça, mais uma vez, a falsa impressão de que o "além" é sempre uma igreja "espírita".

ASSINATURA "BORRADA" DO NOME "STÉFANI" INDICA POSSÍVEL FRAUDE.

POSSIBILIDADE DE FRAUDE

O que chama atenção é que a imagem de uma dessas cartas, reproduzida pelo portal G1, atribuída ao espírito de Stéfani Posser Simeoni, outra vítima do incêndio e namorada de Guilherme, é que a assinatura parece "hesitante", dando um forte indício de fraude, não muito difícil de ser constatada.

Na primeira vez que o prenome "Stéfani" é escrito, aparece um "p" depois rasurado com um "t", enquanto o referido nome é reescrito abaixo junto ao sobrenome, com um "s" escrito de forma "nervosa" (é só ver a "cauda" da letra, na segunda grafia do nome).

Tal assinatura sugere alguns questionamentos. Se considerarmos que Stéfani escreveu o prenome de forma nervosa e o reescreveu em seguida, por que os espíritos das vítimas da tragédia, quase dois anos após o ocorrido, afirmam estar melhorando e, portanto, apresentarem calma, se continuam assinando de maneira nervosa e hesitante?

Afinal, o evento, se considerarmos uma suposta veracidade, seria de muita responsabilidade para que um espírito assine um prenome de forma errada ou hesitante e depois reescreva a assinatura para "acertar" logo abaixo.

A suposta Stéfani parece ensaiar um "Sp", na primeira assinatura de seu prenome. Suponhamos que Stéfani tenha ficado calma, a essas alturas acostumada com sua condição de espírito desencarnado, e trazido a tal "mensagem linda" que sua mãe havia afirmado ter lido.

Que mensagem tranquilizadora é essa com uma assinatura nervosa e hesitante é algo que não dá para entender, na hipótese de veracidade? Que moça é essa que, tendo a essas alturas sido consolada e tranquilizada pelos entes do além, é capaz de "hesitar" em uma assinatura, errando na primeira vez que escreve seu próprio prenome? Uma moça calma assinando de forma nervosa?

Afinal, a tranquila e tranquilizadora Stéfani não seria capaz de tamanha gafe, escrevendo nervosamente o prenome, ameaçando desenhar um "Sp" e rasurá-lo para ficar "St" (como seria certo, devido ao seu prenome) e depois reescrevê-lo abaixo.

Além disso, o prenome reescrito tem a causa do "s" escrita de maneira hesitante, como se ela fizesse primeiro um traço, como alguém que têm a mão que escreve trêmula, e depois completasse o desenho da letra e seguisse com a grafia do nome.

Daí a probabilidade de fraude, tendo sido a carta escrita por um dos "médiuns" que errou na assinatura do prenome e, tendo rasurado, o reescreveu, desta vez assinando também usando o sobrenome da moça.

E OS DETALHES ÍNTIMOS?

Até que ponto a exposição de detalhes íntimos pode sugerir veracidade numa suposta mensagem espiritual? Alguns parentes de vítimas "identificaram" supostos aspectos pessoais que os ditos médiuns aparentemente seriam "incapazes" de conhecer, mas ninguém detalhou que aspectos são esses. Sem verificar, a reportagem aceitou tudo e levou adiante.

Sabemos que uma mensagem falsa procura sempre apresentar algum aspecto verdadeiro, como as notas de dinheiro falsas que agora procuram reproduzir até a marca d'água do modelo original. O falso tem a intenção de parecer verdadeiro e, até certo ponto, busca obter o maior número de semelhanças disponíveis.

Será que os ditos médiuns não pesquisaram alguma coisa sobre os mortos dos quais querem se apropriar? As supostas mensagens mediúnicas exigem pesquisa documental, mas os ditos médiuns fazem questão de se autoproclamarem "leigos" e "ignorantes" quanto aos falecidos que usam em supostas mensagens espirituais.

Aí é preciso algum jogo de cintura. Nelson Moraes foi menos sutil, porque quando ele se apropriou de Raul Seixas, ele se baseou na imagem que o Fantástico da Rede Globo e a revista Contigo, entre outros veículos pouco especializados, trabalhavam sobre o roqueiro baiano.

Já Woyne Figner Sacchetin, quando se apropriou do espírito do ex-presidente Juscelino Kubitschek, teve que ler muito as edições da revista Manchete, onde aparecem textos e depoimentos do médico mineiro que comandou, como chefe do Executivo federal, a construção de Brasília, para imitar o seu estilo de dizer. Woyne teve que imitar até mesmo o estilo de Augusto Frederico Schmidt dos textos que este escrevia para os discursos do então presidente.

Claro que detalhes pequenos, como o, por exemplo, da falecida filha que brincava de vida conjugal dos bonecos da Barbie e do Falcon - que ela tomou de seu irmão que hoje segue vivo - e dava a este boneco o grito de guerra "Vai-te logo, Sartori" e isso é de conhecimento de umas duas tias, elas irão falar para o dito médium ou para o repórter observado por este "espírita".

Esses detalhes podem ser vazados por informações colhidas em escolas, casas de parentes ou mesmo de reportagens antigas. Ou podem coincidir com coisas bastante comuns e triviais. Se, por exemplo, o saudoso filho de alguém cantarolava no banho "Sweet Child O'Mine" com falsete de soprano, não é um diferencial rigoroso, o "médium" pode saber isso de terceiros ou dar seu palpite.

Portanto, são coisas muito, muito estranhas. E, o que é pior, os parentes das vítimas acabam financiando a própria enganação. O "espiritismo" brasileiro tem essa habilidade de tirar, sobretudo de gente idosa, um pouco da puerilidade infantil, em que "palavras de amor" se sobressaem aos traços de personalidade que só são parcialmente relembrados.

Nada tem de científico, tudo tem de sentimentalista, e é engraçado que certos "críticos" do "espiritismo da FEB" exijam de nós algum embasamento científico, mas não exigem quando se tratam de supostas atividades do "movimento espírita". Acabam sendo seduzidos pela retórica "amorosa" de "paz e caridade" comum a esta seita.

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